As
drogas ilícitas em nosso Brasil é um problema sério. Com base na tutela da
saúde pública que existe no plano da validade e eficácia, a legislação
estabelece diversas condutas tidas como reprováveis sob a ótica da norma penal
vigente. Estamos
próximos de uma decisão judicial que pode alterar o rumo destas questões. Por
isso a discussão.
O
embate é sempre atual que nunca tem fim, diz respeito da linha tênue entre a configuração de usuário de drogas ilícitas
para o traficante, sendo que cada um terá um tratamento diferente na
aplicação da lei ao caso concreto.
Diferenciarmos
os usuário e traficante de drogas não deve ser dificultoso na prática. No
entanto, na prática judiciária, o juiz (em tese) está sempre buscando a solução
que mais se amolda como elemento caracterizador de uma ou outra figura, ao
saber quem é quem, distinguindo o usuário do traficante de drogas.
Seguramente,
o juiz em um caso concreto, sempre irá deparar com teses jurídicas, tanto de
acusação, cabendo o promotor de justiça apresentar indícios de autoria e
materialidade delitiva, como também a defesa do acusado, de modo a apresentar
toda a linha de defesa técnica amparada em lei, sendo capaz de absolver ou
minimizar a pena ao réu. Eis o dilema prático e um jogo de cartas, cada qual
com o seu.
Levando
a consideração no parágrafo acima, são critérios diversos que farão muita
diferença na tomada de decisão para o juiz que, conforme dito, a cada
caracterização do individuo, tratamentos distintos.
Mas que tratamentos são estes que a lei
diferencia o usuário de drogas para o traficante? Vejamos:
Ao
Estado incumbe o ônus de provar que determinado acusado realmente infringiu a
lei penal, pois detém aparato muito maior do que o individuo, podendo
apresentar todas as provas necessárias. A questão relacionada ao peso que detém
ao Estado como obrigação de provar é algo muito maior do que imaginamos, pois é
um elemento essencial no Estado Democrático de Direito, no qual regem regras e
princípios, tendo em vista que, o terreno
do processo penal, é crucial, na medida em que sempre há uma relação entre
desiguais (Estado-individuo), conforme leciona Aury Lopes Jr[1].
A
questão do ônus da prova em todo em qualquer caso criminal, deverá seguir como
regramento, tanto relacionados a aspectos constitucionais, já que se encontra inserido
de forma implícita no artigo 5º, incisos LIV e LVII, da CF/88, mas, tratados
como princípios, como o devido processo legal[2].
Por
falar de princípios, ao Estado caberá como elemento garantidor, na prática de
suas atividades judiciais, promover a presunção
de inocência, trazendo para si, a responsabilidade de provar, por meio de
acusação, os fatos constitutivos da pretensão punitiva. Mas isto seria
formidável se assim todos os casos fossem resultar desta forma, por caberia
apenas a defesa apenas apresentar eventuais fatos impeditivos ou extintivos
que, faticamente acabam apresentando todo o juízo de convencimento teórico e
fático da presunção de inocência, que deveria ser incumbência do Estado.
Seguramente,
estabelecer o critério de tratamento diferenciado entre usuário de drogas e
traficante estão totalmente relacionados a elementos de provas no processo
penal, pois, em tese a Acusação tem a obrigação demostrar ao juiz de
determinado caso concreto, de que “lobo é
lobo, cordeiro é cordeiro”.
Ocorre
que, em diversas ocasiões, o magistrado se convence da denúncia ofertada pelo Ministério
Público que, em seu argumento e com apenas as provas juntadas pela Polícia, prefere
apontar quem é o lobo e quem é o cordeiro.
Obviamente, o juiz desde o início irá julgar desfavoravelmente ao Réu
condenando por trafico de drogas quem, em verdade, é usuário, detendo o seu
juízo de valor. Mas não podemos julgar a atuação do magistrado, nem mesmo do
promotor de justiça, pois, tristemente, temos uma Defesa, defensor público ou
advogado particular, que mais preferiu colocar os mesmo argumentos jurídicos
que todos do judiciário já sabem, em casos de defesa, todos são usuários e
pronto[3]!
Diferenciar
o usuário do traficante não é questão de argumento jurídico somente, trata-se
de uma questão técnica, além das provas que acercam os fatos.
Sobre
as provas que cercam os fatos, cumpre observarmos alguns detalhes, que precisam
ser analisados, com base de casos semelhantes: Foi apreendida alguma balança de
precisão? Havia dinheiro com o acusado? Se sim, quanto de valores apreendidos?
Qual é a condição de vida da pessoa acusada? Onde mora? Existe histórico de
drogas, como internação? E por último, título deste artigo, qual a quantidade
da droga?
Poderíamos
escrever diversas páginas só de perguntas acima, sendo que tais perguntas, por
incrível que pareça, não são questionadas nem mesmo respondidas em sua
integralidade. Depoimentos de policiais, laudo que constatam drogas, já são
suficientes para condenação, mesmo com uma defesa técnica. Por isso ficam sem
respostas.
Feita algumas críticas, podemos de plano distinguir
usuários dos traficantes. Para um leigo, é simples diferencia-lo: os usuários compram drogas, os traficantes
vendem. É exatamente isso! Sem delongas.
Se pararmos para pensar, não são fatores jurídicos que
possam trazer esta diferença prática e sim, um fator cientifico. O laudo
pericial, por meio de exame específico pode dar uma resposta. No entanto, com o
devido respeito à questão técnica, também não é o suficiente.
Existem situações que provas devem ser trazidas em defesa
para demonstrar que a pessoa acusada de trafico de drogas, é usuário, mas, o
mero exame dependendo do tempo que a pessoa utilizou a droga e do grau de abstinência,
não será capaz de responder se tratava ou não de usuário. Imagine-se a seguinte
situação: um usuário com uma boa vida econômica
sobe o morro para comprar drogas, no entanto, é abordado pelo patrulhamento da
Polícia Militar, no qual constata se grande quantidade de drogas e uma boa
quantidade de dinheiro. O argumento de seus familiares e amigos é que ele
encontrava-se num estado de alucinação para voltar a usar as drogas que, logo
que recebeu seu primeiro salário, a primeira coisa que fez foi ir de encontro
aos traficantes e comprar a maior quantidade de drogas possível. No caso
hipotético poderia realmente ocorrer e o exame para provar a acusação seria
insuficiente. Portanto, há fatores além da questão estritamente técnica e não são fatos isolados.
Ainda não respondemos o questionamento anterior, afinal, tratamentos
jurídicos diferencia o usuário de drogas para o traficante? Sem sombra de
dúvidas, por dedução[4]
com que já foi apresentado até o momento que, para a Lei de Drogas, ser usuário não deixa a pessoa presa e
traficante de drogas sim[5]!
Talvez essa já seja a resposta mais próxima que a sociedade já tem
conhecimento.
De fato, a única prisão que o usuário de drogas sofre é
livrar-se do vício delas. Dependendo da droga e da quantidade utilizada durante
a vida do ser humano, pode ser irreversível. Neste ponto, faz-se a ponderação que a quantidade de drogas não pode servir como parâmetro
para uma decisão judicial, contrariamente
do que se manifestou o Ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto
Barroso, em seu voto ao estabelecer limite de até 25 gramas de maconha como
parâmetro para caracterizar o uso[6].
Com o devido respeito ao argumento do Ministro, seria inadequado estabelecer um
parâmetro de quantidade para que, o juiz no caso concreto possa diferenciar o
usuário do traficante. De certo, sendo um traficante sagaz, poderia muito bem
circular pela cidade com pouca quantidade e conseguir vender a pouca quantia. Percebe-se o grau de incerteza ao
quantificar?
Outro ponto importante, o Supremo Tribunal Federal não pode
defender ideologias, mas sim, começar a pensar quais os efeitos de suas
decisões proferidas. Estamos prestes a ter um julgamento[7]
sobre a (in) constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas pela Corte (Recurso Extraordinário 635659), no qual
se espera um equilibro entre combater o
uso de exacerbado de drogas, inclusive por jovens protegendo toda a
coletividade, como a saúde pública e de outro, o direito individual e a sua
liberdade de fazer o que quer com a sua vida, optando por consumir drogas pelo
resto da vida.
De modo algum, estamos a defender um ponto ou outro, apenas
o equilíbrio, ao passo que, numa previsão, se o STF julgar pela
inconstitucionalidade, sem sobra de dúvida, irá julgar outros casos polêmicos na
forma semelhante, preservando a liberdade individual do que a “mão do Estado” em seu aspecto punitivo.
Em breves conclusões, a quantidade de drogas não pode ser o
suficiente para uma decisão judicial, pois, em nada altera para diferenciar o
usuário do traficante, devendo trazer outros elementos suficientes, num
contexto geral. Também algo muito esquecido que deveria mudar na prática: o
tratamento jurídico para o usuário que deveria ter o auxílio para livrar-se das
drogas pelo Poder Judiciário, pois, ao vislumbrar num caso concreto, o juiz
deverá encaminhá-lo para tratamento, inclusive em audiência de custódia[8],
fase inicial de uma prisão em flagrante.
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[2] “Ninguém
será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”
[3]
Juízes e Promotores de Justiça já estão calejados com as mesmas teses, “copia e
cola”, que posteriormente, como resposta, acabam por utilizar os mesmo vícios,
assim como, de que todo e qualquer caso é igual. Não são todos que agem desta
forma, só para constar e nem é preciso demostrar, pois todos os atos
processuais são públicos, exceto casos de segredo de justiça.
[4]
Não somente a dedução, como também a atenção ao leitor.
[5]
Segundo o artigo 33, da Lei 11.343/2006, a pena é de reclusão de 5 (cinco) a 15
(quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos)
dias-multa.
[6]
Para quem tiver interesse em ler a decisão:
[7]
Previsão de julgamento dia 05/06/2019.