02/04/2025

Planos de Saúde devem cobrir Musicoterapia, Equoterapia e Hidroterapia para Pessoas com Autismo

  


Você já teve que enfrentar a recusa de um plano de saúde para cobrir uma terapia importante? Se sim, sabe o quanto isso pode ser desgastante, frustrante e, sobretudo, injusto. Agora, imagine passar por isso tentando garantir o melhor tratamento possível para um filho ou familiar com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Felizmente, o Judiciário brasileiro acaba de dar uma resposta firme e necessária a esse tipo de situação.

Em decisão unânime, publicada em 14 de fevereiro de 2025, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob relatoria da Ministra Nancy Andrighi, consolidou um entendimento que já era esperado por muitas famílias e profissionais da saúde:

As operadoras de planos de saúde são obrigadas a cobrir terapias como musicoterapia, equoterapia e hidroterapia, quando prescritas para o tratamento de pessoas com TEA.

E não se trata apenas de uma questão contratual. Estamos falando do direito à saúde, à dignidade e à inclusão.

Por que essa decisão importa tanto?

 Vamos direto ao ponto: essas três terapias — musicoterapia, equoterapia e hidroterapia — não são alternativas exóticas ou experimentais. Elas são práticas terapêuticas comprovadas, cada vez mais presentes em planos de tratamento multidisciplinar para o autismo, e muitas vezes essenciais para o desenvolvimento motor, cognitivo e emocional da pessoa com TEA.

No entanto, mesmo com recomendação médica, muitos planos de saúde vinham recusando cobertura, alegando que essas terapias não estavam expressamente previstas no rol da ANS — como se o rol fosse uma lista fechada e imutável. Mas o STJ deixou claro: essa interpretação é abusiva e está superada.

O que o STJ levou em consideração?

A decisão da Terceira Turma não surgiu do nada. Ela se apoia em uma série de fundamentos jurídicos e técnicos que dão robustez ao entendimento. Vamos a eles:

  • Resolução Normativa ANS nº 469/2021

    Essa norma ampliou o rol de procedimentos obrigatórios e reconheceu a necessidade de tratamentos individualizados e integrados para transtornos do desenvolvimento, como o autismo.

  • Portaria nº 849/2017 do Ministério da Saúde

    Reconheceu a musicoterapia como parte das Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS) no SUS. Ou seja, é uma prática oficialmente reconhecida pelo sistema público de saúde, o que reforça sua legitimidade também na saúde suplementar.

  • Lei nº 13.830/2019

    Aqui temos o reconhecimento da equoterapia como método de reabilitação interdisciplinar, que utiliza o cavalo como facilitador terapêutico — especialmente eficaz em casos de autismo. Ela deve ser indicada após avaliação médica, psicológica e fisioterápica, ou seja, há todo um protocolo técnico-científico.

  • Pareceres do COFFITO e demais conselhos de classe

    Esses órgãos já reconhecem a hidroterapia como uma abordagem eficaz para tratar atrasos motores e cognitivos, especialmente em pessoas com deficiência ou transtornos globais do desenvolvimento.

Em resumo: não há mais espaço para a negação desses tratamentos sob justificativas burocráticas.

E o que isso muda para quem está na ponta?

Se você é familiar, responsável, terapeuta ou mesmo advogado que atua com saúde suplementar, essa decisão muda o jogo. Ela traz segurança jurídica e respaldo técnico para exigir que os planos de saúde façam o que é justo e necessário: cuidar de quem precisa, com os meios adequados.

Vamos a um exemplo prático:

Imagine uma criança diagnosticada com TEA, que apresenta grande dificuldade de comunicação e coordenação motora. Seu neurologista prescreve musicoterapia, pois o estímulo sonoro pode auxiliar no desenvolvimento da linguagem. Também recomenda hidroterapia, por ser uma ferramenta importante para o fortalecimento muscular, além da equoterapia, que ajuda no equilíbrio postural e no estímulo sensorial.

Mesmo com esse parecer técnico, o plano de saúde nega a cobertura, alegando que “não está no rol da ANS”.

Com essa decisão do STJ, essa negativa é considerada abusiva.

A família pode — e deve — buscar judicialmente o cumprimento da cobertura, com base nos precedentes já firmados.

Um Judiciário mais humano: quando a técnica caminha com a empatia

O que mais chama atenção nesse julgamento — e que merece ser celebrado — é o tom humanizado, sem perder a profundidade técnica. A Ministra Nancy Andrighi ressaltou que a negativa de cobertura, nesses casos, contraria os princípios da boa-fé, da função social do contrato e da dignidade da pessoa humana.

E mais: o STJ reafirma que quem decide sobre o tratamento adequado é a equipe médica assistente — e não o plano de saúde. A lógica é simples: se há prescrição fundamentada, e o método tem reconhecimento técnico e legal, não cabe ao plano interferir.

O que você pode (e deve) fazer a partir disso?

Se você está enfrentando essa situação, ou conhece alguém que esteja, é hora de agir com base nesse precedente. Aqui vão algumas orientações práticas:

  1. Guarde todas as prescrições médicas, laudos e pareceres;

  2. Solicite a cobertura por escrito e exija resposta formal;

  3. Em caso de negativa, procure auxílio jurídico especializado para ingressar com ação judicial — com base na jurisprudência recente;

  4. Não aceite a justificativa de que o tratamento é “alternativo” ou “não previsto”. Agora, você tem respaldo jurídico para exigir o direito à saúde integral.

Conclusão: não é só sobre tratamento. É sobre justiça.


Mais do que uma vitória judicial, essa decisão do STJ é um marco civilizatório. Ela reconhece que o tratamento da pessoa com TEA precisa ser individualizado, contínuo e respaldado na ciência, e que os contratos de saúde devem servir à vida, e não o contrário.

Se o seu plano de saúde ainda insiste em negar terapias essenciais, saiba: você não está só, nem sem argumentos. A Justiça já falou. E falou alto.

01/04/2025

A Aplicação Temporal dos Juros Compensatórios nas Desapropriações para Reforma Agrária: Interpretação Constitucional, Segurança Jurídica e Efetividade das Instituições

Interpretação Constitucional, Segurança Jurídica e Efetividade das Instituições  

RESUMO:

O presente artigo analisa a aplicação temporal das normas legais relativas aos juros compensatórios incidentes nas desapropriações por interesse social para fins de reforma agrária, à luz do recente julgamento do Recurso Especial n. 2.164.309/CE pelo Superior Tribunal de Justiça. A análise se concentra na incidência do direito superveniente e suas implicações na segurança jurídica, na função social da propriedade e no equilíbrio entre interesse público e privado. São abordados os fundamentos constitucionais, processuais e materiais da desapropriação e os critérios normativos aplicáveis conforme a evolução legislativa. O artigo adota abordagem dogmática e utiliza exemplos práticos para demonstrar a aplicação sucessiva dos diferentes índices legais, conforme as alterações legislativas ocorridas entre 2015 e 2023. Conclui-se que a decisão da Corte reafirma a legalidade da incidência normativa sucessiva, sem violação ao princípio da irretroatividade, promovendo justiça distributiva e institucionalidade.

Palavras-chave: Desapropriação. Juros compensatórios. Direito superveniente. Reforma agrária. Função social da propriedade. Segurança jurídica.


1 INTRODUÇÃO

A desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária é prevista no art. 184 da Constituição Federal de 1988 e regulamentada pela Lei n. 8.629/1993. A perda da posse do imóvel rural, ainda antes do pagamento integral da indenização, enseja o cabimento de juros compensatórios como forma de reparação pelo uso econômico cessante. No entanto, a aplicação da legislação que regula tais juros suscita debate quando novas normas entram em vigor no curso da ação judicial.

O objetivo deste artigo é analisar, à luz do Recurso Especial n. 2.164.309/CE, julgado em 18 de março de 2025 pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), a incidência do direito superveniente e a possibilidade de aplicação de diferentes percentuais de juros compensatórios ao longo do mesmo processo judicial.


2 DESAPROPRIAÇÃO PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA E SUA NATUREZA

Nos termos constitucionais, cabe à União desapropriar imóveis rurais que não cumpram sua função social, mediante pagamento em títulos da dívida agrária. Essa modalidade de desapropriação distingue-se pela sua finalidade redistributiva e pela forma peculiar de indenização, conforme dispõe o caput do art. 184 da Constituição Federal (BRASIL, 1988).

A indenização, nesses casos, não é imediata nem pecuniária, sendo calculada com base na terra nua, excluídas as benfeitorias úteis ou necessárias, conforme dispõe o art. 5º da Lei n. 8.629/1993 (BRASIL, 1993).


3 JUROS COMPENSATÓRIOS: FINALIDADE E PREVISÃO LEGAL

Os juros compensatórios têm natureza indenizatória e são devidos a partir da imissão provisória do ente expropriante na posse do imóvel, até o pagamento da indenização devida. Seu objetivo é compensar a perda da fruição econômica do bem por parte do expropriado (MEIRELLES, 2017).

Diferem dos juros moratórios, que são aplicáveis após o inadimplemento da obrigação de pagamento, conforme art. 406 do Código Civil de 2002 (BRASIL, 2002).


4 ALTERAÇÕES LEGISLATIVAS E MARCOS TEMPORAIS

A legislação brasileira passou por sucessivas modificações quanto à taxa dos juros compensatórios nas desapropriações para fins de reforma agrária:

  • De 9/12/2015 a 17/5/2016: A Medida Provisória n. 700/2015 inseriu o § 1º ao art. 15-A do Decreto-Lei n. 3.365/1941, estabelecendo alíquota de 0% de juros compensatórios para imóveis improdutivos.

  • De 12/7/2017 a 13/7/2023: A Lei n. 13.465/2017 introduziu o § 9º ao art. 5º da Lei n. 8.629/1993, fixando os juros compensatórios no percentual dos títulos da dívida agrária.

  • A partir de 14/7/2023: A Lei n. 14.620/2023 alterou novamente o § 1º do art. 15-A do Decreto-Lei n. 3.365/1941, restabelecendo o índice de 0%.


5 O DIREITO SUPERVENIENTE E SUA INCIDÊNCIA PROCESSUAL

Segundo a jurisprudência consolidada do STJ, o direito superveniente pode ser aplicado durante o curso da demanda, inclusive em sede recursal, desde que não haja modificação da causa de pedir ou do pedido (REsp 907.236/PR). Essa orientação foi reafirmada no REsp 2.164.309/CE, que reconheceu a possibilidade de aplicação sucessiva dos índices legais conforme o período de incidência dos juros compensatórios.

O STJ concluiu que os juros compensatórios devem observar a legislação vigente à época da sua ocorrência, o que implica aceitar a alternância de índices ao longo de um mesmo processo de desapropriação.


6 EXEMPLO PRÁTICO DA APLICAÇÃO SUCESSIVA

Considere-se um processo judicial iniciado em 2015, com imissão provisória na posse em janeiro de 2016 e trânsito em julgado da sentença apenas em 2025. Teríamos a seguinte aplicação de taxas:

  • Jan/2016 a 17/05/2016: 0% (MP 700/2015).

  • 12/07/2017 a 13/07/2023: taxa vinculada aos títulos da dívida agrária (Lei 13.465/2017).

  • A partir de 14/07/2023: 0% (Lei 14.620/2023).

Assim, para fins de liquidação e cumprimento da sentença, a indenização devida deverá refletir essa oscilação, garantindo coerência legal e justiça material.


7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Recurso Especial n. 2.164.309/CE representa uma importante reafirmação do papel das normas supervenientes no âmbito do processo judicial. A aplicação temporal dos juros compensatórios conforme as alterações legislativas não compromete a segurança jurídica, mas, ao contrário, reforça a fidelidade do processo à legalidade vigente.

Ao permitir a aplicação fracionada e sucessiva dos percentuais legais, o STJ harmoniza a proteção ao expropriado com os princípios da eficiência e da função social da propriedade, promovendo a efetividade institucional em consonância com o ODS 16 da Agenda 2030 da ONU.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 out. 1988.

BRASIL. Decreto-Lei n. 3.365, de 21 de junho de 1941. Dispõe sobre as desapropriações por utilidade pública. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, RJ, 23 jun. 1941.

BRASIL. Lei n. 8.629, de 25 de fevereiro de 1993. Regulamenta os dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 26 fev. 1993.

BRASIL. Medida Provisória n. 700, de 8 de dezembro de 2015. Altera o Decreto-Lei n. 3.365/1941. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 9 dez. 2015.

BRASIL. Lei n. 13.465, de 11 de julho de 2017. Dispõe sobre a regularização fundiária rural e urbana. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 12 jul. 2017.

BRASIL. Lei n. 14.620, de 13 de julho de 2023. Altera o Decreto-Lei n. 3.365/1941. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 14 jul. 2023.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 43. ed. São Paulo: Malheiros, 2017.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Brasil). REsp 2.164.309/CE, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Segunda Turma, julgado em 18 mar. 2025, DJe 25 mar. 2025.

Planos de Saúde devem cobrir Musicoterapia, Equoterapia e Hidroterapia para Pessoas com Autismo

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