05/06/2025

Assédio Judicial e a Responsabilidade Ética da Jurisdição: conforme decisão do STF

 


Assédio Judicial e a Responsabilidade Ética da Jurisdição

 

Resumo

O presente artigo analisa a decisão do Supremo Tribunal Federal na ADI 6792/DF à luz da filosofia do direito e da teoria constitucional contemporânea. O julgamento enfrentou o assédio judicial por meio da pulverização de ações como forma de cerceamento da liberdade de imprensa, reconhecendo a legitimidade da coletivização processual como instrumento de contenção. Com base em autores como Dworkin, Bobbio, Habermas e Ferrajoli, sustenta-se que a jurisdição deve ser compreendida não apenas como técnica, mas como prática ética vinculada à integridade do sistema constitucional. O texto propõe uma releitura das garantias processuais a partir de uma perspectiva substancial, comprometida com a proteção de direitos fundamentais e a efetividade da democracia.

Palavras-chave: assédio judicial; jurisdição ética; coletivização; STF; garantismo; filosofia do direito.

 

1. INTRODUÇÃO

O fenômeno do assédio judicial — caracterizado pelo ajuizamento coordenado, massivo e pulverizado de ações com propósito intimidatório — desafia os paradigmas tradicionais do direito processual. A decisão do Supremo Tribunal Federal na ADI 6792/DF, ao enfrentar diretamente essa prática, evidencia a necessidade de revisitar o papel da jurisdição no Estado Democrático de Direito.

Mais que uma resposta procedimental, o que está em jogo é a concepção ética e constitucional da jurisdição enquanto prática institucional responsável pela realização da justiça.

 

2. Assédio judicial e a instrumentalização do processo

O assédio judicial constitui uma forma contemporânea de litigância abusiva, caracterizada pela utilização estratégica do direito de ação não com o propósito de buscar a tutela jurisdicional legítima, mas como meio de intimidação, silenciamento e desgaste do réu — especialmente quando este exerce função crítica em regimes democráticos, como ocorre com jornalistas, acadêmicos, ativistas ou veículos de imprensa.

Trata-se de um fenômeno que subverte a função constitucional do processo civil. Em lugar de ser instrumento de pacificação social e de proteção a direitos subjetivos, o processo é transformado em mecanismo de opressão institucionalizada, operando sob a aparência formal de legalidade, mas com finalidade essencialmente antidemocrática. Essa prática, à semelhança do que se observa em experiências de lawfare, converte o aparato estatal em vetor de violação de garantias fundamentais, em especial as liberdades de expressão, crítica e informação.

O traço distintivo do assédio judicial está na pulverização de demandas idênticas ou similares, ajuizadas simultaneamente em diferentes comarcas e contra um mesmo réu. Ainda que isoladamente legítimas, tais ações, quando examinadas no conjunto, revelam um uso desviado da jurisdição. O objetivo real não é o reconhecimento judicial de um direito material, mas o colapso da capacidade defensiva do demandado, mediante o acúmulo de custas, despesas com deslocamento, contratação de advogados em múltiplos foros, e o consequente risco de inibição da liberdade crítica.

O Supremo Tribunal Federal, ao apreciar esse padrão de conduta na ADI 6792/DF, reconheceu o assédio judicial como uma forma de instrumentalização perversa do processo, cuja repressão é compatível com os princípios da proporcionalidade, da boa-fé processual e da vedação ao abuso de direito. A Corte observou que, em situações dessa natureza, a proteção ao direito de ação não pode ser dissociada de sua finalidade constitucional. Como explicitado no voto do Ministro Relator:

“O direito de ação não pode ser compreendido como carta branca para constranger ou silenciar terceiros por meio de processos judiciais articulados com esse fim.”

(ADI 6792/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 04.04.2025)

Portanto, o assédio judicial é incompatível com o modelo de processo justo, uma vez que compromete o contraditório efetivo, rompe com a isonomia processual e gera efeito intimidatório estrutural. Ocorre, assim, uma inversão da função originária da jurisdição: o poder-dever de julgar deixa de ser mecanismo de contenção do arbítrio para converter-se em instrumento de opressão processual disfarçada de legalidade.

Esse uso abusivo do direito de ação — ainda que tecnicamente conforme às regras de competência territorial e instrumental — fere diretamente os princípios fundamentais da Constituição da República (art. 5º, incisos IV, IX e XXXV), pois não se pode admitir que a estrutura do Estado seja manipulada para hostilizar direitos individuais sob o pretexto de sua tutela formal.

A compreensão dessa realidade exige um olhar hermenêutico que vá além do formalismo processual. É necessário considerar os efeitos materiais da litigância pulverizada sobre a parte demandada, os custos sociais da saturação da máquina judiciária e, sobretudo, a degradação da confiança no sistema judicial como espaço de racionalidade democrática.

Nesse cenário, a instrumentalização do processo, via assédio judicial, constitui grave violação à moralidade institucional da jurisdição, e impõe ao Poder Judiciário — enquanto garantidor da ordem constitucional — o dever de atuar com firmeza. Proteger o processo é, aqui, proteger a democracia.

3. A Resposta do STF na ADI 6792/DF: Coletivização e Competência Constitucionalmente Justificada

Ao julgar a ADI 6792/DF, o Supremo Tribunal Federal enfrentou uma realidade singular: o uso do aparato jurisdicional como mecanismo de dispersão estratégica de ações com identidade fática e jurídica substancial. Diante desse contexto, a Corte reconheceu, com precisão técnico-constitucional, que tal prática impõe uma resposta institucional capaz de preservar a unidade da jurisdição, a coerência da resposta judicial e a funcionalidade do sistema de justiça.

A decisão não se limitou a identificar o problema. Ela estruturou uma solução: a possibilidade de reunião processual das ações reiteradas perante o foro do domicílio do réu, inclusive de ofício, sempre que a dispersão configurar risco efetivo à integridade do processo e à coerência do tratamento judicial da controvérsia. A Corte não inovou ex nihilo: extraiu essa resposta do próprio sistema normativo vigente, especialmente dos dispositivos que tratam da conexão processual (art. 55 do CPC), modificação da competência (art. 65) e, sobretudo, da cooperação judiciária nacional (arts. 67 a 69).

Esse movimento interpretativo do STF representa um avanço hermenêutico em direção a uma leitura substancial e coordenada do processo, onde a forma processual serve à realização dos direitos, e não à perpetuação de distorções. Em outras palavras, o Tribunal afirma que a competência não é um fim em si mesmo, mas instrumento de racionalização, proteção da isonomia e efetividade jurisdicional.

Importante sublinhar: a Corte não afastou o princípio do juiz natural, mas procedeu a uma reinterpretação harmônica desse postulado com outros valores constitucionais, especialmente a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CRFB), a efetividade da jurisdição (art. 5º, XXXV) e a igualdade das partes no processo (art. 5º, I e LIV). Conforme apontado no voto do Relator, Ministro Dias Toffoli:

O juiz natural não é uma abstração desconectada da finalidade do processo. Ele deve ser compreendido dentro de uma racionalidade que proteja o réu contra práticas abusivas, ainda que disfarçadas de legalidade.”

(ADI 6792/DF, j. 04.04.2025)

 

A decisão tem ainda outra virtude: fortalece o poder-dever dos juízos na coordenação e cooperação entre varas distintas, promovendo a unidade decisória e a economia processual. A ênfase do STF na viabilidade da atuação de ofício dos magistrados nesses casos confirma o compromisso do Judiciário com a responsabilidade institucional e a integridade do sistema, mesmo quando isso exige soluções fora da ortodoxia territorial clássica.

Portanto, a resposta do STF na ADI 6792/DF deve ser lida como um gesto de afirmação da função constitucional do processo, especialmente em tempos de judicialização massiva com pretensões de sufocamento institucional. Ao articular coletivização, competência excepcional e racionalidade sistêmica, o Tribunal não cria um novo regime, mas realiza a Constituição pela via da integridade hermenêutica.

Trata-se, em última análise, de um marco de maturidade constitucional, que confere ao Poder Judiciário a legitimidade necessária para preservar sua própria função diante da litigância deformada.

4. Jurisdição e Filosofia do Direito: Reconstruindo o Sentido Ético do Processo

Se quisermos compreender com profundidade o que está em jogo no julgamento da ADI 6792/DF, é necessário ir além da dogmática processual e ingressar no campo da Filosofia do Direito. Afinal, quando se discute a utilização abusiva do processo judicial para perseguir, silenciar ou sufocar, o debate já não é apenas sobre competências, ritos e fórmulas. Trata-se de algo muito mais profundo: qual é o papel ético da jurisdição em um Estado Democrático de Direito?

Essa pergunta, caro leitor, exige uma reflexão que desloque o foco da técnica para a teoria, da regra para o princípio, da forma para o conteúdo. E é nesse deslocamento que a Filosofia do Direito se revela imprescindível.

Norberto Bobbio, em sua clássica reflexão sobre o sistema jurídico moderno, advertia que todo ordenamento opera sob uma tensão constante entre garantias individuais e eficácia institucional. Para ele, o verdadeiro desafio da justiça não está na aplicação acrítica de normas, mas na sua harmonização com os valores que sustentam o sistema. A aplicação cega e descontextualizada de garantias processuais — como a rigidez da competência territorial — pode, paradoxalmente, servir ao arbítrio, quando utilizada para viabilizar práticas de assédio judicial. É a forma servindo à destruição da substância.

Ronald Dworkin, por sua vez, nos oferece uma chave de leitura especialmente útil. Para o autor, os direitos fundamentais não são meras regras formais, mas sim princípios jurídicos — dotados de peso moral, que exigem ponderação, argumentação racional e responsabilidade ética no momento de sua aplicação. No contexto do assédio judicial, isso significa dizer que a garantia do juiz natural, embora central, não pode ser tratada como dogma absoluto, especialmente quando está sendo invocada para impedir a reação judicial a uma prática abusiva e coordenada de litigância predatória.

Dworkin nos lembra que aplicar o direito corretamente é um ato de integridade moral. E o que o Supremo Tribunal Federal fez na ADI 6792/DF foi exatamente isso: proteger os princípios constitucionais da jurisdição contra sua manipulação. A Corte compreendeu que o respeito ao juiz natural não implica ceder à fragmentação artificial de ações como estratégia de coerção.

Jürgen Habermas, ao tratar do direito como forma institucional do discurso racional, sustenta que a legitimidade do sistema jurídico depende de sua capacidade de garantir a comunicação livre, simétrica e igualitária entre os sujeitos. Ora, o que ocorre no assédio judicial é o contrário: a saturação do Judiciário, pela via de ações múltiplas, quebra a integridade comunicativa do processo. Quando o contraditório é sufocado pela sobrecarga, quando o réu é obrigado a se defender simultaneamente em dezenas de comarcas, o que temos não é mais um processo — é um ritual jurídico sem discurso autêntico. É o simulacro da jurisdição.

Por fim, Luigi Ferrajoli nos oferece a distinção decisiva entre o garantismo autêntico e o garantismo degenerado. O primeiro — verdadeiro pilar de um Estado constitucional — protege o indivíduo contra os abusos do poder, inclusive o poder jurisdicional. Já o segundo, ao absolutizar as formas processuais e desconsiderar sua finalidade protetiva, transforma o direito em ferramenta de legitimação da opressão. Quando o Judiciário se recusa a reagir ao assédio judicial com base em garantias formais — como a imutabilidade da competência — ele deixa de ser garantista e passa a ser cúmplice da arbitrariedade travestida de formalidade.

A decisão do STF, portanto, não apenas se alinha a uma concepção ética do processo — ela reafirma o compromisso do Poder Judiciário com a proteção ativa das liberdades fundamentais. Trata-se de uma postura que rompe com o formalismo ritualista e devolve à jurisdição o seu verdadeiro papel: o de guardiã da democracia, da justiça e da igualdade material entre os sujeitos processuais.

Você, leitor, que milita diariamente nos tribunais, sabe que o processo civil é cada vez mais um espaço de disputa de poder. E é justamente por isso que ele precisa ser continuamente reconstruído à luz dos princípios da Filosofia do Direito, sob pena de degenerar em técnica vazia, disponível aos que a manipulam.

A ADI 6792/DF não inaugura um novo direito. Ela apenas recoloca o processo no lugar de onde ele nunca deveria ter saído: como instrumento ético de realização da justiça constitucional.

 

5. Conclusão: A Função Pública da Jurisdição e o Dever de Reagir

 

A decisão proferida na ADI 6792/DF representa, em sua essência, um marco de transição hermenêutica: desloca-se o olhar tradicional sobre o processo — como mera técnica procedimental — para uma leitura ética, funcional e constitucionalmente comprometida com a proteção contra abusos sistematizados. Ao reconhecer a legitimidade da coletivização processual como forma de resposta à litigância predatória, o Supremo Tribunal Federal recoloca a jurisdição no seu verdadeiro lugar institucional: uma estrutura de contenção ao arbítrio, e não um instrumento à disposição dos interesses que o perpetuam.

O processo não pode ser neutro diante da injustiça. Quando utilizado como ferramenta de opressão — como ocorre nos casos de assédio judicial pulverizado, territorialmente manipulado, mas coordenado em sua finalidade — o sistema precisa reagir. E essa reação não é política, nem ativista: é constitucional. É expressão do dever institucional do Judiciário de proteger o processo contra o seu próprio desvirtuamento.

A jurisdição, enquanto prática institucional, carrega um compromisso com os valores que estruturam o Estado Democrático de Direito: liberdade, igualdade, dignidade, racionalidade e justiça. O juiz — especialmente o juiz constitucional — não pode se esconder atrás da inércia procedimental ou da neutralidade formal quando a própria integridade do sistema está em jogo. Como guardião da Constituição, tem o dever de agir.

Mais do que uma simples decisão sobre competência territorial, a ADI 6792/DF reafirma que o processo é trincheira — e não trinchete. É instrumento de emancipação — e não de silenciamento. É espaço de discurso — e não de dispersão estratégica.

Trata-se, portanto, de uma reafirmação da jurisdição como função pública dotada de responsabilidade ética, fundada não apenas na literalidade da lei, mas na conformidade moral com os princípios constitucionais que conferem legitimidade ao exercício do poder jurisdicional.

A lição que fica é clara: a legalidade sem integridade é forma sem alma; a técnica sem compromisso é caminho aberto à injustiça. A resposta institucional que emerge da ADI 6792/DF devolve à jurisdição seu papel ativo na defesa da democracia e dos direitos fundamentais. E nos obriga, como operadores do Direito, a um posicionamento claro: não há lugar para neutralidade quando a Constituição está sendo instrumentalmente desafiada.

Essa é, afinal, a missão contemporânea da jurisdição: proteger a si mesma para continuar protegendo a todos.

 

 

Referências

BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. 10. ed. São Paulo: EDIPRO, 1995.
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. v. 1. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003.
STF. ADI 6792/DF. Rel. Min. Dias Toffoli. Plenário. Julgado em 04/04/2025. Disponível em: https://jurishand.com/jurisprudencia-stf-6792-de-04-abril-2025 . Acesso em: 06 jun. 2025.

 

Recuperação Judicial Não Alcança Avalistas Nem Invalida Penhora Prévia


A recuperação judicial, como instituto jurídico voltado à preservação da empresa e da atividade produtiva, não se presta — e jamais se prestou — à blindagem indiscriminada de coobrigados ou terceiros garantidores, como avalistas. Esta é a linha adotada com clareza e firmeza pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), ao julgar a Apelação Cível nº 1001371-30.2021.8.26.0373, confirmando decisão que negou o pedido de suspensão da execução ajuizada contra avalistas de cédula de crédito bancário, não obstante a recuperação judicial da empresa devedora principal.


Na origem, a execução foi proposta pelo Banco Pine S.A. contra produtores rurais que prestaram aval em cédula de crédito bancário. Os executados alegaram que, após o deferimento da recuperação judicial da empresa devedora, seria aplicável o art. 6º da Lei nº 11.101/2005, impondo a suspensão do feito executivo. Invocaram ainda a essencialidade de bens penhorados à atividade rural.


O TJSP, por meio de voto da lavra do Des. Fortes Barbosa, afastou integralmente os argumentos de defesa, com base em dois fundamentos centrais: a autonomia da obrigação do avalista e a validade da penhora anterior ao deferimento da recuperação.


O relator foi direto ao afirmar que:


“Não se deve admitir que a empresa em recuperação judicial utilize-se do procedimento recuperacional para blindar os seus avalistas, que assumiram pessoalmente o pagamento da dívida contraída.”

(TJSP, Apelação Cível nº 1001371-30.2021.8.26.0373, rel. Des. Fortes Barbosa, 28ª Câmara de Direito Privado, j. 12.09.2022)


O Tribunal reconheceu que a obrigação assumida pelo avalista é de natureza autônoma, prevista no art. 30 da Lei Uniforme de Genebra (Decreto nº 57.663/66), e não depende da obrigação principal da empresa devedora. Sendo assim, o deferimento da recuperação judicial não suspende a execução movida contra o garantidor pessoal, salvo demonstração inequívoca de que o crédito decorre diretamente da atividade-fim da empresa — o que, no caso, não restou provado.


Esse entendimento está respaldado em sólida jurisprudência da própria Corte, que já decidiu, por exemplo:


“A recuperação judicial não impede a execução contra avalista que assumiu obrigação pessoal. A suspensão prevista no art. 6º da Lei 11.101/2005 dirige-se ao devedor principal e não alcança os coobrigados.”

(TJSP, Apelação Cível nº 1005745-63.2016.8.26.0361, rel. Des. César Ciampolini, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, j. 25.09.2018)


Da mesma forma, em outros julgados relatados pelo próprio Des. Fortes Barbosa, firmou-se que:


“Inviável a extensão dos efeitos da recuperação judicial ao avalista, sob pena de distorção do próprio regime jurídico recuperacional.”

(TJSP, Apelação Cível nº 1000356-17.2018.8.26.0271, 28ª Câmara de Direito Privado, j. 17.08.2021)


E também que:


“A obrigação assumida pelo avalista é autônoma e não está sujeita ao regime jurídico da recuperação judicial.”

(TJSP, Apelação Cível nº 1000653-07.2017.8.26.0271, 28ª Câmara de Direito Privado, j. 27.04.2021)


O próprio Superior Tribunal de Justiça (STJ) compartilha dessa leitura, conforme consolidado no leading case:


“As garantias pessoais, como o aval e a fiança, não se submetem, em regra, aos efeitos da recuperação judicial.”

(STJ, REsp 1.333.349/SP, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, 3ª Turma, j. 24.06.2014, DJe 01.08.2014)


Além da execução contra os avalistas, o TJSP também examinou a validade da penhora realizada anteriormente ao deferimento da recuperação. Os executados alegaram que os bens seriam essenciais à atividade rural e, por essa razão, estariam protegidos pelo chamado stay period. O argumento foi rechaçado, por ausência de prova efetiva da essencialidade do bem à atividade produtiva. O relator destacou que o deferimento da recuperação judicial não tem efeito retroativo e não invalida penhora regularmente realizada antes de sua concessão.


Essa posição é plenamente alinhada à melhor doutrina e preserva o núcleo da segurança jurídica: o credor diligente que promove execução e logra constrição anterior ao deferimento da recuperação deve ter preservado o ato executivo praticado, sobretudo quando não se comprova o caráter essencial do bem penhorado à atividade econômica.


Em síntese, o acórdão do TJSP representa firme reafirmação da separação entre a esfera patrimonial da empresa devedora e aquela dos seus garantidores pessoais, reafirma a força executiva do aval, e protege os efeitos válidos de penhora realizada em tempo anterior ao início do processo recuperacional. A decisão prestigia a coerência do sistema jurídico e delimita os efeitos da recuperação judicial aos exatos termos da lei, sem admitir extensões que, na prática, comprometem o equilíbrio das relações contratuais e a previsibilidade do crédito.


Essa jurisprudência tem relevante impacto prático para instituições financeiras, investidores e credores estratégicos, que muitas vezes se veem paralisados diante do deferimento de uma recuperação judicial. A mensagem dos tribunais é clara: nem todo crédito está sujeito ao plano recuperacional; nem toda garantia é atingida pelo stay period.


Nosso escritório oferece atuação altamente especializada na execução de garantias pessoais e preservação de penhoras em contextos de recuperação judicial, com foco em efetividade do crédito e proteção da posição jurídica do credor. A leitura técnica das decisões e a pronta reação jurídica são, muitas vezes, o diferencial entre o recebimento do crédito e sua perda definitiva. 

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