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29/05/2020

[Vídeo] CRIME DE FACILITAÇÃO DE CONTRABANDO OU DESCAMINHO (ART. 318 DO CÓDIGO PENAL)


CRIME DE FACILITAÇÃO DE CONTRABANDO OU DESCAMINHO (art. 318, CP)

 

Uma visão moderna segundo o entendimento dos Tribunais Superiores.

Por mais que possa ser estranho numa primeira leitura ao artigo 318 do Código Penal, pois se depreende numa figura autônoma em que o legislador coube por estabelecer um critério delimitado no tocante à repressão de outras condutas criminosas, de modo, a tornar a efetivo cumprimento do Código Penal vigente, evitando um “efeito dominó”.

Nos termos do artigo 318, do CP:

Facilitar com a infração de dever funcional, a prática de contrabando ou descaminho

Pena- reclusão, de 3 (três) a 8 anos, e multa.

         Note-se que o sujeito ativo do delito é funcionário público, pois está investido no seu dever funcional, considerando, inclusive como exceção do princípio unitário no concurso de agentes[1], aplicando-se ao disposto no artigo 327 do Código Penal[2].

         Portanto, o referido crime tem por finalidade evitar que o funcionário público, no exercício de suas atribuições faça vistas grossas diante da conduta criminosa promovida por qualquer cidadão, especificamente, a prática de contrabando e descaminho.

         Interessante pontuarmos que, o Estado (em sentido amplo) é o sujeito passivo do crime, pois, é o principal interessado em coibir a criação de fortuna à custa ao erário público.

         A conduta do funcionário público é facilitar (ajudar, descuidar, favorecer, apoiar, contribuir), seja por meio de ação ou omissão, a prática de crimes de contrabando e descaminho.

         É necessário compreendermos que o contrabando e o descaminho também são crimes previstos no Código Penal.   

Podemos em síntese, fazermos uma breve distinção entre contrabando e descaminho:

·        Contrabando: Importação ou exportação de mercadoria cuja entrada no País ou saída dela é absoluta ou relativamente proibida (art. 334-A, CP);

 

·        Descaminho: trata-se de fraude empregada para iludir, total ou parcialmente o pagamento de Imposto de Importação, Imposto de Exportação ou de Consumo (art. 334, CP).

Em verdade, o crime de facilitação de contrabando ou descaminho é um crime que se exige a conduta criminosa antecedente de terceiro para que seja devidamente caracterizado o crime promovido pelo funcionário público, entretanto, não se pode afirmar que a conduta possa ser culposa, mas sim, dolosa, pois a real intenção do funcionário público é facilitar que o particular viole a lei penal.

Num aspecto de ordem prática, gira em torno que as decisões reiteradas dos tribunais superiores consolidaram a posição que, no crime de descaminho não se configura quando o valor do tributo devido é inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais), podendo, em razão do valor, aplicar ao princípio da insignificância.

 Desta forma, diante da atipicidade da conduta por parte particular, questiona-se: existe a possiblidade do funcionário público beneficiar-se, quando houver a aplicação do princípio da insignificância no crime de descaminho para o particular? Há algum reflexo de ordem prática ao funcionário público?

Tais apontamentos tornam-se como fundamentais diante de um caso concreto, visto que a conduta do funcionário público tem o dever de lealdade de seus atos durante suas atividades institucionais, pois se assim não fosse, sequer seria considerado o crime de facilitação de descaminho, independentemente se a conduta de determinado passageiro for considerada atípica e posteriormente seja absolvido, entretanto, não irá incidir tais efeitos da absolvição a favor do funcionário público, haja vista que a facilitação do descaminho é conduta tida como autônoma e nem sempre deverá considerar um fator de crime antecedente de terceiro para a sua consumação.

Portanto, é crime formal e materialmente típico e não há se afirmar qualquer vantagem ao funcionário público, inclusive o Supremo Tribunal Federal já se manifestou neste sentido a respeito do tema[3].

A respeito da infração decorrente de dever funcional, é preciso frisar que se torna como elementar do tipo, conforme estabelece o artigo 318 do Código Penal, pois caso não seja  considerado como funcionário público será considerado com partícipe do crome de contrabando ou descaminho para fins penais.

Tratando-se de alguns pontos essenciais, o elemento subjetivo é decorrente dolo, ou seja, vontade livre e consciente para a facilitação do contrabando ou descaminho e conforme dito anteriormente a conduta culposa.

Em relação ao ato de consumação, como se trata de um crime de natureza formal, se perfaz por sua realização em facilitar, sendo possível à tentativa.

No aspecto processual, a ação penal é pública incondicionada.   

A competência para julgar este crime será da Justiça Federal, independentemente se o crime for cometido por funcionário estadual, com base na Súmula 151, do STJ[4].

É possível aplicar o Acordo de Não Persecução Penal, desde que preenchidos os requisitos previstos no artigo 28-A, do Código de Processo Penal.

 

Questões de concurso público:

 

Ano: 2014 Banca: VUNESP Órgão: DESENVOLVESP  2014 - DESENVOLVESP – CARGO: Advogado

O funcionário público que, em conluio com particular, facilita-lhe a prática de contrabando será processado por...

  • A corrupção passiva, do art. 317 do CP.
  • B facilitação de contrabando ou descaminho, do art. 318 do CP.
  • C prevaricação, do art. 319 do CP.
  • D condescendência criminosa, do art. 320 do CP.
  • E contrabando ou descaminho, do art. 334 do CP.

Gabarito: Letra: B

 

Ano: 2019 Banca: CESPE / CEBRASPE Órgão: PRF Prova: CESPE - 2019 - PRF - Policial Rodoviário Federal

Tendo como referência essa situação hipotética, julgue o item a seguir.

Caso fique comprovada a participação do servidor público na conduta delituosa, ele responderá pelo delito de descaminho em sua forma qualificada: ela tinha o dever funcional de prevenir e de reprimir o crime.

Certo ou Errado?

 

Gabarito: Errado. Não existe previsão legal no crime de descaminho pela forma qualificada pela participação do servidor público. Neste caso, ele será coautor ou participe.

Ano: 2020 Banca: CESPE / CEBRASPE Órgão: SEFAZ-AL Prova: CESPE - 2020 - SEFAZ-AL - Auditor de Finanças e Controle de Arrecadação da Fazenda Estadual

Com relação a aspectos do direito penal, julgue o item a seguir.

Funcionário público que é responsável pela fiscalização da entrada e saída de mercadorias no estado e deliberadamente não verifica o correto pagamento do imposto devido comete o crime de descaminho.

Certo

Errado

 Comentário à questão:

O Funcionário público que é responsável pela fiscalização da entrada e saída de mercadorias no estado e deliberadamente não verifica o correto pagamento do imposto devido comete o crime de descaminho.

Quem entrou com a mercadoria sem pagar Imposto > Responde por Descaminho

Quem era responsável pela fiscalização e deixa passar > Facilitação para o Descaminho

Trata-se de exceção à teoria monista do concurso de Agentes > Aqui, agiram em concurso, mas cada um responde por um crime diferente.

Gabarito da resposta é: errado!

 

Ano: 2019 Banca: IF-MT Órgão: IF-MT Provas: IF-MT - 2019 - IF-MT - Assistente Social 

Analise a situação hipotética: servidora pública Ana das Flores, ocupante do cargo de fiscal de tributos, exige tributo indevido, e, quando devido, emprega na cobrança meio vexatório ou gravoso, que a lei não autoriza. Assinale a alternativa CORRETA que corresponde ao crime praticado por Ana das Flores.

  • A Concussão e excesso de exação.
  • B Facilitação de contrabando ou descaminho.
  • C Excesso de exação.
  • D Corrupção passiva.
  • E Violência arbitrária.

 

Gabarito: letra: c

 



[1] Art. 29 - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.

§ 1º - Se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço.

§ 2º - Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave.

 

[2]

[3] STF, ARE n. 1.162.384, Min. Gilmar Mendes, DJe de 25-10-2018).

 

[4] Súmula 151, do STJ: A competência para o processo e julgamento por crime de contrabando define-se pela prevenção do Juízo Federal do lugar da apreensão dos bens.


14/04/2020

O CRIME DE CONCUSSÃO: de acordo com o Pacote Anticrime a Lei de Abuso de Autoridade.



         Dentre um dos crimes contra a Administração Pública, a Concussão protege a moralidade da atividade estatal, sendo considerado um bem juridicamente tutelado para fins penais.

Neste ponto, podemos entender que o crime em estudo, viola-se o normal exercício da atividade administrativa, haja vista que a base representativa da Administração Pública reveste-sobre a coisa pública, interligando o agente ao seu pleno exercício.

         Está em jogo, portanto, é a tutela jurídica da moralidade da Administração Pública. Para melhor explanar sobre a moralidade administrativa, valemo-nos das lições do saudoso professor Hely Lopes Meirelles[1] que:

o agente administrativo, como ser humano dotado de capacidade de atuar, deve, necessariamente, distinguir o Bem do Mal, o Honesto do Desonesto. E ao atuar, não poderá desprezar o elemento ético da sua conduta. Assim, não terá que decidir somente entre o legal e o ilegal, o justo do injusto, o conveniente e o inconveniente, o oportuno e o inoportuno, mas também entre o honesto e o desonesto.”

Em suas palavras ora transcritas, podemos extrair suas lições e complementar que, todo e qualquer agente público deverá atuar de forma honesta, assim como forma ética, sendo que de modo algum deverá optar se atuará ou não desta forma, pois caso atue em contrariedade aos ditames éticos e legais, via de consequência, o agente público viola ao princípio da moralidade, podendo ser punido em diversas esferas, como administrativa, civil e, sobretudo penal, objeto de estudo.

         Quanto ao sujeito ativo, pode ser:

a) Funcionário Público, aplicando-se a integralidade do artigo 327 do Código Penal, ou seja, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.

 b) Nomeado ao cargo público, ainda que não esteja no exercício da sua função, atua de forma criminosa aproveitando em razão dela.

c) Funcionário Público que ocupe cargo em comissão, função de direção e assessoramento de órgão da Administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo Poder Público. Nestes casos, a pena será aumentada de um terço.

d) Particular também poderá concorrer para o crime, mas deverá estar ciente da ação criminosa do funcionário público, no qual consubstanciará o elemento do tipo mediante a colaboração, nos termos do artigo 30 do Código Penal.

Importante salientar que, se o sujeito do delito for Fiscal de Rendas, praticará o crime contra a ordem tributária, conforme previsão no artigo 3°, II, da Lei 8.137/90. Assim como, se for policial militar, aplica-se a lei especial, de acordo com o artigo 305, do Código Penal Militar.

Exemplo: João, policial civil, exigiu vantagem indevida de particular para não prendê-lo em flagrante. A vítima não realizou o pagamento e prontamente comunicou o fato a policiais civis. Nessa situação, como o delito de concussão é formal, o crime consumou-se com a exigência da vantagem indevida, devendo João por ele responder (Prova: CESPE - 2016 - TCE-PA - Auditor de Controle Externo - Área Fiscalização – Direito)

         Outro exemplo prático: servidor público, valendo-se da sua autoridade, exige de empresários da cidade verbas para reformar sua repartição pública.

O sujeito passivo do delito (vítima) será a Administração Pública em sentido amplo, podendo-se observar quanto à pessoa atingida pelo crime, como o participar e outro funcionário público coagido pela atuação do autor do crime mediante a exigência indevida.

         Conduta típica (em partes)

·        Exigir (ato de determinar, impor, determinar) para si ou para outrem (em favor de terceiro).

·        Forma: Explícita (direta) ou Implícita (indireta).

·     Finalidade: A vantagem indevida. Trata-se de uma forma de “extorsão especial”, mas devendo considerar como todo e qualquer enriquecimento ilícito, quer dizer, dinheiro ou qualquer outra utilidade.

·        Meio: para se chegar a uma finalidade se exige um meio no qual está presente uma espécie de coação pertencente ao abuso de sua autoridade pública através da influência intimidativa sobre o particular.

Atente-se que o ato de exigir ser bem diferente do ato de solicitar. Se o ato do agente público for solicitar, logo, se caracterizará por crime de corrupção passiva, nos termos do artigo 317 do Código Penal.

Ademais, poderá ser aplicado o crime de concussão cumulativo com o crime do artigo 33 da Nova Lei de Abuso de Autoridade, em que pese o ato de exigência como verbo do tipo, o complemento do ato criminoso é a informação ou cumprimento de obrigação, inclusive o dever de fazer ou de não fazer, sem expresso amparo legal. A pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Trata-se de crime doloso, ou seja, ato de vontade livre e consciente de exigir para si ou para outrem, vantagem indevida, abusando da função pública exercida ou que futuramente irá exercê-la. Não existe a modalidade culposa. A tentativa é possível.

Se o servidor público exige uma vantagem indevida para a própria Administração Pública não se caracterizará como crime de concussão, mas sim, como crime de excesso de exação (art. 316, §1°, §2°, do Código Penal).

É possível aplicar o Acordo de não persecução penal no crime de concussão?

A resposta é positiva. Estabelece o artigo 28-A do Código de Processo Penal, que trata quanto aos requisitos principais, como não sendo caso de arquivamento e havendo a confissão formal do delito, sendo que não será o crime de violência ou grave ameaça, assim como que o crime tenha pena mínima inferior a 4 (quatro) anos.

No crime de concussão, a pena mínima é de 2 (anos) e não se trata de crime de violência ou grave ameaça. É preciso também observar que o agente do delito não poderá ser reincidente para ser contemplado pelo acordo de não persecução penal, que será ofertado pelo Ministério Público, conforme as suas condições estabelecidas.

A ação penal será pública incondicionada, ou seja, não depende de prévia manifestação de qualquer pessoa para ser iniciada, nem mesmo a manifestação do ofendido.

Quanto em relação à competência para julgar, se da Justiça Federal ou Estadual, entendemos que, apesar de controvérsias a parte no aspecto doutrinário, devemos observar o julgado do Supremo Tribunal Federal (RE 429171, Rel. Min. Carlos A. Britto, DJ.11/02/2005, ao estabelecer que, somente se permitirá julgar crimes na esfera federal se estiverem sido relacionados a eventual prejuízo a bens e serviços da União, autarquias ou empresas públicas, seguindo a dicção do artigo 109, IV, da Constituição Federativa do Brasil de 1988.


[1] Direito Administrativo Brasileiro, 2012, pág. 90.

Para quem gosta de assistir, gravei um vídeo sobre o tema para que possa entender melhor do assunto:



14/08/2019

OS CRIMES CONTRA O MERCADO DE CAPITAIS

imagem da internet.

Em linhas iniciais, podemos afirmar que somente será considerado crime se houver previsão expressa em lei. Sobre este aspecto elementar, a tipificação de crimes contra o mercado de capitais tem como fator de existência a proteção jurídica em face ao abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e o aumento arbitrário dos lucros (art. 173, § 4º, CF/1988).

         Interessante mencionarmos que, o mercado de capitais é um sistema de distribuição de valores mobiliários que proporciona liquidez aos títulos de emissão de empresas e viabiliza o processo de capitalização. É constituído pelas bolsas de valores, sociedades corretoras e outras instituições financeiras autorizadas[1].

         Desta forma, a lei infraconstitucional coube por dispor sobre a caracterização dos crimes contra o mercado de capitais, conforme a Lei nº 6.385/1976 (incluído pela Lei nº 10.303/2001), que teve alteração substancia pela Lei n° 13.506/2017, no âmbito penal, de modo a corroborar com a repressão a tais atos, em consonância com o preceito Constitucional, anteriormente mencionado.

         Podemos elencar os seguintes crimes, como:
a)   Manipulação do mercado (art. 27- C)

b)  Uso indevido de informação privilegiada (art. 27-D), denominado como crime de insider trading

c)   Exercício irregular de cargo, profissão, atividade ou função (art. 27-E)

Vejamos cada um destes crimes, seus elementos caracterizadores, assim como, a posição das decisões mais recentes.

a)   CRIME DE MANIPULAÇÃO DO MERCADO (art. 27-C)

Caracteriza-se como conduta criminosa:

Realizar operações simuladas ou executar outras manobras fraudulentas destinadas a elevar, manter ou baixar a cotação, o preço ou o volume negociado de um valor mobiliário, com o fim de obter vantagem indevida ou lucro, para si ou para outrem, ou causar dano a terceiros:
(Redação dada pela Lei nº 13.506, de 2017).

Pena - reclusão, de 01 (um) a 8 (oito) anos, e multa de até 3 (três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime.
(Incluído pela Lei nº 10.303, de 31.10.2001)

Os elementos do tipo incriminador são de diversas formas, como o ato de:
·        Realizar ou Executar: proveniente do fazer, efetuar, botar em prática, fazer com que tenha existência concreta;

·        Operar de forma simulada: Afigura-se como toda e qualquer operação na bolsa de valores mobiliários, no entanto, tais operações não possam corresponder com realidade demonstrada, ocultando a verdade.

·        Outras manobras fraudulentas: a legislação deixou um espaço de interpretação (norma penal em branco imprópria ou heterovitelina), exigindo-se um complemento normativo de estruturação diversa para composição do conceito normativo.

A Instrução Normativa 08/1979 trouxe alguns pontos em destaque, podendo ser caracterizadas como outras formas de fraudes, sendo proibidos atos por parte dos administradores e acionistas de companhias abertas, aos intermediários e aos demais participantes do mercado de valores mobiliários, a criação de condições artificiais de demanda, oferta ou preço de valores mobiliários, a manipulação de preço, a realização de operações fraudulentas e o uso de práticas não equitativas. Vejamos:

a)   Condições artificiais de demanda, oferta ou preço de valores mobiliários aquelas criadas em decorrência de negociações pelas quais seus participantes ou intermediários, por ação ou omissão dolosa provocarem, direta ou indiretamente, alterações no fluxo de ordens de compra ou venda de valores mobiliários;

b)   Manipulação de preços no mercado de valores mobiliários, a utilização de qualquer processo ou artifício destinado, direta ou indiretamente, a elevar, manter ou baixar a cotação de um valor mobiliário, induzindo, terceiros à sua compra e venda;


c)   Operação fraudulenta no mercado de valores mobiliários, aquela em que se utilize ardil ou artifício destinado a induzir ou manter terceiros em erro, com a finalidade de se obter vantagem ilícita de natureza patrimonial para as partes na operação, para o intermediário ou para terceiros;

d)   d) prática não equitativa no mercado de valores mobiliários, aquela de que resulte, direta ou indiretamente, efetiva ou potencialmente, um tratamento para qualquer das partes, em negociações com valores mobiliários, que a coloque em uma indevida posição de desequilíbrio ou desigualdade em face dos demais participantes da operação.

Em relação ao aspecto interpretativo, surge uma indagação, afinal, pode uma Instrução Normativa complementar um tipo penal?

         Entre nós, aplicar a Instrução Normativa 08/1979 em sua integralidade, via de consequência, viola as regras e princípios jurídicos, sobretudo, nossa Constituição Federal, artigo 5º, XXXIX, “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal” e ao princípio da legalidade, positivado no artigo 22, I, CF, no qual, apenas podem ser estabelecidos crimes e penas, mediante lei, submetida ao critério da reserva formal, ou seja, incumbe ao Poder Legislativo da União a competência para criar leis incriminadoras, de modo, a atender a segurança jurídica. 

     Grosso modo, não pode o legislador infraconstitucional e infralegal estabelecer, conforme seu interesse, traçar comportamentos criminosos, pois está expressamente proibido agir desta maneira.

         Logo, temos um vício formal, sujeito a declaração de inconstitucionalidade ao aplicar na integra a Instrução Normativa em comento.

No entanto, a Instrução Normativa 08/79 da CVM, não inovou em verdade, nem mesmo estendeu determinado conceito sobre o crime devido a expressão “outras fraudes”, pois, tais condutas prevista na instrução referem-se unicamente a fatos específicos que realmente podem ser considerados com fraudes, alias, toda e qualquer conduta ardil, enganadora, ardilosa, farsante e astuciosa poderá caracterizar como crime, diante do elemento semântico.

Portanto, com o escopo de trazer uma resposta adequada, podemos compreender que a Instrução Normativa é apenas exemplificativa, pois, o artigo 27-C traça outras características que englobam o resultado da fraude, como a elevação, mantença ou mesmo baixar a cotação da ação de bolsa de valores, significa dizer que, a IN 08/79 coube por apenas expor questões cotidianas da praxe do mercado de ações que possam ocorrer.
No tocante ao autor do crime de manipulação de mercado de capitais, pode ser qualquer pessoa interessada, sendo a principal vítima, toda a coletividade em sentido amplo e subjetivamente os acionistas minoritários lesados.

Quanto ao elemento subjetivo pertencente a conduta do autor do crime, deverá estar presente o dolo específico, ou seja, a vontade livre e consciente de promover o resultado. Denota-se que a conduta dolosa do referido crime deverá ser finalística ou de resultado final, como: alterar artificialmente o regular funcionamento do mercado de valores mobiliários, tendo por escopo a obtenção de vantagem indevida ou o lucro, seja para si, ou em prol de terceiros.

A consumação do delito reveste-se das condutas subjetivas praticadas, sendo lhes desnecessária causação do resultado por si só, sendo um crime de perigo abstrato, portanto, não existe a lesão efetiva de um bem jurídico o a colocação deste bem em risco real em concreto, não se admitindo inclusive, a conduta culposa.

É possível a tentativa no crime de manipulação de mercado de capitais? Para que possamos responder a referida indagação, será necessário observarmos o aspecto cientifico aplicável e considerável, levando-se em consideração do inter criminis (caminho do crime).

Sobre inter criminis, temos a fase interna com a cogitação, no qual o sujeito apenas está planejando o crime, não sendo punível e, posteriormente, teremos outras três fases externas: como a:

1)   Preparação, que o sujeito obtém ferramentas necessárias para a prática do delito. No crime de manipulação de mercado de capitais não está devidamente delineada a conduta de preparação que possa sujeitar a punibilidade na forma tentada, pois se exige que esteja prevista em lei expressamente;

2)   Execução: trata-se do início para a prática do delito.

3)   Consumação: reunindo todos os elementos do tipo penal, nos termos do art. 14, I, do Código Penal.

Interessante compreendermos, quanto à existência conceitual da tentativa perfeita (acabada ou crime falho), distinta da imperfeita ou inacabada.

A tentativa perfeita ou acabada decorre quando o agente pratica todos os atos executórios que pretendia, no entanto, não consegue almejar o resultado desejado. Já a tentativa imperfeita ou inacabada, quando o agente não pratica todos os atos que pretendia.

Ao considerarmos uma resposta adequada, entendemos que não se pode aplicar a tentativa no crime de manipulação de mercado, pois, no referido crime, exige-se resultado especifico  e não havendo resultado, via de consequência, não há com que se afirmar quanto a existência da tentava, seja na fase interna ou externa do inter criminis.

b)      USO INDEVIDO DE INFORMAÇÃO PRIVILEGIADA (art. 27- D), denominado como crime de Insider trading


Utilizar informação relevante de que tenha conhecimento, ainda não divulgada ao mercado, que seja capaz de propiciar, para si ou para outrem, vantagem indevida, mediante negociação, em nome próprio ou de terceiros, de valores mobiliários:

(Redação dada pela Lei nº 13.506, de 2017)

Pena – reclusão, de 01 (um) a 5 (cinco) anos, e multa de até 3 (três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime.                 
 (Incluído pela Lei nº 10.303, de 31.10.2001)

§ 1° Incorre na mesma pena quem repassa informação sigilosa relativa a fato relevante a que tenha tido acesso em razão de cargo ou posição que ocupe em emissor de valores mobiliários ou em razão de relação comercial, profissional ou de confiança com o emissor.                     (Incluído pela Lei nº 13.506, de 2017)

§ 2° A pena é aumentada em 1/3 (um terço) se o agente comete o crime previsto no caput deste artigo valendo-se de informação relevante de que tenha conhecimento e da qual deva manter sigilo.                     
(Incluído pela Lei nº 13.506, de 2017)

Do referido diploma legal acima, podemos extrair alguns elementos caracterizadores para a configuração do delito, como:

a)   A existência de informação relevante e não divulgada ao mercado;

b)    Que a informação pode ser por qualquer pessoa


c)   Devendo trazer a efetiva utilização da informação na negociação de valores mobiliários com o escopo de obter vantagem indevida.

Cumpre ressaltar que, tutela-se bem juridicamente relevante a repressão quanto ao aumento arbitrário dos lucros, ao regular funcionamento do mercado de valores mobiliários, protegendo-se a confiança das transações e a igualdade de condições concorrencial (art. 173, §4°, CF/88).
        

Quanto ao elemento subjetivo, deve estar presente o dolo direto ou determinado, a vontade livre e consciente de obtenção de vantagem indevida mediante negociação de valores mobiliários, devido às informações privilegiadas obtidas (visa certo resultado).

         Assim, consuma-se o delito, no qual não se pode levar em consideração a causação de prejuízo perante terceiro por tratar-se de crime formal ou de consumação antecipada, cujo resultado é previsto, mas é dispensável, haja vista que o resultado consumador ocorre em concomitância com o comportamento do agente.

         Quem pratica o crime e quem são as vítimas?

         O crime pode ser cometido por quem tenha o dever jurídico de manter sigilo sobre determinada informação. Podemos citar como exemplos mais comuns de sujeito ativo do delito, como:

a)   Sócios e Administradores;

b)   Conselheiros e diretores;

c)   Membros integrantes de órgãos técnicos e consultivos;

d)   Membros do conselho fiscal;

e)   Os Acionistas controladores;

f)    Aqueles que, no exercício de sua função exercem atividade, mas que tenham o dever de sigilo de informações (quase insiders). Citamos, por exemplo, controladores, auditores, advogados, intermediários de corretoras de bolsa de valores mobiliários, os agentes de fiscalização, como da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Interessante pontuarmos, que poderá existir a responsabilidade penal perante a qualquer pessoa que repassa informação sigilosa relativa a fato relevante aquele tenha tido acesso em razão de cargo ou posição que ocupe em emissor de valores mobiliários. Não se trata de inovação legislativa, mas sim, para reforçar quanto a existência do art. 30 do Código Penal, devendo ser aplicado também ao caso concreto, assim, como, a teoria monista (unitária ou igualitária), adotada em nosso Código Penal, no artigo 29, estabelecendo-se a existência de responsabilidade de todos pela prática criminosa.

Denota-se que, jurisprudência do STJ coube por julgar casos de insider trading, estabelecendo bases conceituais e sujeitos do crime. Vejamos:

Considera-se insider  trading qualquer operação realizada por um insider (diretor, administrador, conselheiro e pessoas equiparadas) com valores mobiliários de emissão da companhia, em proveito próprio ou de terceiro, com base em informação relevante ainda não revelada ao público.
É uma prática danosa ao mercado de capitais, aos investidores e à própria sociedade anônima, devendo haver repressão efetiva contra o uso indevido de tais informações privilegiadas (arts. 155 , § 1º , e 157 , § 4º , da Lei nº 6.404 /1976 e 27-D da Lei nº 6.385 /1976). 8. O seguro de RC D&O somente possui cobertura para (i) atos culposos de diretores, administradores e conselheiros (ii) praticados no exercício de suas funções (atos de gestão). Em outras palavras, atos fraudulentos e desonestos de favorecimento pessoal e práticas dolosas lesivas à companhia e ao mercado de capitais, a exemplo do insider trading, não estão abrangidos na garantia securitária. 9. Recurso especial não provido[2].

A vítima do crime é a coletividade, aqueles que operam o mercado de captais, assim como, os que tiveram perda econômica decorrente do crime, como proteção os princípios da ordem econômica, conforme o artigo 170 da Constituição Federal.

Fundamental que a utilização de informação privilegiada pode gerar lesão ao Sistema Financeiro Nacional, ao pôr em risco a confiabilidade dos investidores no mercado de capitais, aniquilando a confiança e a lisura de suas atividades[3].

Insta salientar, que poderão ser cumulados os crimes de uso indevido de informação privilegiada (art. 27-D, Lei 6.385/1976) e manipulação do mercado (art. 27-C, Lei 6.385/1976), por se tratarem de condutas e tipos penais diversos, como por exemplo, o caso Eike Fuhrken Batista da Silva[4].

         A pena será de reclusão (pena privativa de liberdade), de 1 a 5 anos, e aplicação de multa de até três vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime cominado, na medida da sua culpabilidade.

c) CRIME DE EXERCÍCIO IRREGULAR DE CARGO, PROFISSÃO, ATIVIDADE OU FUNÇÃO

         Trata-se de delito previsto no artigo 27-E da Lei 6.385/1976:
Exercer, ainda que a título gratuito, no mercado de valores mobiliários, a atividade de administrador de carteira, agente autônomo de investimento, auditor independente, analista de valores mobiliários, agente fiduciário ou qualquer outro cargo, profissão, atividade ou função, sem estar, para esse fim, autorizado ou registrado na autoridade administrativa competente, quando exigido por lei ou regulamento:

Pena – detenção de 06 (seis) meses a 02 (dois) anos, e multa

A conduta do sujeito ativo do crime é exercer, atuar, ainda que de forma gratuita, no mercado de capitais, administrar carteira, ser agente autônomo de investimento, auditor independente, analista de valores mobiliário ou agente fiduciário.

         Desta forma, não havendo autorização ou registro não se pode exercer atividade, cargo ou profissão no mercado de valores imobiliários. Concordamos, de forma técnica que trata-se de norma penal em branco exigindo que tenha uma norma jurídica complemente a atividade profissional, corroborando inclusive com o artigo 5°, XIII, da Constituição Federal: “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer(grifo nosso).

         Assim, temos: Instrução Normativa 306, 497, 483, da Comissão de Valores Mobiliários, artigo 68, da Lei de Sociedade Anônima.

         Quanto ao elemento subjetivo é o dolo, ou seja, vontade livre e consciente para almejar o resultado, independentemente de obtenção de vantagem ou dano a terceiro, por se tratar de crime formal.

         Consuma-se o crime com a mera atuação da atividade não autorizada no mercado de mobiliário ou sem o devido registro nos órgãos vinculados. A tentativa é possível, como por exemplo, o sujeito cria um website com objetivo de capitar clientes ou instalar escritório para dar início as suas atividades.

         A pena é detenção, de seis meses a dois anos e multa.

Devido a quantidade de pena, o crime será processado e  julgado perante o Juizado Especial Criminal Federal, pois é crime de menor potencial ofensivo.

         Por fim, no tocante ao aspecto processual a competência para julgar todos os crimes estudados, será da Justiça Federal, pois há o interesse direto da União na tutela do Sistema Financeiro Nacional, conforme interpretação constitucional, no art. 109, inc. VI da Constituição Federal de 1988[5].
        
        Bibliografia básica:


         
         CUNHA, ROGÉRIO SANCHES. MANUAL DE DIREITO PENAL, PARTE GERAL, JUSPODVM, 2019.

         GONÇALVES, VICTOR EDUARDO RIOS. CURSO DE DIREITO PENAL, SARAIVA, 2015.

     JUNIOR, JOSÉ PAULO BALTAZAR. CRIMES FEDERAIS, SAIRAIVA, 2017.

* Nota do autor: O presente artigo fora criado com base no processo pesquisa e métodos dedutivos e interpretativos autenticos, dando enfase a legislação em vigor consultada e a jurisprudência pátria.

*Respeite os Direitos Autorais, cite a fonte:
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[2] STJ - RECURSO ESPECIAL REsp 1601555 SP 2015/0231541-7 (STJ).
[3] STJ - CONFLITO DE COMPETENCIA CC 135749 SP 2014/0221015-0 (STJ).
[4] Tribunal Regional Federal da 2ª Região TRF-2 - APELAÇÃO CRIMINAL : ACR 201451010220546 RJ
[5] Os crimes contra a organização do trabalho e, nos casos determinados por lei, contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira.



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