03/10/2024

Transfusão de Sangue e Testemunhas de Jeová: STF entre a Fé e o Estado — Um Julgamento de Vida e de Crença

STF, Testemunhas de Jeová e Transfusão de Sangue: Entenda a Decisão Histórica
ANÁLISE JURÍDICA • STF • LIBERDADE RELIGIOSA • SAÚDE

STF, Testemunhas de Jeová e transfusão de sangue: entenda a decisão histórica e o que muda na prática

Julgamento em repercussão geral garante o direito de Testemunhas de Jeová adultas e capazes recusarem transfusões de sangue, obriga o SUS a oferecer alternativas e fixa limites para casos envolvendo menores. Análise clara, objetiva e com base na decisão do Supremo Tribunal Federal.

Paciente e profissional de saúde discutindo alternativa à transfusão de sangue.
Repercussão Geral Liberdade Religiosa Direito à Saúde SUS & PBM Testemunhas de Jeová
Resumo rápido (para quem está com pressa)
  • O STF decidiu, por unanimidade, que Testemunhas de Jeová adultas e capazes podem recusar transfusão de sangue com base em sua fé, desde que a decisão seja livre, consciente e informada.
  • O SUS deve garantir tratamentos alternativos (como técnicas do PBM) e, se necessário, custear o procedimento em outro estado.
  • A decisão não autoriza que responsáveis impeçam tratamentos indispensáveis à vida ou saúde de crianças e adolescentes.
  • Foram fixadas teses de repercussão geral nos RE 979742 e RE 1212272, vinculando juízes e tribunais em todo o país.
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Introdução

O Supremo Tribunal Federal (STF) tomou uma decisão histórica que envolve um tema sensível: a recusa de transfusões de sangue por motivos religiosos. Em votação unânime, os ministros decidiram que as Testemunhas de Jeová, quando adultas e capazes, têm o direito de recusar procedimentos médicos que envolvam transfusões.

Além disso, ficou estabelecido que o Estado deve garantir tratamentos alternativos disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS), mesmo que isso signifique custear procedimentos em outros estados.

Essa decisão surge de dois casos específicos que chegaram ao STF, mas a repercussão é geral, ou seja, agora todas as instâncias judiciais do país deverão aplicar esse entendimento em situações semelhantes. Vamos entender melhor essa decisão e o impacto dela?

O que o STF decidiu, exatamente?

A questão central é o direito das Testemunhas de Jeová de recusarem transfusões de sangue por motivos religiosos. A recusa tem base nas convicções religiosas dessa comunidade, que vê o uso de sangue alheio como uma violação de passagens bíblicas.

O STF reconheceu que a liberdade religiosa, garantida pela Constituição, permite que uma pessoa maior de idade e capaz recuse esse tipo de tratamento. No entanto, para que essa recusa seja válida, o paciente precisa estar plenamente informado e consciente das consequências.

Outro ponto importante da decisão é que o SUS tem a obrigação de fornecer alternativas às transfusões. Isso inclui tratamentos que não usem sangue alheio, como o Programa de Gerenciamento do Sangue do Paciente (PBM), que já é uma realidade em muitos hospitais brasileiros.

E mais: se o tratamento alternativo não estiver disponível no estado do paciente, o governo deverá providenciar o atendimento em outra localidade.

Em linguagem direta

Se o paciente Testemunha de Jeová é adulto, capaz, foi bem informado e mesmo assim recusa o uso de sangue, o Estado não pode simplesmente impor a transfusão. Deve, sempre que tecnicamente possível, oferecer um caminho alternativo seguro.

Como isso funciona na prática?

Agora você deve estar se perguntando: como essa decisão vai impactar o dia a dia dos hospitais e do SUS?

Vamos a alguns exemplos práticos, começando pelos casos que motivaram essa decisão:

  • RE 979742: Uma paciente no Amazonas precisou de uma cirurgia de artroplastia total, mas recusou a transfusão de sangue, em respeito à sua fé.

Esse tipo de tratamento alternativo não estava disponível no Amazonas. O STF decidiu que a União, o Estado do Amazonas e o Município de Manaus devem custear a cirurgia em outra localidade que ofereça o procedimento sem uso de sangue.

  • RE 1212272: Uma mulher foi encaminhada para uma cirurgia de substituição de válvula aórtica na Santa Casa de Maceió, mas a cirurgia foi cancelada porque ela se recusou a assinar o termo de consentimento para receber transfusão de sangue, caso fosse necessário.

O STF entendeu que, desde que a paciente estivesse plenamente consciente dos riscos, ela tinha o direito de recusar o tratamento com transfusão.

Checklist rápido para hospitais e gestores (PBM & decisão do STF)
  • Registrar de forma clara a orientação prestada ao paciente.
  • Colher termo de recusa informado, quando houver negativa à transfusão.
  • Avaliar alternativas técnicas disponíveis (PBM, hemoderivados fracionados, estratégias de conservação sanguínea etc.).
  • Consultar protocolos do SUS e, se necessário, solicitar tratamento em outro centro habilitado.
  • Acionar a assessoria jurídica e o comitê de ética quando surgirem dúvidas.

Limites da decisão — e a questão dos menores de idade

É essencial compreender que essa decisão não se aplica a crianças e adolescentes.

Quando se trata de menores de idade, o STF foi claro: o princípio do melhor interesse da criança deve prevalecer. Ou seja, os pais não podem, com base em suas crenças religiosas, impedir que seus filhos recebam tratamentos necessários para salvar suas vidas ou garantir sua saúde.

Isso significa que, em casos envolvendo menores, a Justiça pode, sim, autorizar procedimentos como transfusões, se forem indispensáveis para a vida ou saúde da criança ou adolescente.

Ponto sensível para profissionais de saúde

Na dúvida, sobretudo com menores, a orientação é documentar, acionar o Ministério Público/autoridade judicial e registrar o esforço para conciliar crença religiosa e proteção integral, sem omissão do dever de cuidado.

O que isso representa para o direito à saúde e à liberdade religiosa?

O presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, ressaltou que essa decisão representa um importante avanço na compatibilização entre a liberdade religiosa e o direito à vida e à saúde. Por um lado, garante-se que ninguém será forçado a se submeter a um tratamento que vai contra suas convicções mais profundas.

Por outro, o Estado se compromete a oferecer alternativas viáveis, respeitando a dignidade humana e os direitos fundamentais.

Além disso, essa decisão coloca o Brasil em consonância com uma tendência internacional. Em outros países, como Estados Unidos e Canadá, já existem precedentes que reconhecem o direito de recusa de tratamento médico por motivos religiosos, desde que o paciente seja informado e capaz de tomar suas próprias decisões.

O STF envia uma mensagem: autonomia pessoal, dignidade humana e respeito à fé podem conviver com a proteção efetiva do direito à saúde — desde que haja informação, técnica e boa-fé.

Teses de Repercussão Geral — o que o STF fixou?

O STF definiu teses de repercussão geral que deverão ser seguidas por todos os tribunais do Brasil. Veja o que foi decidido nos dois recursos julgados:

RE 979742

  1. Testemunhas de Jeová, maiores e capazes, têm o direito de recusar procedimentos médicos que envolvam transfusão de sangue, com base na liberdade religiosa e na autonomia individual.
  2. Como consequência, o Estado deve garantir o acesso aos procedimentos alternativos disponíveis no SUS e, se necessário, providenciar o tratamento fora do domicílio do paciente.

RE 1212272

  1. Pacientes com capacidade civil plena podem recusar tratamentos de saúde, inclusive transfusões de sangue, por motivos religiosos, desde que a decisão seja tomada de forma livre, consciente e informada.
  2. O SUS deve realizar procedimentos médicos sem transfusão de sangue, caso haja viabilidade técnica e a equipe médica esteja de acordo com a realização do procedimento, respeitando a decisão do paciente.
Por que isso importa para advogados, médicos e gestores?

As teses têm efeito vinculante: não se trata apenas de “mais um julgado”, mas de diretriz obrigatória. Decisões em sentido contrário tendem a ser reformadas, o que exige atualização imediata de protocolos clínicos, formulários e pareceres jurídicos.

E agora?

Essa decisão representa um grande passo na garantia de direitos fundamentais. Para as Testemunhas de Jeová, é uma vitória importante, pois reafirma a proteção de sua liberdade religiosa. Para o sistema de saúde, o desafio será garantir que esses procedimentos alternativos estejam disponíveis e que o direito dos pacientes seja respeitado, sem comprometer o atendimento médico de qualidade.

Com essa decisão, o STF equilibra dois pilares essenciais: a autonomia pessoal e a responsabilidade do Estado em proteger a saúde. Agora, cabe aos profissionais de saúde e às instituições públicas aplicar essas diretrizes e garantir que todos possam exercer seus direitos, sem abrir mão de tratamentos que respeitem sua fé e sua dignidade.

Guia prático para aplicar a decisão (em 5 passos)
  1. Confirmar capacidade civil e condição clínica do paciente.
  2. Prestar esclarecimentos completos sobre riscos, alternativas e consequências.
  3. Registrar a recusa informada (ou a autorização), por escrito.
  4. Acionar protocolos de alternativas sem sangue, quando tecnicamente viáveis.
  5. Buscar apoio jurídico e ético em situações-limite, sobretudo envolvendo menores.

Este artigo foi escrito por Luiz Fernando Pereira, advogado e professor.

Consulte sempre um advogado!

Luiz Fernando Pereira Advocacia

FAQ rápido sobre a decisão do STF

1. Toda Testemunha de Jeová pode recusar transfusão em qualquer situação?

O STF protege a recusa de pacientes adultos, capazes, conscientes e bem informados. A decisão deve ser livre, esclarecida e registrada. Em situações de incapacidade sem manifestação prévia clara, o caso exige análise cuidadosa pela equipe médica e jurídica.

2. E quando o paciente é criança ou adolescente?

Para menores, prevalece o melhor interesse da criança/adolescente. Pais ou responsáveis não podem impedir tratamentos vitais. A Justiça pode autorizar transfusões, mesmo contra a vontade da família, quando necessárias para preservar vida e saúde.

3. O hospital é obrigado a ter todo tipo de tratamento alternativo?

O STF determina que o poder público e o SUS devem viabilizar alternativas existentes, inclusive fora do domicílio, quando tecnicamente disponíveis. Isso fortalece programas como o PBM e incentiva a estruturação de centros especializados.

4. Médicos podem ser responsabilizados se respeitarem a recusa?

Quando a recusa é válida (adulto capaz, informado, documento assinado, alternativas avaliadas), o respeito à autonomia tende a ser juridicamente protegido. A chave é documentar tudo e agir segundo protocolos técnicos atualizados.

Precisa de orientação sobre casos semelhantes?

Atendo profissionais de saúde, hospitais, gestores públicos, associações religiosas e pacientes em todo o Brasil para estruturação de protocolos, pareceres jurídicos e prevenção de conflitos judiciais.

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