RESPONSABILIDADE
CIVIL DO ESTADO:
STF DECIDE SOBRE MORTES POR DISPAROS DE ARMA DE FOGO EM
OPERAÇÕES POLICIAIS
Por uma maioria de 9 votos a 2, ficou estabelecido que:
O Estado pode ser responsabilizado pela morte de uma pessoa atingida por
disparo de arma de fogo em operações desse tipo, quando a perícia não conseguir
determinar a origem do tiro de forma conclusiva.
O relator do caso, ministro Edson Fachin, sustentou que:
Diante da falta de investigação sobre a
autoria do disparo, o Estado deve ser responsabilizado pelos danos causados em
operações policiais, uma vez que assume o risco ao realizar tais ações em áreas
habitadas. Ele propôs uma tese que estabelece a responsabilidade estatal
nessas situações.
Por outro lado, houve divergências quanto aos critérios e condições para
essa responsabilização.
O ministro André Mendonça, por exemplo, defendeu que:
O Estado só deve ser responsabilizado
se for plausível que o disparo tenha sido feito por um agente de segurança
pública. Ele propôs uma tese que prevê a possibilidade de isenção da
responsabilidade civil do Estado em casos de total impossibilidade de
realização da perícia.
Já o ministro Cristiano Zanin concordou com a ideia de responsabilização
do Estado, mas sustentou que essa responsabilidade:
Deve seguir a teoria do risco administrativo, possibilitando a
exclusão de responsabilidade se ficar demonstrado que não houve nexo causal
entre o comportamento do Estado e o dano. Ele destacou que a perícia
inconclusiva por si só não é suficiente para afastar essa responsabilidade.
Por fim, o ministro Alexandre de Moraes divergiu integralmente, defendendo
que a responsabilização do Estado só ocorre quando houver prova de que o
disparo partiu de agentes estatais, ou seja, quando houver evidências diretas e
imediatas da conduta.
SOBRE O CASO JULGADO:
O caso específico que motivou o julgamento trata da morte de Vanderlei
Conceição de Albuquerque, atingido por um tiro dentro de casa durante um
confronto entre moradores, militares do Exército e policiais militares, em
junho de 2015, na comunidade de Manguinhos, Rio de Janeiro.
A família de Vanderlei moveu uma ação contra a União e o Estado,
alegando que o Estado é responsável pelos danos causados por seus agentes a
terceiros, conforme prevê a Constituição Federal.
Após análise do caso, o STF ainda não definiu uma tese para fins de
repercussão geral, sendo essa definição adiada para uma sessão presencial.
Enquanto isso, a discussão sobre a responsabilidade civil do Estado em
casos semelhantes continua em pauta, levantando questões importantes sobre os
limites da atuação estatal em operações policiais e militares e os direitos das
vítimas e de suas famílias.
ANÁLISE DO JULGADO
O tema da responsabilidade civil do Estado em casos de mortes por
disparos durante operações policiais ou militares levanta questões complexas
que envolvem não apenas o direito, mas também aspectos éticos, sociais e políticos.
Vamos abordar alguns pontos importantes para aprofundar a compreensão
desse assunto:
PRINCÍPIOS JURÍDICOS FUNDAMENTAIS:
Responsabilidade Objetiva
A responsabilidade objetiva é um princípio do direito civil que implica
a obrigação de reparar danos independentemente da existência de culpa por parte
do agente causador.
No contexto estatal, a responsabilidade objetiva é estabelecida pelo
artigo 37, §6º, da Constituição Federal brasileira, que determina que o Estado
é responsável pelos danos causados por seus agentes a terceiros.
Essa modalidade de responsabilidade é adotada em razão da supremacia do
interesse público e da necessidade de proteção dos cidadãos em face das ações
do Estado.
Ao atribuir responsabilidade objetiva, o legislador reconhece que o
Estado possui poderes especiais e que, por isso, deve arcar com as
consequências de suas atividades, mesmo que desenvolvidas no exercício regular
de suas funções.
Diferentemente da responsabilidade subjetiva, que exige a comprovação da
culpa do agente, na responsabilidade objetiva basta demonstrar o dano e o nexo
de causalidade entre a conduta estatal e o prejuízo sofrido pela vítima. Isso
significa que, mesmo que o agente público tenha agido sem intenção de causar
danos, o Estado ainda é responsável pelos prejuízos causados.
Direito à Vida e Responsabilidade Estatal:
O direito à vida é um dos pilares fundamentais de qualquer ordem
jurídica democrática. Previsto em diversos documentos internacionais de
direitos humanos e consagrado na Constituição Federal brasileira, o direito à
vida implica na proteção da integridade física e moral das pessoas contra ações
que possam colocar em risco sua existência.
Quando o Estado está envolvido em situações que resultam em mortes de
cidadãos, como em operações policiais ou militares, a responsabilidade objetiva
ganha destaque. Isso porque o Estado, como detentor do monopólio legítimo da
força, assume uma posição de garantidor da segurança e bem-estar da população.
Assim, a responsabilidade objetiva do Estado em casos de mortes
violentas, especialmente em contextos de violência institucional, é uma forma
de assegurar que as vítimas e seus familiares recebam uma reparação adequada
pelos danos sofridos.
Ademais, a responsabilização não apenas busca compensar os prejudicados,
mas também serve como um instrumento de controle e accountability sobre as ações estatais, incentivando práticas mais
cuidadosas e respeitosas por parte dos agentes públicos.
Cumpre ressaltar que, a combinação
entre responsabilidade objetiva e o direito à vida ressalta a importância
de se garantir que o Estado cumpra com suas obrigações de proteção dos direitos
fundamentais dos cidadãos, mesmo quando suas ações resultam em tragédias e
violações desses direitos.
Atuação do Estado em
Operações Policiais e Militares:
A atuação do Estado em operações policiais e militares em áreas urbanas é uma questão extremamente delicada, que envolve diversos aspectos sociais, jurídicos e éticos.
Nessas operações, os conflitos armados são frequentes e apresentam uma ameaça significativa à integridade física e à vida dos residentes das comunidades afetadas. É importante destacar que nem todos os habitantes dessas localidades estão envolvidos em atividades ilícitas. Muitos deles são pessoas que enfrentam dificuldades socioeconômicas e habitam essas áreas por falta de oportunidades, o que acarreta em consequências adversas em suas vidas. Além disso, alguns optam por residir nessas regiões devido à escassez de alternativas habitacionais acessíveis, o que resulta em um impacto significativo em sua estabilidade financeira.
O direito à vida é um dos mais fundamentais direitos humanos, e quando o Estado está envolvido em situações que resultam em mortes de cidadãos, a questão assume uma importância ainda maior, exigindo uma análise cuidadosa das circunstâncias em que ocorreu o evento.
Nesse contexto, a atuação das forças de segurança deve ser pautada pelo
respeito aos direitos humanos, pela proporcionalidade e pela precaução. Certamente
isso implica que as ações policiais e militares devem ser proporcionais e
controladas, evitando o uso excessivo da força e protegendo os direitos das
pessoas, mesmo em contextos de conflito e violência.
A proporcionalidade exige que as medidas adotadas pelas forças de
segurança sejam adequadas e necessárias para alcançar os objetivos legítimos da
operação, como a manutenção da ordem pública e a prevenção de crimes.
Além disso, a precaução envolve a adoção de medidas preventivas para
evitar ou minimizar danos aos moradores das comunidades afetadas, incluindo a
adoção de protocolos de segurança, o treinamento adequado dos agentes e o uso
de tecnologias e táticas que reduzam o risco de violações dos direitos humanos.
A proteção da vida e da dignidade dos moradores das comunidades afetadas
deve ser uma prioridade absoluta para o Estado. Isso inclui garantir o acesso a
serviços básicos, como saúde e educação, mesmo durante operações de segurança.
Além disso, é importante que o Estado ofereça apoio e assistência às vítimas de
violência, incluindo medidas de reparação e compensação por danos sofridos.
Neste ponto, a atuação do Estado em operações policiais e militares em
áreas urbanas requer um equilíbrio delicado entre a manutenção da ordem pública
e o respeito aos direitos humanos e à dignidade das pessoas, exigindo políticas
e práticas que promovam a transparência, a prestação de contas e o respeito aos
princípios democráticos e ao Estado de Direito.
Perícia e Prova:
A perícia deve ser conduzida de acordo com os protocolos e diretrizes
estabelecidas pela legislação vigente e pelas melhores práticas forenses
reconhecidas internacionalmente. Isso inclui a preservação adequada das
evidências, o registro detalhado das análises realizadas, a utilização de
métodos científicos validados e a comunicação clara e objetiva dos resultados
obtidos.
É importante destacar também que a perícia não deve ser encarada como a
única fonte de prova em um processo judicial, cabendo ser complementada por
outras evidências, como depoimentos de testemunhas, registros audiovisuais,
documentos e outras provas materiais, para fornecer uma visão abrangente e consistente
dos eventos ocorridos.
Em casos de mortes por disparos durante operações policiais ou
militares, a perícia desempenha um papel crucial na busca pela verdade e na garantia da justiça. Sem dúvidas, atua como
elemento de a proteção dos direitos das vítimas e de suas famílias, ao mesmo
tempo em que auxilia na responsabilização dos eventuais responsáveis pelos atos
ilícitos.
Teorias sobre a Responsabilidade do Estado:
No âmbito do julgamento em tela, os Eminentes Ministros do Supremo
Tribunal Federal (STF) demonstraram distintas perspectivas acerca dos critérios
para imputação da responsabilidade estatal em eventos que envolvam mortes
decorrentes de disparos durante operações policiais ou militares.
Dentre as teorias apresentadas, destaca-se a teoria do risco administrativo, a qual preconiza que o Estado,
enquanto ente detentor do monopólio do uso legítimo da força, deve arcar com os
ônus decorrentes de suas atividades, independentemente da comprovação de culpa
dos agentes públicos envolvidos.
Segundo tal concepção, a responsabilidade
estatal é objetiva, bastando a demonstração do nexo causal entre a atuação
estatal e o dano causado, sem que seja necessário indagar sobre a existência de
dolo ou culpa por parte dos agentes estatais.
Por outro lado, outra abordagem discutida durante o julgamento é a
necessidade de plausibilidade do alvejamento por agentes de segurança pública.
Nessa linha de raciocínio, a responsabilização do Estado estaria
condicionada à verificação da verossimilhança de que os disparos tenham sido
efetuados por agentes estatais durante a operação. Ou seja, o Estado somente
seria responsabilizado caso haja indícios convincentes de que os tiros tenham
partido de integrantes das forças de segurança pública.
Ademais, uma terceira teoria debatida pelos Ministros consiste na
exigência de comprovação direta e imediata da autoria do disparo por parte dos
agentes estatais. De acordo com essa perspectiva, a responsabilidade do Estado
estaria condicionada à prova cabal de que os tiros que ocasionaram a morte
partiram, de fato, de agentes públicos em serviço, excluindo-se a
responsabilização estatal na ausência de tal comprovação.
É relevante ressaltar que tais teorias refletem abordagens distintas
para enfrentar a complexidade dos casos envolvendo mortes decorrentes de
operações policiais ou militares. Buscou-se, assim, conciliar a proteção dos
direitos das vítimas com a preservação dos interesses estatais e dos agentes
públicos, em uma ponderação que visa assegurar a justiça e a equidade nas
decisões judiciais.
Impactos Sociais e Políticos:
Além das questões jurídicas, a responsabilidade civil do Estado em casos
de mortes por disparos durante operações policiais ou militares tem profundos
impactos sociais e políticos.
Esses eventos frequentemente geram desconfiança e revolta nas
comunidades afetadas, alimentando debates sobre violência institucional,
discriminação racial e desigualdades estruturais no sistema de justiça.
A forma como o Estado lida com esses casos pode influenciar
significativamente a confiança dos cidadãos nas instituições públicas e nas
políticas de segurança adotadas.
Considerações Finais
Em casos de mortes por disparos durante operações policiais ou militares
são cruciais para compreendermos a complexidade desse tema e suas implicações
nos âmbitos jurídico, ético, social e político.
É fundamental reconhecer que, de acordo com os princípios jurídicos
fundamentais, o Estado é responsável pelos danos causados por seus agentes a
terceiros, adotando a teoria da responsabilidade objetiva.
Nesse contexto, o direito à vida, um dos mais básicos direitos
fundamentais, assume uma importância primordial, exigindo uma análise cuidadosa
das circunstâncias em que ocorreram os eventos que resultaram em mortes.
A atuação do Estado em operações policiais e militares deve ser pautada
pelo respeito aos direitos humanos, pela proporcionalidade e pela precaução,
visando a proteção da vida e da dignidade das pessoas envolvidas. Isso é
especialmente relevante em confrontos armados em áreas urbanas, onde moradores
locais podem estar expostos a riscos graves.
A perícia técnica desempenha um papel crucial na investigação desses
eventos, mas nem sempre é possível obter uma conclusão definitiva sobre a
autoria dos disparos. Isso culmina questões sobre as diferentes teorias de
responsabilidade do Estado apresentadas no julgamento, que refletem abordagens
variadas para lidar com a complexidade dos casos e equilibrar os direitos das
vítimas com os interesses do Estado e de seus agentes.
Além das implicações jurídicas, a responsabilidade civil do Estado em
casos de mortes por disparos durante operações policiais ou militares tem
profundos impactos sociais e políticos.
Tais eventos frequentemente geram desconfiança e revolta nas comunidades
afetadas, alimentando debates sobre violência institucional, discriminação
racial e desigualdades estruturais no sistema de justiça.
Em síntese, é essencial buscar um equilíbrio entre a garantia da
segurança pública e o respeito aos direitos individuais, promovendo uma cultura
de responsabilização e transparência no exercício do poder estatal.
O precedente abordado neste breve texto, inquestionavelmente, estabelecerá um referencial para casos futuros nos quais os tribunais em todo o país devam aplicá-lo.
A definição de critérios claros para a responsabilização do Estado em
casos de mortes por disparos durante operações policiais ou militares é
fundamental para garantir a justiça e a proteção dos direitos fundamentais de
todos os cidadãos.