Introdução
O Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep) tem sido um instrumento vital na constituição de reservas para os servidores públicos, administrado pelo Banco do Brasil conforme preceitua o artigo 5º da Lei Complementar 8/1970. Contudo, recentemente, uma série de controvérsias emergiu devido a desfalques observados nas contas individuais dos servidores, levando ao ajuizamento de inúmeras ações individuais.
Situação que Ensejou o Tema 1.150/STJ
As demandas recentes concentram-se nos desfalques identificados nas contas individualizadas, resultantes de práticas ilegais supostamente realizadas pelo Banco do Brasil.
Certamente, esses desfalques incluem saques e retiradas indevidos, ausência de creditamento dos recursos arrecadados, e inobservância dos parâmetros de correção monetária e juros estabelecidos pelo conselho diretor do fundo PIS-Pasep.
Discussões Jurídicas Relevantes
Diante desse cenário, três questões jurídicas têm sido objeto de debate nessas ações:
(a) Legitimidade Passiva: Surge a controvérsia sobre quem detém a legitimidade passiva: a União, entidade à qual estava vinculado o conselho diretor do fundo PIS-Pasep, ou o Banco do Brasil, responsável pela administração das contas individualizadas?
(b) Prazo Prescricional: A segunda questão diz respeito ao prazo prescricional aplicável. Deve-se observar o prazo quinquenal, conforme estabelecido pelo Decreto-Lei 20.190/1932, artigo 1º, ou o prazo decenal previsto no Código Civil, artigo 205?
(c) Termo Inicial da Prescrição: Por fim, há debate acerca do termo inicial da prescrição. O prazo prescricional inicia-se a partir do último depósito efetuado na conta individualizada ou da ciência dos desfalques pelo seu titular?
Análise Jurídica
No que concerne à legitimidade passiva, a natureza das obrigações do Banco do Brasil no âmbito do Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep) demanda uma análise minuciosa.
Embora a titularidade dos recursos pertença à União, é o Banco do Brasil quem exerce a administração das contas individualizadas, assumindo, por decorrência, responsabilidades fiduciárias sobre esses fundos.
Nesse sentido, a jurisprudência tem sedimentado a compreensão de que a legitimidade passiva em demandas relativas a eventuais desfalques nas contas do Pasep recai sobre o Banco do Brasil, em virtude de sua função de agente fiduciário e administrador desses recursos, incumbido de garantir sua integridade e segurança.
No que tange ao prazo prescricional aplicável, a complexidade inerente às questões envolvendo os desfalques no Pasep e a salvaguarda dos direitos dos titulares das contas justificam a adoção do prazo decenal, conforme estipulado no artigo 205 do Código Civil.
Tendo em vista a natureza de longo prazo do programa e a possibilidade de que os desfalques permaneçam ocultos por um período substancial de tempo, o prazo decenal oferece uma tutela mais adequada aos direitos dos prejudicados, permitindo-lhes um período razoável para descobrir os danos sofridos e agir judicialmente em busca de reparação.
Quanto ao termo inicial da prescrição, a teoria da actio nata emerge como o princípio orientador. Segundo essa doutrina, o prazo prescricional somente tem início quando o titular da conta individualizada adquire ciência inequívoca dos desfalques ocorridos. Isso ocorre no momento em que ele está em condições de compreender, de forma clara e precisa, os fatos que ensejam sua pretensão indenizatória e buscar os meios adequados para sua reparação judicial.
Dessa forma, o termo inicial da prescrição não se relaciona necessariamente com o último depósito efetuado na conta, mas sim com o momento em que o titular tem conhecimento dos danos sofridos e de sua possibilidade de buscar a tutela jurisdicional para sua reparação.
Caso Prático: Desfalques no Pasep
Para ilustrar as questões discutidas anteriormente, considere o caso fictício de João, servidor público federal, que participou do Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep) durante sua carreira, mantendo uma conta individualizada administrada pelo Banco do Brasil.
Após décadas de contribuição, João decide solicitar o resgate de parte dos valores depositados em sua conta do Pasep para realizar um investimento imobiliário. No entanto, ao solicitar os extratos de sua conta, João percebe discrepâncias significativas entre os valores que ele esperava encontrar e os valores registrados nos extratos fornecidos pelo Banco do Brasil.
Após uma análise mais detalhada, João descobre que sua conta do Pasep foi objeto de desfalques, incluindo saques e retiradas indevidos, falta de creditamento de recursos arrecadados e incorreções nas correções monetárias e juros aplicados. Diante dessa situação, João decide buscar reparação judicial pelos danos sofridos.
Ao ingressar com uma ação contra o Banco do Brasil, João se depara com as seguintes questões jurídicas:
- Legitimidade Passiva: João questiona se a responsabilidade pelos desfalques em sua conta do Pasep recai sobre o Banco do Brasil, na qualidade de administrador das contas individualizadas, ou sobre a União, entidade à qual estava vinculado o conselho diretor do fundo PIS-Pasep.
- Prazo Prescricional: João precisa determinar qual prazo prescricional é aplicável ao seu caso. Ele se pergunta se deve observar o prazo quinquenal, conforme previsto pelo Decreto-Lei 20.190/1932, artigo 1º, ou o prazo decenal estabelecido no Código Civil, artigo 205.
- Termo Inicial da Prescrição: João também precisa esclarecer quando se iniciou o prazo prescricional para ajuizar sua ação. Ele se questiona se o prazo começa a contar a partir do último depósito efetuado em sua conta do Pasep ou a partir do momento em que ele teve ciência dos desfalques.
Diante dessas questões, João precisará de uma análise jurídica aprofundada para determinar a melhor estratégia para sua demanda, garantindo que seus direitos sejam adequadamente protegidos e que as responsabilidades do Banco do Brasil sejam devidamente estabelecidas, em consonância com os princípios fundamentais do ordenamento jurídico.
Conclusão
Diante da complexidade inerente às demandas relativas aos desfalques no âmbito do Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep), é imperativo que se proceda a uma análise meticulosa, especialmente no que tange às questões de legitimidade passiva, prazo prescricional e termo inicial da prescrição.
A legitimidade passiva deve ser interpretada à luz das responsabilidades fiduciárias assumidas pelo Banco do Brasil enquanto administrador das contas individualizadas do Pasep. Nesse contexto, a atribuição de legitimidade passiva ao Banco do Brasil se revela congruente com sua função primária de custódia e gestão dos recursos do programa.
Quanto ao prazo prescricional, a aplicação do prazo decenal é condizente com a natureza peculiar das relações jurídicas envolvidas, visto que os desfalques podem permanecer ocultos por longos períodos, demandando um lapso temporal mais amplo para a efetivação dos direitos dos titulares das contas.
No que concerne ao termo inicial da prescrição, a adoção da teoria da actio nata é essencial para a correta delimitação do momento em que se inicia a contagem do prazo prescricional. Assim, a ciência inequívoca dos desfalques por parte dos titulares das contas configura o marco inicial para a contagem do prazo prescricional, garantindo-se, desse modo, o acesso à justiça e a efetiva proteção dos direitos dos lesados.
Portanto, é imprescindível que, ao se enfrentarem essas demandas, seja assegurada uma análise aprofundada dessas questões jurídicas, visando à proteção adequada dos direitos dos titulares das contas do Pasep e à correta atribuição das responsabilidades do Banco do Brasil, em conformidade com os princípios fundamentais do ordenamento jurídico.