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29/06/2024

Análise a Súmula nº 670 do Superior Tribunal de Justiça (STJ): Ação Penal nos Crimes Sexuais e a Situação de Vulnerabilidade Temporária

    A Súmula nº 670 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) aborda um tema crucial no direito penal brasileiro: a natureza da ação penal nos crimes sexuais cometidos contra vítimas em situação de vulnerabilidade temporária. Esse texto reflete um entendimento consolidado pela Terceira Seção do STJ em 20 de junho de 2024.


    Integra da súmula 670, do STJ:

"Nos crimes sexuais cometidos contra a vítima em situação de vulnerabilidade temporária, em que ela recupera suas capacidades físicas e mentais e o pleno discernimento para decidir acerca da persecução penal de seu ofensor, a ação penal é pública condicionada à representação se o fato houver sido praticado na vigência da redação conferida ao art. 225 do Código Penal pela Lei n. 12.015, de 2009

    A súmula dispõe que, em casos de crimes sexuais praticados contra vítimas que estavam em situação de vulnerabilidade temporária, a ação penal será pública condicionada à representação se a vítima recuperar suas capacidades físicas e mentais e o pleno discernimento para decidir sobre a persecução penal de seu agressor. 

    É importante frisar que essa orientação se aplica quando o fato criminoso ocorreu durante a vigência da redação do artigo 225 do Código Penal conferida pela Lei nº 12.015, de 2009.

    A Lei nº 12.015/2009 trouxe mudanças significativas ao tratamento dos crimes sexuais no Brasil. Antes dessa alteração, os crimes sexuais eram, em grande parte, de ação penal privada, exigindo que a vítima ou seu representante legal tomassem a iniciativa de processar o agressor. 

    Com a nova redação, alguns crimes passaram a ser processados mediante ação penal pública condicionada à representação, ou seja, a persecução penal depende de uma manifestação formal de vontade da vítima.

    A súmula esclarece que, nos casos de crimes sexuais contra vítimas em situação de vulnerabilidade temporária, essa condição de vulnerabilidade não impede a aplicação do regime de ação penal pública condicionada, desde que a vítima recupere suas capacidades e possa, de maneira consciente e esclarecida, optar por representar contra o autor do delito. 

    A situação de vulnerabilidade temporária abrange estados como embriaguez, uso de drogas, ou qualquer outra condição transitória que prejudique a capacidade de discernimento da vítima.

    Esse entendimento é vital para garantir que a vítima, ao recuperar sua plena capacidade de decisão, possa exercer seu direito de escolha sobre a continuidade ou não do processo penal contra o ofensor.

    Destaca-se a importância da proteção da autonomia da vítima, assegurando que, mesmo em situações de vulnerabilidade temporária, sua vontade seja respeitada e considerada no âmbito penal.

    A interpretação conferida pela Súmula nº 670 visa harmonizar a proteção à dignidade da vítima com o respeito à sua autonomia, garantindo que a decisão de representar contra o agressor seja tomada de forma consciente e informada. 

    Além disso, a súmula enfatiza a vigência da nova redação do artigo 225 do Código Penal pela Lei nº 12.015/2009, delimitando temporalmente sua aplicação. Essa delimitação é crucial para a segurança jurídica, evitando interpretações retroativas que poderiam prejudicar direitos fundamentais das partes envolvidas.

    É importante afirmar que, a  ação penal pública condicionada à representação é aquela em que a persecução penal depende de uma manifestação formal da vítima ou de seu representante legal, chamada de representação. Sem essa representação, o Ministério Público não pode iniciar a ação penal.

    Exemplo Prático

    Imagine uma situação onde uma pessoa, durante uma festa, consome uma quantidade excessiva de álcool, entrando em um estado de embriaguez que prejudica seu discernimento e capacidade de consentimento. Durante essa condição de vulnerabilidade temporária, ela é vítima de um crime sexual. Após o ocorrido, a pessoa recupera sua sobriedade, recobrando suas capacidades físicas e mentais e o pleno discernimento. 

    Nesse momento, ela deve decidir se deseja ou não representar contra o agressor para que a ação penal seja iniciada. Somente com essa representação, o Ministério Público poderá dar prosseguimento ao processo criminal contra o acusado.

    Em resumo, a Súmula nº 670 do STJ representa um avanço na interpretação dos direitos das vítimas de crimes sexuais, especialmente aquelas em situação de vulnerabilidade temporária. 

    Ao assegurar que a ação penal seja pública condicionada à representação após a recuperação das capacidades da vítima, a súmula promove um equilíbrio necessário entre a proteção estatal e a autonomia individual, fortalecendo a resposta penal às violências sexuais de maneira justa e humanizada.



05/06/2024

Liberdade de Imprensa vs. Direitos Fundamentais: Um Equilíbrio Necessário, conforme decisão recente do STJ

    A recente decisão da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre a condenação de um jornal que publicou uma matéria ofensiva à honra de uma vítima de estupro de vulnerável destaca uma questão crucial no direito contemporâneo: o equilíbrio entre a liberdade de imprensa e os direitos fundamentais. 

A Liberdade de Imprensa como Pilar Democrático

    A liberdade de imprensa é consagrada pela Constituição Federal de 1988, no artigo 5º, inciso IX, e no artigo 220, que garantem a livre manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, vedando qualquer forma de censura. Essa liberdade é essencial para a transparência governamental, a responsabilidade pública e o debate democrático. Ela permite que a sociedade seja informada sobre assuntos de interesse público, desempenhando um papel fundamental na formação da opinião pública.

Limites da Liberdade de Imprensa

    Entretanto, a liberdade de imprensa não é absoluta. O exercício desse direito encontra limites nos próprios direitos fundamentais assegurados pela Constituição, como a honra, a dignidade e a privacidade das pessoas. O artigo 5º, inciso X, da Constituição, protege a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, garantindo o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

O Caso Específico: Proteção da Honra e Dignidade da Vítima

    No caso analisado pelo STJ, a matéria jornalística, ao usar termos pejorativos e sensacionalistas para descrever a vítima, ultrapassou os limites da liberdade de imprensa e violou direitos fundamentais. A Constituição e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) impõem um dever de proteção especial às crianças e adolescentes, reconhecendo sua condição de pessoas em desenvolvimento e, portanto, particularmente vulneráveis a danos morais e psicológicos.

    O uso de expressões como "novinha" e a insinuação de que a menor teria participado ativamente do ocorrido não só desrespeitaram a sua condição de vítima, mas também contribuíram para uma narrativa distorcida que poderia influenciar negativamente a percepção pública e afetar profundamente a saúde mental e emocional da jovem. Essas ações não apenas perpetuam estigmas sociais, mas também agravam o sofrimento da vítima, revitimizando-a em um contexto onde deveria haver proteção e cuidado.

Aspectos Jurídicos da Decisão

    A decisão do STJ sublinha a importância de uma interpretação sistemática e teleológica das normas de proteção à criança e ao adolescente. Segundo o artigo 227 da Constituição Federal, é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de protegê-los de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

    O ECA, em seu artigo 17, reforça essa proteção ao afirmar que "o direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais". Portanto, qualquer prática que contrarie esses princípios, incluindo a difusão de notícias que possam denegrir ou estigmatizar a criança ou adolescente, é considerada ilegal e passível de sanção.

Liberdade de Imprensa com Responsabilidade

    A liberdade de imprensa, embora essencial, deve ser exercida com responsabilidade, especialmente ao tratar de temas sensíveis que envolvem menores. A jurisprudência brasileira vem reiterando que a imprensa tem um papel crucial na sociedade, mas este não deve ser utilizado como justificativa para a violação de outros direitos fundamentais.

    A proteção à honra e à dignidade da vítima de crimes, especialmente quando se trata de menores, exige que os veículos de comunicação adotem uma abordagem cuidadosa e ética. A responsabilidade civil por danos morais, como a estabelecida pelo STJ neste caso, atua como um mecanismo de correção e prevenção de abusos, lembrando aos profissionais de imprensa que a liberdade de expressão não é absoluta e deve ser compatibilizada com outros direitos consagrados na Constituição.

A Importância da Sensibilidade no Jornalismo

    Este caso reforça a necessidade de sensibilidade e discernimento por parte dos jornalistas ao relatar incidentes que envolvem vítimas vulneráveis. A escolha de palavras, a forma de narrar os acontecimentos e a intenção por trás das manchetes são elementos que podem fazer a diferença entre uma cobertura jornalística respeitosa e uma que inflige danos adicionais às vítimas.

    Os jornalistas e os meios de comunicação devem estar cientes do impacto potencial de suas reportagens sobre as vidas das pessoas envolvidas. É fundamental que se evite qualquer linguagem que possa sugerir culpa ou responsabilidade das vítimas por crimes cometidos contra elas. Além disso, é crucial garantir que a privacidade e a dignidade das vítimas sejam respeitadas em todas as etapas da cobertura jornalística.

Conclusão

    A decisão do STJ no caso específico da menor vítima de estupro de vulnerável representa um marco na proteção dos direitos fundamentais das vítimas em situações de extrema vulnerabilidade. Este julgamento serve como um lembrete crucial de que, enquanto a liberdade de imprensa é um direito essencial e inalienável, ela deve ser exercida com responsabilidade e respeito pelos direitos humanos.

    A imprensa deve equilibrar seu papel informativo com um compromisso inabalável com a ética e a proteção dos direitos daqueles sobre os quais reporta. 

    Em última análise, a dignidade e a honra de todos, especialmente das crianças e adolescentes, devem ser salvaguardadas contra qualquer forma de exploração ou abuso, mesmo sob o manto da liberdade de expressão.


Respeite a fonte deste texto, cite: https://drluizfernandopereira.blogspot.com/2024/06/liberdade-de-imprensa-vs-direitos.html 

24/11/2021

BREVES COMENTÁRIOS A LEI N. 14.245/2021- LEI MARIANA FERRER

*Para assistir ao vídeo complementar



         A Lei 14.245/2021, denominada como Lei Mariana Ferrer, alterou o Código Penal, Código de Processo Penal e a Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais.

O nome “Lei Mariana Ferrer” se deu a um fato ocorrido me audiência envolvendo denuncia de estupro sofrido pela Mariana Ferrer que, durante a audiência, houver comportamento tido como grotesco por parte da defesa do Réu, ao atacar diretamente a parte no processo, assim como apresentou fotos intimas que não se conectavam aos fatos.

O fato somente teve repercussão em decorrência do vazamento das imagens gravadas nas redes sociais da audiência de instrução e julgamento, gerando o reflexo com a edição da Lei. 14.245/2021.

         O objetivo central desta alteração legislativa nos dispositivos legais acima mencionados, são para coibir a prática de atos atentatórios à dignidade da vítima e de testemunhas e para estabelecer causa de aumento de pena no crime de coação no curso do processo.

         No Código Penal, acresceu o parágrafo único do art. 334, no crime de coação no curso do processo, que aumenta a pena aumenta a pena de 1/3 (um terço) até a metade se o processo envolver crime contra a dignidade sexual.

         Já no Código de Processo Penal e na Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais (art. 81), acresceram os seguintes textos normativos:

Art. 400-A. Na audiência de instrução e julgamento, e, em especial, nas que apurem crimes contra a dignidade sexual, todas as partes e demais sujeitos processuais presentes no ato deverão zelar pela integridade física e psicológica da vítima, sob pena de responsabilização civil, penal e administrativa, cabendo ao juiz garantir o cumprimento do disposto neste artigo, vedadas:

I - a manifestação sobre circunstâncias ou elementos alheios aos fatos objeto de apuração nos autos;

II - a utilização de linguagem, de informações ou de material que ofendam a dignidade da vítima ou de testemunhas.

Art. 474-A. Durante a instrução em plenário, todas as partes e demais sujeitos processuais presentes no ato deverão respeitar a dignidade da vítima, sob pena de responsabilização civil, penal e administrativa, cabendo ao juiz presidente garantir o cumprimento do disposto neste artigo, vedadas:

I - a manifestação sobre circunstâncias ou elementos alheios aos fatos objeto de apuração nos autos;

II - a utilização de linguagem, de informações ou de material que ofendam a dignidade da vítima ou de testemunhas.

Claramente, as alterações legislativas couberam por ditar o obvio, visto que todo o processo deve ater-se aos fatos assim narrados, cabendo ao julgador fazer um juízo valorativo quanto aos documentos apresentados (provas), afastando-se neste ponto, a análise de fatos que não condizem ao que promovido na ação judicial.

Por outro lado, o fator principal em ditar o óbvio está instalado ao aspecto normativo que, por vezes, o legislador precisa “dizer” aquilo que foi esquecido ou velado na prática, trazendo a moral muito mais ao seu lado, prestigiando a dignidade da pessoa humana como tutela.

Cumpre observar que, o campo em aberto na atuação do magistrado em se deparar com situações, como a utilização de linguagem, informações ou material que ofendam a dignidade da vítima ou testemunha.

Independentemente da atuação do magistrado, a responsabilidade de quem violar a lei com tais condutas em audiência responde civil, penal e administrativamente.

E se juiz for omisso diante das circunstancias, será que poderá responder também?

No âmbito cível, a responsabilidade por danos morais e matérias, os agentes públicos não respondem diretamente, cabendo o lesado promover ação em face do Estado.

A Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LC/35/1979) estabelece sobre a responsabilidade civil:

Art. 49 - Responderá por perdas e danos o magistrado, quando:

I - no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude;

Il - recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar o ofício, ou a requerimento das partes.

É possível que responda administrativamente, seja por ação ou omissão, sendo analisada sua conduta profissional, conforme a Lei Orgânica da Magistratura Nacional.

No aspecto penal, entendemos que inexiste qualquer reponsabilidade por omissão expressamente, entretanto, isto não significa que existe um ato atípico.

O art. 13, §2° do Código Penal estabelece contornos a omissão quando  é penalmente relevante o omitente devia e podia agir para evitar o resultado, mas não o faz. Podemos elencar três situações:

1 - Tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; 2- De outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado e;

3- Com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado

         Logo, a omissão de quem tem o dever de agir, como no caso de juiz, promotor de justiça ou mesmo o advogado, podem sim responder criminalmente por seus atos, seja  por ação ou omissão.

         Em relação a conduta do advogado, o art. 7º, § 2º da lei 8.096/94, dispõe  sobre a imunidade profissional, não configurando injúria ou difamação puníveis, qualquer manifestação de sua parte, no exercício profissional, em juízo ou fora dele.

“Art. 7.º São direitos do advogado: ... § 2.º O advogado tem imunidade profissional, não constituindo injúria, difamação ou desacato puníveis qualquer manifestação de sua parte, no exercício de sua atividade, em juízo ou fora dele, sem prejuízo das sanções disciplinares peranteOAB, pelos excessos que cometer

Neste ponto, se o advogado ofender a parte contrária no exercício profissional, à imunidade abrange apenas os delitos de injúria e difamação.

Se existe esta imunidade profissional, como fica após a Lei 14.245/2021?

Por se tratar de questões pontuais promovidas pelo legislador com a Lei 14.245/2021, ligado em coibição da prática de atos atentatórios à dignidade da vítima e de testemunhas entendeu que, devido ao princípio da especialidade, o art. 7°, § 2°, do Estatuto da OAB não deve ser aplicado.

Ao contrário que muitos pensam, não significa que o advogado deve afastar-se aos parâmetros éticos de suas atividades profissionais, pois, com a alteração legislativa, deverá ser muito mais ligado à técnica de suas atividades, como não apresentar manifestações sobre circunstancias ou elementos alheios aos fatos objeto da apuração dos fatos, bem como, ponderar-se no emprego de sua manifestação com zelo e cuidado com seu linguajar.

Se o juiz verificar que a conduta do advogado extrapola os limites de sua atuação, poderá oficiar a Ordem dos Advogados sobre tais fatos ocorridos em audiência de instrução e julgamento.

E se conduta em audiência for promovida por membros do Ministério Público ou do Magistrado, os fatos devem ser dirigidos por seus respectivos conselhos de classe, inclusive, parente o Conselho Nacional de Justiça.

De toda forma, entendemos que será necessário que cada órgão estabeleça diretivas para atuação profissional, como forma complementar, de como se deve agir em tais situações prescritas nas alterações legislativas.

É preciso dizer, aos que atuam na área jurídica em si (e os fora dela como vítima e réu), o respeito mutuo deve imperar em suas atividades, inclusive, a alteração normativa coube por rememorar exatamente isso, a dignidade humana em seu centro principal, sendo o dever de civilidade e humanismo que deveriam ser aplicados, sem necessidade de lei.

Além disso, inexiste qualquer “engessamento” na atuação advogado para defender seu cliente em deixar de utilizar palavras ou manifestações que ofendam a dignidade e decoro, assim como, não faz nenhum sentido a acusação por parte do Ministério Público em promover ataques pessoais às testemunhas de defesa, por exemplo. Ao magistrado, o mesmo raciocínio, sendo desnecessária qualquer conduta em sentido contrário.

Por fim, os breves apontamentos acima propostos não são verdades absolutas, devendo extrair naquilo que seja tecnicamente proveitoso, para fins de estudo.

 

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