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08/06/2025

“Herdei um Consórcio: Ganhei ou Perdi? Descubra Seus Direitos Quando um Familiar Falecido Pagava Consórcio”


 Você já parou pra pensar o que acontece com um consórcio quando a pessoa que o contratou falece? Pois é... Essa é uma dúvida mais comum do que parece, principalmente quando o consorciado era um parente próximo, como pai, mãe, cônjuge ou irmão. E aí surge o dilema: "Será que eu tenho direito a alguma coisa? O consórcio é quitado? Posso receber a carta de crédito? Ou o dinheiro simplesmente some?"

Vamos tratar sobre isso de forma clara e direta. E, claro, com base na lei, nas decisões dos tribunais e na experiência prática de quem lida com isso todos os dias.

Pra começar do começo: consórcio é uma forma de compra planejada. Várias pessoas se unem num grupo e pagam parcelas mensais. A cada mês, uma ou mais delas são contempladas, seja por sorteio, seja por lance. Quando contemplado, o participante recebe uma carta de crédito no valor do bem desejado (como um carro, um imóvel, uma moto etc.) e pode realizar a compra.

Mas e quando o consorciado falece antes de ser contemplado? Ou mesmo depois? O que acontece com esse contrato?

A resposta pode variar, mas o primeiro ponto essencial é verificar se havia ou não um seguro prestamista vinculado ao consórcio. Esse seguro, que muitas vezes passa despercebido, tem uma função muito específica e valiosa: quitar a dívida do consórcio em caso de morte ou invalidez do titular. Ou seja, se esse seguro estiver ativo, a dívida restante será paga pela seguradora — e o bem, ou a carta de crédito, passa a ser dos herdeiros. Simples assim.

E tem mais: o Superior Tribunal de Justiça já deixou claro que, havendo o seguro prestamista, a carta de crédito deve ser liberada aos herdeiros, ainda que o consorciado falecido não tenha sido contemplado em vida. Isso está no julgamento do REsp 1.406.200/AL, da 4ª Turma do STJ, relatado pelo Ministro Luis Felipe Salomão. Segundo esse entendimento, não importa se o grupo consorcial foi encerrado ou não — a seguradora tem a obrigação de quitar o saldo devedor, e os herdeiros têm direito à carta de crédito.

Agora, vamos imaginar que esse seguro não existia. Nesse caso, tudo está perdido? Não, ainda não. Mesmo sem o seguro, existe o que chamamos de reserva técnica já formada. Esse nome pode parecer complicado, mas a ideia é bem simples: você tem direito a receber de volta os valores que o falecido pagou, corrigidos monetariamente. Esse valor entra no inventário e é partilhado entre os herdeiros como qualquer outro bem do falecido.

Aí você pode estar se perguntando: "Mas eu preciso mesmo entrar com inventário?" Sim. O consórcio é um bem ou um crédito, e como qualquer item patrimonial, precisa passar pelo inventário. Lembre-se: o prazo para abrir o processo de inventário é de 60 dias após o falecimento, e caso isso não seja feito dentro do prazo, há multa fiscal.

Vamos a dois exemplos bem práticos, só pra deixar tudo ainda mais claro.

Imagine que seu pai participava de um consórcio de carro no valor de R$ 80 mil. Ele havia pago 30 parcelas, faltando ainda R$ 30 mil. Se havia seguro prestamista, a seguradora quita o restante, e os herdeiros recebem a carta de crédito. Nesse caso, a perda do ente querido é irreparável, mas pelo menos o esforço financeiro dele não se perde.

Agora, num segundo cenário, suponha que sua irmã participava de um consórcio imobiliário de R$ 300 mil, pagou R$ 50 mil e faleceu antes de ser contemplada. Se não havia seguro, vocês, herdeiros, têm direito a receber esses R$ 50 mil pagos, corrigidos até a data da devolução. O restante não será quitado, mas vocês também não perdem tudo.

É por isso que sempre vale a pena verificar o contrato do consórcio. Ele geralmente traz, em letras miúdas, a informação sobre a contratação ou não do seguro prestamista. Se não conseguir entender sozinho, procure um advogado. Uma simples leitura técnica pode evitar que você ou sua família deixem de receber o que é de direito.

Em resumo: consórcio não morre com o titular. Ele entra no inventário e, a depender das cláusulas contratuais e da existência ou não do seguro prestamista, pode se transformar em um crédito valioso para os herdeiros. A jurisprudência, felizmente, está do lado de quem busca esse direito — e não da burocracia das administradoras de consórcio.

Se você está nessa situação ou conhece alguém que esteja, não fique de braços cruzados. Documente tudo, junte os comprovantes de pagamento, verifique a existência do seguro e, principalmente, consulte um profissional da área. O Direito está aí para proteger — e, nesse caso, ele protege mesmo.

09/05/2025

DEZ ANOS DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL: O QUE APRENDEMOS COM AS 11 TESES FUNDAMENTAIS DO STJ



Caro leitor, cara leitora,

 

Há exatos dez anos, o novo Código de Processo Civil entrava em vigor, carregando consigo promessas ambiciosas: simplificação, cooperação, efetividade, primazia do julgamento de mérito. O tempo passou, a prática moldou a teoria, e hoje temos um panorama muito mais claro de onde acertamos, onde ainda tropeçamos e como evoluímos.

Foi nesse contexto que o Superior Tribunal de Justiça, verdadeiro guardião da interpretação da legislação infraconstitucional, publicou a Jurisprudência em Teses nº 255, selecionando onze teses que ilustram o amadurecimento do CPC/2015.

Mas o que exatamente essas teses nos dizem? Por que importam na vida do advogado, do juiz, do jurisdicionado? Convido você a uma leitura que vai além da simples enumeração: vamos refletir, juntos, sobre o que cada uma dessas decisões representa.

1. ACESSO À JUSTIÇA SEM FRONTEIRAS: A GRATUIDADE PARA ESTRANGEIROS NÃO RESIDENTES

Será que alguém que nem mora no Brasil pode bater às portas do Judiciário brasileiro pedindo gratuidade da justiça?

A resposta é sim, e com toda razão jurídica e constitucional. Foi isso que afirmou o Superior Tribunal de Justiça ao interpretar o artigo 98 do Código de Processo Civil, reforçando o entendimento de que a gratuidade da justiça não está condicionada à nacionalidade brasileira nem à residência no território nacional.

Mas por que isso é importante na prática?

Vamos imaginar um cenário comum: uma cidadã portuguesa, que esteve em viagem ao Brasil, sofre um acidente de trânsito em São Paulo, causado por um motorista local. De volta ao seu país, sem recursos financeiros e ainda em tratamento médico, ela decide ajuizar uma ação indenizatória aqui no Brasil, buscando reparação pelos danos sofridos.

Antes do CPC/2015, haveria dúvida — e resistência — quanto à possibilidade de concessão da gratuidade àquela estrangeira, especialmente se não residisse nem tivesse vínculo estável com o país. Alguns juízes poderiam exigir prova de reciprocidade internacional, ou alegar que o benefício seria reservado a brasileiros e residentes.

Hoje, esse entendimento não se sustenta mais.

Com a redação ampla e objetiva do artigo 98, o novo código passou a tratar a gratuidade como um direito processual subjetivo, vinculado única e exclusivamente à condição de insuficiência de recursos da parte, e não a critérios territoriais ou nacionais. Isso significa que qualquer pessoa, brasileira ou não, residente ou não, pode pleitear o benefício se demonstrar que não tem condições de arcar com as custas, sem prejuízo próprio ou de sua família.

E o que disse o STJ?

Em decisões paradigmáticas como a proferida no Pet 9815/DF, a Corte deixou claro: a Justiça brasileira não pode se fechar a quem procura proteção jurisdicional, desde que o pedido esteja fundado em direito e necessidade legítima. Ao fazer isso, o Tribunal aplica diretamente os princípios da isonomia, do devido processo legal e da dignidade da pessoa humana — todos eles com status constitucional.

Isso nos convida a refletir: por que a nacionalidade deveria ser um obstáculo ao acesso à Justiça? Não seria incoerente negar esse direito justamente a quem, por estar fora do país, tem menos acesso a meios de defesa?

Mais do que uma discussão técnica, essa tese revela uma visão humanista e democrática do processo civil, rompendo com uma tradição excludente, muitas vezes enrijecida por formalismos.

 

Em síntese:

·        A condição financeira da parte é o único critério relevante para a concessão da justiça gratuita;

·        O domicílio estrangeiro não impede o pedido, desde que o processo tramite perante o Judiciário brasileiro;

·        A decisão do STJ reafirma que a jurisdição é um serviço público de natureza universal;

·        Advogados que atuam em causas internacionais ou com clientes estrangeiros devem estar atentos a esse direito, para não reproduzir antigos preconceitos normativos.

 

2. TRANSIÇÃO LEGISLATIVA E O AGRAVO EM AUTOS APARTADOS: SEGURANÇA OU SURPRESA?

Quando o novo Código de Processo Civil entrou em vigor em 2016, muitos processos ainda tramitavam sob o regime do antigo CPC de 1973. E isso gerou um desafio prático e teórico que ainda hoje ressoa: como lidar com atos processuais praticados na vigência do código revogado, mas cujos efeitos se prolongam sob o novo código?

Essa dúvida ganhou forma concreta em uma situação muito comum: a impugnação à gratuidade da justiça apresentada em autos apartados, ainda na vigência do CPC/1973, mas decidida já sob o CPC/2015.

E surge a pergunta: é cabível agravo de instrumento contra essa decisão? Afinal, o código antigo não previa essa hipótese de recurso, e o novo prevê (art. 1.015, V). Estamos diante de uma transição normativa.

O Superior Tribunal de Justiça, enfrentando o tema com a cautela que merece, afirmou que sim, é cabível agravo de instrumento mesmo nesses casos. Ou seja, a nova regra recursal aplica-se às decisões proferidas após a entrada em vigor do CPC/2015, independentemente de o incidente ter sido instaurado anteriormente.

Mas por que essa decisão é tão relevante?

Porque ela traz segurança jurídica em meio ao caos das transições legislativas. Em vez de adotar uma postura rígida — que poderia vedar o direito ao recurso simplesmente pelo “pecado” de o incidente ter nascido sob o CPC/73 —, o STJ preferiu olhar para a natureza da decisão e o momento da sua prolação.

Vamos exemplificar com uma situação realista:

Imagine que uma empresa requereu gratuidade da justiça em um processo iniciado em 2015. O pedido foi impugnado pelo réu e, como manda o figurino da época, a impugnação foi autuada em autos apartados. Por inércia ou sobrecarga, o juiz só analisou o pedido em 2017, já na vigência do novo CPC, deferindo a gratuidade.

O que poderia fazer a parte contrária? Sob o CPC/73, essa decisão não era agravável. Mas sob o CPC/15, é expressamente agravável (art. 1.015, V). Haveria direito ao recurso?

Sim, afirmou o STJ, pois a regra aplicável é a vigente no momento da decisão, e não no momento em que o incidente foi instaurado. É o princípio da atividade regida pelo direito vigente à época da prática do ato, e não do início do processo.

Esse posicionamento evita injustiças como a perda do direito de recorrer por um critério meramente temporal e formal. Afinal, o que está em jogo aqui não é só um tecnicismo recursal, mas o acesso efetivo à impugnação de decisões que impactam direitos fundamentais, como o custeio do processo.

A lição que fica é clara: a transição entre códigos exige hermenêutica construtiva, não punitiva. A função do Judiciário deve ser suavizar os impactos da mudança, e não surpreender as partes com decisões intransigentes.

Em síntese:

  • Agravo de instrumento é cabível contra decisão sobre gratuidade, mesmo em incidente instaurado sob o CPC/73, se a decisão foi proferida já sob o CPC/15;
  • O artigo 1.015, V, deve ser interpretado com base no momento da decisão, e não do início do incidente;
  • A tese promove uniformidade e segurança jurídica, especialmente relevante para quem atua em processos de longa duração;
  • Evita prejuízos processuais fundados em datas e não em direitos.

 

E você? Já se viu em uma situação em que o código mudou no meio do caminho? Já perdeu ou quase perdeu a chance de recorrer por uma dúvida como essa?

Essas teses do STJ são lembretes de que o Direito Processual não é uma armadilha cronológica, mas um instrumento vivo, que deve funcionar como ponte — e não como muro — entre normas e Justiça.

 

3. O ENSINO JURÍDICO NA PRÁTICA: PRAZO EM DOBRO PARA TODOS?

Você já atuou com um Núcleo de Prática Jurídica? Ou já precisou peticionar em nome de um cliente atendido por uma faculdade de Direito? Se sim, talvez tenha se deparado com a seguinte dúvida: os escritórios de prática jurídica de instituições privadas de ensino também têm direito ao prazo em dobro para manifestações processuais, como já se reconhecia às universidades públicas?

A resposta é: sim, têm direito ao mesmo benefício. E isso não é mero detalhe — é afirmação de igualdade institucional e valorização do papel social do ensino jurídico.

O artigo 186, §3º, do Código de Processo Civil de 2015 estabelece que as prerrogativas da Defensoria Pública se estendem aos escritórios-modelo das instituições de ensino superior. Porém, durante muito tempo, essa prerrogativa foi aplicada apenas às universidades públicas, sob o argumento (questionável) de que estariam mais próximas da função institucional da Defensoria.

Foi o Superior Tribunal de Justiça que, com a maturidade que a Constituição exige, corrigiu esse equívoco: não importa se a faculdade é pública ou privada; o que importa é o papel que desempenha — a defesa gratuita de pessoas hipossuficientes, por meio de um núcleo estruturado e reconhecido.

Vamos imaginar um caso realista:

Uma senhora idosa, com problemas de saúde e renda mínima, busca auxílio jurídico gratuito. Ela é atendida por um escritório de prática jurídica de uma universidade privada, com alunos supervisionados por professores. O núcleo ingressa com ação revisional de contrato bancário. O juiz, no curso do processo, nega o prazo em dobro à faculdade, alegando que não se trata de Defensoria Pública nem de instituição pública.

O que fazer? A tese fixada pelo STJ orienta com clareza: o prazo em dobro é cabível, sim, sempre que o escritório de prática jurídica estiver exercendo a função de assistência gratuita, independentemente de sua natureza pública ou privada.

E por que isso é relevante?

Porque o Direito não pode admitir duas categorias de cidadão hipossuficiente: um que tem direito ao contraditório ampliado, quando assistido por universidade pública; e outro que tem acesso mais limitado à Justiça, porque buscou atendimento em uma instituição privada.

Mais do que isso: a Constituição assegura liberdade de ensino, igualdade entre instituições e acesso à Justiça para todos. Excluir as privadas seria discriminação institucional injustificável.

Essa decisão fortalece também o papel pedagógico desses núcleos. Ao garantir o prazo em dobro, permite que os alunos aprendam com tempo e cuidado, sob supervisão docente — afinal, a formação de um bom profissional do Direito também exige tempo e zelo técnico, e o processo precisa acolher essa realidade.

 

Em síntese:

  • O prazo em dobro do art. 186, §3º do CPC aplica-se tanto às instituições públicas quanto às privadas, desde que atuem por meio de escritórios-modelo ou núcleos de prática jurídica;
  • A prerrogativa é funcional e pedagógica, vinculada à defesa gratuita de necessitados e ao processo de formação jurídica;
  • O STJ assegura isonomia entre instituições de ensino e protege o direito fundamental de acesso à Justiça;
  • Essa tese é especialmente útil em petições e recursos que alegam cerceamento de defesa por negativa do benefício.

Agora, com esse entendimento consolidado pelo STJ, há base firme para reivindicar o direito. E, mais do que isso, reafirmar que formar estudantes de Direito e atender pessoas carentes não é exclusividade do ensino público — é missão compartilhada.

 

4. Sentença estrangeira sem trânsito em julgado? Sim, desde que eficaz

Imagine o seguinte cenário: uma empresa brasileira é condenada por um tribunal da Alemanha ao pagamento de indenização a um fornecedor local. A sentença, ainda que passível de recurso naquele país, já produz efeitos concretos — por exemplo, foi utilizada para protestar a dívida ou executar garantias bancárias. O fornecedor decide homologar essa decisão no Brasil, com o objetivo de penhorar ativos da empresa aqui.

Mas então surge a pergunta que muitos advogados e juízes já fizeram: é necessário que essa sentença esteja transitada em julgado lá fora para que seja homologada aqui?

A resposta, segundo a interpretação firmada pelo Superior Tribunal de Justiça, é não. O que importa não é o trânsito em julgado, mas a eficácia da sentença no ordenamento jurídico de origem. É isso que estabelece o artigo 963, inciso III, do Código de Processo Civil de 2015.

E por que isso faz sentido?

Porque exigir o trânsito em julgado seria um entrave desnecessário à cooperação jurídica internacional, e colocaria o Brasil em descompasso com os princípios que regem o reconhecimento de decisões estrangeiras na maioria dos sistemas processuais modernos.

Vamos pensar de forma prática.

Muitas decisões estrangeiras têm eficácia imediata mesmo antes de seu trânsito em julgado. Isso é especialmente comum em sistemas que adotam o duplo grau de jurisdição sem efeito suspensivo automático — ou seja, o recurso não impede a produção de efeitos da sentença. Nesses casos, a decisão já pode ser executada no país de origem. Logo, se ela já é eficaz lá, por que exigir no Brasil uma condição que nem mesmo o país de origem exige para que ela surta efeitos?

Mais ainda: a exigência de trânsito em julgado pode criar um incentivo indevido à litigiosidade, pois a parte contrária no país de origem pode recorrer apenas para impedir a homologação no Brasil, mesmo sabendo que perderá. Seria um uso abusivo do sistema jurídico.

O STJ, ao flexibilizar esse requisito, adota uma postura de racionalidade jurídica e alinhamento ao princípio da boa-fé processual, reconhecendo que o que realmente interessa é a eficácia da sentença e sua compatibilidade com a ordem pública brasileira — e não o esgotamento formal de todas as vias recursais no exterior.

Aliás, essa compreensão está plenamente em sintonia com a Convenção Interamericana sobre Eficácia Extraterritorial de Sentenças Estrangeiras e com os princípios que regem o Direito Internacional Privado, segundo os quais o reconhecimento de sentenças estrangeiras deve priorizar a funcionalidade, não o formalismo.

 

Em síntese:

  • Não é necessário o trânsito em julgado da sentença estrangeira para que seja homologada no Brasil, desde que ela já seja eficaz no país de origem;
  • A exigência indevida de trânsito em julgado contraria os princípios da cooperação internacional e da efetividade processual;
  • O art. 963, III, do CPC/2015 permite uma interpretação mais moderna, voltada à utilidade e à função prática da sentença estrangeira;
  • Essa tese é especialmente importante em execuções internacionais, arbitragens, e disputas comerciais transnacionais.

 

Com essa jurisprudência firme do STJ, há fundamentos claros para sustentar o pedido. E mais do que isso: reafirma-se o compromisso do Judiciário brasileiro com um processo civil aberto ao diálogo internacional, atento às realidades econômicas e jurídicas do mundo globalizado.

5. Repercussão geral não suspende automaticamente os processos: sobrestamento exige decisão expressa

Você já teve um processo sobrestado por causa da repercussão geral? Ou pior: já peticionou pedindo suspensão de um feito sob o argumento de que o STF reconheceu a matéria como relevante? Se sim, é provável que tenha se deparado com o seguinte dilema: afinal, o simples reconhecimento da repercussão geral suspende automaticamente os processos sobre o tema?

De forma direta: não suspende automaticamente. O Superior Tribunal de Justiça foi categórico ao afirmar que o sobrestamento depende de decisão expressa do relator no STF. Essa é a interpretação que decorre do artigo 1.035, §5º, do Código de Processo Civil de 2015.

E aqui cabe uma pausa para refletir: por que essa tese importa tanto na prática?

Porque, em tempos de precedentes vinculantes, muitos operadores do Direito caem na tentação de entender a repercussão geral como um “botão de pausa” universal. Algo como: “Reconheceu a repercussão? Suspende tudo!”. Mas essa lógica simplista ignora dois elementos fundamentais:

  1. O sistema de precedentes exige gestão judicial ativa e não automatismos que engessam o processo;
  2. O reconhecimento da repercussão geral apenas sinaliza que o tema é relevante, não que a sua tramitação seja incompatível com o julgamento futuro do STF.

Vamos a um exemplo concreto:

Imagine que você advoga em favor de um servidor público e está discutindo o direito à incorporação de uma vantagem pessoal aos proventos de aposentadoria. Um recurso extraordinário sobe ao STF tratando da mesma tese jurídica, e a Corte reconhece a existência de repercussão geral.

Naturalmente, você pensa: “Vou pedir o sobrestamento do meu processo, pois o Supremo vai decidir”. Só que o relator no STF ainda não determinou a suspensão dos demais feitos. Resultado? O juiz de primeira instância pode (e deve) continuar julgando.

Essa orientação é coerente com a lógica de eficiência e racionalidade processual. Afinal, há casos em que a controvérsia está próxima da resolução, e suspender a marcha processual significaria atrasar a entrega da tutela jurisdicional, sem ganho efetivo.

Além disso, a decisão do STJ evita abuso do pedido de suspensão como estratégia protelatória. A repercussão geral não deve ser usada como instrumento de defesa em processos em que o interesse real é ganhar tempo e não resolver o mérito.

Outro ponto importante: o STF, ao reconhecer repercussão geral, não julga de imediato. O julgamento pode levar anos. Se todos os processos fossem suspensos automaticamente, o sistema travaria. O que o artigo 1.035, §5º fez foi atribuir ao relator do STF a função de moderador, definindo se e quando a suspensão deve ocorrer.

Em síntese:

  • O reconhecimento da repercussão geral não acarreta a suspensão automática dos processos relacionados ao tema;
  • O sobrestamento depende de decisão expressa do relator do recurso extraordinário no Supremo Tribunal Federal;
  • Essa interpretação preserva a eficiência processual e coíbe manobras procrastinatórias;
  • A tese tem impacto direto em processos tributários, administrativos, previdenciários e de massa, onde a repercussão geral é frequentemente invocada.

Pois bem, com essa tese do STJ, você tem um argumento sólido para defender a continuidade da marcha processual, mesmo diante da repercussão geral. É a autoridade do relator — e não o tema em si — que determina a suspensão.

 

6. Embargos de declaração interrompem prazos? Sim, mas apenas para interposição de recursonão para defesa

Essa é uma daquelas armadilhas do dia a dia forense: o advogado vê a parte contrária interpondo embargos de declaração, e pensa — legitimamente, mas de forma equivocada — que o prazo para todos os atos processuais está suspenso. E então relaxa, posterga, espera.

Só que o prazo corre. E, quando menos se espera, a oportunidade de apresentar uma defesa — como embargos à execução — se esvai.

Aqui entra a orientação firme do Superior Tribunal de Justiça: os embargos de declaração interrompem o prazo apenas para a interposição de recurso, conforme dispõe o artigo 1.026 do Código de Processo Civil de 2015.

Mas atenção: isso não se estende às defesas processuais, como, por exemplo, os embargos à execução ou a impugnação ao cumprimento de sentença.

Vamos a um exemplo para ilustrar.

Imagine que um devedor é intimado da decisão que defere o cumprimento de sentença. Ele tem prazo legal para impugnar. A parte exequente, no entanto, opõe embargos de declaração contra essa decisão, tentando esclarecer um ponto omisso.

O advogado do executado, ao tomar ciência dos embargos, acredita que o prazo dele também está interrompido — afinal, “embargos interrompem o prazo, certo?”

Errado, neste caso.

A interrupção vale somente para a parte que teria que recorrer. O executado não está recorrendo da decisão, ele está se defendendo da execução. O prazo para a defesa dele continua a correr normalmente.

Se ele perder esse prazo por confiar em uma interpretação extensiva do artigo 1.026, perderá o direito de se manifestar — e poderá ser considerado revel ou ver seu patrimônio penhorado sem contraditório efetivo.

Essa tese firmada pelo STJ é uma advertência à advocacia e à magistratura: o processo civil exige rigor técnico no manejo dos prazos, e qualquer ampliação de efeitos processuais precisa estar fundamentada na lei — não em inferências ou analogias.

Há, ainda, um pano de fundo importante: a diferenciação entre defesa e recurso. Embora ambos sejam manifestações do contraditório, ocupam lugares distintos na estrutura procedimental. O recurso visa revisar uma decisão judicial. Já a defesa, especialmente na fase de execução, é um direito reativo à pretensão do exequente, com prazos autônomos.

 

Em síntese:

  • Embargos de declaração interrompem apenas o prazo para interposição de recurso (art. 1.026 do CPC);
  • Não interrompem prazos para apresentação de defesas autônomas, como embargos à execução ou impugnação ao cumprimento de sentença;
  • A aplicação indevida dessa interrupção pode levar à preclusão temporal e graves prejuízos patrimoniais;
  • A tese é essencial em execuções fiscais, ações de cobrança e cumprimento de sentença, onde os prazos são exíguos e de natureza peremptória.

 

E você, colega, já teve que esclarecer esse ponto para um cliente ou mesmo para um colega de profissão? Já viu embargos serem indeferidos por intempestividade por conta de um cálculo de prazo equivocado?

Essa decisão do STJ nos lembra que o processo é, sim, instrumento de justiça, mas que a justiça também depende do manejo técnico e preciso dos seus ritos. Não há espaço para “achismos” em contagem de prazos.

 

7. Reclamação para fazer valer precedente repetitivo? Não é por esse caminho

Você já se viu diante de uma decisão que claramente contraria uma tese fixada em recurso especial repetitivo, e teve vontade de protocolar uma reclamação diretamente no STJ?

Se sim, saiba que esse impulso, embora compreensível, pode levar a um erro processual grave, se a reclamação for usada como atalho para corrigir uma má aplicação do precedente. Isso porque o STJ tem reiterado que não cabe reclamação com o único fundamento de inobservância de entendimento firmado em recurso repetitivo, nos termos do artigo 988, §5º, inciso II, do Código de Processo Civil de 2015.

Aqui vale uma pausa: por que isso importa tanto?

Porque vivemos na era dos precedentes obrigatórios. Desde o CPC/2015, o sistema jurídico brasileiro deu um passo relevante na tentativa de racionalizar o volume de litígios e padronizar a jurisprudência, criando um modelo híbrido entre o civil law e o common law.

Nesse modelo, as teses firmadas em recursos especiais repetitivos — assim como em repercussão geral no STF — têm eficácia vinculante para os demais órgãos do Judiciário. Porém, essa vinculação não transforma a reclamação em instrumento universal de correção.

Vamos imaginar um caso concreto.

Suponha que um juiz de primeiro grau julgue improcedente uma ação baseada em contrato bancário, ignorando tese firmada em recurso repetitivo do STJ que reconhece a abusividade de determinada cláusula. O advogado, indignado, decide não recorrer pela via ordinária e opta por propor reclamação diretamente no STJ, argumentando que houve violação ao precedente repetitivo.

Essa reclamação será inadmitida.

Por quê? Porque a função da reclamação, nesse caso, não é substituir o recurso cabível (apelação ou recurso especial). A correta aplicação de tese repetitiva deve ser arguida nos meios processuais ordinários, como fundamento recursal, e não por via autônoma.

A única hipótese legal de cabimento da reclamação, nesse contexto, seria se o acórdão impugnado tivesse afastado a aplicação de uma tese vinculante firmada pelo próprio STJ em um caso no qual ele já tenha decidido a matéria como instância última, e mesmo assim a decisão inferior tenha descumprido frontalmente — e ainda assim, de forma excepcional.

O que o STJ tem feito com essa tese é resgatar a finalidade original da reclamação constitucional: preservar a autoridade das decisões de instância superior e garantir a competência do tribunal. Ela não é um “recurso coringa”, e seu uso indiscriminado ameaça a coerência do sistema recursal.

Além disso, usar a reclamação indevidamente pode provocar não só a sua rejeição, mas também sanções por má-fé ou protelação, e responsabilização por atuação temerária, especialmente em causas de massa, como nos juizados especiais ou em ações consumeristas.

 

Em síntese:

  • Não cabe reclamação ao STJ apenas por inobservância de tese firmada em recurso repetitivo (art. 988, §5º, II, do CPC);
  • A reclamação não substitui o recurso cabível — a via adequada para discutir a má aplicação de precedente é o recurso próprio, como apelação ou recurso especial;
  • O uso indevido da reclamação pode ser interpretado como manobra protelatória ou desvio de finalidade;
  • A tese fortalece a sistemática dos precedentes obrigatórios, sem permitir sua banalização ou uso fora das hipóteses legais.

 

E você, já cogitou usar a reclamação como solução rápida para o descumprimento de um precedente? Já se deparou com decisões que contrariavam repetitivos e não sabia se havia fundamento técnico para ir direto ao STJ?

A resposta está dada: o caminho é o recurso — e não a reclamação. A construção de uma jurisprudência estável, íntegra e coerente exige que cada ferramenta seja usada em sua medida certa.

8. IRDR e a reclamação: quando a vinculação não se impõe ao STJ por essa via

Sabemos que o IRDR – o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas – foi uma das grandes inovações do CPC de 2015. A proposta era clara: permitir que os tribunais locais uniformizassem entendimentos sobre questões de direito repetitivas, garantindo isonomia de tratamento e segurança jurídica nas decisões de massa.

Mas eis a dúvida que vem se impondo desde então: quando um tribunal local firma uma tese em IRDR e essa tese é confirmada ou alinhada pelo STJ em recurso especial, é cabível reclamação quando um juízo ou tribunal inferior ignora esse entendimento?

De maneira enfática, o STJ disse não. Não cabe reclamação ao STJ por inobservância de tese fixada em recurso especial interposto no âmbito de um IRDR. E esse entendimento se ancora na interpretação dos artigos 987, caput, e 988, inciso IV, do CPC/2015.

Vamos entender isso melhor com um exemplo prático.

Imagine que o Tribunal de Justiça de determinado estado, diante de uma enxurrada de ações de servidores públicos questionando o desconto previdenciário em verbas indenizatórias, decide instaurar um IRDR. Após o procedimento regular, firma-se a tese de que o desconto é indevido. Contra essa tese, é interposto recurso especial, que é julgado pelo STJ, confirmando o entendimento do tribunal local.

Agora, suponha que, meses depois, um juiz de primeiro grau decide de forma contrária ao entendimento firmado, aplicando uma interpretação própria e ignorando tanto o IRDR quanto a decisão do STJ no recurso especial.

Pode a parte prejudicada propor uma reclamação diretamente no STJ, alegando violação ao precedente?

Não. E é aqui que entra o núcleo da tese do STJ.

O entendimento da Corte é que, ainda que a decisão do STJ tenha confirmado a tese do IRDR, isso não transforma automaticamente aquela decisão em precedente vinculante para fins de reclamação. Isso porque a competência para gerir o cumprimento das teses firmadas em IRDR continua sendo dos próprios tribunais locais.

A função do STJ, nesse contexto, é apenas a de controle de legalidade da decisão no âmbito do recurso cabível — e não de substituição do tribunal originário na fiscalização da aplicação da tese. Permitir que o STJ controlasse diretamente o cumprimento das teses firmadas em IRDR significaria distorcer as competências definidas na Constituição e no próprio CPC.

Ou seja, a reclamação não é o caminho processual adequado para garantir que a tese de um IRDR, mesmo confirmada pelo STJ, seja respeitada. O instrumento correto permanece sendo o recurso próprio e, em última análise, a atuação da Corregedoria do tribunal local, se necessário.

Esse entendimento preserva o modelo federativo do Judiciário, assegura a autonomia dos tribunais estaduais e regionais, e evita que a reclamação se transforme em uma forma de centralizar, indevidamente, todo o controle de precedentes nas mãos do STJ.

 

Em síntese:

  • Não cabe reclamação ao STJ quando a tese firmada em IRDR, mesmo confirmada em recurso especial, é ignorada por instância inferior;
  • A competência para gerir o cumprimento do IRDR é do próprio tribunal que o instaurou;
  • A decisão do STJ em recurso especial não gera automaticamente efeito vinculante nacional para fins de reclamação;
  • O sistema de precedentes depende de respeito às competências institucionais e à verticalização recursal adequada, sem encurtamentos indevidos.

Você já se deparou com um IRDR que não foi respeitado por um juízo de primeiro grau? Já se sentiu tentado a ir direto ao STJ com uma reclamação?

Essa tese nos ensina que, por mais frustrante que possa parecer, o caminho mais curto nem sempre é o juridicamente correto. A boa técnica processual exige que atuemos com coerência, respeitando a arquitetura institucional que sustenta o sistema de precedentes.

9. Quando o agravo é erro grosseiro: recurso especial inadmitido com base em repetitivo exige técnica e cautela

Todo advogado que milita em segunda instância já se deparou com isso: interpõe um recurso especial, mas o tribunal local nega seguimento com base na existência de precedente repetitivo do STJ — tese já firmada e aplicada ao caso concreto.

O impulso natural, muitas vezes, é o seguinte: interpor o agravo do artigo 1.042 do CPC, para tentar levar o recurso ao Superior Tribunal de Justiça. Afinal, o agravo seria o “caminho normal” para contestar a negativa de seguimento.

Mas é justamente aqui que mora o perigo. O STJ tem reiterado que, nessas hipóteses, interpor agravo contra a inadmissão do recurso especial é erro grosseiro. E como todo erro grosseiro no processo, ele não pode ser corrigido nem gera qualquer efeito útil.

Vamos entender o porquê.

A negativa de seguimento fundamentada na incidência de tese repetitiva já julgada não trata de um juízo discricionário ou controvertido do tribunal de origem. Trata-se de uma decisão vinculada, decorrente do artigo 1.040 do CPC, que prevê a aplicação obrigatória da tese firmada pelo STJ em recurso repetitivo.

Assim, ao negar seguimento ao recurso especial sob esse fundamento, o tribunal local está apenas cumprindo seu dever de observar o precedente obrigatório, e não exercendo uma função decisória autônoma que possa ser revisada por agravo.

E aqui está o ponto central da tese: não cabe agravo do artigo 1.042 contra esse tipo de decisão, porque ela se baseia na aplicação de tese repetitiva já julgada, e não em um indeferimento técnico de admissibilidade. O que caberia, se fosse o caso, seria demonstrar que a situação dos autos é distinta da tese repetitiva aplicada — ou seja, que há distinção (distinguishing), o que deveria ser feito no momento da interposição do próprio recurso especial.

Vamos ilustrar com um exemplo:

Um banco interpõe recurso especial contra acórdão que reconheceu a abusividade da capitalização mensal de juros em contrato de financiamento. O tribunal local nega seguimento ao recurso com base na tese firmada pelo STJ no Tema 952, segundo a qual, na ausência de expressa pactuação, a capitalização mensal é indevida.

O advogado do banco, inconformado, interpõe agravo do artigo 1.042 do CPC, alegando genericamente que o tema ainda é controvertido.

Resultado: o STJ inadmite o agravo de plano, qualificando a interposição como erro grosseiro, pois a tese já está consolidada e a decisão do tribunal local foi meramente executória da orientação superior.

Mais do que indeferir, o STJ tem classificado essas interposições como inadmissíveis até mesmo para fins de reaproveitamento como agravo interno, encerrando o debate de forma sumária.

 

Em síntese:

  • Não cabe agravo do art. 1.042 do CPC contra decisão que inadmite recurso especial com base em tese repetitiva já firmada pelo STJ;
  • Interpor esse agravo é considerado erro grosseiro, sem possibilidade de reaproveitamento ou transformação em agravo interno;
  • A parte deve observar, desde a origem, se há possibilidade real de distinguishing com a tese aplicada. Se não houver, a decisão não é recorrível pela via do agravo;
  • A tese busca evitar o uso automático e improdutivo do agravo como manobra protelatória ou por simples inconformismo.

Essa orientação é de extrema relevância para a prática contenciosa, especialmente em litígios de massa, ações bancárias, planos econômicos, demandas previdenciárias e questões consumeristas, onde os temas repetitivos estão por toda parte.

E você? Já se viu diante da dúvida: "interponho o agravo ou não?" Agora sabe que, diante de uma negativa com base em tese repetitiva, o caminho do agravo pode ser não apenas inútil, mas prejudicial.

10. ROL DO ARTIGO 1.015 DO CPC: TAXATIVIDADE MITIGADA COMO INSTRUMENTO DE JUSTIÇA

O artigo 1.015 do CPC enumera as hipóteses em que é cabível agravo de instrumento contra decisões interlocutórias — ou seja, decisões que não põem fim ao processo, mas que podem afetar substancialmente seu curso ou o direito das partes.

Logo após a entrada em vigor do novo Código, instalou-se uma dúvida crucial: seria esse rol realmente taxativo? Ou poderia admitir exceções em nome da efetividade processual?

A resposta veio com força no Tema 988 do STJ, que firmou a seguinte tese: o rol do artigo 1.015 é taxativo, mas com interpretação mitigada. Isso significa que, em situações excepcionais de urgência ou risco de inutilidade da futura decisão, é admissível o agravo de instrumento mesmo fora das hipóteses expressamente previstas no artigo.

Vamos entender o que isso significa na prática.

Imagine que, em uma ação de família, o juiz decide suspender o convívio de um dos pais com o filho, mas essa decisão não está entre as hipóteses do artigo 1.015. Se formos fiéis a uma leitura estritamente taxativa, a parte prejudicada teria que aguardar o julgamento da apelação ao final da ação, o que pode demorar anos. O problema é que, nesse meio tempo, o dano já estará consumado: o vínculo afetivo pode ter sido rompido, a alienação agravada, a situação deteriorada de forma irreversível.

É aí que entra a taxatividade mitigada. O STJ compreendeu que o sistema processual não pode se fechar a ponto de impedir o acesso imediato à instância superior quando a decisão for, por sua natureza, potencialmente irreversível.

Outro exemplo claro vem da esfera empresarial:

Um juiz determina que uma das partes deposite valores altíssimos em conta judicial, como condição para seguir com a demanda. Essa decisão não se encontra expressamente no artigo 1.015, mas seu impacto patrimonial e processual é imediato e potencialmente danoso. Se o jurisdicionado só puder discutir isso no recurso de apelação, a utilidade da revisão judicial pode ser nula.

Nestes casos, o STJ entendeu que o agravo de instrumento é cabível, desde que demonstrada a urgência ou a inutilidade futura da apelação. A interpretação mitigada, portanto, não é um cheque em branco, mas uma válvula de escape para hipóteses excepcionais que, se não revistas de pronto, podem comprometer o direito material e o acesso à tutela jurisdicional efetiva.

E isso tem tudo a ver com o espírito do CPC/2015, que colocou como centro do processo a efetividade, a razoável duração e a primazia do julgamento de mérito. Não se trata de relativizar a técnica, mas de impedir que a forma anule o conteúdo do direito.

 

Em síntese:

  • O artigo 1.015 do CPC traz um rol taxativo, mas que deve ser interpretado de forma mitigada, conforme decidiu o STJ no Tema 988;
  • É cabível agravo de instrumento fora das hipóteses do rol, desde que se comprove risco de inutilidade da apelação ou prejuízo irreparável;
  • A tese garante flexibilidade e justiça no acesso ao segundo grau, especialmente em temas de família, tutela provisória, decisões patrimoniais graves, entre outros;
  • A mitigação não dispensa fundamentação rigorosa: é preciso demonstrar de forma clara a urgência e o impacto da decisão impugnada.

 

Você já teve que lidar com decisões interlocutórias extremamente prejudiciais, mas que não se encaixavam no artigo 1.015? Já ficou na dúvida se deveria ou não agravar?

Pois bem, a resposta do STJ nos autoriza — em casos excepcionais e bem fundamentados — a recorrer sim. A técnica não pode ser barreira para o justo. O processo, como já disse a doutrina mais sensível, não é um fim em si mesmo — é o caminho para que o direito encontre a realidade.

 

11. QUANDO O JUIZ PODE COMPELIR A EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS: VERDADE REAL, CONTRADITÓRIO E MULTA

Você já enfrentou a frustração de atuar em um processo em que a parte adversa detém um documento essencial, mas simplesmente não o apresenta? Ou, pior ainda, nega sua existência, mesmo quando há fortes indícios de que o possui?

Esse tipo de situação, infelizmente, é mais comum do que se imagina, especialmente em litígios bancários, securitários, empresariais e de consumo, nos quais o acesso à documentação relevante está nas mãos da parte com maior poder econômico.

Foi pensando nisso que o legislador processual inseriu no artigo 400, parágrafo único, do CPC/2015 um importante instrumento de justiça: a possibilidade de o juiz determinar a exibição de documento ou coisa, sob pena de multa, após contraditório prévio e frustrada tentativa de obtenção voluntária.

E o que decidiu o STJ?

O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Tema 1000, consolidou que é plenamente válida a imposição de multa como medida coercitiva para forçar a exibição de documentos, desde que atendidos dois requisitos fundamentais:

  1. Verossimilhança da relação jurídica entre as partes que justifique a posse do documento por quem se recusa a apresentá-lo;
  2. Precedência do contraditório e da tentativa de exibição voluntária — ou seja, o juiz não pode determinar a multa de forma automática ou sem oportunizar a manifestação da parte.

Esse entendimento fortalece o que chamamos de modelo cooperativo de processo civil, em que não há espaço para estratégias de ocultação, má-fé ou litigância obstrutiva. O CPC/2015 exige que as partes colaborem para a descoberta da verdade, e o juiz deixa de ser um mero espectador da prova para assumir papel ativo na sua produção.

Exemplo prático:

Imagine uma ação revisional de contrato bancário. O consumidor alega cobrança de encargos indevidos, mas o banco não junta os extratos originais nem as planilhas detalhadas, alegando genericamente que “a parte autora já os possui” ou que “não há obrigatoriedade legal de apresentar”.

Após requerimento expresso da parte autora e indeferimento por omissão da ré, o juiz, com base no art. 400, parágrafo único, pode determinar a exibição dos documentos sob pena de multa diária, fixando valor razoável e compatível com o porte da instituição.

Essa decisão, conforme a tese do STJ, é legítima e necessária — afinal, negar a prova documental essencial significa comprometer o contraditório, frustrar o direito à prova e desnaturar o processo justo.

 

Em síntese:

·        O artigo 400, parágrafo único, do CPC/2015 permite a imposição de multa coercitiva para compelir a exibição de documento ou coisa essencial ao processo;

·        A medida depende de:


a) Verossimilhança da relação jurídica que indique a posse do documento pela parte adversa;

b) Frustração da exibição voluntária após contraditório;

·        A tese reforça o papel do juiz como gestor da prova e promove o princípio da cooperação processual;

·        É especialmente útil em ações revisionais, indenizatórias, securitárias, bancárias e consumeristas.

 

Você já se viu diante de uma situação em que a parte contrária se esquivava da prova documental, dificultando ou mesmo impedindo o andamento justo da causa? Já teve indeferido um pedido de exibição de documento por falta de clareza no pedido?

Com a tese firmada pelo STJ, há respaldo jurídico para que o juiz atue ativamente em defesa do contraditório pleno e da descoberta da verdade real — sempre com equilíbrio, mas com firmeza contra condutas processuais abusivas.

 

Com isso, concluímos o ciclo completo das 11 teses da Jurisprudência em Teses n. 255 do STJ, em comemoração aos 10 anos do CPC/2015. Este panorama mostra como o novo Código não apenas alterou regras — ele transformou a mentalidade processual, exigindo uma advocacia mais técnica, consciente e colaborativa.

 

 

 

 

27/02/2024

Direito ao Adicional por Tempo de Serviço dos Servidores da Prefeitura de São Paulo

    O tema em discussão versa sobre o direito dos servidores públicos municipais da Prefeitura de São Paulo ao recebimento do Adicional por Tempo de Serviço (ATS), o qual deve ser calculado sobre o salário padrão do servidor.

    Podemos iniciar a explicação com breve caso prático:  demanda judicial apresentada por uma servidora pública municipal, que ingressou nos quadros da ré em 10/5/1993 para exercer a função de assistente de saúde nível III – enfermagem (auxiliar de enfermagem), ao qual sustenta a necessidade do pagamento dos Adicionais por Tempo de Serviço/Quinquênios, com base no art. 112, VI, do Estatuto do Servidor.

    Na defesa processual, a Prefeitura de São Paulo, por sua vez, contestou a demanda argumentando que a autora é optante do regime de subsídio previsto na Lei Municipal nº 16.122/2015, desde abril de 2015, o que a impediria de receber o adicional por tempo de serviço, uma vez que as gratificações foram absorvidas na remuneração por subsídio.

    O magistrado, ao analisar o caso, fundamentou sua decisão considerando as disposições legais pertinentes. Conforme o artigo 112 da Lei Municipal nº 8.989/79 (Estatuto dos Funcionários Públicos do Município de São Paulo), o ATS deve ser calculado sobre o padrão de vencimento do cargo que o funcionário estiver exercendo.

     Além disso, o artigo 37 da Constituição Federal estabelece que os acréscimos pecuniários percebidos por servidor público não serão computados para fins de concessão de acréscimos ulteriores.

    A jurisprudência dos tribunais também é unânime ao reconhecer que o cálculo do ATS deve ser feito com base no padrão de vencimento do cargo, excluindo outras verbas, mesmo que de caráter permanente. 

    O Tribunal de Justiça de São Paulo já se manifestou em diversos casos no sentido de que a base de cálculo do ATS é o padrão de vencimento, conforme previsto no Estatuto dos Servidores Públicos Municipais.

    Portanto, fica evidente que a legislação municipal e a interpretação jurisprudencial convergem para o entendimento de que o Adicional por Tempo de Serviço deve incidir sobre o salário padrão do servidor público municipal da Prefeitura de São Paulo. Isso significa que eventuais gratificações ou adicionais incorporados à remuneração do servidor não devem ser considerados para o cálculo do ATS.

    No caso em questão, se um servidor público municipal de São Paulo preenche os requisitos para o recebimento do ATS, conforme estabelecido no Estatuto dos Funcionários Públicos do Município de São Paulo, é legítima sua pretensão de receber o adicional calculado sobre seu salário padrão, excluídas quaisquer outras verbas que não façam parte desse padrão.

    Desta forma, trata-se de um direito conferido em lei para o recebimento do ATS sobre salário padrão representa uma importante garantia para os servidores públicos municipais, assegurando-lhes uma remuneração justa e condizente com os princípios constitucionais e legais que regem a administração pública.

    Para ingressar com ação judicial, deverá ter como prova o demonstrativo de pagamento/holerite, bem como, será possível reaver os valores não pagos de ATS dos últimos cinco anos.

      Por fim, cabe ressaltar que o reconhecimento desse direito contribui para a valorização dos servidores públicos municipais, que desempenham um papel fundamental na prestação de serviços essenciais à população. A administração pública deve sempre zelar pelo respeito aos direitos trabalhistas dos servidores, garantindo-lhes condições dignas de trabalho e remuneração adequada.



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23/02/2024

CANDIDATOS À RESIDÊNCIA MÉDICA TEM DIREITO A BÔNUS de 10% NA NOTA POR ATUAR CONTRA COVID-19

  

O cenário da disputa por vagas em programas de residência médica no Brasil é marcado por desafios e nuances legais, sendo a bonificação por participação em programas governamentais um ponto crucial para muitos candidatos. 

No entanto, a iniquidade nas regras de bonificação tem sido objeto de questionamento judicial, especialmente quando se trata dos participantes do programa "O Brasil Conta Comigo".

    O referido programa, coordenado pelos Ministérios da Saúde e Educação, designou estudantes e supervisores da área de saúde para atuarem no enfrentamento da crise de Covid-19.

    O cerne da questão surge quando um participante busca a residência médica, em especialidades como a neurocirurgia, após sua contribuição no programa. O edital, por sua vez, prevê uma bonificação de 10% para os participantes de programas de residência em Medicina de Família e Comunidade, mas omite tal benefício para os envolvidos no "O Brasil Conta Comigo".

    Nesse contexto, é imperativo analisar a legalidade desse cenário à luz das normativas vigentes. O Programa de Valorização do Profissional da Atenção Básica (PROVAB), regido pela Lei Federal n. 12.871/2013 e suas resoluções, destaca-se como fonte relevante para a obtenção de bônus na pontuação dos candidatos. 

    O artigo 22, § 2º, da mencionada lei, confere uma pontuação adicional de 10% na nota de seleção para os participantes que tenham cumprido integralmente as ações previstas, desde que realizado o programa em 1 (um) ano.


    Contudo, a Resolução CNRM n. 35/2018 trouxe modificações ao PROVAB, incluindo a possibilidade de solicitar a inclusão na lista de contemplados com o bônus após a conclusão do programa. O prazo para tal requerimento é de cinco dias corridos a partir da notificação do indeferimento, se ocorrer, com a devida justificativa por correio eletrônico.

    Além disso, o artigo 13 da Resolução CNRM n. 02/2015 estabelece critérios de transição para os processos seletivos de Programas de Residência Médica a partir do segundo semestre de 2015 e primeiro semestre de 2016, indicando a necessidade de apresentação do certificado de conclusão ou a declaração de previsão de conclusão do PROVAB durante o ato de inscrição para o processo seletivo.

    A jurisprudência, como evidenciado no julgamento da Apelação Cível 1052182-93.2014.8.26.0053, reforça a ideia de que a exigência do certificado para acréscimo de pontuação em processo seletivo público deve ocorrer somente para o início das atividades do programa de residência médica, não para a fase de seleção.


    Portanto, diante dessa complexa teia normativa, candidatos que participaram ativamente de programas como o "O Brasil Conta Comigo" têm o respaldo legal para pleitear na justiça a revisão da pontuação, buscando a equidade no processo seletivo e preservando seus direitos líquidos e certos. 

    A busca por essa revisão se baseia na legalidade das leis acima mencionadas e na necessidade de assegurar a isonomia entre os participantes de diferentes programas de relevância para a saúde pública do país.

    Qual ação judicial é adequada para este caso? E quem tem direito de ingressar com essa ação?

    O mandado de segurança é uma medida judicial destinada a proteger direitos líquidos e certos quando não houver outro meio jurídico adequado para tal proteção. 

    No entanto, é preciso observar que se ultrapassado o prazo de 120 dias, contados da data da convocação sem a bonificação, o manejo da ação adequada será uma ação de obrigação de fazer.

     Os participantes do programa "O Brasil Conta Comigo" podem argumentar que possuem direitos líquidos e certos à revisão da pontuação com base nas normativas legais mencionadas no texto, como a Lei Federal n. 12.871/2013, suas resoluções e a jurisprudência mencionada.


A INOVAÇÃO DAS INTIMAÇÕES JUDICIAIS POR WHATSAPP NO TJ-SP: BREVE ANÁLISE CRÍTICA E CONSTRUTIVA

O avanço tecnológico no âmbito do Poder Judiciário brasileiro tem se revelado inevitável diante das demandas contemporâneas por maior celeri...

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