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03/10/2024

Transfusão de Sangue e Testemunhas de Jeová: STF entre a Fé e o Estado — Um Julgamento de Vida e de Crença

    


O Supremo Tribunal Federal (STF) tomou
 uma decisão histórica que envolve um tema sensível: a recusa de transfusões de sangue por motivos religiosos. Em votação unânime, os ministros decidiram que as Testemunhas de Jeová, quando adultas e capazes, têm o direito de recusar procedimentos médicos que envolvam transfusões. 

    Além disso, ficou estabelecido que o Estado deve garantir tratamentos alternativos disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS), mesmo que isso signifique custear procedimentos em outros estados.

    Essa decisão surge de dois casos específicos que chegaram ao STF, mas a repercussão é geral, ou seja, agora todas as instâncias judiciais do país deverão aplicar esse entendimento em situações semelhantes. Vamos entender melhor essa decisão e o impacto dela?

O que o STF decidiu, exatamente?

    A questão central é o direito das Testemunhas de Jeová de recusarem transfusões de sangue por motivos religiosos. A recusa tem base nas convicções religiosas dessa comunidade, que vê o uso de sangue alheio como uma violação de passagens bíblicas. 

    O STF reconheceu que a liberdade religiosa, garantida pela Constituição, permite que uma pessoa maior de idade e capaz recuse esse tipo de tratamento. No entanto, para que essa recusa seja válida, o paciente precisa estar plenamente informado e consciente das consequências.

    Outro ponto importante da decisão é que o SUS tem a obrigação de fornecer alternativas às transfusões. Isso inclui tratamentos que não usem sangue alheio, como o Programa de Gerenciamento do Sangue do Paciente (PBM), que já é uma realidade em muitos hospitais brasileiros. 

    E mais: se o tratamento alternativo não estiver disponível no estado do paciente, o governo deverá providenciar o atendimento em outra localidade.

Como isso funciona na prática?

    Agora você deve estar se perguntando: como essa decisão vai impactar o dia a dia dos hospitais e do SUS? 

    Vamos a alguns exemplos práticos, começando pelos casos que motivaram essa decisão:

  • RE 979742: Uma paciente no Amazonas precisou de uma cirurgia de artroplastia total, mas recusou a transfusão de sangue, em respeito à sua fé. 

    No entanto, esse tipo de tratamento alternativo não estava disponível no Amazonas. O STF decidiu que a União, o Estado do Amazonas e o Município de Manaus devem custear a cirurgia em outra localidade que ofereça o procedimento sem uso de sangue.
  • RE 1212272: Uma mulher foi encaminhada para uma cirurgia de substituição de válvula aórtica na Santa Casa de Maceió, mas a cirurgia foi cancelada porque ela se recusou a assinar o termo de consentimento para receber transfusão de sangue, caso fosse necessário. 

    O STF entendeu que, desde que a paciente estivesse plenamente consciente dos riscos, ela tinha o direito de recusar o tratamento com transfusão.

Limites da decisão — e a questão dos menores de idade

    Agora, é importante entender que essa decisão não se aplica a crianças e adolescentes. 

    Quando se trata de menores de idade, o STF foi claro: o princípio do melhor interesse da criança deve prevalecer. Ou seja, os pais não podem, com base em suas crenças religiosas, impedir que seus filhos recebam tratamentos que sejam necessários para salvar suas vidas ou garantir sua saúde. 

    Isso significa que, em casos envolvendo menores, a Justiça pode, sim, autorizar procedimentos como transfusões, se forem indispensáveis para a vida ou saúde da criança ou adolescente.

O que isso representa para o direito à saúde e à liberdade religiosa?

    O presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, ressaltou que essa decisão representa um importante avanço na compatibilização entre a liberdade religiosa e o direito à vida e à saúde. Por um lado, garante-se que ninguém será forçado a se submeter a um tratamento que vai contra suas convicções mais profundas. 

    Por outro, o Estado se compromete a oferecer alternativas viáveis, respeitando a dignidade humana e os direitos fundamentais.

    Além disso, essa decisão coloca o Brasil em consonância com uma tendência internacional. Em outros países, como Estados Unidos e Canadá, já existem precedentes que reconhecem o direito de recusa de tratamento médico por motivos religiosos, desde que o paciente seja informado e capaz de tomar suas próprias decisões.

Teses de Repercussão Geral — O que o STF fixou?

O STF definiu teses de repercussão geral que deverão ser seguidas por todos os tribunais do Brasil. Veja o que foi decidido nos dois recursos julgados:

RE 979742:

  1. Testemunhas de Jeová, maiores e capazes, têm o direito de recusar procedimentos médicos que envolvam transfusão de sangue, com base na liberdade religiosa e na autonomia individual.
  2. Como consequência, o Estado deve garantir o acesso aos procedimentos alternativos disponíveis no SUS, e, se necessário, providenciar o tratamento fora do domicílio do paciente.

RE 1212272:

  1. Pacientes com capacidade civil plena podem recusar tratamentos de saúde, inclusive transfusões de sangue, por motivos religiosos, desde que a decisão seja tomada de forma livre, consciente e informada.

  2. O SUS deve realizar procedimentos médicos sem transfusão de sangue, caso haja viabilidade técnica e a equipe médica esteja de acordo com a realização do procedimento, respeitando a decisão do paciente.

    E agora?

    Essa decisão representa um grande passo na garantia de direitos fundamentais. Para as Testemunhas de Jeová, é uma vitória importante, pois reafirma a proteção de sua liberdade religiosa. Para o sistema de saúde, o desafio será garantir que esses procedimentos alternativos estejam disponíveis e que o direito dos pacientes seja respeitado, sem comprometer o atendimento médico de qualidade.

    Com essa decisão, o STF equilibra dois pilares essenciais: a autonomia pessoal e a responsabilidade do Estado em proteger a saúde. Agora, cabe aos profissionais de saúde e às instituições públicas aplicar essas diretrizes e garantir que todos possam exercer seus direitos, sem abrir mão de tratamentos que respeitem sua fé e sua dignidade.


Este artigo foi escrito por Luiz Fernando Pereira, advogado e professor.

14/06/2024

As implicações do Registro Incorreto de Sociedades Médicas Implicações do Registro Incorreto de Sociedades Médicas

    A prática médica, um pilar fundamental para o bem-estar social, frequentemente se realiza por meio de sociedades de médicos, que podem assumir diferentes formas jurídicas. No entanto, um equívoco comum nesse contexto é o registro inadequado dessas entidades, o que pode acarretar graves consequências jurídicas. 

    Este artigo aborda a importância do registro correto das sociedades de médicos, os tipos de sociedades disponíveis, e as consequências legais decorrentes de um registro inadequado, utilizando conceitos jurídicos e exemplos práticos para ilustrar a relevância do tema.

    Tipos de Sociedades Médicas

    O Código Civil Brasileiro de 2002 estabelece dois principais tipos de sociedades que podem ser adotados por médicos e outros profissionais liberais, cada um com características distintas quanto à natureza das atividades e à forma como são organizadas:

    Sociedade Simples

    A sociedade simples é destinada à prestação de serviços de natureza intelectual, científica, literária ou artística, sem que a atividade seja organizada com fins empresariais. 

    Esta forma societária é comum entre profissionais liberais, como médicos, advogados, arquitetos e artistas. A principal característica da sociedade simples é a não adoção de uma estrutura empresarial típica, como a organização sistemática de capital e trabalho para a produção ou circulação de bens ou serviços.

    No contexto médico, uma sociedade simples pode ser adequada quando médicos se unem para prestar serviços de saúde, como clínicas médicas ou consultórios, sem ter como objetivo principal a lucratividade ou a produção em escala. 

    Exemplos incluem consultórios médicos que prestam serviços especializados, sem a comercialização de produtos ou a administração de unidades de negócios complexas.

    Registro da Sociedade Simples

    De acordo com a legislação brasileira, a sociedade simples deve ser registrada no Registro Civil de Pessoas Jurídicas (RCPJ). O ato de registro é fundamental para conferir personalidade jurídica à sociedade, permitindo que ela adquira direitos e obrigações de forma independente de seus sócios.

    Sociedade Empresária

    A sociedade empresária, por sua vez, é constituída com o propósito explícito de exercer atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços. 

    Cada tipo de sociedade possui uma estrutura empresarial formal, caracterizada pela organização sistemática de capital e trabalho, visando o lucro como objetivo principal. Empresas médicas que administram hospitais, laboratórios de análises clínicas, ou clínicas especializadas em procedimentos médicos são exemplos típicos de sociedades empresárias no setor de saúde.

    Registro da Sociedade Empresária

    Diferentemente da sociedade simples, a sociedade empresária deve ser registrada na Junta Comercial do estado em que está localizada. Esse registro é essencial para conferir à sociedade o status de pessoa jurídica com fins empresariais, permitindo o exercício de atividades econômicas organizadas de forma legal e regular.

    Importância do Registro Adequado

    A correta classificação e registro das sociedades médicas são fundamentais para definir sua natureza jurídica, estabelecer seus direitos e determinar suas responsabilidades perante a legislação brasileira. Um registro inadequado pode acarretar significativas consequências negativas, afetando tanto a própria sociedade quanto seus sócios.

    Perda de Benefícios Jurídicos

    Sociedades que não estão devidamente registradas conforme sua natureza jurídica enfrentam a privação de diversos benefícios legais assegurados às entidades regulares. Entre estes benefícios, destacam-se a capacidade de requerer recuperação judicial ou extrajudicial. 

    A falta de registro adequado impede o acesso a esses mecanismos essenciais para a reestruturação e continuidade das atividades empresariais, comprometendo a estabilidade financeira da sociedade e sua capacidade de honrar obrigações perante credores.

Responsabilidade dos Sócios

    Em caso de irregularidade no registro, os sócios podem ser diretamente responsabilizados pelas obrigações assumidas pela sociedade. 

    Em sociedades regularmente constituídas, a responsabilidade dos sócios é limitada ao montante do capital social integralizado. 

  No entanto, em sociedades irregulares, essa proteção é comprometida, podendo resultar na responsabilização pessoal dos sócios pelos débitos sociais. Esta exposição pessoal coloca em risco o patrimônio dos sócios, afetando sua segurança financeira e pessoal.

    Problemas de Crédito e Contratos

    A falta de regularidade jurídica também impacta diretamente a reputação e a credibilidade da sociedade no mercado. Entidades com registro inadequado enfrentam dificuldades significativas na obtenção de crédito junto a instituições financeiras e na celebração de contratos comerciais com terceiros. 

    A incerteza sobre a validade jurídica da sociedade pode dissuadir potenciais parceiros comerciais e fornecedores de estabelecerem relações contratuais, temerosos dos riscos associados a entidades cuja existência legal não está plenamente reconhecida.

Caso Ilustrativo

    Para exemplificar as consequências jurídicas decorrentes de um registro inadequado, consideremos o seguinte cenário: a Empresa Radiológica XPTO Ltda., uma sociedade empresária, celebrou contrato com a Clínica de Diagnóstico Médico ABC Ltda., uma sociedade simples composta por médicos, para a aquisição de uma máquina de ressonância magnética. 

    No entanto, a Clínica não conseguiu cumprir sua obrigação contratual, levando a Empresa Radiológica XPTO a iniciar um processo de falência.

    A controvérsia no caso centrou-se no local de registro da Clínica ABC Ltda. Enquanto a atividade médica, por sua natureza intelectual, sugere inicialmente um registro no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, a Clínica optou por este registro, contrariando a necessidade de registro na Junta Comercial para entidades que desenvolvem atividades empresariais. Esta escolha gerou debate jurídico crucial durante um processo judicial.

    Inicialmente, o magistrado de primeira instância indeferiu o pedido de falência da Empresa Radiológica XPTO. Ele fundamentou sua decisão na caracterização da Clínica como uma sociedade simples, argumentando que a atividade intelectual dos médicos não configurava uma atividade empresarial nos termos da lei.

    Entretanto, em sede recursal, o colegiado revisou esta decisão. O Tribunal reconheceu que, apesar da natureza intelectual da atividade médica, a Clínica de Diagnóstico Médico ABC Ltda. demonstrou elementos de uma organização empresarial em sua operação. 

    Esses elementos incluíam a gestão organizada de recursos e a prestação contínua de serviços médicos remunerados, características que são típicas de uma sociedade empresária conforme definido pelo Código Civil.

    Portanto, o Tribunal decretou a falência da Clínica, considerando-a uma sociedade irregular devido ao registro inadequado na Junta Comercial. Esta decisão sublinha a importância crucial do registro apropriado das sociedades de médicos. O não cumprimento deste requisito pode não apenas influenciar o status jurídico da entidade, mas também impactar significativamente suas operações comerciais e sua responsabilidade perante terceiros.

    Consequências Jurídicas do Registro Inadequado

    O registro inadequado de uma sociedade de médicos pode acarretar sérias implicações jurídicas que comprometem a regularidade e a segurança jurídica da entidade, afetando tanto seus sócios quanto terceiros envolvidos em suas operações. 

    Duas principais consequências merecem destaque:

    Sociedade Irregular

    Quando uma sociedade não realiza o registro adequado conforme sua natureza jurídica e atividade desenvolvida, ela é considerada irregular perante a lei. Esta irregularidade pode resultar em diversas repercussões:

  • Dissolução Judicial: A irregularidade pode ser objeto de ação judicial visando à dissolução da sociedade. A dissolução judicial implica na cessação das atividades da empresa e na liquidação de seus ativos para pagamento dos credores.

  • Responsabilidade dos Sócios: Em sociedades irregulares, os sócios podem ser responsabilizados de forma solidária e ilimitada pelas obrigações sociais. Isso significa que seus bens pessoais podem ser comprometidos para satisfazer dívidas da sociedade, não havendo a proteção do patrimônio individual que caracteriza as sociedades regularmente constituídas.

    Desconsideração da Personalidade Jurídica

    A teoria da desconsideração da personalidade jurídica, prevista no artigo 50 do Código Civil Brasileiro, é um instrumento utilizado para evitar abusos e fraudes cometidos através da pessoa jurídica. a teoria pode ser aplicada nos seguintes casos:

  • Teoria Maior Subjetiva:

     Requer a demonstração de má-fé, dolo ou fraude por parte dos sócios ou administradores da sociedade. Para que a personalidade jurídica seja desconsiderada sob essa teoria, é necessário comprovar que houve intenção deliberada de utilizar a pessoa jurídica para fins ilícitos ou fraudulentos.
  • Teoria Maior Objetiva

    Dispensa a comprovação de má-fé e se concentra na constatação de desvio de finalidade ou confusão patrimonial. 
    
    Desvio de finalidade ocorre quando a pessoa jurídica é utilizada para fins diversos daqueles previstos em seu objeto social, enquanto confusão patrimonial se verifica quando não há separação efetiva entre o patrimônio da pessoa jurídica e o dos sócios, colocando em risco interesses de terceiros.

    Aspectos Práticos e Orientações Iniciais

    Para evitar os problemas mencionados, é imperativo que as sociedades de médicos adotem uma abordagem criteriosa e legalmente fundamentada em relação ao registro e à conformidade de suas atividades. Antes de constituir a sociedade, é crucial realizar uma análise detalhada da natureza da atividade planejada. 

    Esta análise não se limita à mera prestação de serviços médicos, mas também avalia se há uma estrutura organizacional empresarial subjacente. Caso a operação envolva a organização sistemática de recursos humanos e materiais para a produção ou circulação de bens ou serviços, é imperativo que a sociedade seja devidamente registrada na Junta Comercial, de acordo com as disposições legais aplicáveis.

    Além disso, a obtenção de consultoria jurídica é essencial para garantir que o registro e a estruturação da sociedade estejam em conformidade com as normas legais vigentes, que pode oferecer orientação precisa sobre a escolha do tipo societário mais adequado às características e objetivos da sociedade médica, além de assegurar o cumprimento de todas as exigências legais pertinentes. Essa consultoria não se restringe apenas ao momento inicial de constituição, mas deve ser uma prática contínua para garantir que a sociedade permaneça em conformidade ao longo de sua existência.

    Para sociedades médicas já constituídas, é recomendável uma revisão periódica do registro existente para verificar se ele reflete com precisão a natureza das atividades realizadas. 

    Caso seja identificada qualquer inadequação ou inconformidade com as normas legais aplicáveis, é crucial proceder à regularização junto aos órgãos competentes. Essa ação preventiva não apenas fortalece a posição jurídica da sociedade, mas também mitigará riscos potenciais associados a interpretações equivocadas ou litígios futuros.

    Em síntese, a conformidade rigorosa com os requisitos legais desde a fase inicial de constituição até a manutenção contínua da regularidade é essencial para assegurar que as sociedades de médicos operem dentro dos parâmetros legais estabelecidos. 

    A orientação jurídica especializada desempenha um papel fundamental nesse processo, proporcionando segurança jurídica e mitigando riscos, o que é fundamental para o exercício ético e eficaz da prática médica em contexto empresarial.

Considerações Finais

    O caso apresentado evidencia de forma contundente a relevância do registro correto das sociedades de médicos e as severas consequências jurídicas advindas de um registro inadequado. 

    A natureza da atividade médica, caracterizada por uma interseção entre o exercício intelectual e a organização empresarial, impõe a necessidade de uma análise meticulosa na definição do tipo societário e no procedimento de registro junto aos órgãos competentes.

    A legislação brasileira, notadamente o Código Civil de 2002, estabelece diretrizes claras para a constituição e o registro das sociedades empresárias e simples. A escolha equivocada ou o registro inadequado pode resultar na classificação errônea da sociedade, privando-a dos benefícios e das salvaguardas conferidas pelo direito empresarial. Ademais, expõe os sócios a responsabilidades potencialmente ilimitadas e solidárias, conforme estipulado pelas normas aplicáveis.

    A teoria da desconsideração da personalidade jurídica emerge como um instrumento crucial para prevenir abusos e fraudes. Esta teoria permite que os órgãos judiciais ignorem a separação patrimonial entre a pessoa jurídica e seus sócios quando há desvio de finalidade ou confusão patrimonial, responsabilizando diretamente os sócios pelos compromissos assumidos pela sociedade. 

    É essencial destacar, no entanto, que a aplicação dessa teoria está condicionada ao cumprimento rigoroso dos requisitos estipulados pela legislação, visando garantir segurança jurídica e equidade nas decisões judiciais.

    Em resumo, o registro apropriado das sociedades médicas não é apenas uma formalidade burocrática, mas sim um passo fundamental para assegurar sua regularidade perante a lei e mitigar eventuais repercussões jurídicas adversas. 

    A busca por consultoria jurídica especializada se apresenta como um imperativo, pois somente através de orientação qualificada é possível evitar equívocos na escolha do tipo societário e no cumprimento das obrigações legais, garantindo, assim, o exercício ético e legal da atividade médica em conformidade com os preceitos normativos vigentes.

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05/10/2023

Saiba Como Garantir o Skyrizi (Risanquizumabe) pelo Plano de Saúde no Tratamento da Artrite Psoriática

  


 Quando falamos sobre psoríase, a maioria das pessoas associa a condição apenas a problemas de pele, como vermelhidão e coceira no corpo ou no couro cabeludo. No entanto, a psoríase pode se manifestar de maneira mais abrangente, evoluindo para a chamada artrite psoriática.

    A artrite psoriática afeta cerca de 30% das pessoas diagnosticadas com psoríase, sendo mais comum em adultos entre 30 e 50 anos. Ela impacta significativamente a qualidade de vida, uma vez que os pacientes enfrentam dores articulares intensas, inchaço nas articulações e dificuldade de movimentação. Em muitos casos, as mãos dos pacientes podem sofrer deformações.

    Recentemente, a ciência avançou e trouxe uma nova esperança para o tratamento da artrite psoriática: o Skyrizi (risanquizumabe). Este medicamento é administrado por injeção a cada quatro meses e tem o potencial de reduzir significativamente os efeitos debilitantes da doença.

    No entanto, quando um médico prescreve o Skyrizi para um paciente com artrite psoriática, não é tão simples quanto ir até a farmácia mais próxima para adquirir a injeção e iniciar o tratamento. 

    O Skyrizi é um medicamento de alto custo, com cada ampola custando cerca de R$ 25 mil. Para a maioria dos pacientes, essa quantia é inacessível.

    Mas não desanime por causa do custo, pois é totalmente possível obter o Skyrizi por meio do seu plano de saúde! 

    Tudo o que você precisa fazer é reunir um laudo médico que ateste sua condição e a prescrição do medicamento, e então solicitar à sua operadora que forneça o Skyrizi. Isso é um direito seu, e a operadora é obrigada a cumprir.

    O Que Fazer se a Operadora se Recusar a Cobrir o Skyrizi?

    Embora não haja dúvidas sobre a obrigação das operadoras de fornecerem esse tratamento, elas frequentemente tentam evitar esse compromisso, argumentando que os altos custos tornam a cobertura inviável. Se o seu plano de saúde se recusar a cobrir o Skyrizi, você ainda tem alternativas e não precisa arcar com os custos exorbitantes.

    Você pode buscar o apoio da Justiça. Um advogado especializado em questões de saúde pode entrar com um pedido de liminar, que normalmente é analisado em poucos dias. Com uma liminar concedida, você terá acesso imediato ao seu tratamento, sem despesas significativas.

    As chances de sucesso são muito altas, pois o advogado poderá facilmente demonstrar que a operadora é legalmente obrigada a fornecer o Skyrizi. Aqui estão alguns argumentos que podem ser usados:

    1. A artrite psoriática está listada na Classificação Internacional de Doenças, e todas as     condições presentes nessa lista devem ser cobertas pelos planos de saúde.

    2. O Skyrizi possui registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e é aprovado para uso no Brasil, inclusive para tratar a artrite psoriática.

    3. O fato de o Skyrizi não estar listado no Rol da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) não impede o seu fornecimento, conforme estabelecido na Lei 14.454/2022, desde que três critérios sejam atendidos: prescrição médica, eficácia científica comprovada ou recomendação de agências internacionais ou da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec).

    4. O médico é a autoridade para decidir qual tratamento é melhor para o paciente, e as operadoras não podem contestar a prescrição médica. 

    Se o médico recomendar o Skyrizi, as injeções devem ser custeadas, conforme a Súmula 102 do Tribunal de Justiça de São Paulo:

"Havendo expressa indicação médica, é abusiva a negativa de cobertura de custeio de     tratamento sob argumento de sua natureza experimental ou por não estar previsto no rol de procedimentos da ANS."


    Portanto, não permita que as dificuldades impostas pelo plano de saúde prejudiquem sua saúde. Se necessário, busque a Justiça para garantir seus direitos e o acesso ao tratamento adequado para a artrite psoriática com o Skyrizi. Sua saúde não pode esperar.

14/12/2022

RESPONSABILIDADE CIVIL DO CIRURGIÃO PLÁSTICO



         Em regra geral, a responsabilidade civil do médico e dos demais profissionais da saúde possuem as mesmas peculiaridades, pois somente se caracterizará mediante culpa, obrigatoriamente com a presença de um ato específico, como negligência, imprudência ou imperícia médica.

         Podemos compreender também que, a atuação do médico possui uma diferenciação entre a atividade de meio e a atividade de resultado.

         A atividade meio decorre quando o ato médico não tem a finalidade de prometer a cura do paciente, apenas o tratamento adequado com o objetivo de trazer melhoria à saúde do paciente, portanto, trata-se de um dever de diligência do médico.

         Já a atividade de resultado tem por premissa inicial quanto a entrega do médico ao resultado esperado para o paciente, em síntese, visa o êxito satisfatório decorrente do ato médico.

         Diante dos conceitos acima expostos, podemos observar certa complexidade no que diz respeito à atividade do médico cirurgião plástico. No visão dos casos julgados pelos Tribunais Superiores têm aplicado da excepcionalidade da regra, ao considerar que, na cirurgia plástica a obrigação assumida pelo profissional não é de meio, mas sim, decorrente do resultado, o êxito satisfatório em favor do paciente, devendo pautar-se quanto as suas condutas tecnicamente empregadas.

         Ademais, sendo a cirurgia estética sua natureza decorrente de um resultado esperado, entretanto, a responsabilidade do médico é presumida, ou seja, não cabe ao paciente a demonstração de culpa (negligência, imprudência ou imperícia) pelo procedimento cirúrgico insatisfatório causador de danos, mas, cabe ao médico o seu dever de demonstrar  a excludente de responsabilização, apta a afastar o direito ao ressarcimento ao paciente[1].

         Desta forma, se numa determinada ação judicial em face do cirurgião plástico, cabe ao autor da ação provar que o dano decorreu naquilo que o cirurgião prometeu o resultado.

         Cumpre observarmos que, para atribuirmos a responsabilidade subjetiva, a presença do dano deve ser inequívoca, ou seja, de um prejuízo efetivo.

No Código Civil de 2002, há diversas espécies de danos, vejamos:

         Dano material ou patrimonial: são perdas que atingem       o patrimônio corpóreo de alguém, cabendo prova efetiva do dano (art. 186 e 403, do CC).

§  É possível também a lesão permanente/Temporária (art. 402, CC/02).

 

Existe o dano positivo e o negativo:

 

§  Dano positivo ou danos emergentes: são danos que efetivamente perdeu;

 

§  Dano negativo ou lucros cessantes: os danos que deixou de lucrar e a consequência será o pagamento de salário mínimo decorrente da perda patrimonial à vítima ou a seus familiares (art. 951, CC).

 

·        Dano estético: São lesões à saúde ou integridade física de alguém, que resulte em constrangimento e deixam marcas permanentes no corpo ou que diminuam sua funcionalidade como: cicatrizes, sequelas, deformidades ou outros problemas que causem mal estar ou insatisfação (base legal: art. 186, CC/02).

·        Dano moral: é a violação da honra ou imagem de alguém. Resulta de ofensa aos direitos da personalidade (intimidade, privacidade, honra e imagem), conforme o art. 1°, II, CF, art. 186, CC, art. 12 e 14, CDC.

 

Portanto, não há o dever de indenizar se não constatado o dano real e efetivo.

Obrigação de meio e Obrigação de resultado

Diante de um ponto não merece ser guardado, diante de um ponto técnico, especialmente quanto a obrigação de resultado do médico cirurgião plástico ao estabelecer um caráter rigoroso, pois, ainda que o profissional se comprometa aos resultados almejados na contratação, existem outros fatores de ordem técnica que não pode de forma alguma esquecidos na prática por parte das decisões dos Tribunais brasileiros,

Tais fatores de ordem técnica são atos médicos comuns e não geram o dever de indenizar, como:

·        Iatrogenia: resultado decorrente do ato médico é previsível. Por exemplo, a amputação do dedo do paciente decorrente do seu estado de saúde, não havendo direito à indenização.

 

·        Intercorrência médica: resultado imprevisível de um tratamento médico.

Por exemplo: paciente que faz uma cirurgia plástica para colocação de prótese de mama. O médico faz tudo corretamente, limpeza, assepsia, colocação absolutamente correta da prótese, e ainda assim a paciente apresenta rejeição à prótese e encapsulamento da mesma. Nestes casos, a justiça entende que não houve erro médico, uma vez que todos os protocolos corretos e passíveis de seguimento pelo médico foram seguidos, e os maus resultados ocorreram em decorrência de reações imprevistas do organismo do paciente.

 

É necessário diferenciar os atos específicos, como a cirurgia plástica reparadora e a cirurgia plástica embelezadora:

a)   Cirurgia plástica reparadora: é uma obrigação de meio, ou seja, não tem o condão de atingir o resultado esperado.

 

b)   Cirurgia plástica embelezadora: para uso estritamente estético que diferente da reparadora busca-se um resultado esperado em favor do paciente, porém é estabelecido por um vinculo contratual, assim como, se não alcançar o resultado esperado gera o dever de indenizar.

 

A prática também nos revela que os aspectos processuais são indispensáveis para apresentar a verdade real, cabendo prontuários médicos, histórico do paciente e demais laudos periciais cumprirem bem o papel necessário, segundo as ciências médicas.

É inegável que, mesmo laudos e demais documentos médicos sejam necessários para a imputação de responsabilidade civil do cirurgião médico.

No entanto, surge um questionamento de extrema relevância, afinal, cabe indenização se a cirurgia não alcançou o resultado esperado ao paciente?

Com base em diversos precedentes, o Superior Tribunal de Justiça consolidou seu entendimento que a indenização por danos estéticos decorrente de cirurgia plástica é obrigação de resultado se constatado o dano, pois o profissional contratado se compromete a alcançar o resultado esperado ao paciente[2]. 

Em contrapartida, a insatisfação com o resultado da cirurgia plástica por si só não é motivo suficiente para gerar o dever de indenizar, ou seja, o descontentamento com o resultado proveniente o procedimento cirúrgico.

Ademais, poderá o profissional apresentar sua defesa técnica no processo (representado por advogado), com o objetivo de demonstrar excludentes de responsabilidade, como:

Culpa exclusiva do autor (vítima):

Culpa exclusiva de terceiro

Caso fortuito e força maior.

         Claramente, nestas situações acima trazidas, cabe ao médico cirurgião plástico demonstrar no processo sua isenção de responsabilidade civil[3], ou seja, incumbe ele ônus de prova.

Vejamos um julgado do Superior Tribunal de Justiça que contextualiza bem as decisões dos Tribunais Superiores na atualidade:

RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO. ART. 14 DO CDC. CIRURGIA PLÁSTICA. OBRIGAÇÃO DE RESULTADO. CASO FORTUITO. EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE. 1. Os procedimentos cirúrgicos de fins meramente estéticos caracterizam verdadeira obrigação de resultado, pois neles o cirurgião assume verdadeiro compromisso pelo efeito embelezador prometido. 2. Nas obrigações de resultado, a responsabilidade do profissional da medicina permanece subjetiva. Cumpre ao médico, contudo, demonstrar que os eventos danosos decorreram de fatores externos e alheios à sua atuação durante a cirurgia. 3. Apesar de não prevista expressamente no CDC , a eximente de caso fortuito possui força liberatória e exclui a responsabilidade do cirurgião plástico, pois rompe o nexo de causalidade entre o dano apontado pelo paciente e o serviço prestado pelo profissional. 4. Age com cautela e conforme os ditames da boa-fé objetiva o médico que colhe a assinatura do paciente em “termo de consentimento informado”, de maneira a alertá-lo acerca de eventuais problemas que possam surgir durante o pós-operatório. RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

Superior Tribunal de Justiça STJ - RECURSO ESPECIAL: REsp 1180815 MG 2010/0025531-0.

Importante observarmos que neste julgado acima, destacou-se quanto aplicação do dever de informar do médico cirurgião plástico sobre eventuais problemas no pós-operatório, assim como, produziu o Termo de Consentimento Informado (denominado como TCI), sendo uma forma do paciente permitir ou recusar um determinado procedimento médico, a partir de orientações recebidas sobre o seu diagnóstico, prognóstico, meios e formas de tratamento disponíveis e riscos[4].



[1] Recomenda-se a leitura do julgado: Ag. Rg. No Resp n. 1468756/DF, Superior Tribunal de Justiça.

[2] REsp n.1.395.254/SC.

[3] Tribunal de Justiça de São Paulo TJ-SP - Apelação Cível: AC 1009065-96.2014.8.26.0006 SP 1009065-96.2014.8.26.0006.

[4] Recomendo: https://www.einstein.br/atendimento/consentimento-informado


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18/11/2022

RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO RESIDENTE



No exercício da medicina na atualidade, ao que se percebe, exige-se o nível de conhecimento elevado com o escopo de trazer à prática a qualidade técnica do médico.

         É por este motivo que a residência médica torna-se essencial com o objetivo de habilitar os médicos ao exercício da medicina, inclusive, o art. 1°, da Lei n. 6.932/1981, estabelece como “modalidade de ensino de pós-graduação, destinada a médicos, sob forma de cursos de especialização, caracterizada por treinamento em serviço funcionando sob a responsabilidade de instituições de saúde universitária ou, sob a orientação de profissionais médicos de elevada qualificação ética e profissional

         Desta forma, se observarmos atentamente quanto a esta exigência prevista em lei segue em conformidade aos padrões éticos, tendo em vista que o Código de Ética Médica (CEM), em seu capítulo XXI, proíbe ao médico “anunciar títulos científicos que não possa comprovar, e especialidade ou área de atuação para a qual não esteja qualificado e registrado no Conselho Regional de Medicina” (Art. 115), bem como, a Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) nº. 1845, de 2008.

         Adentrando detidamente ao tema proposto, podemos afirmar que a responsabilidade civil consiste na obrigação daquele causa um prejuízo a outrem, devendo reparar em relação ao dano decorrente. Diante desta premissa, o médico residente também deve responder por seus atos não somente civilmente, mas também, penal e ético.

         Salienta-se que, atividade do médico residente deve ser conferida, sob orientação e instrução do médico preceptor definindo a melhor conduta médica a ser aplicada, não cabendo aos residentes à escolha da melhor conduta.

         Em relação a definição de médico preceptor, possui previsão na resolução do CNRM (Comissão Nacional de Residência Médica), Decreto nº 80.281/77; art 1º Lei nº 6.932/81, ipsis literis:

 

“O cargo de preceptor/tutor de programa de Residência Médica será exercido por médico com menos de 10 (dez) anos de conclusão do curso de graduação, portador de certificado de Residência Médica expedido há menos de 05 (cinco) anos e que tenha elevada competência profissional e ética, portador de título de especialista na área afim, devidamente registrado no Conselho Regional de Medicina ou habilitado ao exercício da docência em Medicina, de acordo com as normas legais vigentes.”

         Sobre este prisma que a responsabilidade civil de médico residente e do médico preceptor precisam ser distintos na prática, podendo ser: solidária, subsidiária e exclusiva.

         A responsabilidade solidária se caracteriza quando o médico residente e preceptor respondem conjuntamente.

Conforme decisão recente do Tribunal de Justiça de São Paulo, aplicou esta responsabilidade por entender que o médico residente também responde civilmente[1]. Vejamos:

Apelação. Erro médico. Cesariana. Falecimento da paciente. Ação de indenização por danos morais e materiais. Sentença de parcial procedência. Dano moral fixado em 400 salários mínimos. Danos materiais arbitrados em 2/3 do salário mínimo, desde o falecimento até a idade em que os menores completariam 25 anos. Processo Civil. Aplicação das disposições CPC/1973, ante o princípio "tempus regit actum". Cerceamento de defesa. Não ocorrência. Prova produzida nos autos, sob o crivo do contraditório e com a ampla participação das partes. Observância do princípio do livre convencimento do juiz e da tese de que "uma sucessão de indícios e circunstâncias, coerentes e concatenadas, podem ensejar a certeza fundada que é exigida para a condenação". Preliminar afastada. Legitimidade passiva do hospital e dos médicos que atenderam ao paciente, inclusive do médico-residente. Responsabilidade solidária. Mérito. Erro médico comprovado. Falha na conduta e procedimentos médicos, antes, durante e após a cesariana. Necessidade de realização de novas cirurgias diante das complicações apresentadas, que culminou com o óbito da mãe dos autores. Reconhecimento da existência do liame de causa e efeito. Danos materiais. Pensão fixada em 2/3 do salário mínimo desde o falecimento da genitora dos autores até a data em que completarem 25 anos. Pagamento a ser realizado de uma só vez. Ausência de prova de exercício de atividade laborativa. Vítima que cuidava e cuidaria dos afazeres domésticos e de seus filhos que, na época, eram menores. Necessidade de desenvolvimento de tais trabalhos por terceiros. Dano moral configurado. Dever de indenizar caracterizado. "Quantum" a título de indenização mantido. Observância aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Conversão da indenização fixada em salários mínimos para moeda corrente. Sentença mantida. Preliminares rejeitadas. Recursos não providos.

Ademais, o Superior Tribunal de Justiça preconizou seu entendimento recente que, a responsabilidade solidária do médico residente, decorrente de sua diplomação lhe garante direitos e também impõe obrigações e responsabilidades[2].

Responsabilidade subsidiária do médico residente:  decorre quando sempre que restar comprovada de que, a atuação do médico respondente  esteja sob obediência e supervisão do médico preceptor, sendo este último que realizar diagnóstico e o residente acompanha suas orientações.

Há que se compreender “uma certa hierarquia” instituída nessa relação entre médico preceptor e o médico residente, incidindo também, quanto a responsabilidade, inicialmente, apenas do médico preceptor, sendo que, numa eventual impossibilidade, o residente responderá, mas de forma secundária ou subsidiária

         No tocante a Responsabilidade exclusiva dos médicos preceptores, pode ser por ação ou omissão, no qual se obriga por orientar o médico residente no seu proceder médico. Neste caso, o médico preceptor responderá pelo ato do seu discípulo na medida da sua culpa "in vigilando", isto é, tem dever de vigiar o médico residente nas condutas médicas que este tomar.

         Entendemos por fim, que se somente haverá a responsabilidade civil do médico preceptor ou tutor quando houver, de fato, sua “presença profissional”, portanto, em ato conjunto no exercício de suas atribuições. Podemos mencionar a decisão do Tribunal de justiça do Rio Grande do Sul , que não reconheceu que o médico preceptor fosse incluído entre as partes de um processo - a chamada denunciação à lide-, pois entendeu que o erro do medico residente se deu em ato cirúrgico para o qual o seu preceptor não fora convocado a comparecer[3].

         De modo geral, as decisões dos Tribunais Superiores não tem aplicado a teoria acima referida, sendo considerada como minoritária, tendo em vista que a responsabilidade civil é de natureza subjetiva, ou seja, cada um responde por atos, dentro dos seus respectivos limites.

         Afirma-se que, os médicos residentes também devem cumprir a tarefa de trazer juízo de valor sobre suas condutas médicas, de acordo com a ciência e não apenas na avaliação apresentada por seus preceptores. Podemos citar um breve exemplo, preceptor que obriga o médico residente a inserir determinados dados irrelevantes no receituário do paciente, em contrariedade ao Código de Ética Médica, especialmente o art. 85:

"Utilizar-se de sua posição hierárquica para impedir que seus subordinados atuem dentro dos princípios éticos".

Considerações finais

Diante de uma breve exposição sobre o tema, podemos considerar como necessário distinguir as espécies de responsabilidade civil, para que seja devidamente aplicada a lei o caso concreto.

Frisa-se que, a responsabilidade civil, tanto do médico residente, quando te seu preceptor é subjetiva, sendo imputado dentro dos seus limites de sua atuação, podendo ser majorada ou minorada determinada conduta e o dano efetivamente ocasionado.

É neste critério que impera aplicação em nossos Tribunais a responsabilidade solidária em que ambos os tutor e aprendiz respondem conjuntamente por seus atos.

Aos aconselhamentos para atuação preventiva é:

a)   O preceptor deve atentar-se com que ocorre no dia-dia do hospital ou clinica médica, inclusive, quanto as deficiências e qualidades dos médicos residentes, atuando como um verdadeiro gestor de pessoas, gerando ainda mais garantias nas suas atividades, podendo tomar medidas enérgicas, como por exemplo, excluir residente desidioso do programa que está vinculado.

 

b)   O médico residente deve estar atendo com sua conduta, ainda que atue sob vigilância e cuidado do seu preceptor, pois o atributo de seu diploma médico não exclui de sua responsabilidade, respeitando também, padrões éticos.

 

Neste ponto, qualquer irregularidade ou ilegalidade deve ser denunciado por ato de seu preceptor, juntando +as devidas provas de que seus atos foram precedidos do seu tutor, como conversas de aplicativos de mensagens instantâneas, fotos de documentos, email, etc.

 

 



[1] TJ-SP 00079806620078260482 SP 0007980-66.2007.8.26.0482, Relator: Edson Luiz de Queiróz, Data de Julgamento: 20/02/2018, 9ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 21/02/2018)

[2] STJ - REsp: 1328457 RS 2012/0121455-4, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 11/09/2018, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 17/09/2018.

[3] Embargos Infringentes n° 70002326569, terceiro grupo de câmaras cíveis, tribunal de justiça do RS. relator: Des. Osvaldo Stefanello, julgado em 23/11/01.


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06/11/2022

ERRO MÉDICO E SUAS CONSEQUENCIAS JURÍDICAS



         A atuação do médico é vista como algo em que se exige do profissional ao empregar técnicas adequadas, seguindo aos ditames da ciência médica.

         É preciso observar que, nem todo e qualquer resultado na atuação do profissional será caracterizado por erro, sendo necessária cautela para que seja responsabilizado em três esferas independentes. Vejamos quais sao:

·        Responsabilidade Administrativa/Ética: Perante o Conselho Regional de Medicina decorrente de denúncia, para abertura de processo ético disciplinar em face do médico visando eventual punição administrativa.

 

·        Responsabilidade Criminal: por meio de Inquérito Policial, Denuncia do Ministério Público e a consequente Ação Penal em face do médico.

 

·        Responsabilidade Civil: por ação indenizatória decorrente de dano material e/ou moral, se constatado.

 

         Trataremos apenas as questões relacionadas à responsabilidade civil, em linhas a seguir.

Importante salientar que, a responsabilidade do profissional liberal é subjetiva, de acordo com grau de culpa a ser apurada pela prática de seus atos, aplicando-se ao disposto no art. 14, §4°, do Código de Defesa do Consumidor:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

§ 4º A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.

         Adentrando ao tema proposto, podemos afirmar que, para que seja imputada a culpa do médico, deverá conter situações específicas, como:

·        Imperícia

·        Imprudência

·        Negligência.

Vejamos cada um destes elementos essenciais detalhadamente:

         A Imperícia médica indica falta de competência, de experiência e habilidade no exercício habitual das atividades médicas. Por exemplo, um médico especialista em clínica médica, porém, realiza cirurgia em pacientes para colocar prótese de silicone.

Há duas situações distintas que precisam ser observadas acerca da imperícia médica.

1.   Exercer especialidade não registrada é infração ética: pois, o Código de Ética Médica (CEM), em seu capítulo XXI, proíbe ao médico “anunciar títulos científicos que não possa comprovar, especialidade ou área de atuação para a qual não esteja qualificado e registrado no Conselho Regional de Medicina” (Art. 115), bem como, a Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) nº. 1845, de 2008.

 

Atualmente, existem duas formas de se obter o título de especialista na área médica:

·        Por meio de concurso ou avaliação da respectiva Sociedade de Especialidade Médica, realizada após o profissional ter concluído um curso, estágio ou outra forma de capacitação;

 

·        Ser titulado como especialista após frequentar um programa de Residência Médica (RM) reconhecido pelo MEC.

 

2.   Para fins de responsabilidade civil do médico somente se constituirá a imperícia médica por meio de laudo médico e que seja constatado o dano de sua conduta[1].

         Retomaremos com mais detalhes adiante quando tratarmos sobre o dano aplicado em todos os casos de responsabilidade por culpa.

         A Imprudência médica se caracteriza quando o profissional age sem cautela necessária, não se preocupando com as futuras consequências de seu ato.

         Por exemplo:

·        Médico que realiza um determinado procedimento cirúrgico sem o acompanhamento de uma equipe profissional, pode culminar em sua responsabilidade.

 

·        Médico que dá alta médica sem as devidas cautelas necessárias, ocorrendo o óbito logo após a alta[2].

A Negligência médica é o ato de descuido, desatenção profissional, com descaso, inclusive, de seus deveres éticos.

Podemos citar alguns exemplos práticos, dentre tantos:

·        Médico que esquece material cirúrgico dentro do corpo do paciente. Trata-se de um erro comum, mas que poderia muito bem ser evitado durante o procedimento.

 

·        Médica plantonista que não identificou a fratura no fêmur do autor e deu alta médica. Requerente que, após alguns dias da alta, compareceu ao consultório de um médico especialista que identificou a fratura e realizou cirurgia. Prova pericial que atestou que a médica não solicitou os exames necessários para o diagnóstico da fratura do autor. Negligência. Responsabilidade das requeridas configurada[3].

 

·        Médica que não se dignou examinar pessoalmente o bebê, a despeito das inúmeras advertências da equipe de enfermagem[4].

 

·        Demora no diagnóstico do médico de apendicite aguda que culminou em cirurgia invasiva com a responsabilidade parcial de outros órgãos, gera indenização[5].

 

A Justiça tem entendido que, deve estar presente o nexo causal entre o serviço prestado e o dano para que se caracterize a responsabilidade civil do médico decorrente de sua conduta negligente.

Podemos citar o caso do paciente que perdeu parte do dedo em razão de negligência médica, por falta de solicitação de exames para verificação do diabetes.

Nesta situação, o Tribunal de Justiça de São Paulo entendeu que, constatada a diabetes pelo hospital, foi ofertado tratamento ao paciente e remédios para a infecção no dedo, inclusive, com a evolução da infecção que resultou em amputação e desta forma, é ausente de prova de negligência médica ou de falta de prestação de assistência médica pelo ente público[6].

É interessante observarmos que, o caso apresentado é característico de Iatrogenia[7], pois, a amputação do dedo do paciente é a consequência do seu estado de saúde, não havendo direito à indenização.

Portanto, em todos os casos de culpa médica (negligência, imprudência ou imperícia) acima tratados, deve haver o liame causal entre a conduta da equipe médica profissional (negligência), e as lesões físicas do paciente, que implicam o reconhecimento do dano e o dever de indenizar[8], caso contrário, não pode ter cunho indenizatório.

Em relação ao dano proveniente de erro médico, (aplicável em todos os casos) podemos classifica-los em:

·        Dano material: também denominado como dano patrimonial, é o prejuízo que ocorre no patrimônio da pessoa, ou seja, perda de bens ou coisas que tenham valor econômico, podendo ter: Lesão permanente/Temporária (art. 402, CC/02).

·        Existe a possibilidade do pagamento de salário mínimo decorrente da perda patrimonial à vítima ou a seus familiares (art. 951, CC).

 

·        Dano estético: configura-se por lesão à saúde ou integridade física de alguém, que resulte em constrangimento. São lesões que deixam marcas permanentes no corpo ou que diminuam sua funcionalidade como: cicatrizes, sequelas, deformidades ou outros problemas que causem mal estar ou insatisfação (base legal: art. 186, CC/02).

 

·        Dano moral: é a violação da honra ou imagem de alguém. Resulta de ofensa aos direitos da personalidade (intimidade, privacidade, honra e imagem).art. 1°, II, CF, art. 186, CC, art. 12 e 14, CDC.

Frisa-se, haja indenização, tanto o erro de diagnóstico, quanto o erro de prognóstico devem gerar dano ao paciente.

Assim, em toda e qualquer situação decorrente de erro médico, a prova pericial é essencial para constatar se houve ou não a conduta culposa do médico e não somente imputar tal responsabilidade, cabendo também ao profissional da saúde o direito ao contraditório e a ampla defesa, independentemente se for processo civil, penal ou administrativo (ético).

Cumpre ao paciente estar atento quanto à mesma lógica, pois, conforme trazido aqui, deverá provar que houve erro médico, também por meio de laudo e demais documentos.

Podemos elencar algumas provas essenciais do erro médico para eventual ação ou defesa judicial, como:

a) Prontuário médico: são informações registradas a respeito de um paciente.

b) Termo de consentimento informado (TCI): documento assinado pelo paciente quando vai receber uma cirurgia ou tratamento.

c) Termo de Consentimento Esclarecido: (TCLE): participante de pesquisa científica (Resp. 466/12, CNS)

d) Relatório/anotação da enfermagem.

Importante frisar que, cabe ao médico  ter atenção redobrada quanto aos documentos acima descritos, pois tais provas também podem ser úteis para a sua defesa em um eventual processo, seja de qualquer natureza for.

Além disso, é preciso ter atenção não somente as provas em si, como também o prazo para ingressar com ação judicial por erro médico.

O Superior Tribunal de Justiça entende que a ação proposta para cobrança de indenização por erro médico está submetida ao prazo prescricional de cinco anos, conforme estabelecido no art. 27 do Código de Defesa do Consumidor[9].

Assim temos uma dupla visão:

1)   Cabe ao paciente lesado ou seus familiares promover ação por erro médico em até 05 (cinco) anos, a contar do fato ocorrido;

 

2)   No aspecto técnico, se o paciente promove ação por erro médico além do prazo previsto em lei (05 cinco anos), o médico não terá mais o dever de indeniza-lo.

 



[1] Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul TJ-MS - Apelação Civel: AC 621 MS 2008.000621-9;

[2] TJ-PR - processo cível e do trabalho recursos apelação apl 00083710720138160056 pr 0008371-07.2013.8.16.0056 (acórdão) (tj-pr).

[3] TJPR - 10ª C.Cível - AC - 1639188-7 - Ponta Grossa - Rel.: - Unânime - J. 11.05.2017 .

[4] TJ-SP - Apelação APL 40033701420138260114 SP 4003370-14.2013.8.26.0114 (TJ-SP)

[5] TJ-SP - Apelação Cível AC 10310899420178260562 SP 1031089-94.2017.8.26.0562 (TJ-SP)

[6] TJ-SP - Apelação Cível AC 10145015120148260001 SP 1014501-51.2014.8.26.0001 (TJ-SP).

[7] O termo iatrogenia deriva do grego (iatros = médico / gignesthai = nascer, que deriva da palavra genesis = produzir) e significa qualquer alteração patológica provocada no paciente pela má prática médica 1,2. O termo doença cardíaca iatrogênica é usualmente definido como doença do coração induzida pelo médico.

[8] TJ-SP - Apelação Cível AC 00067710820118260002 SP 0006771-08.2011.8.26.0002 (TJ-SP)

[9] STJ, AgRg no AREsp n. 626.816/SP.

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