Em verdade, a criminologia é uma ciência, no qual estuda a
criminalidade, baseando-se numa ciência
empírica, conforme aos ditames da realidade, sendo colaborada com outras
disciplinas, como a sociologia, psicologia, medicina legal e as ciências
jurídicas.
Sendo uma ciência de
natureza finalística, a criminologia delimita-se
como objeto de análise: o crime, a vítima, o criminoso, bem como oferecer
mecanismos que possam atuar como controle social.
Importante salientar que Criminologia, Direito Penal e Segurança
Pública são institutos distintos.
A criminologia resume-se como um processo analítico do crime, sendo que o Direito
Penal traça uma abordagem estritamente legal, sendo considerado crime toda
conduta prevista na legislação penal em vigor, ao passo que, esta violação
enseja numa sanção de natureza criminal.
No que diz respeito
a Segurança Pública, esta se analisa
o crime como perturbação a ordem pública, assim como a paz social, devendo ao
Estado cumprir elementos coercitivos em face do crime.
Para a sociologia, o crime é considerado como uma conduta
desviada, afastando os padrões e os modelos da sociedade.
A base conceitual de crime para a
criminologia, pode-se dizer como um problema socialmente
relevante, cabendo à ciência estudar os crimes, criminosos e a vítima. Trata-se de uma ciência empírica e
interdisciplinar. Busca a ressocialização do criminoso. Trabalha, em verdade,
com a ideia do ser, preocupando-se com as consequências.
Interessante denotar
que, as bases funcionais desta ciência visa informar aos poderes públicos,
assim como a sociedade, a função de prevenção e intervenção, devendo atingir
positivamente, de modo a estudar o crime, o infrator da norma penal, a vítima
do crime e o consequente do controle
social. De certo, a criminologia busca a solucionar os problemas relacionados
ao crime em concreto.
No
tocante ao controle e a prevenção
são as principais funções desta ciência, mas, além disso, tem por objetivo
explicar a fenomenologia criminal.
Feitas tais considerações iniciais acerca desta ciência,
podemos adentrar quanto à temática, com o escopo de traçar uma análise objetiva
da criminologia, de modo a ligar-se não somente quanto aos fatos ocorridos no
dia 12 de junho de 2000, famoso ônibus
174, como também traçar elementos que possam ser considerados para fins de
estudo.
Sobre um triste acontecimento
Se fossemos contar como uma história, Sandro Barbosa do
Nascimento adentra o ônibus 174 armado e transtornado, dando início ao
sequestro. Interessante denotar que, casos como esses são isolados no Brasil e
por este motivo que se chamou tanta a atenção do público que parou para ver na
televisão ao vivo, nacional e até mesmo internacional.
Depois de quatro horas, o sequestrador do ônibus desce com
a refém Geisa Firmo Gonçalves com a finalidade de servir de escudo humano. Neste momento, um policial do Bope dispara com
um tiro, entretanto, acerta a refém que, vem a falecer.
Sandro é preso e posteriormente levado para o camburão,
sendo que durante o trajeto para a delegacia foi asfixiado por policiais.
Diante deste desfecho negativo e por sucessivos erros por
parte da Segurança Pública representado pelo Estado naquele momento que podemos
levantar todas as posições perante aos critérios criminológicos, no qual
podemos anotar perfis de grande relevância.
Estudo sobre o criminoso Sandro
O Sequestrador tinha um histórico negativo, no qual foi
vítima da violência e o descaso social quando menor de idade. Sobrevivente da
chacina da Candelária, no centro do Rio, em 1993 – quando oito de 72 crianças
de rua que dormiam à frente da igreja foram assassinadas –, Sandro tinha oito
anos quando viu a mãe ser assassinada[1].
É importante salientar que, a vida pregressa de um sujeito
que acomete um ato criminoso não significa dizer que é justificável determinada conduta, ao contrário. Conforme se analisam os depoimentos das
testemunhas oculares daquele dia, um dos repórteres afirmou no documentário de
José Padilha que o “criminoso queria realmente chamar a atenção, tanto até que
fingiu ter atirado em uma das vítimas”.
Interessante adicionarmos sob os olhos quanto ao aspecto social do criminoso, conforme
autoriza a própria criminologia para compreensão acerca dos fatos.
Numa visão social, para nós, Sandro é apenas mais um dentre
outras crianças negras, pobres, sem oportunidades e que cresceram numa
comunidade[2].
Ficou órfão prematuramente que, culminou numa desestruturação familiar.
De certo, estaríamos a aplicar a Escola de Chicago como
base da teoria sociológica, ao passo que, nesta escola o crime é considerado um
fenômeno vinculado às condições estruturais da área ambiental, desestruturação
familiar e de crise de valores. O criminoso residia numa comunidade, no qual
vivenciava o dia-dia da violência, assim como, houve uma ruptura de sua
estruturação familiar com o falecimento de sua mãe.
A questão de
sofrimento quanto criança culminou em reflexos negativos por parte do criminoso
ao entender como “normal” determinada atitude e “comum”. Numa outra visão, o
criminoso somente sequestrou o ônibus com a intenção vingativa. Tais visões não
podem ser consideradas certas ou erradas, mas sim, um complemento e, sob o
ponto de vista clinico, no aspecto psiquiátrico, o criminoso sofria transtorno
de personalidade.
Numa visão jurídica, a conduta de Sandro foi criminosa,
violadora da norma jurídica penal (art. 148 do CP), sendo tutelado o direito de
ir e vir, assim como o direito à vida.
Noutras questões
socialmente relevantes: Será mesmo que, por ser apenas um membro de uma
comunidade, pessoa de origem pobre, possa essa pessoa ter elementos que
indiquem para que a mesma possa delinquir no futuro? Será mesmo que o Estado
pode atuar de forma tão repressiva assim? Estes questionamentos podem ser
respondidos, quando analisarmos o contexto global, quando estudarmos sobre o
crime.
Aplicação a
vitimologia no caso do ônibus 174?
O estudo da
vitimologia teve início em meados da segunda guerra mundial decorrente do
sofrimento dos judeus pelo percussor Benjamin Mendelsonhn e posteriormente, com
Habns Von Hentig, em 1948, nos Estados Unidos, com a publicação do livro “The
Criminal and his Victim”[3].
Na vitimologia, analisam-se fatores biológicos,
psicológicos e social da vítima em face do criminoso e se houve a
participação/contribuição involuntária da vítima para o evento delituoso.
Interessante denotar o processo de vitimazação, que diz respeito a relações
humanas, sendo resumidas sobre tais óticas[4]:
a) Primária:
Ocasionada pelo cometimento do crime, no qual provoca danos de diversas ordens,
como psicológica, material e física. Podemos citar como exemplos, o crime de
ofensa contra a honra e o crime de furto. Entendemos
inaplicado ao presente caso.
b) Secundária:
Proveniente pelas ações ou omissões dados ao controle social, por meio da
polícia, judiciário, legislativo. Trata-se, em verdade, na perda da
credibilidade das instancias de controle formais.
A
vitimização secundária pode ser aplicado ao caso do ônibus 174, tendo em vista
que houve a omissão Estatal num todo, sendo a real perda da credibilidade dos
controles formais e este erro Estatal, culminou não somente na criação de um “Sandro”,
mas sim, em diversas crianças que crescem sem oportunidades, desestruturadas em
seu aspecto familiar, sendo um desleixo maior por parte do Estado que, deveria investir
mais em educação do que propriamente a segurança pública, para combater a criminalidade.
A visão macro do
crime (ônibus 174)
Atuação dos agentes
de segurança publica foi um desastre total e um imenso despreparo. E aqueles
profissionais estivessem com a premissa maior em evitar o uso da força física e
tentar um diálogo, seguramente não perderia uma vítima. Além disso, o criminoso
quando nas mãos do Estado foi exterminado, algo reprovável no Estado
Democrático de Direito, pois inexiste no Brasil pena de morte.
De modo algum que deveríamos defender aqueles que violam as
normas penais, no entanto, deve-se preservar a vida humana, ao passo que, anos
e anos a humanidade ousou por alterar o cenário de proteção à vida e custou
para lutar em prol destes interesses.
Se observarmos, da teoria à prática, o Estado agiu contra o
infrator à norma penal como inimigo estatal, de modo a afastar as garantias do
individuo, conforme preconização de Gunter Jakobs[5].
Há também resquícios de lei
e ordem, mas com o viés muito mais severo ao “cortar o mal com a raíz”.
Assim, numa visão mais critica dos fatos ocorridos, podemos
afirmar, portanto, se um fato como esse houve a morte de refém e sequestrador
pois, foi noticiado amplamente por meios televisivos à época, por que fatos com
mortes por parte do Estado acontecem constantemente e não tem uma vigilância social?
Podemos citar o caso Amarildo, em
2013 desapareceu depois de sido detido por policiais militares e conduzido da
porta de sua casa, na Favela da Rocinha, em direção à sede da Unidade de
Polícia Pacificadora do bairro[6].
Desta forma, casos de Sandro e de Amarildo são distintos de
início, pois um era infrator à normal penal a sequestrar um ônibus; o outro, um
simples ajudante de pedreiro, sem passagens, desaparecido numa blitz da
policia. Ambos os casos, o Estado representado por sua polícia agiu
erroneamente, ao ceifar vidas indevidamente, no qual deverá ser repulsiva tal
postura, ao matar pessoas ao invés de julgá-lo, segundo a lei vigente no País.
Considerações finais
Por derradeiro, estancar a violência com violência por
parte do Estado só irá criar ainda mais elementos para novos crimes, sendo que,
o correto seria investir bem com a educação, principalmente nos lugares mais difíceis,
como comunidades em todo o Brasil.
Estabelecer uma cultura mais equilibrada,
cabendo à autoridade policial estar mais preparada não somente não somente em
equipamentos, como também treinamentos, voltando-se a cumprir seu papel mais humanista
que não pode ser esquecido, colocando em par de igualdades com seus cidadãos,
ao invés de superioridade que, aliás, afronta o Estado Democrático de Direito.
Conforme dados do IBGE, em
2014, 76% dos mais pobres no Brasil são negros, número que aumentou muito se
comparado com 2004, em que o número estava em torno de 73%. Miriam Leitão se
referiu uma vez ao Brasil como “a pátria distraída” por não ser capaz de
perceber o próprio racismo, mas que se comove com histórias que envolvem outras
nações, principalmente a americana. Ela diz que “a ausência dos negros nos
eventos onde está a elite, de qualquer área, não incomoda os brasileiros. E
porque tantos não veem essa ausência, podem continuar dizendo com conforto que
o racismo brasileiro não existe. São os que dizem que nós apenas discriminamos
os pobres. E falam isso sem pejo, sem sequer se dar conta do preconceito que a
frase embute”. Link para matéria: https://www.nexojornal.com.br/ensaio/2017/A-pobreza-brasileira-tem-cor-e-%C3%A9-preta
[3]
Leitura do livro, Paulo Sumariva, Criminologia, Teoria e Prática, ed. Impetus,
Niteroí, 2019.
[4] Bases
de leitura: Oliveira, Edmundo. Vitimologia e Direito Penal: o crime precipitado
pela vítima, p. 103-104.
[5]
Leitura: Direito Penal do Inimigo.