22/04/2019

O CASO DO ÔNIBUS 174 E A CRIMINOLOGIA: UM BREVE ESTUDO




          Em verdade, a criminologia é uma ciência, no qual estuda a criminalidade, baseando-se numa ciência empírica, conforme aos ditames da realidade, sendo colaborada com outras disciplinas, como a sociologia, psicologia, medicina legal e as ciências jurídicas.

          Sendo uma ciência de natureza finalística, a criminologia delimita-se como objeto de análise: o crime, a vítima, o criminoso, bem como oferecer mecanismos que possam atuar como controle social.

Importante salientar que Criminologia, Direito Penal e Segurança Pública são institutos distintos.

          A criminologia resume-se como um processo analítico do crime, sendo que o Direito Penal traça uma abordagem estritamente legal, sendo considerado crime toda conduta prevista na legislação penal em vigor, ao passo que, esta violação enseja numa sanção de natureza criminal.

          No que diz respeito a Segurança Pública, esta se analisa o crime como perturbação a ordem pública, assim como a paz social, devendo ao Estado cumprir elementos coercitivos em face do crime.

          Para a sociologia, o crime é considerado como uma conduta desviada, afastando os padrões e os modelos da sociedade.

A base conceitual de crime para a criminologia, pode-se dizer como um problema socialmente relevante, cabendo à ciência estudar os crimes, criminosos e a vítima. Trata-se de uma ciência empírica e interdisciplinar. Busca a ressocialização do criminoso. Trabalha, em verdade, com a ideia do ser, preocupando-se com as consequências.

          Interessante denotar que, as bases funcionais desta ciência visa informar aos poderes públicos, assim como a sociedade, a função de prevenção e intervenção, devendo atingir positivamente, de modo a estudar o crime, o infrator da norma penal, a vítima do crime e o consequente do controle social. De certo, a criminologia busca a solucionar os problemas relacionados ao crime em concreto.

No tocante ao controle e a prevenção são as principais funções desta ciência, mas, além disso, tem por objetivo explicar a fenomenologia criminal.

          Feitas tais considerações iniciais acerca desta ciência, podemos adentrar quanto à temática, com o escopo de traçar uma análise objetiva da criminologia, de modo a ligar-se não somente quanto aos fatos ocorridos no dia 12 de junho de 2000,  famoso ônibus 174, como também traçar elementos que possam ser considerados para fins de estudo.

          Sobre um triste acontecimento

          Se fossemos contar como uma história, Sandro Barbosa do Nascimento adentra o ônibus 174 armado e transtornado, dando início ao sequestro. Interessante denotar que, casos como esses são isolados no Brasil e por este motivo que se chamou tanta a atenção do público que parou para ver na televisão ao vivo, nacional e até mesmo internacional.

          Depois de quatro horas, o sequestrador do ônibus desce com a refém Geisa Firmo Gonçalves com a finalidade de servir de escudo humano.  Neste momento, um policial do Bope dispara com um tiro, entretanto, acerta a refém que, vem a falecer.

          Sandro é preso e posteriormente levado para o camburão, sendo que durante o trajeto para a delegacia foi asfixiado por policiais.

          Diante deste desfecho negativo e por sucessivos erros por parte da Segurança Pública representado pelo Estado naquele momento que podemos levantar todas as posições perante aos critérios criminológicos, no qual podemos anotar perfis de grande relevância.
         
          Estudo sobre o criminoso Sandro

          O Sequestrador tinha um histórico negativo, no qual foi vítima da violência e o descaso social quando menor de idade. Sobrevivente da chacina da Candelária, no centro do Rio, em 1993 – quando oito de 72 crianças de rua que dormiam à frente da igreja foram assassinadas –, Sandro tinha oito anos quando viu a mãe ser assassinada[1].

          É importante salientar que, a vida pregressa de um sujeito que acomete um ato criminoso não significa dizer que é justificável  determinada conduta, ao contrário.  Conforme se analisam os depoimentos das testemunhas oculares daquele dia, um dos repórteres afirmou no documentário de José Padilha que o “criminoso queria realmente chamar a atenção, tanto até que fingiu ter atirado em uma das vítimas”.

          Interessante adicionarmos sob os olhos quanto ao aspecto social do criminoso, conforme autoriza a própria criminologia para compreensão acerca dos fatos.

          Numa visão social, para nós, Sandro é apenas mais um dentre outras crianças negras, pobres, sem oportunidades e que cresceram numa comunidade[2]. Ficou órfão prematuramente que, culminou numa desestruturação familiar.

          De certo, estaríamos a aplicar a Escola de Chicago como base da teoria sociológica, ao passo que, nesta escola o crime é considerado um fenômeno vinculado às condições estruturais da área ambiental, desestruturação familiar e de crise de valores. O criminoso residia numa comunidade, no qual vivenciava o dia-dia da violência, assim como, houve uma ruptura de sua estruturação familiar com o falecimento de sua mãe.

                    A questão de sofrimento quanto criança culminou em reflexos negativos por parte do criminoso ao entender como “normal” determinada atitude e “comum”. Numa outra visão, o criminoso somente sequestrou o ônibus com a intenção vingativa. Tais visões não podem ser consideradas certas ou erradas, mas sim, um complemento e, sob o ponto de vista clinico, no aspecto psiquiátrico, o criminoso sofria transtorno de personalidade.

          Numa visão jurídica, a conduta de Sandro foi criminosa, violadora da norma jurídica penal (art. 148 do CP), sendo tutelado o direito de ir e vir, assim como o direito à vida.

           Noutras questões socialmente relevantes: Será mesmo que, por ser apenas um membro de uma comunidade, pessoa de origem pobre, possa essa pessoa ter elementos que indiquem para que a mesma possa delinquir no futuro? Será mesmo que o Estado pode atuar de forma tão repressiva assim? Estes questionamentos podem ser respondidos, quando analisarmos o contexto global, quando estudarmos sobre o crime.

          Aplicação a vitimologia no caso do ônibus 174?

          O estudo da vitimologia teve início em meados da segunda guerra mundial decorrente do sofrimento dos judeus pelo percussor Benjamin Mendelsonhn e posteriormente, com Habns Von Hentig, em 1948, nos Estados Unidos, com a publicação do livro “The Criminal and his Victim”[3].

          Na vitimologia, analisam-se fatores biológicos, psicológicos e social da vítima em face do criminoso e se houve a participação/contribuição involuntária da vítima para o evento delituoso. Interessante denotar o processo de vitimazação, que diz respeito a relações humanas, sendo resumidas sobre tais óticas[4]:

a)   Primária: Ocasionada pelo cometimento do crime, no qual provoca danos de diversas ordens, como psicológica, material e física. Podemos citar como exemplos, o crime de ofensa contra a honra e o crime de furto. Entendemos inaplicado ao presente caso.

b)   Secundária: Proveniente pelas ações ou omissões dados ao controle social, por meio da polícia, judiciário, legislativo. Trata-se, em verdade, na perda da credibilidade das instancias de controle formais.

A vitimização secundária pode ser aplicado ao caso do ônibus 174, tendo em vista que houve a omissão Estatal num todo, sendo a real perda da credibilidade dos controles formais e este erro Estatal, culminou não somente na criação de um “Sandro”, mas sim, em diversas crianças que crescem sem oportunidades, desestruturadas em seu aspecto familiar, sendo um desleixo maior por parte do Estado que, deveria investir mais em educação do que propriamente a segurança pública, para combater a criminalidade.

          A visão macro do crime (ônibus 174)

          Atuação dos agentes de segurança publica foi um desastre total e um imenso despreparo. E aqueles profissionais estivessem com a premissa maior em evitar o uso da força física e tentar um diálogo, seguramente não perderia uma vítima. Além disso, o criminoso quando nas mãos do Estado foi exterminado, algo reprovável no Estado Democrático de Direito, pois inexiste no Brasil pena de morte.

          De modo algum que deveríamos defender aqueles que violam as normas penais, no entanto, deve-se preservar a vida humana, ao passo que, anos e anos a humanidade ousou por alterar o cenário de proteção à vida e custou para lutar em prol destes interesses.

          Se observarmos, da teoria à prática, o Estado agiu contra o infrator à norma penal como inimigo estatal, de modo a afastar as garantias do individuo, conforme preconização de Gunter Jakobs[5].

          Há também resquícios de lei e ordem, mas com o viés muito mais severo ao “cortar o mal com a raíz”.

          Assim, numa visão mais critica dos fatos ocorridos, podemos afirmar, portanto, se um fato como esse houve a morte de refém e sequestrador pois, foi noticiado amplamente por meios televisivos à época, por que fatos com mortes por parte do Estado acontecem constantemente e não tem uma vigilância social? Podemos citar o caso Amarildo, em 2013 desapareceu depois de sido detido por policiais militares e conduzido da porta de sua casa, na Favela da Rocinha, em direção à sede da Unidade de Polícia Pacificadora do bairro[6].

          Desta forma, casos de Sandro e de Amarildo são distintos de início, pois um era infrator à normal penal a sequestrar um ônibus; o outro, um simples ajudante de pedreiro, sem passagens, desaparecido numa blitz da policia. Ambos os casos, o Estado representado por sua polícia agiu erroneamente, ao ceifar vidas indevidamente, no qual deverá ser repulsiva tal postura, ao matar pessoas ao invés de julgá-lo, segundo a lei vigente no País.

          Considerações finais

          Por derradeiro, estancar a violência com violência por parte do Estado só irá criar ainda mais elementos para novos crimes, sendo que, o correto seria investir bem com a educação, principalmente nos lugares mais difíceis, como comunidades em todo o Brasil.
 Estabelecer uma cultura mais equilibrada, cabendo à autoridade policial estar mais preparada não somente não somente em equipamentos, como também treinamentos, voltando-se a cumprir seu papel mais humanista que não pode ser esquecido, colocando em par de igualdades com seus cidadãos, ao invés de superioridade que, aliás, afronta o Estado Democrático de Direito.
         
         
         
         
         
         




[2]
Conforme dados do IBGE, em 2014, 76% dos mais pobres no Brasil são negros, número que aumentou muito se comparado com 2004, em que o número estava em torno de 73%. Miriam Leitão se referiu uma vez ao Brasil como “a pátria distraída” por não ser capaz de perceber o próprio racismo, mas que se comove com histórias que envolvem outras nações, principalmente a americana. Ela diz que “a ausência dos negros nos eventos onde está a elite, de qualquer área, não incomoda os brasileiros. E porque tantos não veem essa ausência, podem continuar dizendo com conforto que o racismo brasileiro não existe. São os que dizem que nós apenas discriminamos os pobres. E falam isso sem pejo, sem sequer se dar conta do preconceito que a frase embute”. Link para matéria: https://www.nexojornal.com.br/ensaio/2017/A-pobreza-brasileira-tem-cor-e-%C3%A9-preta

[3] Leitura do livro, Paulo Sumariva, Criminologia, Teoria e Prática, ed. Impetus, Niteroí, 2019.
[4] Bases de leitura: Oliveira, Edmundo. Vitimologia e Direito Penal: o crime precipitado pela vítima, p. 103-104.
[5] Leitura: Direito Penal do Inimigo.

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