VÍDEO EXPLICATIVO SOBRE O TEMA ACIMA
Para
quem não sabe, o curso de reciclagem de vigilantes profissionais é homologado
pela Policia Federal, sendo órgão público responsável que emite certificado de
conclusão de curso de reciclagem profissional para os vigilantes[1].
Os
aprovados do curso de formação recebem carteira nacional de vigilante e poderão
trabalhar na atividade.
Podemos
afirmar que a Polícia Federal possui um papel
de controle no exercício das atividades profissionais daqueles que usam da
arma de fogo como instrumento de trabalho, como ocorre com os vigilantes
profissionais.
Para
fins de estudo, a Polícia Federal dentro de sua atividade administrativa
estatal limita o exercício dos direitos individuais em prol do interesse
coletivo[2] atuando de forma
preventiva.
Existe algum abuso da Polícia Federal recusar a inscrição de vigilantes
profissionais em curso de reciclagem?
A questão se revela
quanto à necessidade de um estudo técnico, especialmente, sobre os atos
administrativos, de modo que possamos trazer uma resposta adequada, afinal: existe ou não um abuso de direito por parte
do órgão.
Com base na
classificação doutrinária, o ato administrativo que concede a
inscrição de vigilantes profissionais está relacionado ao poder de polícia, por se tratar de uma faculdade de manter os
interesses coletivos e tem como principais
atributos, a discricionariedade,
autoexecutoriedade e a coercibilidade no
exercício das atividades previstas em lei.
A discricionariedade é o poder de escolher, dentro dos limites
legais, de acordo com conveniência e oportunidade do ato a ser praticado.
A autoexecutoriedade traça como elemento essencial de sua imediata e direta execução pela
própria administração pública, independente de ordem judicial.
O
atributo coercibilidade é uma imposição ao administrado quanto às
medidas a serem adotadas, podendo utilizar-se da força caso necessário.
Apresentados
tais atributos do ato administrativo,
podemos observar que o ato da Polícia Federal ao recusar pessoas de
realizar o curso de reciclagem de vigilantes profissionais estão pautados aos
elementos acima trazidos.
Desta forma,
evidencia-se que o atributo da discricionariedade, acrescido ao aspecto da
moralidade administrativa, compõe o elemento de decisão do órgão de
fiscalização, inclusive, não é justo que aceite pessoas para portarem arma de
fogo que demonstrem comportamento agressivo incompatível com as funções a serem
exercidas.
E como foi a interpretação deste caso nos
Tribunais?
A discussão
teve origem de ação anulatória movida por um candidato que teve recusada sua
inscrição no curso de vigilante profissional, pois foi condenado (sentença
penal condenatória transitada em julgado) pela prática de lesão corporal no
âmbito domestico.
Em primeira
instância, ação foi julgada improcedente, mas, o candidato recorreu e reverteu
a decisão no Tribunal que autorizou a matricula, ao fundamentar que a recusa
impede o autor da ação de exercer a profissão por ter cometido o crime de lesão
corporal leve no ambiente doméstico.
O Superior
Tribunal de Justiça entendeu que é
válida a recusa pela Polícia Federal
de pedido de inscrição em curso de
reciclagem para vigilantes
profissionais, quando configurada a ausência de idoneidade do
indivíduo em razão da prática de delito que envolve o emprego de violência
contra a pessoa ou da demonstração de comportamento agressivo incompatível com
as funções do cargo[3].
BREVES CRÍTICAS SOBRE A DECISÃO DO STJ
Com a devida
vênia dos que pensam de modo diverso, mesmo que se tratar de uma decisão que
visa repudiar ato de violência doméstica e familiar, entendemos que o STJ não
agiu acertadamente.
Num primeiro
momento, o ato administrativo deveria ser vinculado, ou seja, cabe à lei
estabelecer parâmetros para a recusa de vigilante em curso profissional, tendo
em vista que a decisão viola o princípio da legalidade estrita ou fechada, pois
cumpre a lei o papel de preencher lacunas normativas, seja por permissão ou
proibição de determinado ato.
Portanto, por
ausência de lei, nem o executor (Polícia Federal), muito menos o julgador devem
inovar no ordenamento jurídico.
Além do mais,
o argumento defensivo de que a moralidade administrativa é elemento principal
para a prolação do julgado não deve prevalecer, pois, conforme mencionado
inexiste previsão legal, gerando ativismo
judicial[4]
por parte do órgão julgador, neste caso o STJ.
Noutro ponto
de importantíssimo relevo está relacionado à violação das penas em caráter perpetuo[5],
tendo em vista que, a pessoa não pode ser
condenada para o resto da vida e os efeitos
da condenação não podem ser estendidos além do que estiver previsto em lei.
Seria justo e proporcional à pessoa sofre
os efeitos de uma condenação, mesmo tendo cumprido a pena em sua integralidade,
não devendo mais nada ao Estado? Não se trata de “passar a mão na cabeça”
de quem tenha cometido um crime no passado, ao contrário, pois se o sujeito não
deve mais nada, não poderia ficar ao resto de sua vida com os efeitos de uma
condenação. É apenas uma reflexão ao leitor.
AMBITO DE INCIDÊNCIA DA DECISÃO DO STJ
Apesar de se
tratar de mais um precedente jurisprudencial, é possível compreendermos que seus
efeitos estão vinculados entre as partes do processo, podendo qualquer
interessado promover uma ação judicial específica, inclusive, com a finalidade
de alterar a jurisprudência.
E QUAL A SOLUÇÃO EM CASOS DE RECUSA DE
INSCRIÇÃO DE VIGILANTES PROFISSSIONAIS CONDENADOS PELA JUSTIÇA?
O
único caminho que entendemos juridicamente relevante será ingressar com a reabilitação criminal[6],
desde que preenchidos os requisitos previstos em lei[7].
Desta
forma, após o juiz reconhecer a reabilitação
criminal o interessado terá seus dados restritos, não podendo qualquer
órgão, seja público ou privado, ter acesso ao processo relacionado à
condenação.
Se
mesmo após a reabilitação criminal houver a extensão dos efeitos da condenação
e a consequente negativa de inscrição de vigilantes profissionais, outra
alternativa será ingressar com ação judicial (mandado de segurança ou qualquer
outra ação autônoma).
Portanto,
se o vigilante profissional que tiver antecedentes criminais e queira obter a
inscrição do curso de reciclagem, o caminho será a reabilitação criminal.
[2]
https://drluizfernandopereira.jusbrasil.com.br/artigos/111870316/poder-de-policia-no-direito-administrativo-brasileiro-breve-nocoes#:~:text=Considera%2Dse%20poder%20de%20pol%C3%ADcia,e%20do%20mercado%2C%20ao%20exerc%C3%ADcio
[3]
REsp 1.952.439, STJ.
[4] Seguindo a leitura do
Prof. Vladimir Passos de Freitas, o Ativismo judicial ocorre quando os magistrados interferem
indevidamente nos outros Poderes de Estado, sem avaliar as consequências
paralelas de seus atos. Recomendo: https://www.conjur.com.br/2021-dez-12/segunda-leitura-ativismo-judicial-afinal-trata
[5]
O inciso XLVII do artigo 5º, promulgado pela Constituição Federal de 1988,
define que:
Nos termos do artigo 5º, XLVII, da Constituição
Federal de 1988 – não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra
declarada, nos termos do artigo 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e)
cruéis.