Quando estamos
a tratar sobre Processo Administrativo Disciplinar, as teses de jurisprudência
do STJ em geral sempre os rigores do direito penal, como base no elemento do
tipo e na teoria da vontade.
Citamos por exemplo, a demonstração do ânimo
específico de abandono de cargo público, que deverá estar presente à figura
típica do servidor como prática da infração administrativa de abandono, em sua
manifestação de vontade inequívoca (base do julgado, MS 22566/DF, Rel. Min.
Napoleão Maia Nunes Filho, 29/11/2019).
Apresentaremos
os julgados mais interessantes do Superior Tribunal de Justiça, de forma
crítica e esmiuçada para fins de estudo.
1) A falta de defesa técnica por advogado no
processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição (Súmula
Vinculante n. 5 do STF).
Com o verbete
da Súmula Vinculante n. 5 do STF, restou evidente e pacífico o entendimento
que, ausente a defesa técnica por advogado no PAD não significa que haverá
vício de nulidade.
Apesar
de ausência de defesa técnica elaborada por advogado, o acusado continuará ter
o direito ao contraditório e a ampla defesa no PAD, ou seja, estará ciente de
todo o tramite processual, bem como terá o direito de juntar todas as provas e
documentos necessários para a sua defesa, inclusive, é inafastável o seu
direito de recorrer, caso queira.
É
certo que, não se está retirando a possibilidade do acusado em um Processo
Administrativo Disciplinar de contratar um advogado, no qual terá a total
liberdade, entretanto, é recomendável visto que na prática, muitos processos
administrativos são instaurados com muitos vícios técnicos, cabendo o
casuístico trazer todos os elementos técnicos necessários para o seu
arquivamento ou mesmo a minimização de uma eventual punibilidade na esfera
administrativa.
2)
É
possível a utilização de prova emprestada no processo administrativo
disciplinar, devidamente autorizada, desde que produzida com observância do
contraditório e do devido processo legal.
A afirmativa
acima se baseia na Súmula 591 do Superior Tribunal de Justiça, que pacificou o
seu entendimento quanto a possibilidade se utilizar da prova emprestada no PAD,
no entanto traz uma ressalva, desde que seja devidamente autorizada e se
observe dois princípios importantíssimos, o contraditório e o devido processo
legal.
Quanto a
compreensão sobre a prova emprestada, é aquele produzida em um processo que
poderá ser devidamente utilizada em outro processo. Há diversas formas de
provas, como a prova documental, testemunhal, o depoimento pessoal, o exame
pericial e até mesmo a confissão.
É claro que, a
prova já produzida em outro processo possa melhor se desenvolver
posteriormente, numa visão mais econômica do litigio (custo e tempo), assim
como, retrata-se na consecução da busca da verdade quanto aos fatos, haja vista
que, nem de todo o modo que se pode produzir novamente determinada prova,
podemos citar num exemplo, o depoimento pessoal de uma testemunha que será
impossível de se realizar se falecer durante o processo.
A posição
jurisprudencial atual é, será admitida a utilização de processo administrativo
de prova emprestada do inquérito policial ou do processo penal, desde que
houver prévia autorização do juiz criminal, respeitando-se o contraditório e a
ampla defesa[1].
Quanto
à aplicação dos princípios, como contraditório, ampla defesa e do devido
processo legal, devemos observar que, toda e qualquer juntada de provas em um
determinado processo, seja administrativo ou mesmo judicial, vale dizer, caberá
à outra parte ter como resguardado o seu direito de se manifestar. Para fins
didáticos, citamos como exemplo, a existência de uma ação penal no qual se
obtém as escutas telefônicas, no qual serão juntadas como prova emprestada pela
a Administração Pública no PAD. Neste caso, o servidor público terá o direito
de obter o total acesso as escutas telefônicas como também, poderá se
manifestar ao processo, defendendo-se de forma ampla diante da prova juntada.
Com
o objetivo de trazer maior efetividade ao processo, é mais adequado utilizar-se
das provas já produzidas e reanalisar novamente, de modo, a evitar a nulidade
de todo o processo.
Uma
indagação: é possível utilizar da prova
emprestada mesmo que o processo esteja em curso, ou seja, sem o transito em
julgado de sentença penal condenatória? É perfeitamente possível, pois o
resultado da sentença proferida no processo criminal não incidirá na instancia
administrativa em decorrência de independência de instâncias, conforme a
posição do STJ (RMS 33.628-PE, Rel. Humberto Martins, julgado em 02/04/2013, no
informativo 521).
3) É possível a instauração de processo
administrativo com base em denúncia anônima.
O
E. Superior Tribunal de Justiça coube por trazer uma interpretação pacífica e
majoritária do tema de forma uniforme com a Súmula 611, “in verbis”:
“Desde que devidamente motivada e com
amparo em investigação ou sindicância, é permitida a instauração de
processo administrativo disciplinar com base em denúncia anônima, em
face do poder-dever de autotutela imposto à administração”
A partir da
leitura do texto sumular, surgem alguns pontos polêmicos que desejamos,
responder prontamente.
Primeiro questionamento: Seria realmente válido receber determinada
denúncia desconhecida ou anônima?
Para melhor
compreensão, podemos afirmar que a denúncia anônima se inicia, quando uma
determinada pessoa, que sem se identificar, relata para as autoridades que o
agente público cometeu uma infração, seja de natureza administrativa ou mesmo
criminal.
Interessante
observarmos que a Súmula 611 do Superior Tribunal de Justiça, utiliza-se de um
mecanismo de tutela da Administração Pública ao permitir que determinado
processo administrativo tenha sido instaurado independentemente da origem ou
fonte, desde que houver da devida manifestação motivada.
Ao que parece,
a referida Súmula caminhou em sentido diametralmente oposto, pois o artigo 144
da Lei 8.112/90 estabelece que “as
denúncias sobre irregularidades serão objeto de apuração, desde que contenham a
identificação e o endereço do denunciante e sejam formuladas por escrito,
confirmada a autenticidade”. É claro que neste ponto, a lei não deixa
margem de dúvidas quanto à necessidade de identificação, assim como o endereço
do denunciante, bastando-se observar ao princípio da formalidade, devendo ser
apresentada por escrito.
Mas não foi
somente este o sentido que o STJ impôs ao editar a Súmula 611. A interpretação da E. Corte entendeu que o dever de
autotutela estará além de quaisquer formalismos, por se tratar de
poder-dever, como base sólida de zelar pela Administração em sentido amplo,
como também promover, ainda que de forma impositiva, a legalidade, a
impessoalidade, a moralidade administrativa (art. 37, caput, da CF/88),
exigindo-se que o administrador público, ao ser informado de uma determinada
infração tome as providências necessárias.
Em verdade é
uma forma de proteção da moralidade administrativa que deverá a todo instante
ser preservada, porquanto que se trata de um princípio constitucional dada sua
importância e tem por base uma boa administração, sendo um dever ao
Administrador agir com finalidade e legalidade, de modo a constituir os
pressupostos de validade.
Portanto, se um determinado agente
administrativo, (representante da Administração Pública) prove um ato
administrativo específico, deverá este conduzi-lo pelo dever profissionalmente
ético, cabendo lhes a discernir quanto à licitude de tais atos, conforme suas
ações, para que o resultado seja lhes positivo.
Quanto ao poder-dever de autotutela tratado na
súmula 611 do STJ, podemos entender que se trata de uma obrigação que o
administrador que público corrija eventual ilegalidade tenha sido praticado e
de modo algum deverá omitir-se de agir, pois se o fizer, via de consequência,
poderá recair na responsabilização civil, criminal e administrativa.
É importante
mencionarmos que, antes de uma instauração de Processo Administrativo
Disciplinar, deverá ser realizada uma
investigação preliminar ou sindicância com o objetivo de se averiguar o
conteúdo e confirmar se a denúncia anônima possua fundamento diante dos fatos.
É válido que
tenhamos uma distinção entre conceitos diversos, cabendo diferenciar a sindicância e o Processo Administrativo Disciplinar.
Mas não será é pernicioso para o agente
público não saber quem é o autor da denuncia?
Corroborando o
entendimento da Ministra Carmen Lúcia, no RMS 29.198, a autoridade
administrativa deve agir com cautela no exame da admissibilidade da denúncia,
evitando que seja objeto de apuração aquelas com intuito meramente difamatório,
injurioso e vexatório, desacompanhadas de elementos mínimos que evidenciem
conduta inapropriada ou ilegal, cabendo trazer elementos probantes em face do
agente público.
Na prática
toda e qualquer denúncia infundada provida pela Administração Pública poderá
acarretar efeitos negativos por parte do agente público, pois poderá produzir
danos irreparáveis à dignidade e a honra subjetiva.
É preciso assinalar
que, independe que o agente público saiba quem é denunciante, mas sim deverá
levar em consideração que houve um dano, seja moral ou material, para que possa
ingressar com uma ação judicial em face da Administração Pública.
Ademais, se a
Administração Pública se baseia uma denuncia anônima para a promoção de um
Processo Administrativo Disciplinar, logo, estará trazendo para si a sua
responsabilidade civil, podendo ser argumento de ato de perseguição em face do
servidor público que, se provado caracterizará por assédio moral.
Por derradeiro,
entendemos que a proposta mais adequada para que seja aceita determinada
denúncia anônima ou não, deverá seguir os seguintes pontos:
a) Se
aceita a denúncia, deverão ser apurados os fatos conforme investigação preliminar
ou sindicância;
b) Se
demonstrada a ausência de provas ou sendo tais provas infundadas, via de
consequência haverá o arquivamento da sindicância ou investigação preliminar.
c) Conforme
o critério mais cômodo ao julgador, somente haverá a instauração do processo
administrativo disciplinar se constatada a existência de provas suficientes,
exigindo-se também ato devidamente motivado.
4) A portaria de instauração do processo
disciplinar prescinde de minuciosa descrição dos fatos imputados, sendo certo
que a exposição pormenorizada dos acontecimentos se mostra necessária somente
quando do indiciamento do servidor.
A
tese pacifica está presente na Súmula 641-STJ: A portaria de instauração do processo administrativo disciplinar
prescinde da exposição detalhada dos fatos a serem apurados
É
preciso afirmar que a portaria é uma das fases de um Processo Administrativo
Disciplinar, conforme estabelecer o artigo 151 da Lei nº 8.112/90:
I - instauração, com a publicação do ato que
constituir a comissão;
II - inquérito administrativo, que
compreende instrução, defesa e relatório;
III - julgamento.
É muito
importante compreendermos que, a portaria de instauração tem por finalidade de
dar publicidade apenas de quem serão os servidores responsáveis pela instrução
do Processo Administrativo Disciplinar, sendo que somente o ato administrativo
é que a Comissão Processante poderá fazer um relato circunstanciado das
condutas praticadas pelo servidor público.
Neste aspecto,
só haverá a descrição mais detalhada dos fatos quando for indiciado de fato, ou
seja, após a produção das provas no PAD.
5) O Mandado de segurança não é a via
adequada para o exame de provas no PAD, (STF, jurisprudência em teses n. 85, Tema 6).
O Mandado de
segurança é um remédio constitucionalmente assegurado por nossa Constituição
Federal de 1988 (art. 5°, LXIX), em que se tutela determinado o direito líquido
e certo sempre que houver a sua violação, quando o responsável pela ilegalidade
ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no
exercício de suas atribuições.
Importante pontuarmos que, o direito líquido
e certo se resume como a demonstração de plano por prova
pré-constituída e de direito manifesto em seu aspecto existencial
(fato), de modo delimitado em sua extensão e aptidão no momento de sua
impetração. Assim, o requisito material deve estar claro em presente, devendo
estar devidamente apresentado ao entendimento do magistrado para o seu juízo de
convencimento, cabendo ao autor observar as condições da ação e do devido
requisito de admissibilidade.
Além disso,
também deverão estar presentes outros requisitos subjetivos promovidos pela
autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do
Poder Público, no ato de ilegalidade (atos vinculados) ou abuso de poder
(extrapolou os requisitos de conveniência e oportunidade, se inconveniente ou
inoportuno).
No julgado em
comento, torna-se necessário observarmos que não havendo direito liquido e
certo, conforme explicado acima, via de consequência, não estarão presentes os
requisitos de admissibilidade, logo, de modo algum poderá o julgador
(magistrado, desembargador e Ministro das Cortes Superiores) conceder o Mandado
de Segurança, haja vista que processualmente não é a via adequada para o exame
de provas em determinado processo administrativo disciplinar, pois a própria
medida judicial deverá advir com tais provas pré-constituídas do direito
manifesto pelo impetrante.
Pode ser que
ocorram situações que as provas no Processo Administrativo Disciplinar não
tenham sido produzidas e posteriormente foram julgadas em contrariedade ao
princípio da ampla defesa e do contraditório. Neste caso, necessita-se que uma
reavaliação por meio do controle jurisdicional, na medida em que serão
devidamente observados tais princípios previamente avaliados, mas, o caminho
mais adequado é promover uma ação ordinária para que as provas sejam
devidamente produzidas.
8) No mandado de segurança, é possível valorar a contradição entre a
conduta autora e a capitulação da pena de demissão aplicada no PAD (MS 171
151/DF).
Noutro
julgado de relevância diz respeito, quanto à possibilidade de valoração em
situações em que esteja presente a divergência entre o ato promovido pelo
servidor público a pena de demissão no Processo Administrativo Disciplinar.
Obviamente,
em mandado de segurança não se valoram as provas em si, pois deverão estar já
presentes no processo para avaliação do magistrado. Portanto, não se avaliam
provas, mas a contradição em sua essência podendo caracterizar ilegalidade ou
abuso de poder por parte da autoridade julgadora do PAD, assim como, levar em
consideração que a demissão do servidor público somente ocorre quando um
servidor público não respeita as regras do local de trabalho ou não cumpre com
os deveres e proibições estabelecidos pela legislação, cabendo a punição
conforme os casos previstos em lei.
Podemos
citar um exemplo de desproporcionalidade. Imagine um servidor ter sido punido
por demissão pelo fato de ausentar-se do
serviço durante o expediente, sem prévia autorização do chefe imediato
(art. 117, I, da Lei n 8112/1990). A correta punição seria a penalidade
disciplinar de advertência, sendo injusto e desproporcional demiti-lo (art. 129).