18/08/2019

A EXTRADIÇÃO: CONFORME A LEI DE MIGRAÇÃO E JURISPRUDÊNCIA (Lei 13.445/2017)





         Trata-se de um dos temas mais explorados em concursos públicos, pouco debatido no campo acadêmico e em questões práticas reservam-se maiores domínios práticos.

         Nesta análise, procuraremos verificar as normas jurídicas acerca do tema (CF/88 e Lei de Migração), bem como as decisões mais recentes do Supremo Tribunal Federal.

         Inicialmente, será importantíssimo conceituarmos o instituto da extradição, bem como apresentar classificações e espécies.

         Podemos conceituar a extradição como ato no qual um Estado concede ou solicita a entrega determinado individuo a outro Estado estrangeiro, acusado de haver cometido crime de certa gravidade, com sentença condenatória em definitivo ou para fins de instrução de processo penal.

         O objetivo principal da extradição é evitar com que individuo deixe de pagar pelas consequências de um crime cometido em outro País, de modo a prestigiar ao aspecto humanístico, pois terá o direito de se defender durante a instrução processual, bem como o cumprimento de pena.

Ademais, o artigo XIX da Declaração Universal dos Direitos Humanos, estabelece que todo acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público, no qual lhe tenha sido assegurada todas as garantias necessárias a sua defesa.

Podemos destacar este instituto jurídico com traços entre respeito a soberania diante da aplicação de normas do País perante aquele individuo e, por outro lado, reputa-se como válida a posição daquele individuo estar em seu território, por aspecto moral e ético, enviar o sujeito para que responda pelo crime.

No tocante ao respeito à soberania de cada País, vige o princípio da reciprocidade de tratamento nas relações internacionais, devendo imperar em todo e qualquer caso concreto, tanto por parte do solicitante quanto pelo solicitado quanto a entrega do sujeito, pois caso contrário, não haverá a cooperação entre Países interessados, imperando apenas a soberania pura, ou seja, cada Estado ditará suas regras internas e internacionais conforme seus interesses, afastando-se a reciprocidade positiva, para a reciprocidade negativa.

Ademais, a cooperação jurídica é reflexo propulsor como elemento de colaboração para a manutenção da paz internacional. Neste ponto, nossa legislação brasileira, especificamente o artigo 81-A e seguintes da Lei 13.445/17, denominada como Lei de Migração, regulamenta todos os procedimentos necessários para o processo de extradição.

No referido diploma legal brasileiro, a extradição se inicia com a requisição pela via diplomática ou e pelas autoridades centrais designadas para este fim, em ordem de coordenação com autoridades judiciárias e policiais (art. 81, §1°, 2°).

É preciso destacar que existem duas formas ou meios de extradição, apresentando alguns pontos centrais. Vejamos:

a)   Extradição Ativa

Quando o Estado brasileiro requer a Estado Estrangeiro a entrega de pessoa sobre quem recaia condenação criminal, definitiva ou para fins de instrução de processo penal em curso, conforme art. 278, do Decreto n. 9199/2017, que regulamentou a Lei de Migração.

O Estado brasileiro promoverá a requisição ao Estado Estrangeiro, podendo ser pela via diplomática ou pelas autoridades centrais designadas para este fim, não necessitando da intervenção do Poder Judiciário brasileiro para a requisição.

b)   Extradição Passiva

Quando o Estado Estrangeiro solicita ao Estado brasileiro a entrega de pessoa que se encontre no território nacional sobre quem recaia condenação criminal definitiva ou para fins de instrução de processo penal em curso, nos termos do art. 266, do Decreto n. 9199/2017, que regulamentou a Lei de Migração.

Há questionamentos que precisam ser levantando, sendo o primeiro deles: brasileiro nato pode ser extraditado?

Para respondermos a indagação, devemos compreender que, brasileiro nato detém diversas acepções, como:

a)   ius solis, qualquer pessoa (art. 12, I, “a”, CF): Qualquer pessoa que nascer em território brasileiro, mesmo que seja filho de país estrangeiros. Se os pais estrangeiros estiverem a serviço no Brasil, poderão manifestar o interesse de continuarem com a nacionalidade do País de origem, estendendo-se ao filho.

b)   ius sanguinis e a serviço do Brasil (art. 12, I, “b”, CF): Serão considerados brasileiros natos os que, mesmo tendo nascido no estrangeiro, sejam filhos de pai ou mãe brasileiros e qualquer deles estejam a serviço do Brasil, não podendo se afirmar que a atividade exercida no exterior seja apenas diplomática, como também podendo exercer qualquer função associada às atividades da União, dos Estados, do Município ou de suas entidades autárquicas.


c)   ius sanguinis e registro (art. 12, I, “c”, CF): quando o nascimento não ocorreu em território brasileiro, mas que sejam filhos de pai brasileiro ou de mãe brasileira, sejam natos ou naturalizados. Assim, prestando a continuidade dos vínculos de sangue, seja pai ou a mãe, deverão requerer a nacionalidade brasileira de seu filho em repartição brasileira competente.

d)   ius sanguinis e opção de confirmação (art. 12, I, “c”, 2° parte CF): quando o filho de pai ou mãe brasileiro nascido no exterior e que não tenha sido registrado em repartição consular poderá, a qualquer tempo, promover ação de opção de nacionalidade no Brasil, de acordo com a competência da Justiça Federal para processar e julgar (art. 109, X, CF/88).


brasileiro naturalizado ou nacionalidade secundária reveste-se da manifestação de vontade do interessado, desde que presentes todos os requisitos previstos em lei. A Lei de Migração traça espécies como ordinária, especial e provisória. Não adentraremos muitos detalhes acerca de tais espécies de naturalização por critérios lógicos e para não sair quanto ao tema, devido à riqueza de detalhes.

Retomando a indagação, a resposta está presente nos termos do artigo 5°, LI, da Constituição Federal de 1988, que, o brasileiro nato não será extraditado, com base no princípio da soberania nacional, evitando-se numa eventual parcialidade no julgamento de tribunais estrangeiros.

Conforme nossa Constituição, apenas o naturalizado pode ser extraditado, nos seguintes casos:

·        Por Crime comum: antes da naturalização

·        Tráfico de ilícito de entorpecentes e drogas afins: seja antes ou após a naturalização.

Quanto ao estrangeiro, a nossa Constituição Federal (art. 5°, LII) estabelece que não poderá ser extraditado seja por crime político ou de  opinião.

De forma extensiva e complementar, o artigo 82 da Lei de Migração, trata que o individuo não será extraditado:

I)            Cuja extradição é solicitada ao Brasil for brasileiro nato.

II)           Quando o fato que motivar o pedido não for considerado crime no Brasil ou no Estado requerente

Interessante denotarmos que, o Estado brasileiro por meio de lei, manifestou-se não somente a preocupação em relação à soberania ao aplicar o princípio da legalidade universal e internamente por meio de lei, denominado pela expressão latina “Nullum crimen sine lege”, ou seja, não há crime sem lei, sendo imprescindível que a conduta imputada pelo individuo seja delituosa e tenha sido definida como tal pelo Estado.

Bases procedimentais sobre a extradição passiva

A Lei de Migração estabelece situações específicas quanto ao procedimento adotado em caso de extradição passiva, no qual o trata quando poderá haver a extradição (art. 83), como:

I - ter sido o crime cometido no território do Estado requerente ou serem aplicáveis ao extraditando as leis penais desse Estado; e
II - estar o extraditando respondendo a processo investigatório ou a processo penal ou ter sido condenado pelas autoridades judiciárias do Estado requerente a pena privativa de liberdade.

Com base ao texto normativo acima, podemos dividir na extradição como as de natureza instrutória, quando existir mandado de prisão de autoridade competente do Estado requerente, ainda que existe a procedimento persecutório instaurado no exterior; de natureza executória: quando o pedido de extradição provier de sentença penal condenatória de outro País[1].

E quais são as etapas ou processo de extradição?

Em síntese, podemos traçar todos os atos do processo de extradição. Vejamos:

1)   Recebimento: O pedido de extradição originado do Estado estrangeiro será recebido pelo órgão competente do Poder Executivo e após o exame da presença dos pressupostos formais de admissibilidade em lei ou em tratado.

2)   Encaminhamento ao STF: nos termos do artigo 89 da Lei de Migração, o processo de extradição será encaminhado à autoridade judiciária competente. O art. 102, I, “g”, da Constituição Federal de 1988, estabelece a competência do Supremo Tribunal Federal para processar e julgar a extradição solicitada por Estado estrangeiro.

A Lei de Migração é cristalina no sentido que nenhuma extradição será concedida sem prévio pronunciamento do STF, revelando-se necessária a análise de sua legalidade e procedência, mais cabendo qualquer recurso da decisão prolatada (art. 90, Lei 13.445/2017).

Na face processual, será julgado por meio de turma do STF (Art. 6°, Regimento Interno, STF), no qual, ao receber o pedido, o relator designará dia e hora para o interrogatório do extraditando e, conforme o caso será nomeado um curador ou advogado, se não tiver.

A defesa técnica será apresentada pelo advogado no prazo de 10 dias, contado da data do interrogatório (art. 91, da Lei 13.445/2017).

 No tocante as alegações de defesa, poderão ser alegadas e levantadas os seguintes argumentos, como por exemplo: a ilegalidade da prisão, por não constituir crime; o extraditando ser pessoa diversa daquela que cometeu crime no Estado estrangeiro; ausência de formalidades legais, em relação aos documentos apresentados.

Não havendo instrução processual, o Tribunal, a requerimento do MPF (Ministério Público Federal), poderá converter o julgamento em diligência para suprimir sua falta (art. 91, §° 2, da Lei 13.445/2017). Neste ponto, o MP terá o prazo de 60 (sessenta) dias, sem prorrogação, ao qual será julgado independentemente da diligência, que será contado da data de notificação a missão diplomática (art. 91, §3° e §4°, da Lei 13.445/2017).

3)   Da Procedência e Improcedência do Pedido e entrega do Extraditando

Se julgada procedente a extradição pelo STF, posteriormente, haverá a entrega pelo órgão competente do Poder Executivo, que será comunicado pela via diplomática ao Estado requerente, no prazo de 60 dias da comunicação, devendo retirar o extraditando do território nacional (art. 92 da Lei 13.445/2017).

Na omissão de retirada do extraditando do Brasil no prazo de 60 dias pelo Estado requerente, será posto em liberdade (art. 93, da Lei 13.445/2017).

Quanto à improcedência do pedido de extração, por diversos motivos justificáveis em sentença, a legislação em vigor não admitirá novo pedido baseada no mesmo fato, em alusão ao princípio da vedação do bis in idem, portanto, ninguém pode ser julgado duas vezes pelo mesmo fato delituoso, conforme base da ciência penal (art. 94, da Lei 13.445/2017).

É possível a liberdade, prisão domiciliar ou prisão albergue, enquanto não houver julgamento da extradição?

Sim. É possível a concessão de liberdade, prisão domiciliar ou prisão albergue, sendo avaliado cada caso, apesar da ausência de dispositivo normativo neste sentido, cabendo aplicar subsidiariamente o Código de Processo Penal.

Assim, a prisão domiciliar poderá ser concedida nos seguintes casos (art. 318, CPP), desde que comprove:

I - maior de 80 (oitenta) anos;
II - extremamente debilitado por motivo de doença grave;
III - imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência;
IV - gestante;
V - mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos
VI - homem, caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos.

         A novidade do CPP diz respeito a possibilidade de substituir prisão preventiva por prisão domiciliar à mulher gestante ou a mãe responsável por crianças ou pessoa com deficiência, desde que (art. 318-A, Código de Processo Penal):

I)             Não tenha cometido crime com violência ou grave ameaça à pessoa;

II)           Não tenha cometido crime contra seu filho ou dependente.

Na jurisprudência recentíssima o STF já concedeu de forma extensiva a interpretação:

Autorizo a extraditanda, em prisão domiciliar, a visitar seu marido no local em que estiver sob custódia, podendo fazê-lo em todos os dias de visita. Autorizo, ainda, as saídas da extraditanda relativas às consultas médicas e realização de exames pré-natal, e demais providências referentes ao acompanhamento da gravidez e parto”
STF - PPE: 900 DF - DISTRITO FEDERAL, Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 02/04/2019.   

Ademais, a prisão fora do tempo estabelecido na Lei de Migração (arts. 92 e 93) o individuo será posto em liberdade. Para fins de elucidação, primeiro caso que o Supremo Tribunal Federal aplicou a Lei de Migração, foi exatamente nestes termos[2].

E se o extraditando estiver respondendo a processo no Brasil ou tiver sido condenado em território nacional?

Nestes casos, se o crime for decorrente de pena privativa de liberdade, somente será possível a extradição após a conclusão do processo ou do cumprimento de pena, salvo nos casos de liberação antecipada pelo Poder Judiciário (ex. liberdade condicional)e determinação da transferência da pessoa condenada (art. 95, da Lei de Migração).

Salienta-se que nos crimes de menor potencial ofensivo, Estado brasileiro entregará imediatamente o extraditando, mesmo se estiver processado ou condenado no Brasil (art. 95, §2°, da Lei de Migração).

Nesta hipótese, aplica-se ao princípio da subsunção, no qual o crime maior absolve o crime menor, ainda que em território estrangeiro.

E em caso de estado de saúde do Extraditando, como o Brasil agirá?
Se o ato de extradição puser risco a sua integridade física em virtude de doença grave, será adiada a extradição (art. 95, §1°, da Lei de Extradição).

Da responsabilidade do Estado estrangeiro de assumir compromissos com o Brasil

Não será efetivada a entrega do extraditando sem que o Estado requerente assuma o compromisso de (Art. 96, Lei 13.445/17):

a)     Não submeter o extraditando a prisão ou processo por fato anterior ao pedido de extradição;
b)    Computar o tempo da prisão que, no Brasil, foi imposta por força da extradição;
c)     Comutar a pena corporal, perpétua ou de morte em pena privativa de liberdade, respeitado o limite máximo de cumprimento de 30 (trinta) anos;
d)    Não entregar o extraditando, sem consentimento do Brasil, a outro Estado que o reclame;
e)    Não considerar qualquer motivo político para agravar a pena; e
f)     Não submeter o extraditando a tortura ou a outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes.

Em breves comentários, das imposições albergadas na lei, deve-se observar que a finalidade é aplicação dos Direito Humanos, evitando a condenação pelo mesmo fato, comutação de pena imposta no Brasil, evitar que se aplique pena superior a 30 anos, assim como, as penas degradante, desumanas e de morte, já que inexiste previsão legal no Brasil neste sentido.

E o que fazer no caso de pessoa extraditada que burla as autoridades, volta para o Estado Brasileiro?

Situações como esta, pode o Estado Brasileiro deter a pessoa e entregar ao Estado estrangeiro sem as devidas formalidades legais, requisitando-se pela via diplomática ou pela Interpol (art.98, Lei de Migração).

Dos casos de transferência de execução de pena e de transferência de pessoa condenada

A legislação estabelece hipóteses que a autoridade competente poderá solicitar ou autorizar a transferência de execução de pena, desde que observado o princípio do non bis in idem, ou seja, proibição de imputar pena pelo mesmo crime.

A forma de requisição de transferência poderá ser pela via diplomática ou por autoridades centrais (art.101 da Lei de Migração).

Desta forma, existem requisitos específicos para que haja a transferência de execução de pena, como (art.100, da Lei de Migração):

I - o condenado em território estrangeiro for nacional ou tiver residência habitual ou vínculo pessoal no Brasil;

II - a sentença tiver transitado em julgado;

III - a duração da condenação a cumprir ou que restar para cumprir for de, pelo menos, 1 (um) ano, na data de apresentação do pedido ao Estado da condenação;

IV - o fato que originou a condenação constituir infração penal perante a lei de ambas as partes; e

V - houver tratado ou promessa de reciprocidade

Uma peculiaridade interessante da Lei de Migração diz respeito incumbência ao Superior Tribunal de Justiça para a transferência para homologação, pois ao ser recebido pelo órgão competente do Poder Executivo, será realizado um exame prévio quanto a presença de pressupostos formais de admissibilidade, o STJ prolatará decisão final (art.101, §1° da Lei de Migração).

Note-se que, mesmo não preenchidos os pressupostos de admissibilidade de transferência não ocorrerá a coisa julgada, podendo a parte internacional interessada formular novo pedido (art.101, §2°, da Lei de Migração).

No tocante a execução penal, será de competência da Justiça Federal.

Em relação de transferência de pessoa condenada, somente será concedida quando o pedido se fundamentar em tratado ou houver promessa de reciprocidade, ao passo que, o condenado no território nacional poderá ser transferido para seu país de nacionalidade, que tiver residência habitual ou vínculo pessoal, a fim de cumprir pena a ele imposta pelo Estado Brasileiro, desde que por sentença transitada em julgado (art. 103, §1°, Lei de Migração).

Na própria condenação, poderá ser concedida a aplicação de medida de impedimento de reingresso ao Brasil (art. 103, §2°, Lei de Migração).

Somente será possível a transferência de pessoa condenada, nos seguintes casos (art. 104, Lei de Migração):

I - o condenado no território de uma das partes for nacional ou tiver residência habitual ou vínculo pessoal no território da outra parte que justifique a transferência;

II - a sentença tiver transitado em julgado;

III - a duração da condenação a cumprir ou que restar para cumprir for de, pelo menos, 1 (um) ano, na data de apresentação do pedido ao Estado da condenação;

IV - o fato que originou a condenação constituir infração penal perante a lei de ambos os Estados;

V - houver manifestação de vontade do condenado ou, quando for o caso, de seu representante; e

VI - houver concordância de ambos os Estados.

Salienta-se que não se trata de rol exemplificativo, mas sim, taxativo, sendo matéria de ordem pública, obedecendo-se as regras específicas e, não havendo tais requisitos acima descritos em lei, não será possível conceder a transferência e pessoa condenada.



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Forte abraço!






     




[1] Interessante julgado do STF, no qual se manifestou que o  pedido de extradição pressupõe a existência de sentença penal condenatória. Extradição 652, Rel. Min. Celso de Mello, j. 13.06.1996, Plenário DJE de 21.11.2008.

14/08/2019

OS CRIMES CONTRA O MERCADO DE CAPITAIS

imagem da internet.

Em linhas iniciais, podemos afirmar que somente será considerado crime se houver previsão expressa em lei. Sobre este aspecto elementar, a tipificação de crimes contra o mercado de capitais tem como fator de existência a proteção jurídica em face ao abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e o aumento arbitrário dos lucros (art. 173, § 4º, CF/1988).

         Interessante mencionarmos que, o mercado de capitais é um sistema de distribuição de valores mobiliários que proporciona liquidez aos títulos de emissão de empresas e viabiliza o processo de capitalização. É constituído pelas bolsas de valores, sociedades corretoras e outras instituições financeiras autorizadas[1].

         Desta forma, a lei infraconstitucional coube por dispor sobre a caracterização dos crimes contra o mercado de capitais, conforme a Lei nº 6.385/1976 (incluído pela Lei nº 10.303/2001), que teve alteração substancia pela Lei n° 13.506/2017, no âmbito penal, de modo a corroborar com a repressão a tais atos, em consonância com o preceito Constitucional, anteriormente mencionado.

         Podemos elencar os seguintes crimes, como:
a)   Manipulação do mercado (art. 27- C)

b)  Uso indevido de informação privilegiada (art. 27-D), denominado como crime de insider trading

c)   Exercício irregular de cargo, profissão, atividade ou função (art. 27-E)

Vejamos cada um destes crimes, seus elementos caracterizadores, assim como, a posição das decisões mais recentes.

a)   CRIME DE MANIPULAÇÃO DO MERCADO (art. 27-C)

Caracteriza-se como conduta criminosa:

Realizar operações simuladas ou executar outras manobras fraudulentas destinadas a elevar, manter ou baixar a cotação, o preço ou o volume negociado de um valor mobiliário, com o fim de obter vantagem indevida ou lucro, para si ou para outrem, ou causar dano a terceiros:
(Redação dada pela Lei nº 13.506, de 2017).

Pena - reclusão, de 01 (um) a 8 (oito) anos, e multa de até 3 (três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime.
(Incluído pela Lei nº 10.303, de 31.10.2001)

Os elementos do tipo incriminador são de diversas formas, como o ato de:
·        Realizar ou Executar: proveniente do fazer, efetuar, botar em prática, fazer com que tenha existência concreta;

·        Operar de forma simulada: Afigura-se como toda e qualquer operação na bolsa de valores mobiliários, no entanto, tais operações não possam corresponder com realidade demonstrada, ocultando a verdade.

·        Outras manobras fraudulentas: a legislação deixou um espaço de interpretação (norma penal em branco imprópria ou heterovitelina), exigindo-se um complemento normativo de estruturação diversa para composição do conceito normativo.

A Instrução Normativa 08/1979 trouxe alguns pontos em destaque, podendo ser caracterizadas como outras formas de fraudes, sendo proibidos atos por parte dos administradores e acionistas de companhias abertas, aos intermediários e aos demais participantes do mercado de valores mobiliários, a criação de condições artificiais de demanda, oferta ou preço de valores mobiliários, a manipulação de preço, a realização de operações fraudulentas e o uso de práticas não equitativas. Vejamos:

a)   Condições artificiais de demanda, oferta ou preço de valores mobiliários aquelas criadas em decorrência de negociações pelas quais seus participantes ou intermediários, por ação ou omissão dolosa provocarem, direta ou indiretamente, alterações no fluxo de ordens de compra ou venda de valores mobiliários;

b)   Manipulação de preços no mercado de valores mobiliários, a utilização de qualquer processo ou artifício destinado, direta ou indiretamente, a elevar, manter ou baixar a cotação de um valor mobiliário, induzindo, terceiros à sua compra e venda;


c)   Operação fraudulenta no mercado de valores mobiliários, aquela em que se utilize ardil ou artifício destinado a induzir ou manter terceiros em erro, com a finalidade de se obter vantagem ilícita de natureza patrimonial para as partes na operação, para o intermediário ou para terceiros;

d)   d) prática não equitativa no mercado de valores mobiliários, aquela de que resulte, direta ou indiretamente, efetiva ou potencialmente, um tratamento para qualquer das partes, em negociações com valores mobiliários, que a coloque em uma indevida posição de desequilíbrio ou desigualdade em face dos demais participantes da operação.

Em relação ao aspecto interpretativo, surge uma indagação, afinal, pode uma Instrução Normativa complementar um tipo penal?

         Entre nós, aplicar a Instrução Normativa 08/1979 em sua integralidade, via de consequência, viola as regras e princípios jurídicos, sobretudo, nossa Constituição Federal, artigo 5º, XXXIX, “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal” e ao princípio da legalidade, positivado no artigo 22, I, CF, no qual, apenas podem ser estabelecidos crimes e penas, mediante lei, submetida ao critério da reserva formal, ou seja, incumbe ao Poder Legislativo da União a competência para criar leis incriminadoras, de modo, a atender a segurança jurídica. 

     Grosso modo, não pode o legislador infraconstitucional e infralegal estabelecer, conforme seu interesse, traçar comportamentos criminosos, pois está expressamente proibido agir desta maneira.

         Logo, temos um vício formal, sujeito a declaração de inconstitucionalidade ao aplicar na integra a Instrução Normativa em comento.

No entanto, a Instrução Normativa 08/79 da CVM, não inovou em verdade, nem mesmo estendeu determinado conceito sobre o crime devido a expressão “outras fraudes”, pois, tais condutas prevista na instrução referem-se unicamente a fatos específicos que realmente podem ser considerados com fraudes, alias, toda e qualquer conduta ardil, enganadora, ardilosa, farsante e astuciosa poderá caracterizar como crime, diante do elemento semântico.

Portanto, com o escopo de trazer uma resposta adequada, podemos compreender que a Instrução Normativa é apenas exemplificativa, pois, o artigo 27-C traça outras características que englobam o resultado da fraude, como a elevação, mantença ou mesmo baixar a cotação da ação de bolsa de valores, significa dizer que, a IN 08/79 coube por apenas expor questões cotidianas da praxe do mercado de ações que possam ocorrer.
No tocante ao autor do crime de manipulação de mercado de capitais, pode ser qualquer pessoa interessada, sendo a principal vítima, toda a coletividade em sentido amplo e subjetivamente os acionistas minoritários lesados.

Quanto ao elemento subjetivo pertencente a conduta do autor do crime, deverá estar presente o dolo específico, ou seja, a vontade livre e consciente de promover o resultado. Denota-se que a conduta dolosa do referido crime deverá ser finalística ou de resultado final, como: alterar artificialmente o regular funcionamento do mercado de valores mobiliários, tendo por escopo a obtenção de vantagem indevida ou o lucro, seja para si, ou em prol de terceiros.

A consumação do delito reveste-se das condutas subjetivas praticadas, sendo lhes desnecessária causação do resultado por si só, sendo um crime de perigo abstrato, portanto, não existe a lesão efetiva de um bem jurídico o a colocação deste bem em risco real em concreto, não se admitindo inclusive, a conduta culposa.

É possível a tentativa no crime de manipulação de mercado de capitais? Para que possamos responder a referida indagação, será necessário observarmos o aspecto cientifico aplicável e considerável, levando-se em consideração do inter criminis (caminho do crime).

Sobre inter criminis, temos a fase interna com a cogitação, no qual o sujeito apenas está planejando o crime, não sendo punível e, posteriormente, teremos outras três fases externas: como a:

1)   Preparação, que o sujeito obtém ferramentas necessárias para a prática do delito. No crime de manipulação de mercado de capitais não está devidamente delineada a conduta de preparação que possa sujeitar a punibilidade na forma tentada, pois se exige que esteja prevista em lei expressamente;

2)   Execução: trata-se do início para a prática do delito.

3)   Consumação: reunindo todos os elementos do tipo penal, nos termos do art. 14, I, do Código Penal.

Interessante compreendermos, quanto à existência conceitual da tentativa perfeita (acabada ou crime falho), distinta da imperfeita ou inacabada.

A tentativa perfeita ou acabada decorre quando o agente pratica todos os atos executórios que pretendia, no entanto, não consegue almejar o resultado desejado. Já a tentativa imperfeita ou inacabada, quando o agente não pratica todos os atos que pretendia.

Ao considerarmos uma resposta adequada, entendemos que não se pode aplicar a tentativa no crime de manipulação de mercado, pois, no referido crime, exige-se resultado especifico  e não havendo resultado, via de consequência, não há com que se afirmar quanto a existência da tentava, seja na fase interna ou externa do inter criminis.

b)      USO INDEVIDO DE INFORMAÇÃO PRIVILEGIADA (art. 27- D), denominado como crime de Insider trading


Utilizar informação relevante de que tenha conhecimento, ainda não divulgada ao mercado, que seja capaz de propiciar, para si ou para outrem, vantagem indevida, mediante negociação, em nome próprio ou de terceiros, de valores mobiliários:

(Redação dada pela Lei nº 13.506, de 2017)

Pena – reclusão, de 01 (um) a 5 (cinco) anos, e multa de até 3 (três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime.                 
 (Incluído pela Lei nº 10.303, de 31.10.2001)

§ 1° Incorre na mesma pena quem repassa informação sigilosa relativa a fato relevante a que tenha tido acesso em razão de cargo ou posição que ocupe em emissor de valores mobiliários ou em razão de relação comercial, profissional ou de confiança com o emissor.                     (Incluído pela Lei nº 13.506, de 2017)

§ 2° A pena é aumentada em 1/3 (um terço) se o agente comete o crime previsto no caput deste artigo valendo-se de informação relevante de que tenha conhecimento e da qual deva manter sigilo.                     
(Incluído pela Lei nº 13.506, de 2017)

Do referido diploma legal acima, podemos extrair alguns elementos caracterizadores para a configuração do delito, como:

a)   A existência de informação relevante e não divulgada ao mercado;

b)    Que a informação pode ser por qualquer pessoa


c)   Devendo trazer a efetiva utilização da informação na negociação de valores mobiliários com o escopo de obter vantagem indevida.

Cumpre ressaltar que, tutela-se bem juridicamente relevante a repressão quanto ao aumento arbitrário dos lucros, ao regular funcionamento do mercado de valores mobiliários, protegendo-se a confiança das transações e a igualdade de condições concorrencial (art. 173, §4°, CF/88).
        

Quanto ao elemento subjetivo, deve estar presente o dolo direto ou determinado, a vontade livre e consciente de obtenção de vantagem indevida mediante negociação de valores mobiliários, devido às informações privilegiadas obtidas (visa certo resultado).

         Assim, consuma-se o delito, no qual não se pode levar em consideração a causação de prejuízo perante terceiro por tratar-se de crime formal ou de consumação antecipada, cujo resultado é previsto, mas é dispensável, haja vista que o resultado consumador ocorre em concomitância com o comportamento do agente.

         Quem pratica o crime e quem são as vítimas?

         O crime pode ser cometido por quem tenha o dever jurídico de manter sigilo sobre determinada informação. Podemos citar como exemplos mais comuns de sujeito ativo do delito, como:

a)   Sócios e Administradores;

b)   Conselheiros e diretores;

c)   Membros integrantes de órgãos técnicos e consultivos;

d)   Membros do conselho fiscal;

e)   Os Acionistas controladores;

f)    Aqueles que, no exercício de sua função exercem atividade, mas que tenham o dever de sigilo de informações (quase insiders). Citamos, por exemplo, controladores, auditores, advogados, intermediários de corretoras de bolsa de valores mobiliários, os agentes de fiscalização, como da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Interessante pontuarmos, que poderá existir a responsabilidade penal perante a qualquer pessoa que repassa informação sigilosa relativa a fato relevante aquele tenha tido acesso em razão de cargo ou posição que ocupe em emissor de valores mobiliários. Não se trata de inovação legislativa, mas sim, para reforçar quanto a existência do art. 30 do Código Penal, devendo ser aplicado também ao caso concreto, assim, como, a teoria monista (unitária ou igualitária), adotada em nosso Código Penal, no artigo 29, estabelecendo-se a existência de responsabilidade de todos pela prática criminosa.

Denota-se que, jurisprudência do STJ coube por julgar casos de insider trading, estabelecendo bases conceituais e sujeitos do crime. Vejamos:

Considera-se insider  trading qualquer operação realizada por um insider (diretor, administrador, conselheiro e pessoas equiparadas) com valores mobiliários de emissão da companhia, em proveito próprio ou de terceiro, com base em informação relevante ainda não revelada ao público.
É uma prática danosa ao mercado de capitais, aos investidores e à própria sociedade anônima, devendo haver repressão efetiva contra o uso indevido de tais informações privilegiadas (arts. 155 , § 1º , e 157 , § 4º , da Lei nº 6.404 /1976 e 27-D da Lei nº 6.385 /1976). 8. O seguro de RC D&O somente possui cobertura para (i) atos culposos de diretores, administradores e conselheiros (ii) praticados no exercício de suas funções (atos de gestão). Em outras palavras, atos fraudulentos e desonestos de favorecimento pessoal e práticas dolosas lesivas à companhia e ao mercado de capitais, a exemplo do insider trading, não estão abrangidos na garantia securitária. 9. Recurso especial não provido[2].

A vítima do crime é a coletividade, aqueles que operam o mercado de captais, assim como, os que tiveram perda econômica decorrente do crime, como proteção os princípios da ordem econômica, conforme o artigo 170 da Constituição Federal.

Fundamental que a utilização de informação privilegiada pode gerar lesão ao Sistema Financeiro Nacional, ao pôr em risco a confiabilidade dos investidores no mercado de capitais, aniquilando a confiança e a lisura de suas atividades[3].

Insta salientar, que poderão ser cumulados os crimes de uso indevido de informação privilegiada (art. 27-D, Lei 6.385/1976) e manipulação do mercado (art. 27-C, Lei 6.385/1976), por se tratarem de condutas e tipos penais diversos, como por exemplo, o caso Eike Fuhrken Batista da Silva[4].

         A pena será de reclusão (pena privativa de liberdade), de 1 a 5 anos, e aplicação de multa de até três vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime cominado, na medida da sua culpabilidade.

c) CRIME DE EXERCÍCIO IRREGULAR DE CARGO, PROFISSÃO, ATIVIDADE OU FUNÇÃO

         Trata-se de delito previsto no artigo 27-E da Lei 6.385/1976:
Exercer, ainda que a título gratuito, no mercado de valores mobiliários, a atividade de administrador de carteira, agente autônomo de investimento, auditor independente, analista de valores mobiliários, agente fiduciário ou qualquer outro cargo, profissão, atividade ou função, sem estar, para esse fim, autorizado ou registrado na autoridade administrativa competente, quando exigido por lei ou regulamento:

Pena – detenção de 06 (seis) meses a 02 (dois) anos, e multa

A conduta do sujeito ativo do crime é exercer, atuar, ainda que de forma gratuita, no mercado de capitais, administrar carteira, ser agente autônomo de investimento, auditor independente, analista de valores mobiliário ou agente fiduciário.

         Desta forma, não havendo autorização ou registro não se pode exercer atividade, cargo ou profissão no mercado de valores imobiliários. Concordamos, de forma técnica que trata-se de norma penal em branco exigindo que tenha uma norma jurídica complemente a atividade profissional, corroborando inclusive com o artigo 5°, XIII, da Constituição Federal: “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer(grifo nosso).

         Assim, temos: Instrução Normativa 306, 497, 483, da Comissão de Valores Mobiliários, artigo 68, da Lei de Sociedade Anônima.

         Quanto ao elemento subjetivo é o dolo, ou seja, vontade livre e consciente para almejar o resultado, independentemente de obtenção de vantagem ou dano a terceiro, por se tratar de crime formal.

         Consuma-se o crime com a mera atuação da atividade não autorizada no mercado de mobiliário ou sem o devido registro nos órgãos vinculados. A tentativa é possível, como por exemplo, o sujeito cria um website com objetivo de capitar clientes ou instalar escritório para dar início as suas atividades.

         A pena é detenção, de seis meses a dois anos e multa.

Devido a quantidade de pena, o crime será processado e  julgado perante o Juizado Especial Criminal Federal, pois é crime de menor potencial ofensivo.

         Por fim, no tocante ao aspecto processual a competência para julgar todos os crimes estudados, será da Justiça Federal, pois há o interesse direto da União na tutela do Sistema Financeiro Nacional, conforme interpretação constitucional, no art. 109, inc. VI da Constituição Federal de 1988[5].
        
        Bibliografia básica:


         
         CUNHA, ROGÉRIO SANCHES. MANUAL DE DIREITO PENAL, PARTE GERAL, JUSPODVM, 2019.

         GONÇALVES, VICTOR EDUARDO RIOS. CURSO DE DIREITO PENAL, SARAIVA, 2015.

     JUNIOR, JOSÉ PAULO BALTAZAR. CRIMES FEDERAIS, SAIRAIVA, 2017.

* Nota do autor: O presente artigo fora criado com base no processo pesquisa e métodos dedutivos e interpretativos autenticos, dando enfase a legislação em vigor consultada e a jurisprudência pátria.

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[2] STJ - RECURSO ESPECIAL REsp 1601555 SP 2015/0231541-7 (STJ).
[3] STJ - CONFLITO DE COMPETENCIA CC 135749 SP 2014/0221015-0 (STJ).
[4] Tribunal Regional Federal da 2ª Região TRF-2 - APELAÇÃO CRIMINAL : ACR 201451010220546 RJ
[5] Os crimes contra a organização do trabalho e, nos casos determinados por lei, contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira.



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