06/04/2022

A EXTRADIÇÃO DO ESTRANGEIRO CONFORME AS DECISÕES RECENTES DOS TRIBUNAIS SUPERIORES

 

Vídeo sobre o tema: https://youtu.be/TUzmNhbSxmg

A extradição do estrangeiro é um dos temas mais sensíveis, apesar de não se tratar de assunto atual, nos remete a ideia de um embate entre o direito de soberania do Estado brasileiro e de outro, o individuo.

Na maioria das vezes, este embate se prepondera muito mais ao Estado do que particular em prol do interesse coletivo, entretanto, as decisões recentes dos Tribunais Superiores retratam bem a relativização de forças, dando contornos muito mais robustecidos cujo norte é a aplicação e a efetividade de direitos humanos fundamentais.

Inicialmente, devemos definir a extradição, como:

Extradição é a Forma de cooperação jurídica na esfera criminal internacional, no qual o Estado requer o envio de um indivíduo para que seja julgado em seu País de origem ou mesmo, possa cumprir a pena, se já condenado.

         Em nossa Constituição Federal de 1988, a extradição está prevista em seu art. 5°, LI e LII,          que prescreve aspectos centrais de proteção aos brasileiros numa eventual extradição, sendo possível apenas a extradição do naturalizado em caso de crime comum, antes da naturalização, assim como, se comprovado envolvimento de trafico ilícito de entorpecentes e drogas afins.

Outra proteção prevista constitucionalmente, diz respeito a não extradição em casos de crime político e de opinião.

O brasileiro nato não pode ser extraditado.

É preciso deter uma breve atenção ao julgado do STF que entendeu que o brasileiro nato pode ser extraditado, desde que opte, de forma voluntária a nacionalidade estrangeira[1], na hipótese do brasileiro adquirir o green card e adquirir a nacionalidade americana.

Ainda que a referida decisão seja polêmica, é passível de alteração entendimento jurisprudencial podendo ser revisitada pela Corte para análise de casos específicos, inclusive deverá ser interpretada de acordo com a Lei n. 13.445/2017(Lei de Migração).

MODALIDADES DE EXTRADIÇÃO

Além de compreendermos sobre a definição da extradição, existem também quatro modalidades:

a) Extradição Ativa;

b) Extradição Passiva

c) Extradição Instrutória e

d) Extradição Executória:

a)   Extradição ativa: quando o Estado brasileiro requerer a outro País a extradição de criminoso foragido pela justiça brasileira;

Nos termos do art. 88 e seguintes da Lei de Migração: todo pedido que possa originar processo de extradição em face de Estado estrangeiro deverá ser encaminhado ao órgão competente do Poder Executivo diretamente pelo órgão do Poder Judiciário responsável pela decisão ou pelo processo penal que a fundamenta.

A referida lei estabelece a competência ao órgão do Poder Executivo o papel de orientação, de informação e de avaliação dos elementos formais de admissibilidade dos processos preparatórios para encaminhamento ao Estado requerido.

Além disso, incumbe aos órgãos do sistema de Justiça vinculados ao processo penal gerador de pedido de extradição a apresentação de todos os documentos, manifestações e demais elementos necessários para o processamento do pedido, inclusive suas traduções oficiais.

Em relação ao procedimento, o pedido deverá ser instruído com cópia autêntica ou com o original da sentença condenatória ou da decisão penal proferida, conterá indicações precisas sobre o local, a data, a natureza e as circunstâncias do fato criminoso e a identidade do extraditando e será acompanhado de cópia dos textos legais sobre o crime, a competência, a pena e a prescrição.

Observa-se que, sem tais documentos de modo algum deverá ser realizada a extradição por se tratar de requisitos formais e, se ausentes caracterizam-se como manifestamente ilegais.

b)   Extradição passiva: decorre quando um País estrangeiro solicita ao Brasil a extradição de foragido que está em território nacional.

Este instituto está previsto no art. 89 da Lei de Migração, ao estabelecer que o pedido de extradição originado de Estado estrangeiro será recebido pelo órgão competente do Poder Executivo e, após análise dos requisitos estabelecidos em lei, encaminhará a autoridade judiciária competente.

Se não atendidos os requisitos em lei, o processo será arquivado, devendo o órgão fundamentar sua decisão.

c)   Extradição instrutória: decorre quando houver um processo em curso no País de origem;

 

d)  Extradição executória: quando o extraditando deverá cumprir pena já imposta pelo Estado requerente, podendo a autoridade competente solicitar ou autorizar a transferência de execução, devendo-se respeitar o princípio do non bis in idem, conforme estabelecido no art. 100, caput, da Lei de Migração.

 

Diante das modalidades de extradição apresentadas, surge uma breve indagação, afinal, existe extradição sem que tenha sido realizado tratado internacional?

A resposta é a seguinte:

Se o ato de extradição se dá por meio de cooperação jurídica entre Estado brasileiro e Estado estrangeiro, via de consequência deverá ser compreendida em sentido amplo, pois, mesmo que os Estados não tenham retificado qualquer acordo ou tratado internacional, poderá ser efetivada a extradição.

Este ato se perfaz com a denominada promessa de reciprocidade ou acordo diplomático entre os dois Estados para a entrega de determinado indiciado, mesmo sem as devidas formalidades legais de um tratado internacional.

A Lei de Migração permite a que seja aplicada a promessa de reciprocidade recebida pela via diplomática, quando se tratar de prisão cautelar do extraditando, conforme estabelece o art. 84, caput, § 2°.

Conforme a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que tem se debruçado há um tempo, ao conferir quanto à possiblidade de aplicação da extradição monocrática (v. Extradição n. 1476/DF), que se efetiva com a declaração de concordância espontânea do extraditando, seguindo a premissa de que um tratado internacional firmado previamente que assim autorize, devendo ser assistido por advogado ou defensor, no qual o Relator do processo de extradição julgar sem levar ao plenário do STF.

Ademais, entendemos que a extradição monocrática não é uma modalidade, devendo ser considerado como um mero procedimento, inclusive, é disciplinado  como  Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, permitindo-se maior celeridade processual, ao invés do processo ter que passar ao crivo do plenário para que seja julgado por todos os Ministros por não possuir repercussão geral.

CONDIÇÕES PARA A CONCESSÃO DE EXTRADIÇÃO

(art. 83, inc. I e II, da Lei de Migração e Regulamento, art. 263, I e II).

De forma objetiva, podemos destacar duas condições necessárias para a concessão da extradição:

1)   Crime cometido no território do Estado requerente ou serem aplicáveis ao extraditando as normas penais do Estado;

 

2)   Estar o extraditando respondendo a processo investigatório ou a processo penal ou ter sido condenado pelas autoridades judiciárias do Estado requerente a pena privativa de liberdade.

 

É preciso afirmar que, se não preenchidas as condições previstas em lei em hipótese alguma poderá efetivar o ato extraditório, sendo uma tarefa do Supremo Tribunal Federal que será observar todos os requisitos formais num todo, atuando como uma espécie de juízo de delibação.

LIMITAÇÃO DEFENSIVA DO EXTRADITANDO

No tocante a defesa do extraditando, advogado ou defensor poderá apenas apresentar os vícios inerentes ao processo no prazo de 10 (dez) dias contado da data do interrogatório, não se admitindo que tratar sobre os fatos ocorridos como base de argumentos.

O art. 91, § 1º, da Lei de Migração, traça como um aspecto limitativo da defesa do extraditando, devendo apenas ater-se com tais pontos, como:

(i)           A identidade da pessoa reclamada

 

(ii)         Defeito de forma de documento apresentado ou

 

(iii)        Ilegalidade da extradição

 

Por critérios lógicos, a defesa pode apresentar eventual violação de direitos do extraditando previamente estabelecidos na Constituição Federa de 1988 e até mesmo violação de tratados em direitos humanos que o Brasil faça parte, seja acordos bilaterais ou multilaterais.

Neste passo, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal já estabeleceu alguns parâmetros específicos que, diante de um caso concreto necessita de uma análise quando houver violação de direitos humanos, como[2]:

a)   A probabilidade concreta de imposição de uma das penas vedadas pelo ordenamento jurídico nacional e internacional;

 

b)   Se existem garantias válidas de que o país requerente irá eventualmente adimplir com o dever de comutar essas penas em sanções juridicamente admitidas pelo Brasil e pela comunidade internacional;

 

c)    Se há garantias mínimas de um julgamento justo e imparcial no qual essas obrigações e os direitos humanos do extraditando sejam respeitados.

 

Podemos citar ainda que, em inúmeros julgados do STF, a referida Corte já considerou como inviável a extradição de estrangeiro que tenha que cumprir pena de morte ou de caráter perpétuo no seu País de origem, ou mesmo qualquer outra pena contrária ao ordenamento jurídico brasileiro[3].

Por outro lado, o STF estabeleceu requisitos tidos como essenciais para o deferimento de extradição passiva, sem que na prática violem preceitos constitucionais e internacionais.

Elencaremos os principais pontos:

1)   Não sendo o extraditando brasileiro nato, e se naturalizado o crime tiver sido cometido antes da naturalização ou, a qualquer momento, no caso de comprovado envolvimento em tráfico de entorpecentes.

Neste caso, admite-se a extradição se comprovado o envolvimento em trafico de entorpecentes na forma executória de brasileiro naturalizado após a naturalização, exigindo que o Estado que o requereu apresente a certidão de transito em julgado de condenação criminal para que possa se efetivar a extradição.

2)   Não sendo caso de crime político ou de opinião

 

Segundo o STF, o crime político é caracterizado quando existe a motivação para tal ato sendo apto a violar elemento subjetivo do cidadão daquele País, como também, haver a violação potencial ou real de valores tidos como fundamentais do Estado.

Podemos citar o caso em que se reconheceu como crime político, o extraditando acusado de transmitir ao Iraque segredo do Estado Requerente (Alemanha), utilizável em projeto de desenvolvimento de armamento nuclear, no qual foi não deferida a extradição do estrangeiro.[4]

Ocorre que, em se tratando de crime de terrorismo, o STF preconizou seu entendimento que não é a mesma figura jurídica do crime político[5].

Portanto, independentemente de suas formas realizadas, a Lei de Migração (art. 82, §4°) estabeleceu que a Corte Constitucional somente deixará de considerar como crime político o atentado contra chefe de Estado ou quaisquer autoridades, bem como crime contra a humanidade, crime de guerra, crime de genocídio e terrorismo.

3)   Respeito ao princípio do devido processo legal

Assim como toda espécie processual, o princípio do devido processo legal também deve ser obedecido na extradição, pois se fosse de modo diverso, a lei não estabelecesse tais regras processuais, como a proibição de julgamento por juízo de exceção, por exemplo.

4)   Se a comutação de pena originária no País do extraditando não for superior do que prevê no Brasil.

Antes do Pacote Anticrime, as penas no Brasil não poderia ser superior a 30 (trinta) anos, porém, com a entrada em vigor da 13.964/2019, O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 40 (quarenta) anos.

O STF entendeu que, a comutação de pena de caráter perpétuo é requisito implícito previsto constitucionalmente para que a extradição seja deferida, cabendo ao Estado estrangeiro comprometer-se em comutar a pena corporal, as de caráter perpétuo ou as de morte em pena privativa de liberdade.

No aprofundamento dos estudos, surge um embate entre considerar a pena não superior a 40 (quarenta) anos, conforme prevê o art. 75 do Código Penal, inserido pelo Pacote Anticrime, ou, considerar o art. 96, III, da Lei de Migração, que se respeite o limite máximo de cumprimento de pena de 30 (trinta) anos.

Cumpre observar que, não há uma posição consolidada acerca de qual regramento será aplicado, entretanto, entendemos ser mais adequado aplicar ao estabelecido no art. 96, III, da Lei de Migração, por se tratar de norma especial e seu elemento condicional se amolda perfeitamente com o ato negativo de não se efetivar a entrega do extraditando sem que o estado requerente assuma compromissos específicos, dentre eles, o de comutar a pena corporal, perpétua ou de morte em pena privativa de liberdade, respeitado o limite máximo de cumprimento de 30 (trinta) anos.

Por outro lado, não se pode dizer que o Art. 75 do Código Penal atual revogou tacitamente o art. 96, III, da Lei de Migrações, tendo em vista que cabe ao Congresso Nacional alterar os atributos específicos, para fins de harmonização legislativa entre os diplomas normativos.

Ademais, existem outros fatores que possam almejar a extradição do estrangeiro, como a reciprocidade entre o Estado brasileiro e Estrangeiro, se ausente tratado ou acordo internacional, devendo o Brasil solicitar extradição em situações similares.

Não será concedida a extradição se caracterizado o ne bis in idem, ou seja, se o extraditando estiver respondendo um processo ou já houver sido condenado ou absolvido no Estado brasileiro pelo mesmo fato do pedido de extradição.

Noutro ponto de extrema importância diz respeito quanto a impossibilidade de extraditar um estrangeiro quando a lei brasileira impuser ao crime pena de prisão inferior a 2 (dois) anos, nos termos do art. 82, IV, da Lei n. 13.445/2017.

 



[1] STF. 1ª Turma. MS 33864/DF, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 19/4/2016.

[2] EXT 1426 ED / DF

[3] STF - Ext: 633 CH, Relator: CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 28/08/1996, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 06-04-2001 PP-00067 EMENT VOL-02026-01 PP-00088

[4] Ext 700, Rel. Min. Octavio Gallotti, julgamento em 4-3-1998, Plenário, DJ de 5-11-1999.

[5] Ext 855, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 26-8-2004, Plenário, DJ de 1º-7-2005.

24/03/2022

A DESCONSIDERAÇÃÇO DA PERSONALIDADE JURIDICA DE PESSOA JURÍDICA EM CASOS RELACIONADOS À FRAUDE DE CRIPOTOMOEDAS

Assista ao vídeo sobre o tema acima.


 

         Imagine a seguinte situação: uma empresa de investimentos em criptomoedas causa danos financeiros em face de diversos consumidores, no qual criam obstáculos para ressarci-los.

         Diante deste caso hipotético, o consumidor ingressa com ação judicial com o objetivo de ser ressarcidos aos prejuízos materiais sobre o valor integralmente investido, bem como, aos danos morais devidos caracterizar-se por pirâmide financeira e fraude.

         Antes de trazermos o apontamento necessário para este caso hipotético, é preciso claramente afirmar que nem todas as empresas que atuam no setor de criptomoedas utilizam o engodo no mercado, entretanto, cabe ao consumidor investigar a idoneidade da empresa previamente.

         É importante compreendermos que, a desconsideração da personalidade jurídica é uma forma (teoria) que se busca desprender quanto à responsabilidade da empresa e imputando aos seus sócios ou administradores, se estes agirem com abuso, seja por desvio de finalidade ou confusão patrimonial.

          Cumpre observar também, que existem duas teorias de desconsideração da personalidade jurídica, a Teoria Maior e a Teoria Menor.

        

Na Teoria Menor, apenas decorre da insolvência do devedor para com os credores, indiferentemente de se analisar quanto aos fatores que ensejaram a sociedade a deixar de se obrigar perante terceiros.  

Esta teoria é comumente empregada em casos de  insolvência ou falência da pessoa jurídica, danos ambientais e nas relações de consumo. Basta o prejuízo para caracterizar como Teoria Menor.

A base jurídica da Teoria Menor possui previsão no art. 28, § 5° do Código de Defesa do Consumidor e o art. 4° da Lei n. 9.605/1998.

A Teoria Maior se caracteriza quando se provado o desvio de finalidade da pessoa jurídica ou confusão patrimonial. Podemos citar o art. 50 do Código de Civil de 2002, que prescreve:

Art. 50. Em caso de abuso de personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações seja estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

Nesta Teoria acima descrita, o abuso de personalidade jurídica se perfaz quando houver o desvio de finalidade ou confusão patrimonial, sendo suficiente um dos dois elementos para a sua aplicação, ou seja, não são requisitos cumulativos.

 

Sobre os efeitos da aplicação da desconsideração da personalidade jurídica

 

De fato, seja qual for a Teoria aplicada com sua respectiva legislação, seguramente, não afeta a personalidade da pessoa jurídica, mas sim, os efeitos patrimoniais da personalidade, especialmente o princípio da autonomia patrimonial que protege o patrimônio das pessoas naturais que integram ou administram a pessoa jurídica, afastando-a de forma temporária em decorrência da fraude.

A partir desta perspectiva surge uma indagação, afinal: Todos os sócios e administradores são atingidos pela desconsideração da personalidade jurídica?

A interpretação do art. 50, caput, do Código Civil de 2002, que somente os bens particulares de administradores e sócios que abusaram da personalidade jurídica, cabendo quem alega comprova-los.

Conforme o Enunciado 07, da Jornada de Direito Civil: Só se aplica a desconsideração da personalidade jurídica quando houver a prática de ato irregular e, limitadamente, aos administradores ou sócios que nela hajam incorrido[1].

Desta forma, apresentados os apontamentos iniciais sobre a desconsideração da personalidade jurídica, podemos adentrar ao presente tema proposto com base nas decisões dos Tribunais.

         É preciso compreender que, a atuação irregular pelas empresas que poderá ensejar numa aparente fraude e a consequência será a desconsideração da personalidade jurídica com único objetivo de evitar que os consumidores que adquiriram as Criptmoedas (Bitcoins) não fiquem sem reaver sobre os valores pagos,  justamente para preservar o patromônio daquele que foi lesado e apontando a responsabilização do sócio ou administrador que promoveu a referida fraude.

         Podemos citar, por exemplo, na hipótese do consumidor não conseguir mais o acesso da plataforma ou sistema online que constam as informações da cripmoeda adquirida e para fim de preservar o patrimônio do consumidor, coube por bem desconsiderar a personalidade jurídica e bloquear os bens dos sócios e administradores da empresa, conforme já decidiu o Tribunal de Justiça do Paraná em julgado recente[2].

         Perceba que, neste caso não se aplica a teoria maior, mas sim a teoria menor, levando-se em consideração a inexistência de patrimônio suficiente para garantir  o cumprimento das obrigações da pessoa jurídica, sendo irrelevante a caracterização do abuso por parte dos sócios e administradores.

         A fundamentação jurídica para aplicação da teoria menor a consequente desconsideração da personalidade jurídica possui previsão nos artigos 28, parágrafo 5º, do Código de Defesa do Consumidor, e 4º da Lei dos Crimes Ambientais (Lei 9.605/1998).

         Além disso, existem inúmeras empresas que prestam serviços de intermediação na compra e venda de criptomoeda, mediante remuneração, a destinatário final. Logo, a consequência será aplicar a integralidade do Código de Defesa do Consumidor.

         Noutro ponto prático é a pessoa lesada registrar um boletim de ocorrência ou mover uma ação de natureza criminal se, de fato houver indícios de pirâmide financeira da empresa de investimentos ou intermediação, pois, pode trazer um peso ainda maior na decisão do juiz cível em relação ao ressarcimento dos valores e a desconsideração da personalidade jurídica.

         Interessante leitura de um julgado recente do Tribunal de Justiça de São Paulo, retratando bem a realidade de uma pessoa que não conseguiu resgatar os valores de bitcoins retidos pela empresa que teve que promover uma ação judicial para ser ressarcido e durante ao processo o juiz desconsiderou a personalidade jurídica como forma de trazer maior efetividade na referida devolução em favor do consumidor. Vejamos:

 

RECURSO – APELAÇÃO CÍVEL – GESTÃO DE NEGÓCIOS – AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL CUMULADA COM DEVOLUÇÃO DE VALORES E DESCONSIDERAÇÃO DE PERSONALIDADE JURÍDICA. Justiça gratuita pleiteada pelos requeridos apelantes. Demandados que comprovam a insuficiência de recursos, enquanto que o recolhimento de custas possui o condão de prejudicar sua própria subsistência. Concessão. Possibilidade. Acolhimento do pleito da conceder ao requerente os benefícios da gratuidade processual RECURSO – APELAÇÃO CÍVEL – GESTÃO DE NEGÓCIOS – AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL CUMULADA COM DEVOLUÇÃO DE VALORES E DESCONSIDERAÇÃO DE PERSONALIDADE JURÍDICA – MATERIA PRELIMINAR. Cerceamento de defesa. Inocorrência. Não se constatada o cerceamento de defesa alegado. Há nos autos prova suficiente para deslinde da causa, o que dispensa a produção de qualquer outra. Matéria preliminar afastada. RECURSO – APELAÇÃO CÍVEL – GESTÃO DE NEGÓCIOS – AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL CUMULADA COM DEVOLUÇÃO DE VALORES E DESCONSIDERAÇÃO DE PERSONALIDADE JURÍDICA - MERITO. Investimentos em bitcoins. Incidência do Código de Defesa do Consumidor ao presente caso. Desconsideração da personalidade jurídica acertada, eis que existente obstáculo ao ressarcimento do prejuízo suportado pelo consumidor. Rescisão do pacto firmado entre as partes e devolução do valor pertencente ao autor. Possibilidade. Descumprimento contratual por parte das requeridas devidamente demonstrado. Ação julgada parcialmente procedente. Sentença mantida. Recurso de apelação dos requeridos não provido, majorada a verba sucumbencial com base no artigo 85, parágrafo 11, do Código de Processo Civil.

 

(TJ-SP - AC: 10087191920208260562 SP 1008719-19.2020.8.26.0562, Relator: Marcondes D'Angelo, Data de Julgamento: 13/09/2021, 25ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 13/09/2021)

         Em síntese, o instrumento da desconsideração da personalidade jurídica nos casos relacionados a crimes de pirâmide financeira e de empresas de criptomoedas são suficientes para preservação do patrimônio de pessoas lesadas.

A finalidade é evitar que os sócios e administradores resgatem todos os valores recebidos indevidamente e transfiram para pessoas físicas e não deixando que tais pessoas fiquem “a ver navios”, ou, na melhor das expressões, “ganhou, mas não levou!”.

 E, fatalmente, se assim não fosse, empobreceria o sistema de efetividade da Justiça em desfavor dos vulneráveis da relação consumerista, bem como, possibilitando que utilizem “laranjas” ou “testas de ferro”, nos contratos sociais, caracterizados estes meros administradores formais encobrindo os verdadeiros sócios e administradores de responsabilização.

 



[2] TJ-PR - AI: 00703101520208160000 Curitiba 0070310-15.2020.8.16.0000 (Acórdão), Relator: Denise Kruger Pereira, Data de Julgamento: 14/02/2022, 18ª Câmara Cível, Data de Publicação: 15/02/2022

20/01/2022

DESVIO DE FUNÇÃO DO SERVIDOR PÚBLICO

desvio de função se caracteriza o servidor passa a exercer atribuições diversas daquelas que correspondem ao cargo para o qual foi nomeado e empossado, ou seja, durante o exercício de atividades ou serviços estranhos à competência de um cargo caracteriza desvio de função.

Muitas pessoas confundem o desvio de função com a readaptação.

Na readaptação o servidor público exerce a investidura do cargo e responsabilidades compatíveis com a sua limitação, conforme a sua capacidade física ou mental, desde que verificada em inspeção médica.

A base deste conceito apresentado de acordo com a previsão no art. 24 da Lei n. 8.112/90, porém, pode variar também, conforme estabelece a Lei Estadual ou Municipal que o servidor público estiver vinculado.

Feitas as devidas distinções, devemos compreender em relação aos contornos práticos acerca do reconhecimento de desvio de função do servidor público.

Num primeiro ponto, deve ser reconhecido por meio de uma ação judicial específica de que o servidor público, dentro de suas atividades, exerceu atribuições diversas, caracterizando o desvio de função e terá o direito de receber todo o salário compatível com o cargo ao qual exerceu.

É importante deixar claro que, não se trata de hipótese de aumento de vencimentos ou equiparação salarial, mas sim, uma forma de indenização pela correta remuneração dos serviços efetivamente prestados, sob pena de enriquecimento sem causa da Administração[1].

O enriquecimento sem causa promovido por parte da Administração Pública decorre quando esta detém certa vantagem indevida em face do servidor público, que por sua vez, realiza prestações superiores e mais custosas do que as que foram pactuadas.

         Nos termos do art. 840 do Código Civil de 2002, veda expressamente que:

Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.

         Ademais, o Superior Tribunal de Justiça sedimentou entendimento com a edição da Súmula nº 378, segundo o qual o servidor que desempenha função diversa daquela inerente ao cargo no qual foi investido, embora não faça jus ao reenquadramento, tem direito a receber as diferenças remuneratórias referentes ao período no qual perdurar o desvio de função, sob pena de enriquecimento sem causa por parte do Estado.

         Importante frisar, que a edição da referida súmula é datada em 22/4/2009, portanto, não se trata de nenhuma novidade inserida na prática jurídica, sendo um assunto pacifico em nossa jurisprudência atual até a presente data.

        

         Aspectos fundamentais sobre a Ação de desvio de função do servidor público

         A primeira e oportuna indagação acerca dos aspectos processuais, diz respeito à espécie de ação judicial a ser promovida, afinal, qual ação se deve ingressar?

         A ação que deve ser promovida será de reconhecimento da relação jurídica, ou seja, uma ação declaratória, cumulada com perdas e danos, tendo em vista que a finalidade é de ver reconhecido pelo Poder Judiciário de que, materialmente o servidor público exercia função diversa do cargo que foi nomeado e empossado, cabendo ainda ao órgão no qual é vinculado efetuar o pagamento das diferenças dos vencimentos que lhe faça jus.

Em síntese, deve-se provar que o servidor público trabalhava em funções diversas daquelas da investidura do cargo.

         O fundamento legal está contido no art. 19 do CPC que, estabelece que, o interesse do autor pode limitar-se à declaração da existência, da inexistência e do modo de ser de uma relação jurídica.

Sobre as provas a serem produzidas e aceitas no processo

         Por se tratar de uma questão estritamente técnica, devemos pontuar que, o ônus da prova incumbe ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito (art. 373, II, do CPC), portanto, cabe ao servidor público provar que exerce o desvio de sua função durante suas atividades desempenhadas.

         Em relação aos meios de prova, pode ser por meio de depoimento pessoal e testemunhas que serão ouvidas em audiência, podendo também ser aceitos documentos oficiais do órgão, como por exemplo, um relatório elaborado pelo autor, inclusive e-mails e mensagens de troca de mensagens instantâneas como elemento de prova digital.

         As provas periciais também serão válidas e poderão ser requeridas judicialmente, desde que tenha pertinência com os fatos.

Reconhecido o desvio da função, o servidor público terá o direito de receber acréscimo das diferenças, bem como ser indenizado pelas prestações vencidas com os devidos reflexos sobre os quinquênios, sexta-parte e 13º salário, respeitada a prescrição quinquenal, com a incidência dos juros moratórios, a partir da citação.

Prazo prescricional para ingresso da ação sobre desvio de função

         É importantíssimo que o servidor público, assim como o servidor público já aposentado esteja atento à questão do prazo para a propositura da ação relacionada ao reconhecimento do desvio de função, pois o prazo é de até 5 (cinco) anos.

         Para aqueles que ingressam com a ação e ainda continua a exercer suas atividades perante a Administração Pública, por se tratar de relação jurídica de trato sucessivo, o prazo prescricional renova-se mensalmente, prescrevendo apenas as parcelas anteriores aos cinco anos que antecedem a propositura da ação[2].

 

         Jurisprudência selecionada:

SÍNTESE DOS DEVERES: Compete a prestação de serviços técnicos de enfermagem, executando as atividades de nível médio técnico atribuídas à equipe de enfermagem, cabendo-lhe: executar ações de tratamento simples, preparar o paciente para consultas, exames e tratamento, observar, reconhecer e descrever sinais e sintomas, ao nível de sua qualificação, executar tratamentos especificamente prescritos e de rotina, além de outras atividades de enfermagem tais como: ministrar medicamentos por via oral e parental , realizar controle hídrico, fazer curativos, aplicar oxigenoterapia, nebulizações , enteroclisma, enema e calor e frio, executar tarefas referentes à conservação e aplicação de vacinas, participar na prevenção e controle de doenças transmissíveis em geral, realizar testes e proceder a sua leitura para subsídios de diagnósticos, colher material para exames laboratoriais, executar atividades de desinfecção e esterelização , prestar cuidados de higiene e conforto ao paciente e zelar por sua segurança, inclusive alimentá-lo ou auxiliá-lo a alimentar-se, zelar pela limpeza e ordem do material, de equipamentos e dependências de unidades de saúde, integrar a equipe de saúde, participar de atividades de educação de saúde, inclusive orientar os pacientes na pós consulta quanto ao cumprimento das prescrições de enfermagem e médicas, realizar visitas domiciliares, auxiliar enfermeiro na execução dos programas de educação para a saúde, executar atividades de apoio como lavagem e preparo do material para esterilização , recebimento, conferência e arranjo da roupa vinda da lavanderia, auxiliar na distribuição de alimentos e dietas, participar de levantamentos epidemiológicos e executar tarefas afins, inclusive as editadas na respectivo regulamento da profissão, bem como prover a unidade de saúde, com materiais necessários para o desempenho das funções médico-assistencial, controlar estoque de materiais e medicamentos informando das necessidades apuradas, acompanhar equipes em visitas domiciliares, fazer procedimentos da função, assistir ao enfermeiro no planejamento, programação, orientação e supervisão das atividades de assistência de enfermagem, prestação de cuidados de enfermagem a pacientes em estado grave, prevenção e controle de doenças transmissíveis em geral em programas de vigilância epidemiológica, prevenção e controle sistemático de danos físicos que possam ser causados a pacientes durante a assistência de saúde, executar atividades de assistência de enfermagêm perceptuadas as atividades do enfermeiro, integrar a equipe de saúde. Executar demais atividades afins. (grifei).

 

PROCEDÊNCIA - APELAÇÃO DA RÉ E REEXAME NECESSÁRIO CONSIDERADO INTERPOSTO - DESPROVIMENTO - Efetiva demonstração do desvio de função por provas documental e testemunhal - Nítida divergência entre as incumbências do cargo efetivo ocupado e daquele realmente exercido - Agente administrativo judiciário que cuidava do setor de almoxarifado da Comarca - Elaboração de Livro de Tombo, controle dos materiais e patrimônio, atos próprios do cargo de escrevente técnico judiciário - Fixação de indenização consistente na diferença da remuneração entre os cargos, sob pena de enriquecimento sem causa da Administração Pública - Precedentes - Sentença de procedência mantida - Recursos desprovidos." (TJSP; Apelação 1009591-48.2016.8.26.0053; Relator (a): Antonio Tadeu Ottoni; Órgão Julgador: 13a Câmara de Direito Público; Foro Central - Fazenda Pública/Acidentes - 2a Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 28/11/2018; Data de Registro: 30/11/2018).

"APELAÇÕES - AÇÃO ORDINÁRIA - SERVIDORA PÚBLICA DO MUNICÍPIO DE PIRACICABA - MONITOR DE CENTRO EDUCACIONAL E CRECHE - DESVIO DE FUNÇÃO - Pretensão ao pagamento de diferenças remuneratórias e reenquadramento no cargo de professora em razão do desvio de função - Sentença de procedência em parte - Pleito de reforma da sentença - Não cabimento - Comprovação da realização de atividades inerentes à função de professora através da prova oral - Necessidade do pagamento das diferenças remuneratórias, nos termos da Súm. nº 378, de 05/05/2.009, do STJ - Caráter indenizatório - Ausência de violação ao art. 37, XIII, da CF, e à Sum. nº 339, de 22/08/1.963, do STF - Reenquadramento no cargo de professora - Impossibilidade - Investidura em cargo público que demanda aprovação em concurso público próprio - Precedentes do STF e deste TJ/SP - CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA - Incidência do IPCA-E para a correção monetária e da Lei Fed. nº 11.960, de 29/06/2.009 para os juros de mora

APELAÇÕES não providas e REMESSA NECESSÁRIA provida em parte, apenas para regrar a correção monetária e os juros de mora." (TJSP; Apelação 0006296-58.2014.8.26.0451; Relator (a): Kleber Leyser de Aquino; Órgão Julgador: 3a Câmara de Direito Público; Foro de Piracicaba - 1a Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 27/11/2018; Data de Registro: 29/11/2018).

SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL – DESVIO DE FUNÇÃO – SERVIDOR CONCURSADO PARA O CARGO DE CARCEREIRO QUE PASSOU A EXERCER A FUNÇÃO DE INVESTIGADOR DE POLÍCIA – Pretensão de recebimento das diferenças entre as correspondentes remunerações, com os devidos reflexos – Admissibilidade, sob pena de enriquecimento da Administração – Desvio de função comprovado – Súmula nº 378, do Superior Tribunal de Justiça – Precedentes – Correção monetária e juros de mora, nos termos do quanto decidido no Recurso Extraordinário nº 870.947/SE (Tema de Repercussão Geral nº 810) – Sentença mantida. Apelo não provido.

(TJ-SP - AC: 10031951320218260269 SP 1003195-13.2021.8.26.0269, Relator: Spoladore Dominguez, Data de Julgamento: 26/11/2021, 13ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 26/11/2021)

ADMINISTRATIVO - Servidora Pública Estadual - Desvio de função - Atendente de necrotério que desempenhava funções de Auxiliar de Necropsia - Pagamento das diferenças remuneratórias, com o reflexo nas demais verbas - Procedência do pedido Pretensão de reforma - Impossibilidade -Desvio de função comprovado - Cabível a cobrança das diferenças salariais, sob pena de enriquecimento ilícito da Administração Súmula nº 378 do Eg. STJ. Sentença mantida. Recurso negado.

 

(TJ-SP - AC: 10034883420208260037 SP 1003488-34.2020.8.26.0037, Relator: Danilo Panizza, Data de Julgamento: 13/10/2021, 1ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 13/10/2021).



[1] REsp 1689938/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/09/2017, DJe 10/10/2017)

[2] TJ-SP - Apelação APL 10141024520158260564 SP 1014102-45.2015.8.26.0564.

24/11/2021

BREVES COMENTÁRIOS A LEI N. 14.245/2021- LEI MARIANA FERRER

*Para assistir ao vídeo complementar



         A Lei 14.245/2021, denominada como Lei Mariana Ferrer, alterou o Código Penal, Código de Processo Penal e a Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais.

O nome “Lei Mariana Ferrer” se deu a um fato ocorrido me audiência envolvendo denuncia de estupro sofrido pela Mariana Ferrer que, durante a audiência, houver comportamento tido como grotesco por parte da defesa do Réu, ao atacar diretamente a parte no processo, assim como apresentou fotos intimas que não se conectavam aos fatos.

O fato somente teve repercussão em decorrência do vazamento das imagens gravadas nas redes sociais da audiência de instrução e julgamento, gerando o reflexo com a edição da Lei. 14.245/2021.

         O objetivo central desta alteração legislativa nos dispositivos legais acima mencionados, são para coibir a prática de atos atentatórios à dignidade da vítima e de testemunhas e para estabelecer causa de aumento de pena no crime de coação no curso do processo.

         No Código Penal, acresceu o parágrafo único do art. 334, no crime de coação no curso do processo, que aumenta a pena aumenta a pena de 1/3 (um terço) até a metade se o processo envolver crime contra a dignidade sexual.

         Já no Código de Processo Penal e na Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais (art. 81), acresceram os seguintes textos normativos:

Art. 400-A. Na audiência de instrução e julgamento, e, em especial, nas que apurem crimes contra a dignidade sexual, todas as partes e demais sujeitos processuais presentes no ato deverão zelar pela integridade física e psicológica da vítima, sob pena de responsabilização civil, penal e administrativa, cabendo ao juiz garantir o cumprimento do disposto neste artigo, vedadas:

I - a manifestação sobre circunstâncias ou elementos alheios aos fatos objeto de apuração nos autos;

II - a utilização de linguagem, de informações ou de material que ofendam a dignidade da vítima ou de testemunhas.

Art. 474-A. Durante a instrução em plenário, todas as partes e demais sujeitos processuais presentes no ato deverão respeitar a dignidade da vítima, sob pena de responsabilização civil, penal e administrativa, cabendo ao juiz presidente garantir o cumprimento do disposto neste artigo, vedadas:

I - a manifestação sobre circunstâncias ou elementos alheios aos fatos objeto de apuração nos autos;

II - a utilização de linguagem, de informações ou de material que ofendam a dignidade da vítima ou de testemunhas.

Claramente, as alterações legislativas couberam por ditar o obvio, visto que todo o processo deve ater-se aos fatos assim narrados, cabendo ao julgador fazer um juízo valorativo quanto aos documentos apresentados (provas), afastando-se neste ponto, a análise de fatos que não condizem ao que promovido na ação judicial.

Por outro lado, o fator principal em ditar o óbvio está instalado ao aspecto normativo que, por vezes, o legislador precisa “dizer” aquilo que foi esquecido ou velado na prática, trazendo a moral muito mais ao seu lado, prestigiando a dignidade da pessoa humana como tutela.

Cumpre observar que, o campo em aberto na atuação do magistrado em se deparar com situações, como a utilização de linguagem, informações ou material que ofendam a dignidade da vítima ou testemunha.

Independentemente da atuação do magistrado, a responsabilidade de quem violar a lei com tais condutas em audiência responde civil, penal e administrativamente.

E se juiz for omisso diante das circunstancias, será que poderá responder também?

No âmbito cível, a responsabilidade por danos morais e matérias, os agentes públicos não respondem diretamente, cabendo o lesado promover ação em face do Estado.

A Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LC/35/1979) estabelece sobre a responsabilidade civil:

Art. 49 - Responderá por perdas e danos o magistrado, quando:

I - no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude;

Il - recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar o ofício, ou a requerimento das partes.

É possível que responda administrativamente, seja por ação ou omissão, sendo analisada sua conduta profissional, conforme a Lei Orgânica da Magistratura Nacional.

No aspecto penal, entendemos que inexiste qualquer reponsabilidade por omissão expressamente, entretanto, isto não significa que existe um ato atípico.

O art. 13, §2° do Código Penal estabelece contornos a omissão quando  é penalmente relevante o omitente devia e podia agir para evitar o resultado, mas não o faz. Podemos elencar três situações:

1 - Tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; 2- De outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado e;

3- Com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado

         Logo, a omissão de quem tem o dever de agir, como no caso de juiz, promotor de justiça ou mesmo o advogado, podem sim responder criminalmente por seus atos, seja  por ação ou omissão.

         Em relação a conduta do advogado, o art. 7º, § 2º da lei 8.096/94, dispõe  sobre a imunidade profissional, não configurando injúria ou difamação puníveis, qualquer manifestação de sua parte, no exercício profissional, em juízo ou fora dele.

“Art. 7.º São direitos do advogado: ... § 2.º O advogado tem imunidade profissional, não constituindo injúria, difamação ou desacato puníveis qualquer manifestação de sua parte, no exercício de sua atividade, em juízo ou fora dele, sem prejuízo das sanções disciplinares peranteOAB, pelos excessos que cometer

Neste ponto, se o advogado ofender a parte contrária no exercício profissional, à imunidade abrange apenas os delitos de injúria e difamação.

Se existe esta imunidade profissional, como fica após a Lei 14.245/2021?

Por se tratar de questões pontuais promovidas pelo legislador com a Lei 14.245/2021, ligado em coibição da prática de atos atentatórios à dignidade da vítima e de testemunhas entendeu que, devido ao princípio da especialidade, o art. 7°, § 2°, do Estatuto da OAB não deve ser aplicado.

Ao contrário que muitos pensam, não significa que o advogado deve afastar-se aos parâmetros éticos de suas atividades profissionais, pois, com a alteração legislativa, deverá ser muito mais ligado à técnica de suas atividades, como não apresentar manifestações sobre circunstancias ou elementos alheios aos fatos objeto da apuração dos fatos, bem como, ponderar-se no emprego de sua manifestação com zelo e cuidado com seu linguajar.

Se o juiz verificar que a conduta do advogado extrapola os limites de sua atuação, poderá oficiar a Ordem dos Advogados sobre tais fatos ocorridos em audiência de instrução e julgamento.

E se conduta em audiência for promovida por membros do Ministério Público ou do Magistrado, os fatos devem ser dirigidos por seus respectivos conselhos de classe, inclusive, parente o Conselho Nacional de Justiça.

De toda forma, entendemos que será necessário que cada órgão estabeleça diretivas para atuação profissional, como forma complementar, de como se deve agir em tais situações prescritas nas alterações legislativas.

É preciso dizer, aos que atuam na área jurídica em si (e os fora dela como vítima e réu), o respeito mutuo deve imperar em suas atividades, inclusive, a alteração normativa coube por rememorar exatamente isso, a dignidade humana em seu centro principal, sendo o dever de civilidade e humanismo que deveriam ser aplicados, sem necessidade de lei.

Além disso, inexiste qualquer “engessamento” na atuação advogado para defender seu cliente em deixar de utilizar palavras ou manifestações que ofendam a dignidade e decoro, assim como, não faz nenhum sentido a acusação por parte do Ministério Público em promover ataques pessoais às testemunhas de defesa, por exemplo. Ao magistrado, o mesmo raciocínio, sendo desnecessária qualquer conduta em sentido contrário.

Por fim, os breves apontamentos acima propostos não são verdades absolutas, devendo extrair naquilo que seja tecnicamente proveitoso, para fins de estudo.

 

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