27/03/2019

COBRANÇA DE CONSULTA JURÍDICA: PRECISO COBRAR?

Meus Amigos,
Neste vídeo tratei sobre a cobrança de consulta jurídica.
Não é tema polêmico, mas sim, argumentos para a cobrança de consulta por advogado.
Assistam ao vídeo:

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21/03/2019

Os Princípios do Direito Penal - Parte 1




          Ao traçarmos valores pertencentes da ciência jurídica, via de consequência, deveremos observar os elementos que inspiram o despertar da criação, inclusive a manifestação do sistema jurídico num todo.
          Este espírito conservativo dos princípios sustentam valores  que, precisam ser ponderados em determinado caso concreto, pois, não podemos olvidar as lições da Konrad Hesse in “A Força Normativa da Constituição” ao afirmar, em síntese, o juiz pode absolver o reu com apenas aplicação de um princípio.
          Desta forma, princípios e regras jurídicas estão sempre numa linha reta, em pé de igualdade a título de aplicabilidade, entretanto, uma regra jurídica não pode entrar em conflito com os princípios jurídicos, assim como, os princípios não podem violar aos ditames normativos, mas, para nós, a importância dos princípios revestem-se de aspectos axiomáticos capazes, inclusive de sobrepor as normas jurídicas. Um exemplo: o legislativo cria uma lei penal sem observar os princípios da razoabilidade, ofensividade, culpabilidade e um dos mais importantes, o princípio da humanização das penas, previsto constitucionalmente.
          Denota-se que as origens dos princípios são evocada de normas jurídicas como fonte, ainda que forma abstrata, como o princípio da dignidade da pessoa humana, tendo um teor regado de subjetivismos, podendo ser aplicado em diversas situações, como a proibição de pena de caráter perpetuo[1], limitação do Estado, seguindo o (sub) princípio da intervenção mínima no crime de dano[2], ou mesmo situações em que, com base ao princípio da dignidade da pessoa humana, concedeu o direito de reclusas gestantes e mães de filhos com até doze anos presas preventivamente[3]. Na prática, são diversos casos, no entanto, assim como qualquer outra técnica, os princípios exigem-se bases axiológicas fortemente firmadas, sendo capazes de trazer uma melhor segurança racional ao julgador, se decidir ou não aplicar ao princípio da dignidade da pessoa humana, a fim de se evitar o excesso, a demasia e o engessamento principiológico.
          Assim, dentro das espécies dos princípios jurídicos da ciência penal, conforme já tratamos, podemos completar que o princípio da intervenção mínima ou Direito Penal Mínimo, está diretamente relacionada com a atuação Estatal, ao passo que, somente o Estado poderá utilizar-se das regras jurídico-penais quando outras áreas foram insuficientes devendo ser aplicadas “ultima ratio”.
          O princípio da proteção exclusiva dos bens jurídicos revestem-se de valores socialmente amparados pela norma penal, devendo protegê-los de forma integra, conforme os ditames previstos constitucionalmente. Citamos, como bens jurídicos que deverão ser protegidos, como o direito à vida, a honra, a liberdade, a imagem, a dignidade sexual, a saúde publica, a administração da justiça, etc.
          Note-se que, este princípio é relativizado com base no princípio da dignidade da pessoa humana em determinado caso concreto, devendo o julgador analisar se realmente houve a lesão real e efetiva ao bem juridicamente tutelado para a norma jurídico-penal. Citamos por exemplo, o caso de se evitar a supressão da liberdade do réu, acusado de tráfico de drogas, mas, o STJ imputou juízo de valor entendendo que, por ser pouca quantidade de entorpecentes, coube por conceder a ordem de Habeas Corpus[4].
Assim, o valor e o desvalor são como uma balança, um argumento pende para um lado, em favor do Estado, outro, em favor do acusado. Talvez o princípio da fragmentariedade possa solucionar este equilíbrio, sendo que, neste princípio, as normas penais deverá tutelar todos os bens jurídicos mais relevantes para a sociedade, somente em relação aos ataques mais intoleráveis. Interessante lição de Prado[5]: “um arquipélago de penas ilhas no grande mar do penalmente indiferente. Isto quer dizer que o direito penal só se refere a uma pequena parte do sancionado pelo ordenamento jurídico, sua tutela se apresenta de maneira fragmentada, dividida ou fracionada”.
Ao que parece, os princípios acabam irrigando outros princípios, pois o princípio da insignificância ou da criminalidade de bagatela, surgiu em contrapartida do princípio da fragmentariedade.
A origem histórica está no brocardo romano: “minimis non curat praetor”, ou seja, os juízes não devem se ocupar de assuntos irrelevantes.
Posteriormente, o jurista Alemão Claus Roxin é o principal responsável pela incorporação deste princípio. Para este autor, o bem jurídico é atingido por uma conduta, entretanto não é atingido de forma relevante. Neste ponto, temos: a conduta, existente de tipicidade formal, mas inexistente de tipicidade material.
Entre nós, a jurisprudência compreende que este princípio deve ser interpretado de forma restrita, devendo limitar-se conforme a incidência concreta. De certo, este ponto de vista reserva numa axioma relevantíssimo, sendo que, o princípio da insignificância como causa de exclusão da tipicidade, possuindo um peso crucial a determinado caso concreto, portanto, havendo uma conduta, mas ausente a tipicidade material, logo, torna-se fato atípico, não sendo considerado como crime.
Para vislumbrarmos ainda mais este importante princípio, podemos afirmar que o reconhecimento deste pode trancar um inquérito policial e um processo em andamento, devido a ausência de justa causa.
          O Supremo Tribunal Federal traçou requisitos ou pressupostos cumulativos para a aplicação do princípio da insignificância[6], como:
          Requisitos Objetivos:
1.    Mínima ofensividade da conduta;
2.    Ausência de periculosidade social da ação;
3.    Reduzido grau de reprovabilidade do comportamento;
4.    Inexpressividade da lesão jurídica.
Requisitos Subjetivos:
1.    Condições pessoais do agente;
2.    Condições pessoais da vítima;
3.    Atenção voltada para ambas as partes num todo.

Ainda, devemos destacar alguns pontos importantes que precisam ser analisados. Se o réu for reincidente, é cabível a aplicação do princípio da insignificância, desde que não seja reincidente específico. Exemplo que é muito propalado pela mídia: sujeito que, por diversas vezes é preso em flagrante furtando produtos em um supermercado. Apesar, o bem jurídico possa ser insignificante, não quer dizer que não seja aplicada a lei penal, pois, para a jurisprudência entende ser inviável por possuir maior reprovabilidade da conduta, sendo considerado criminoso habitual[7]. É o mais conhecido como criminoso habitual.
Por fim, relatividade na aplicação do referido princípio está relacionado exclusivamente com a extensão ao bem jurídico e se existe ou não valor sentimental do bem, portanto, a imensurabilidade do bem.
Noutro princípio consideravelmente relevante diz respeito denominado princípio-fato, ou seja, o tipo penal deverá definir de modo claro e objetivo os fatos, sendo proibido punir alguém por seu esteriótipo, tendo em vista que, há outro princípio umbilicalmente ligado a este, o princípio da responsabilidade subjetiva.
          Interessante acompanharmos que, numa fase da humanidade, puniam-se as pessoas e não fatos. A origem marcante foi a Escola de Kiel, ligada ao nazismo, punindo judeus.
          Posteriormente, temos um dos mais famosos criadores da escola do Direito Penal do Inimigo, promovido pelo jurista alemão Gunter Jakobs, que tem por característica punir infrator da norma penal, sendo considerado o principal inimigo do Estado. Esta teoria foi empregada pelo presidente americano George Bush, ao considerar potencialmente inimigo do Estado terroristas e o islamismo extremista.
          Quanto ao princípio da responsabilidade penal subjetiva, diz respeito que, nenhum resultado penalmente relevante poderá ser atribuído a quem não tenha produzido, seja por dolo ou culpa. Para a maior parte de doutrina nacional, o crime é fato típico, lícito e culpável, sendo a conduta podendo ser dolosa (vontade livre e consciente para almejar um resultado) ou culposa (proveniente de imprudência, negligência e imperícia). Assim, fato sem a conduta poderá ser considerada conduta atípica, logo, não é crime.
          Aproveitando quanto ao princípio anterior, podemos também compreender quanto à existência do princípio da culpabilidade ou imputação pessoal, sendo resumida na seguinte frase: a norma penal não poderá punir um fato praticado por um agente sem critério de culpabilidade, ou seja, ninguém poderá ser punido sem culpa.
          Ao princípio da culpabilidade, trata-se de um juiz do de reprovação, traçado por elementos como imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa. Ausente tais elementos, qualquer deles, o juízo de reprovação não é aplicado e posteriormente, o agente é isento de penalidade.
O referido princípio é implícito perante as normas jurídicas, especificamente em sua origem, pois não está previsto constitucionalmente, mas, isto não significa que possuía um aspecto valorativo irrelevante, ao contrário, por se tratar de um juízo de reprovação e detém valores compostos por elementos, tais como um critério de medição de pena estabelecendo parâmetros pelos quais o magistrado buscará fixar a pena na fase condenatória, devendo seguir aos ditames do artigo 59, do Código Penal.
Também, a responsabilidade subjetiva é relevante ao princípio, pois o sujeito somente será responsabilizado se sua conduta ofensiva for proveniente de dolo ou culpa.
A jurisprudência pátria tem manifestado em relação à fusão do princípio da culpabilidade e o da insignificância em determinado caso concreto, como no caso de crime de descaminho, no qual a conduta precisa ser apurada em relação a cada um dos adquirentes das mercadorias internalizadas, sendo fator determinante a responsabilidade pessoal de cada um dos agentes do delito.[8]


         
         




[1] STJ - HABEAS CORPUS HC 9892 RJ 1999/0054703-9;

[2] TJ-AP - APELAÇÃO APL 00644128820148030001 AP (TJ-AP).

[3] STF - Habeas Corpus (HC 143641)
[4] HABEAS CORPUS HC 430654 SP 2017/0332766-4 (STJ).

[5] PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, 2007, p. 144.
[6] STF. HABEAS CORPUS 118.972/MG; Min. Gilmar Mendes.

[7] STJ - AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL AgRg no AREsp 1090956 DF 2017/0102757-5 (STJ); STJ - AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL AgRg no REsp 1730698 MG 2018/0062519-5 (STJ)
[8] Superior Tribunal de Justiça STJ - HABEAS CORPUS : HC 121264 RS 2008/0256111-9

06/03/2019

NOÇÕES DO CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO E AS MOEDAS VIRTUAIS


                 
O crime de lavagem de dinheiro, sem sombra de dúvidas, é um dos mais comentados nas últimas décadas em nosso País, seja veiculado pela imprensa por meio de jornais, revistas telejornais, nos bancos acadêmicos via congressos, palestras, produção literária, ou mesmo numa simples conversa informal. Mas, afinal, o que é crime de lavagem de dinheiro?

          Certamente, a resposta não precisa ser necessariamente com conceitos jurídicos empregados, mas, de forma mais simples e objetiva, podemos dizer que, se trata de métodos/ações promovidas pelo agente do crime que busca um meio para ‘apagar’ a origem ilícita dos bens, direitos e valores anteriores e, na operação seguinte ‘branqueá-los’ como se lícitos fossem a sua origem.

          Neste sentido, é preciso que já tenha uma origem criminosa dos bens que o agente criminoso deseja que seja posteriormente lícito e, neste ponto, não se distingue se tal crime seja uma infração, como no caso de crimes de trafico de drogas, exploração sexual, corrupção, ou mesmo, no caso de contravenção penal, como exemplo, a exploração de jogos de azar.

          Podemos trazer um exemplo fático recente numa noticia veiculada no sítio eletrônico G1, em 14/02/2019 [1]:

“Polícia busca 40 veículos comercializados por suspeitos de lavagem de dinheiro”
Após três anos de investigação, a polícia Civil deflagrou nesta quinta-feira (14) a operação Pavilhão, decorrente da Operação Pullus, que investiga uma organização criminosa suspeita de tráfico de drogas, agiotagem, lavagem de dinheiro e sonegação fiscal. Um casal foi preso.

Com a notícia acima exposta, realmente traz uma melhor elucidação de ordem prática para este delito, no entanto, é preciso afirmar que os atos configuradores da lavagem de dinheiro dificultam a descoberta e o combate aos crimes antecedentes, mas, salienta-se que a Lei n. 9.613/98, com redação dada pela Lei nº 12.683/12, tipificou as seguintes condutas como criminosas, conforme previsão em seu artigo 1°, in verbis:

Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal.
Pena – reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e multa.
 § 1° Incorre na mesma pena quem, para ocultar o dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de infração penal:
I – Os converte em ativos lícitos;
II – Os adquire, recebe, troca, negocia, dá ou recebe em garantia, guarda, tem em depósito, movimenta ou transfere;
III- Importa ou exporta bens com valores não correspondentes aos verdadeiros.
§ 2° Incorre, ainda, na mesma pena quem:
I – Utiliza, na atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou valores provenientes de infração penal;
II – Participa de grupo, associação ou escritório tendo conhecimento de que sua atividade principal ou secundária é dirigida à prática de crimes previsto nesta Lei.
§ 3º A tentativa é punida nos termos do parágrafo único do art. 14 do Código Penal.
§ 4° A pena será aumentada de um a dois terços, se os crimes definidos nesta Lei forem cometidos de forma reiterada ou por intermédio de organização criminosa.
§ 5° A pena poderá ser reduzida de um a dois terços e ser cumprida em regime aberto ou semiaberto, facultando-se ao juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la, a qualquer tempo, por pena restritiva de direitos, se o autor, coautor ou partícipe colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais, à identificação dos autores, coautores e partícipes, ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime.

Interessante colocarmos as três fases caracterizadoras do crime de lavagem de dinheiro, sejam em quaisquer condutas acima descritas acima pela lei em vigor. Segundo Min. Luiz Fux, manifestado por seu voto na famosa Ação Penal 470, extraímos as fases:

1a Fase: É a colocação de recursos derivados de uma atividade ilegal em mecanismo de dissimulação de sua origem, que pode ser realizado por instituição financeira, casas de cambio, leilões de obras de arte, entre outros negócios aparentemente lícitos.

2a Fase: Decorrente do encobrimento, circulação ou transformação, cujo objetivo é tornar mais difícil a detecção da manobra dissimuladora e o descobrimento de lavagem.

3a Fase: Interação dos recursos a uma economia ondem pareçam legítimos.

Obviamente, é impossível que na prática tenhamos que analisar todas estas fases descritas pelo Min. Luiz Fux, mas, não significa que sejam inservível tais fases, no entanto, a sintetização das condutas previstas no artigo 1° da Lei n. 9.613/98,  por si só, são o suficientes para a aplicação da norma penal.

Interessante, para nós, a questão relacionada ao “contágio” do produto do crime, pois o risco prático é ainda maior diante de ações que exigem muito mais detalhes, como provas em concreto para que a conduta seja considerada criminosa haja vista a existência do dolo, conforme o artigo 18, I, do Código Penal Brasileiro: “doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo”, sendo impossível aplicar modalidade culposa, pois o agente do crime conhecia a origem do bem, não podendo agir com negligência, imprudência ou imperícia.

Para fins de elucidação prática, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu a ilegalidade de condenar uma pessoa por imputação de lavagem de dinheiro na forma culposa, tendo em vista que não estava demonstrada a  consciência e vontade de ocultar ou dissimular a origem ilícita de valores depositados em conta bancária (STJ - AgRg no AREsp 328.229/SP, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, DJe 02/02/2016).

Assim, conforme tratado anteriormente, o dolo como elemento de conduta subjetiva livre e consciente para realização do ato ilícito, devendo estar devidamente caracterizada para que seja considerado crime de lavagem de dinheiro que, alias corroborado com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, na Ação Penal 470.

Não podemos deixar de destacar a questão polêmica do dolo eventual. Conforme lições de Damásio de Jesus (2015: 331), sobre o dolo eventual, o sujeito “antevê o resultado e age, percebendo que é possível causar o resultado, realizando o comportamento. Entre desistir da conduta e causar o resultado, ele opta por não evitar aquela”.

Na senda de tipificação normativa, o nosso Código Penal em seu artigo 18, I, estabelece que o dolo eventual caracteriza-se quando o agende do delito assume o risco de produzir o resultado.

Indaga-se, será mesmo que deveremos aplicar o elemento subjetivo do dolo eventual nos crimes de lavagem de dinheiro?

Nas lições de Paulo José Baltazar Junior (2017: 1096), afirma que:

“Admitir o dolo eventual implica admitir a ocorrência do crime quando o lavador não tem a certeza de que o objeto da lavagem é produto da atividade criminosa, mas assume o risco de que os bens tenham origem criminosa, com base no indicativo dado pelas circunstâncias do fato”.

É importante pensarmos que, o dolo eventual aplicado ao crime ora em estudo, requer uma análise mais acurada na legislação especial ao aplicar da lei, no entanto, a celeuma entre aplicar somente o dolo direto e o eventual, abre-se a possibilidade fática da previsão legal do artigo 18, I, do Código Penal, devido o risco que determinado bem seja de origem criminosa.

Na prática é a famosa Teoria da Cegueira Deliberada (Willful Blindness) ou a Teoria das Instruções do Avestruz, no qual se caracteriza como crime de lavagem de capitais o agente que se omite diante de uma ilicitude evidente com a única finalidade de lucro, deverá responder por dolo eventual. Em terras brasileiras, a referida teoria foi aplicada para condenar o dono de uma concessionária de veículos que vendeu onze carros de valores avultosos recebidos em dinheiro em espécie, sendo que a origem do dinheiro era referente ao roubo de um banco.

Interessante posição, pelo visto pacificada da Egrégia Corte do Superior Tribunal de Justiça ao afirmar que:

Sabe-se que para a aplicação da teoria da cegueira deliberada, deve ficar demonstrado no quadro fático apresentado na lide que o agente finge não perceber determinada situação de ilicitude para, a partir daí, alcançar a vantagem pretendida (STJ - RECURSO ESPECIAL : REsp 1565832 RJ 2015/0282311-7).

Desta forma, para aplicarmos o dolo eventual nos crimes de lavagem de dinheiro, será necessário um plus, ou seja, o agente não perceber quanto a origem ilícita do bem, como no princípio do non olet do direito tributário[2], ignorando a origem, mas, de modo a considerar a obtenção da vantagem econômica final.

Sobre lavagem de dinheiro por meio de moedas virtuais

Feitas as considerações introdutórias sobre o crime de lavagem de dinheiro e suas características indispensáveis para a sua configuração, podemos traçar como algo recente no cenário jurídico no tocante as moedas virtuais, conhecidas por criptomoedas ou bitcoin, apesar de que estas duas últimas, em verdade são espécies da primeira[3].

Numa sociedade de risco e em alto grau de elementos inovadores dinâmicos, as moedas virtuais surgiram no mercado financeiro por iniciativa de particulares como alternativa de circulação de riquezas (assim entendemos desta forma).

A ausência de uma lei especifica no Brasil ou mesmo de um Tratado Internacional que seja  ratificado pelo Estado, gera de certa forma uma insegurança e poderá ensejar num aumento da cyber-lavagem.

Essa possibilidade ainda persiste, ainda que as criptomoedas possuam complexa tecnologia, haja vista que blockchain não possibilita a identificação dos usuários[4] e ainda que precisam ser declaradas perante a Receita Federal do Brasil[5], isto não significa que exista uma fiscalização, pois o Poder Pública estará ainda sem desconhecer a origem dos bens.

Faticamente será um imenso desafio aos Poderes Públicos, sobretudo, ao aspecto investigatório na produção de provas acerca da “lavanderia virtual”, pois a identificação de usuários já possa traçar os indícios de autoria e posteriormente, a materialidade delitiva para que haja a punibilidade do transgressor da norma penal.

Em notícia recente (05/03/2019), já temos um caso intrigante no qual facção criminosa utilizava Bitcoin para lavagem de dinheiro[6] e que na reportagem o policial disse que, de acordo com um especialista consultado pela PM, esse equipamento é “usado para fazer a lavagem do dinheiro do tráfico” e que eles conseguem até “dobrar o valor da noite para o dia” e também que essas máquinas podem girar em torno de “1 milhão a 2 milhões por dia[7]”. Portanto, trata-se de uma realidade a lavanderia virtual.

Quanto em relação à aplicação do dolo eventual é possível inclusive mais próximo de uma identificação do comprador da moeda virtual, como origem o vendedor. Talvez, ao critério de regulamentação normativa seria um cadastramento integro e concentrado por parte do vendedor, no qual terá a obrigatoriedade de apresentar aos órgãos públicos quem são seus compradores de moedas virtuais e um órgão específico fiscalizador poderá inibir as transações eletrônicas.

 Por fim, ainda que tenhamos pouquíssimas discussões dos Tribunais, já sabemos pelo menos que a competência para julgamento de ações penais haja vista que o Superior Tribunal de Justiça manifestou-se:

inexistindo indícios, por ora, da prática de crime de competência federal, o procedimento inquisitivo deve prosseguir na Justiça estadual, a fim de que se investigue a prática de outros ilícitos, inclusive estelionato e crime contra a economia popular” STJ - CONFLITO DE COMPETENCIA : CC 161123 SP 2018/0248430-4.



OBS: CITE A FONTE, RESPEITE OS DIREITOS AUTORAIS!

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[2] A cláusula tributária chamada pecunia non olet ou non olet (não tem cheiro) estabelece que, para o fisco, pouco importa se os rendimentos tributáveis tiveram ou não fonte lícita ou moral.

[3] As chamadas “moedas virtuais” ou “moedas criptográficas” são representações digitais de valor que não são emitidas por Banco Central ou outra autoridade monetária. O seu valor decorre da confiança depositada nas suas regras de funcionamento e na cadeia de participantes. Vale a leitura no sítio eletrônico do Banco Central do Brasil:

[4] Blockchain (também conhecido como “o protocolo da confiança”) é uma tecnologia de registro distribuído que visa a descentralização como medida de segurança. São bases de registros e dados distribuídos e compartilhados que têm a função de criar um índice global para todas as transações que ocorrem em um determinado mercado. Ver: https://pt.wikipedia.org/wiki/Blockchain


04/01/2019

OS CONTRATOS E AS NOVAS TECNOLOGIAS



          Para que consigamos compreender sobre algo, por obviedade, devemos também conhecer conceitos e definições para não ficarmos desacolhidos de uma tecnicidade.

          Uma breve noção do significado contrato para a visão da ciência do Direito gira em torno de um acordo de vontades que, em sua decorrência produzirá seu efeitos jurídicos, como criação, modificação e extinção de direitos e obrigações.

Regra geral, nos contratos, a autonomia da vontade entre as partes como um elemento estrutural, no entanto, há situações que está devidamente vinculada apenas ao aspecto obrigacional que se veiculará, posteriormente pela vontade derivada por determinado fato jurídico.

De certo, o contrato é uma ação humana intencional, sendo interessante afirmar que sua vontade de agir determinada a produção de determinado resultado (por exemplo, contratação de serviços de informática), desde que devidamente delimitado, trazendo consigo obrigações para todas as partes e definindo quais serão o titulares de direitos.

Na senda dos contratos vinculados as novas tecnologias, os contratos estão por toda parte no setor, que através da rede mundial de computadores, é capaz de contratar serviços e comprar produtos, seja por meio de um site ou por intermédio de um aplicativo via celular. Há que lembrar, os termos e condições de uso de um site/aplicativo também são contratos eletrônicos, mas de adesão, não podendo uma das partes reaver determinada clausula contratual, devendo apenas o interessado aceitar na integra o conteúdo versado.

A problemática já pacificada no que diz respeito ao elemento validade dos contratos na esfera digital, sendo que nada pode alterar devido a intencionalidade das partes contratantes, pois a manifestação de vontade alberga-se tanto pela via automática, quanto mediante oferta pública, no qual o contratante aceita por meio eletrônico.

Não podemos deixar de esquecer que os contratos eletrônicos são classificados como atípico devido a ausência de legislação especifica, devendo ser aplicados valores ou axiomas, como a liberdade de contratar e como mencionado, a autonomia da vontade. 

Cumpre mencionar que, a boa-fé, os bons costumes e a ordem pública são princípios nos quais precisam ser aplicados a cada situação especifica. Desta forma, como estamos diante de uma lei que trate sobre a temática, como ocorre nos contratos típicos (p. contrato de locação, doação, comodato, seguro), as questões estritamente ético-morais precisam ser preservados, sendo claro e objetivo qualquer cláusula contratual, de modo algum que ofenda mais princípios, já mencionados.

Noutro ponto fundamental, diz respeito aos atos de gestão contratual. Há contratos específicos na senda do direito digital ou informático, como um smart contract, traduzido ao português, contratos criados a partir da confiabilidade em transações online com a finalidade de permitir que pessoas desconhecidas façam negócios de confiança entre si, pela internet sem a necessidade de intermédio de uma autoridade central[1]. Por exemplo, ao fazer uma compra online, o cliente confia que o estabelecimento irá enviar o produto após efetuar o pagamento. Por sua vez, o dono do estabelecimento confia que, após o envio do produto, o crédito do cliente que foi usado para comprar o produto não será revertido, para que o cliente não leve o produto de graça. Muito tem dito sobre a utilização das criptomoedas ou moedas digitais para a contratação destes contratos, no entanto, é sabido que não trata de uma nova tecnologia, sendo irrelevante qual sistema e moeda a ser pago, muito usual nos contratos de aplicativo de mobilidade, como Uber.

Já uma contratação de prestação de serviços mais setorial, como por exemplo, de segurança de dados eletrônicos e transferência de tecnologia (Know how), exigem-se algumas peculiaridades de clausulas contratuais que não podem ser esquecidas. 

A responsabilidade no fator gestão contratual é a pedra angular para o sucesso de um contrato bem elaborado. A exigência não somente de tempo, lugar, prazo, meios de execução dos serviços, atualizações e duração contratual serão insuficientes, pois, a confidencialidade e o respeito pelos atributos da regência contratual denota-se, na prática, numa maior solidez no resultado estruturante, num todo.

O nível de responsabilização também deverá girar em torno desta relação contratual, pois, como sabemos, a Lei Geral de Proteção de Dados, promovida pela Lei nº 13.709, de 14.8.2018, trouxe critérios objetivos de responsabilidade e ressarcimento na falha do tratamento dos dados operados pelas empresas de banco de dados. O Art. 42 da referida Lei estabelece que:  O controlador ou o operador que, em razão do exercício de atividade de tratamento de dados pessoais, causar a outrem dano patrimonial, moral, individual ou coletivo, em violação à legislação de proteção de dados pessoais, é obrigado a repará-lo”.  

Neste sentido, ainda que possa existir uma clausula contratual de responsabilização, não fugirá das responsabilidades no tratamento de dados por parte do controlador e o operador, bem como ao contratante, tendo em vista que a responsabilidade é solidária, ou seja, ambos serão responsáveis, segundo a lei. A única saída para isentar-se de responsabilidade está relacionada a elementos de prova,  no sentido de que não realizou o tratamento dos dados; utilizou-se mas não violou as regras da Lei Geral de Proteção à Dados Pessoais; assim como isenta-se de responsabilização de dados decorrente de terceiros, por culpa exclusiva.

Ainda, analisando pro futuro, poderá o contrato reger clausula de arbitragem, ao passo que, eventuais problemas decorrentes da relação contratual será desnecessário socorrer do Poder Judiciário para resolução da contenda, sendo muito mais célere uma Justiça Arbitral, além disso, traz maior confiança no tocante ao sigilo de dados internos de um contrato.

É certo que, lança-se um desafio a todo o estante, pois a evolução tecnológica é muito mais progressiva do que as normas jurídicas, no entanto, não significa ausência de elementos que possam ser empregados à prática, adicionadas as questões provenientes de atualização tecnológica, confidencialidade, privacidade de dados, proteção aos Direitos Autorais (interna e internacionalmente), definições de padrões de acesso aos dados e repasse técnicos, portanto, tudo conforme algumas leis brasileiras, como o Marco Civil da Internet e a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, não podendo esquecer que os contratos deverão reger aplicação de compliance, governança e riscos, para um prolongamento adequado.

Dadas as complexidades de contratos aliados às novas tecnologias, que de deverá, com mais qualidade estar com os olhos atentos a cada clausula contratual e a sua execução para um melhor progresso para as empresas do setor tecnológico possam traçar seus triunfos dentro de suas atividades exercidas.


28/12/2018

A IMPORTÂNCIA DO ADVOGADO NAS QUESTÕES IMOBILIÁRIAS




          É muito difícil afirmarmos a importância do advogado (profissional habilitado) nas questões relacionadas à imóveis, sem  a parcialidade adequada (sou advogado), no entanto, diante da prática profissional, deve-se considerar de vital importância a presença do advogado em alguns casos.

          Desta forma, o presente artigo irá fazer uma breve inclinação, obviamente, desta importância, haja vista que nas transações imobiliárias há alguns anos, tornaram-se cada vez mais complexas, pois, tanto regras comportamentais promovidas pela sociedade, como também, regras jurídicas, proveniente de leis, são capazes de tornar ainda mais robusto o cenário propício destas relações.

Sem sombra de dúvidas, é um grande erro pensar que o setor imobiliário é muito simples e requer apenas modelos de contratos e gestões sem muita clareza e objetividade, fazendo com que, num futuro deste contrato ou mesmo diante a vigência contratual, os problemas possam surgir e assim, demandas judiciais ocorrerão. Podemos citar como exemplo, contratos de compra e venda e de locações, que precisam ser modernizados em face deste aspecto evolutivo, ou seja, sem uma personalização menos problemas irão ocorrer e o judiciário não poderá intervir nas relações entre particulares.

Importante frisar que, um contrato ainda que bem elaborado não seja suficiente. É fundamental uma análise documental da propriedade imobiliária e, com esta análise prévia evitam-se rescisões contratuais, riscos com o negócio, levando efeito para ambas as partes da relação contratual.

Noutro ponto de vital interesse diz respeito à fase pré-contratual, especialmente, no sinal que a parte compradora irá dar ao vendedor e todo este aspecto negocial. O compromisso com o sinal pelo comprador é importante, entanto, o pagamento sem uma prévia análise documental é um dos maiores erros, pois a dificuldade de reaver os valores pagos acaba sendo um grande peso para o comprador, inclusive quando já houve o pagamento de comissão do corretor de imóveis.

Por parte do vendedor, toda e qualquer documentação do imóvel precisa ser devidamente apresentada ao comprador, de modo, a trazer maior segurança ao comprador para que o negócio seja prontamente finalizado. Em síntese, a segurança é a palavra chave para uma transação completa e sem riscos de prejuízos, não fugindo os mesmos aconselhamentos para as questões relacionadas a locações.

Em relação ao corretor de imóvel, necessário frisar que cumpre o papel de mediação, seja na venda, compra, locação ou qualquer questão relacionada a sua atividade. Conforme a legislação em vigor, deverá fornecer a todos os clientes a segurança e o risco do negócio, sob  pena de responder por perdas e danos aos prejuízos que assim causarem, seja direta ou indiretamente, ou seja, pela conduta culposa ou dolosa (art. 723, do Código Civil de 2002). Neste ponto, poderá o corretor de imóveis socorrer-se de um advogado para resguardá-lo de eventuais riscos do negócio quanto a sua responsabilização.

Assim, uma assessoria jurídica promoverá a redução de riscos do negócio para todas as partes como comprador, vendedor, intermediários, como imobiliárias e corretores de imóveis, locador e locatário. Na medida do possível, devemos alertar o cenário atual do “copia e cola” dos contratos instantâneos e  sem o respaldo necessário para melhor execução do trabalho de um profissional habilitado. 

         
* Cite a fonte deste breve texto.

08/12/2018

ANÁLISE ATUAL DO CRIME DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA




          Inicialmente, é preciso afirmar que qualquer base analítica deve pautar-se em critérios científicos capazes de compreender sobre determinado tema. Logo, a fuga de fatores científicos, fatalmente não surtirá efeitos, nem teóricos, muito menos práticos.

          Assim, o Direito Penal, como ciência jurídica, baseando-se pela norma penal tutela de bens jurídico-penais, como a vida, a honradez, imagem, patrimônio, dentre outros, não podendo deixar de fora questões ligadas a proteção ao patrimônio público, especialmente, arrecadação e distribuição de despesa pública da Previdência Social, portanto, trata-se uma ferramenta de proteção aos bens jurídicos metaindividuais, sendo que, a tutela penal resguarda de forma reflexiva as prestações públicas, em seu aspecto social.

           Conforme prescreve o artigo 168-A do Código Penal, in verbis:

Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional:

Pena – reclusão, de 02 (dois) a 05 (cinco) anos, e multa.

§1° Nas mesmas penas incorre quem deixar de:

I – recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à previdência social que tenha sido descontada de pagamento efetuado a segurados, a terceiros ou arrecada do público;

II – recolher contribuições devidas à previdência social que tenha integrado despesas contábeis ou custos relativos à venda de produtos ou à prestação de serviços;

III – pagar beneficio devido a segurado, quando as respectivas cotas ou valores já tiverem sido reembolsados à empresa pela previdência social;
§2° É extinta a punibilidade se o agente, espontaneamente, declara, confessa e efetua o pagamento das contribuições, importâncias ou valores  e presta as informações devidas à previdência social, na forma definida em lei ou regulamento, antes do início da ação fiscal.

§3° É facultado ao juiz deixar de aplicar a pena ou aplicar somente a de multa se o agente for primário e de bons antecedentes, desde que:
I – tenha promovido, após o início da ação fiscal e antes de oferecida a denúncia, o pagamento da contribuição social previdenciária, inclusive acessória; ou

II - O valor das contribuições devidas, inclusive acessórios, seja igual ou inferior àquele estabelecido pela previdência social, administrativamente, como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais.
§4° - A faculdade prevista no §3° deste artigo não se aplica aos casos de parcelamento de contribuições cujo valor, inclusive dos acessórios, seja superior àquele estabelecido, administrativamente, como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais.

                    O referido artigo acima exposto do Código Penal prescreve como conduta do sujeito à ofensa ao bem juridicamente tutelado, quem deixar de repassar à Previdência Social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional. O núcleo do tipo penal previsto pelo verbo deixar de repassar, significando o ato de omissão, abstendo o sujeito de transferir determinada quantia em dinheiro quanto ao repasse perante o INSS das contribuições devidas.

          É um delito omissivo próprio, pois o sujeito infringe a norma penal, omitindo-se de agir conforme estabelece à lei. O crime também é uma norma penal em branco, devendo ser alimentada por outras normas previdenciárias. Atualmente temos a Lei 8.212/1991.

          É importante considerarmos elementos caracterizadores do crime, não somente o núcleo do tipo penal em si, cabendo observarmos outros elementos de ordem objetiva, a saber: o que é a previdência social, assim como o conceito de contribuição social.

          A Previdência Social é instituição encarregada de prover as vicissitudes do trabalhador e de sua família, em casos de doença, invalidez, morte, idade avançada, gravidez e desemprego involuntário[1]. A base legal está contida nos artigos 201 e 202 da Constituição Federal de 1988.

          No artigo 201 da CF/88, “A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória (...)”. São estes valores ou bens que o Direito Penal pretende preservar, a contributividade dos cidadãos para que a previdência social tem de sua autonomia financeira e assim, almeja suas finalidades socialmente estabelecidas, segundo a Constituição Federal.

          Quem alimenta financeiramente a Previdência Social são por meio das contribuições sociais que detém sua natureza jurídica de tributo, seguindo aos regramentos contidos no artigo 3° do Código Tributário Nacional:

“Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”

Trata-se, portanto, de elementos mínimos e necessários para a composição da obrigação de natureza tributária. O Supremo Tribunal Federal já reconheceu que as contribuições sociais são tributos e já está pacificada a questão, conforme RE n. 146.733, Rel. Min. Moreira Alves, DJU 06.11.1992.

Desta forma, o sistema penal utiliza-se dos conceitos contidos na esfera tributária, afim de, caracterizar objetivamente sobre o crime, ao passo que, esta interligação conduz numa melhor efetividade de aplicação da norma penal, pois o artigo 168-A do CP é norma penal em branco, sendo que lhes fora preenchida por outra norma penal (tributária, previdenciária e outras leis esparsas), entretanto, não podemos nos esquecer das lições do jurista italiano, Norberto Bobbio que afirmava o direito ser uno e indivisível.

 Importante frisar que, incumbe a União Federal efetuar os repasses de valores das contribuições previdenciárias pagas pelos empregados, recolhidas pelos empregadores, conforme a Lei n. 11.457/2007.

Ao analisar o elemento de conduta do crime de apropriação indébita previdenciária, consubstancia pelo verbo do tipo penal deixar de repassar, de modo, completando-se o ato de omissão proveniente da abstenção de transferir contribuição previdenciária  no prazo e formas legais e convencionais, portanto, o sujeito do delito infringe a norma mandamental omitindo a atividade exigida pela lei, no qual, via de consequência consuma-se o crime previsto no artigo 168-A do CP.

A tentava neste crime deverá ser afastada por se tratar de crime omissivo próprio que significa dizer, além da existência fática do débito, a acusação deverá demonstrar a inequívoca intenção na obtenção no beneficio com a supressão ou redução de contribuição previdenciária.

Ademais, a precária condição financeira de uma pessoa física ou jurídica, por exemplo, deverá ser devidamente analisado criteriosamente pelo julgador num caso concreto, cabendo analisar o aspecto subjetivo do acusado, pois a boa-fé é fundamental para saber quanto as reais intenções de não cumprir com o estabelecido em lei ou caso contrário, não houvesse alternativa pelo não pagamento de contribuições sociais devido a problemas financeiros. Portanto, questões supralegais serão indispensáveis.

Há decisão recente do Superior Tribunal de Justiça que criminalizou o mero inadimplemento de tributos indiretos, no qual restou caracterizado o crime de apropriação indébita tributária, conforme a leitura do Habeas Corpus n. 399.109. Vejamos:

HABEAS CORPUS. NÃO RECOLHIMENTO DE ICMS POR MESES SEGUIDOS. APROPRIAÇÃO INDÉBITA TRIBUTÁRIA. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. IMPOSSIBILIDADE. DECLARAÇÃO PELO RÉU DO IMPOSTO DEVIDO EM GUIAS PRÓPRIAS. IRRELEVÂNCIA PARA A CONFIGURAÇÃO DO DELITO. TERMOS "DESCONTADO E COBRADO". ABRANGÊNCIA. TRIBUTOS DIRETOS EM QUE HÁ RESPONSABILIDADE POR SUBSTITUIÇÃO E TRIBUTOS INDIRETOS. ORDEM DENEGADA. 1. Para a configuração do delito de apropriação indébita tributária - tal qual se dá com a apropriação indébita em geral - o fato de o agente registrar, apurar e declarar em guia própria ou em livros fiscais o imposto devido não tem o condão de elidir ou exercer nenhuma influência na prática do delito, visto que este não pressupõe a clandestinidade. 2. O sujeito ativo do crime de apropriação indébita tributária é aquele que ostenta a qualidade de sujeito passivo da obrigação tributária, conforme claramente descrito pelo art. 2º, II, da Lei n. 8.137/1990, que exige, para sua configuração, seja a conduta dolosa (elemento subjetivo do tipo), consistente na consciência (ainda que potencial) de não recolher o valor do tributo devido. A motivação, no entanto, não possui importância no campo da tipicidade, ou seja, é prescindível a existência de elemento subjetivo especial. 3. A descrição típica do crime de apropriação indébita tributária contém a expressão "descontado ou cobrado", o que, indiscutivelmente, restringe a abrangência do sujeito ativo do delito, porquanto nem todo sujeito passivo de obrigação tributária que deixa de recolher tributo ou contribuição social responde pelo crime do art. 2º, II, da Lei n. 8.137/1990, mas somente aqueles que "descontam" ou "cobram" o tributo ou contribuição. 4. A interpretação consentânea com a dogmática penal do termo "descontado" é a de que ele se refere aos tributos diretos quando há responsabilidade tributária por substituição, enquanto o termo "cobrado" deve ser compreendido nas relações tributárias havidas com tributos indiretos (incidentes sobre o consumo), de maneira que não possui relevância o fato de o ICMS ser próprio ou por substituição, porquanto, em qualquer hipótese, não haverá ônus financeiro para o contribuinte de direito. 5. É inviável a absolvição sumária pelo crime de apropriação indébita tributária, sob o fundamento de que o não recolhimento do ICMS em operações próprias é atípico, notadamente quando a denúncia descreve fato que contém a necessária adequação típica e não há excludentes de ilicitude, como ocorreu no caso. Eventual dúvida quanto ao dolo de se apropriar há que ser esclarecida com a instrução criminal. 6. Habeas corpus denegado.
(STJ - HC: 399109 SC 2017/0106798-0, Relator: Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Data de Julgamento: 22/08/2018, S3 - TERCEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 31/08/2018).

Ainda que não seja o crime ora em estudo, será de grande valia compreendermos para uma tendência e construção jurisprudencial no decorrer dos anos, pois um inadimplemento por parte do responsável tributário ou contribuinte, poderá ocasionar numa ação de natureza almejando na responsabilização de natureza criminal, conforme previsão no artigo 168-A, do CP.

Quanto ao aspecto subjetivo, à presença do dolo, vontade livre e consciente para não proceder a entrega à previdência social contribuição previdenciária. A ausência deste aspecto subjetivo, via de consequência não poderá ser aplicada a lei ao caso concreto, tendo em vista de se tratar de crime mediante a vontade não existindo crime de apropriação indébita culposa.

   As bases de equiparação da conduta delitiva está estabelecida no parágrafo 1°, I, II e III, do artigo 168-A. do Código Penal Brasileiro, que consiste nas condutas:

“de deixar de recolher no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à previdência social que tenha sido descontada de pagamento efetuado a segurados, terceiros ou arrecadada do público”

“Recolher contribuições devidas à previdência social que tenham integrado despesas contábeis ou custos relativos à venda de produtos ou à prestação de serviços”

“Pagar benefício devido a segurado, quando as respectivas cotas ou valores já tiverem sido reembolsados à empresa pela previdência social”

O elemento do tipo penal provém do verbo “deixar de recolher”, significando o ato de omissão, abstenção do ato de efetuar entrega do valor arrecadado ao INSS, conforme prazo previsto pela legislação própria (norma penal em branco heterogênea em que o complemento é oriundo de fonte legislativa diversa da norma em branco). Trata-se de crime omissivo próprio.

O ato de “Recolher devidas” e “Pagar são atos de ação do sujeito do crime, ou seja, deverá agir ativamente com o objetivo de violar de forma livre e consciente a prática delitiva.

Assim como o caput, em todos estes crimes equiparados também deverão estar presente o dolo como elemento subjetivo pela livre manifestação de vontade externada pelo não recolhimento da contribuição social arrecadada. Não cabe a imputação de crime culposo.

Da extinção de punibilidade

Ocorrerá a extinção da punibilidade se: a) o agente declarava e confessava a dívida (autodenúncia); b) efetuando, espontaneamente (sem a intervenção de fatores externos), o pagamento do tributo devido; c) antes do início da execução fiscal.

É importante destacar que, a quitação integral do débito tributário realizada após o recebimento da denúncia extinguia a punibilidade, mas desde que não fosse posterior ao trânsito em julgado: a quitação integral do débito tributário realizada após o recebimento da denúncia extinguia a punibilidade, mas desde que não fosse posterior ao trânsito em julgado (HC 90.308/SP, DJe 12/06/2015).

Aplicação do Princípio da Insignificância nos crimes de Apropriação Indébita Previdenciária

          O Princípio da Insignificância ou Bagatela relaciona-se que o direito penal não promoverá a tutela de bem jurídico cujos comportamentos que produzam dados irrisórios e irrelevantes, sendo consideradas condutas atípicas. Não existe uma forma expressa na legislação penal, no entanto, o Supremo Tribunal Federal passou a exigir a coexistência de quatro fatores indispensáveis:

a)   Ausência de periculosidade social da ação;
b)   Reduzido grau de reprovabilidade do comportamento;
c)    Mínima ofensividade da conduta;
d)   Inexpressividade da lesão jurídica provocada.

Assim, presentes todos os elementos caracterizadores do princípio da bagatela ou insignificância, posteriormente, não ocorrerá a aplicação da lei penal ao caso concreto.

Adentrando ao tema, especificamente na aplicação do referido princípio, embate entre as Cortes Superiores são evidentes:

a)   O Superior Tribunal de Justiça, já firmou o entendimento de que é possível a aplicação do princípio da insignificância ao delito de apropriação indébita previdenciária, desde que o total dos valores retidos não ultrapasse o patamar de R$ 10.000,00 (dez mil reais) previstos no art. 20 da Lei n.º 10.522/2002. (AgRg no REsp 1241697/PR, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 06/08/2013, DJe 13/08/2013)

b)   O Supremo Tribunal Federal entende que o princípio da insignificância é aplicável quando o valor do imposto que não foi recolhido corresponde ao valor que o próprio Estado, sujeito passivo do crime, manifesta desinteresse em sua cobrança, no caso, o valor de R$ 20 mil, nos termos da Portaria MF 75, de 22 de março de 2012.

Qual a regramento mais adequado a ser aplicado ao caso concreto, o entendimento do STJ, que estabeleceu limite de R$ 10 mil, ou, o STJ que estabeleceu a regra limite de R$ 20 mil?

À luz do princípio do in dubio pro reo, deverá ser aplicado o mínimo estabelecido para aplicar bagatela, ou seja, as regras previstas na jurisprudência do STJ, devendo aplicar ao limite de R$ 10 mil para ser aplicada a bagatela e, consequentemente, a extinção de punibilidade.

Do perdão judicial

De acordo com o § 3, do art. 168-A, CP, estabelece condicionantes ao juiz para que aplique ou deixei de aplicar pena ou somente multa, se o agente for primário e tiver bons antecedentes, desde que:

I - tenha promovido, após o início da ação fiscal e antes de oferecida a denúncia, o pagamento da contribuição social previdenciária, inclusive acessórios;

II - o valor das contribuições devidas, inclusive acessórios, seja igual ou inferior àquele estabelecido pela previdência social, administrativamente, como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais.

Note-se que, a primariedade do réu, decorre quando não havia sido anteriormente condenado por sentença transitada em julgado. Diversamente, a reincidência são condutas reiteradas pelo Réu que transgrida a norma penal.

O artigo 63 do Código Penal estabelece que a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior.

O Código Penal avança ao traçar limites para aplicar a reincidência, conforme o artigo 64:

I-                Não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer a revogação;

II-              Não se consideram crimes militares próprios e políticos;

Para melhor compreensão dos antecedentes, leciona Rogério Greco[2]:

"Os antecedentes dizem respeito ao histórico criminal do agente que não se preste para efeitos de reincidência. Entendemos que, em virtude do princípio constitucional da presunção de inocência, somente as condenações anteriores com trânsito em julgado, que não sirvam para forjar a reincidência, é que poderão ser consideradas em prejuízo do sentenciado, fazendo com que a sua pena-base comece a caminhar nos limites estabelecidos pela lei penal."

Salienta-se que, o STJ entendeu ser impossível a utilização de sentença penal extintiva de punibilidade baseando-se em antecedentes criminais:

"1. Consoante jurisprudência prevalente nesta Corte, em respeito ao princípio da presunção de inocência, ações penais que resultaram em sentença extintiva de punibilidade não podem ser consideradas como maus antecedentes." (HC 126.365/GO)

No entanto, o STF entendeu que a confirmação da tese, segundo a qual apenas condenações criminais com transito em julgado para se a caracterizar maus antecedentes:

"Inquéritos ou processos em andamento, que ainda não tenham transitado em julgado, não devem ser levados em consideração como maus antecedentes na dosimetria da pena." (HC 94.620/MS).

Estas questões, na prática tende a traçar maiores contornos e observação, tanto na legislação penal, quanto as interpretações jurisprudenciais dos tribunais superiores, pois, não basta que o réu tenha promovido, após o início da ação fiscal e antes de oferecida a denúncia, o pagamento da contribuição social previdenciária, se não é primário, assim como, não possuindo bons antecedentes criminais.

      Competência para julgar

Por tratar de tutelar juridicamente as contribuições sociais, de natureza previdenciária, compete à Justiça Federal para processar e julgar crimes de apropriação de indébita previdenciária, assim como os equiparados, conforme art. 168-A e seguintes do Código Penal Brasileiro.               
         






[1] Direito Constitucional ao alcance de todos, Uadi Lammêgo Bulos, Saraiva, 2018,  p. 672,
[2] GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal - Parte Geral. 12. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2010. v. I. p. 537.)

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