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08/06/2025

STF Confirma: Fazenda Pública Deve Apresentar Cálculos e Documentos no Cumprimento de Sentença nos Juizados Especiais


A mais recente orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal — firmada no julgamento do Tema 1.396 da Repercussão Geral (ARE 1.528.097/SP) — marca uma virada significativa na forma como se estrutura a execução de sentenças contra a Fazenda Pública nos Juizados Especiais.

De forma clara e objetiva, o STF afirmou que é possível exigir da Fazenda Pública a apresentação de cálculos e documentos necessários à fase de cumprimento de sentença, especialmente quando a parte exequente não dispõe das informações técnicas ou documentais indispensáveis à liquidação do julgado.

Essa decisão, incorporada ao Informativo nº 1.178 do STF (maio/2025), reafirma e estende os fundamentos da ADPF 219, que já reconhecia a execução invertida no âmbito dos Juizados Especiais Federais. Agora, essa lógica se aplica também aos Juizados da Fazenda Pública estaduais e municipais, o que reforça a efetividade da jurisdição e a proteção do cidadão em situação de desvantagem técnica ou econômica.


O contexto prático da decisão: por que isso importa?

Imagine a seguinte cena, que infelizmente é recorrente na prática forense: um servidor público aposentado, após anos de trâmite processual, obtém sentença favorável determinando o pagamento de diferenças remuneratórias ou reajustes atrasados. O processo, contudo, esbarra na fase de cumprimento de sentença. O juiz exige do exequente que apresente os cálculos atualizados, documentos funcionais, índices de reajuste e planilhas detalhadas.

Ocorre que todos esses dados estão exclusivamente sob a guarda da Administração Pública. O servidor, por sua vez, não possui acesso a sistemas internos de recursos humanos, nem condições técnicas de realizar cálculos de liquidação complexos, que muitas vezes envolvem subtetos, contribuições previdenciárias, descontos legais e atualizações monetárias por índices oficiais.

Neste tipo de situação, o novo entendimento do STF não apenas corrige uma distorção histórica, como também realinha o processo às garantias constitucionais de acesso à justiça, eficiência e razoabilidade. A imposição do ônus probatório e técnico à parte que não tem os meios materiais ou jurídicos de cumprir essa obrigação viola os princípios basilares do processo justo.


A tese firmada no Tema 1.396 da Repercussão Geral repousa sobre três vetores normativos e principiológicos fundamentais, cada um deles refletindo transformações estruturais no modelo contemporâneo de processo civil — sobretudo na atuação jurisdicional contra a Administração Pública.

O primeiro pilar reside na cláusula geral da boa-fé objetiva e no princípio da cooperação processual, positivado no art. 6º do CPC/2015. Esse dispositivo rompe com o paradigma adversarial clássico e introduz no processo brasileiro uma racionalidade colaborativa, segundo a qual todas as partes têm o dever de contribuir para a correta formação e execução do provimento jurisdicional. No caso da Fazenda Pública, essa obrigação se intensifica, uma vez que se trata de parte institucional com capacidade técnica, organizacional e informacional muito superior à da maioria dos jurisdicionados.

Mais do que uma diretriz ética, a boa-fé objetiva aqui funciona como instrumento de concretização da paridade de armas e da efetividade da jurisdição, permitindo que o juiz atribua o ônus da prática de determinado ato processual à parte que detém melhores condições de realizá-lo — sob pena de violação ao devido processo legal em sua vertente substancial.

O segundo alicerce é a eficácia ampliada da ADPF 219 no microssistema dos Juizados Especiais da Fazenda Pública. Embora o julgamento originário da arguição tenha se dado no âmbito federal, a lógica subjacente à sua conclusão tem caráter normativo-principiológico. A Corte reconheceu que, em processos de menor complexidade, a exigência de apresentação de cálculos pelo credor, sem acesso às informações essenciais, configura um formalismo abusivo. Transpor esse entendimento para os juizados estaduais e municipais, como feito agora, representa a natural expansão da ratio decidendi da ADPF, especialmente porque a desigualdade técnico-informacional entre Fazenda e cidadão é uma constante estrutural, e não um acaso federativo.

Por fim, a decisão do STF se ancora em um dado constitucional incontornável: a proteção das partes vulneráveis no processo judicial. A hipossuficiência, como categoria jurídica, ultrapassa o critério meramente econômico. Envolve a análise das condições técnicas, cognitivas e informacionais do sujeito diante do aparato estatal. Em diversas hipóteses, o jurisdicionado não consegue, por si só, reconstruir a cadeia de atos administrativos que deram origem ao crédito reconhecido judicialmente, tampouco identificar a metodologia de cálculo imposta por leis específicas, regimes próprios ou regulamentos internos da Administração.

Exigir, portanto, que um servidor aposentado, um beneficiário de prestação continuada ou um pequeno contribuinte realize esse trabalho técnico, sem acesso aos elementos que o viabilizam, seria subverter o sentido material da isonomia. O STF reconhece aqui que a distribuição dinâmica do ônus processual não é apenas um mecanismo de eficiência procedimental, mas uma exigência constitucional de justiça e equidade.

Assim, o julgamento do Tema 1.396 não apenas resolve uma controvérsia processual, mas reafirma a função garantista do processo civil como instrumento de acesso à ordem jurídica justa, conforme preconizado pelo art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal. Trata-se, pois, de uma decisão que harmoniza direito positivo, teoria geral do processo e princípios constitucionais, resgatando a função ética do processo frente à desigualdade estrutural que frequentemente se impõe nas demandas contra o Estado.

Efeitos práticos e aplicação estratégica da tese

A consolidação da tese no Tema 1.396 da Repercussão Geral impõe aos profissionais da advocacia — especialmente àqueles que militam nos Juizados da Fazenda Pública — uma revisão metodológica da forma como se estrutura o início do cumprimento de sentença contra a Administração Pública.

A nova orientação do Supremo Tribunal Federal viabiliza uma atuação mais proativa e tecnicamente embasada, ao reconhecer a legitimidade de se transferir à Fazenda Pública o encargo de elaborar os demonstrativos de débito e os cálculos de liquidação quando o exequente não possuir, por motivos objetivos, os meios para realizá-los.

Assim, torna-se juridicamente viável e estrategicamente recomendável que o advogado, logo no requerimento de cumprimento de sentença:

a) Requeira a intimação da Administração Pública para apresentação de cálculos detalhados, acompanhados dos documentos administrativos que embasam o valor devido (como histórico funcional, folhas financeiras, evolução de proventos, etc.). Esse requerimento deverá estar fundamentado na tese vinculante do Tema 1.396 e no art. 6º do CPC, invocando o dever de cooperação processual.

b) Fundamente a hipossuficiência técnica do exequente, não apenas sob o prisma econômico, mas também sob o aspecto informacional e estrutural, evidenciando que os dados indispensáveis à liquidação estão sob exclusividade da Fazenda. Esse argumento ganha ainda mais força quando o autor da demanda for idoso, pensionista, servidor inativo ou beneficiário de políticas sociais.

c) Requeira que a ausência de resposta da Fazenda enseje os efeitos previstos no art. 400 do CPC, notadamente a presunção de veracidade das alegações da parte adversa quanto ao fato que somente a Fazenda poderia comprovar. Esse ponto é particularmente relevante para evitar a eternização da fase executória por inércia deliberada do ente público.

Além disso, a aplicação concreta da tese evita um equívoco frequente na prática: a extinção do processo executivo por suposta “inércia do credor”. Em muitas decisões anteriores, juízes extinguiam o cumprimento de sentença com base no art. 485, III, do CPC, sob o argumento de que o exequente não teria promovido os atos necessários à execução. Ocorre que, na maioria desses casos, a impossibilidade material de apresentar os cálculos decorre da exclusividade informacional da própria Fazenda Pública, que detém os dados técnicos, funcionais e financeiros.

Dessa forma, o Tema 1.396 passa a funcionar como um verdadeiro anteparo jurídico contra decisões prematuras de extinção do cumprimento de sentença por ausência de liquidação, conferindo segurança argumentativa ao advogado para resistir a esse tipo de indeferimento e garantir a efetividade da tutela jurisdicional já reconhecida.

Por fim, a correta aplicação dessa tese em juízo contribui para a racionalização da execução contra o poder público, redirecionando o foco do processo não mais para formalismos estéreis, mas para a concretização prática do direito reconhecido em sentença. Com isso, o advogado transforma um fundamento jurisprudencial em instrumento técnico de efetividade processual e proteção do jurisdicionado, especialmente nos casos em que há evidente vulnerabilidade da parte exequente.


Conclusão: o processo deve servir à justiça — não ao formalismo

A decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no Tema 1.396 da Repercussão Geral é mais do que uma resposta a uma controvérsia processual recorrente: trata-se de uma afirmação institucional do papel do processo civil como instrumento de realização da justiça substancial.

Ao reconhecer a possibilidade de se impor à Fazenda Pública o dever de apresentar cálculos e documentos indispensáveis à liquidação da sentença, o STF reafirma que a estrutura procedimental não pode ser dissociada da realidade das partes, tampouco pode ser utilizada como mecanismo de obstrução da efetividade jurisdicional.

A função do processo não se esgota na conformidade formal aos ritos, mas exige compromisso com a efetivação do direito material reconhecido. Insistir em atribuir ao jurisdicionado — muitas vezes idoso, hipossuficiente ou desprovido de meios técnicos — o encargo de produzir elementos que somente a Administração possui é perpetuar um desequilíbrio estrutural que contraria os princípios constitucionais da isonomia, do devido processo legal e do acesso à justiça (art. 5º, incisos XXXV e LIV, da CF/88).

Mais do que isso, a tese firmada resgata a essência do modelo cooperativo de processo, no qual se espera que as partes — inclusive o Estado — atuem com lealdade, transparência e colaboração, especialmente quando envolvidas em relações assimétricas.

Não há lugar, no Estado Democrático de Direito, para um processo indiferente à desigualdade entre as partes. Quando o Judiciário permite que o rito se sobreponha à substância, ele fragiliza o próprio conceito de justiça. Ao contrário, decisões como a do Tema 1.396 reconstroem o processo como ferramenta de inclusão, pacificação e tutela efetiva — sobretudo nos Juizados Especiais, cuja razão de existir está intrinsecamente ligada à simplificação, à informalidade e à ampliação do acesso à ordem jurídica justa.

Portanto, cabe à advocacia, à magistratura e à própria Administração Pública reconhecer e aplicar esse novo paradigma com responsabilidade e rigor técnico, não como uma exceção jurisprudencial, mas como expressão de um compromisso constitucional com a dignidade processual do cidadão. Afinal, o processo serve à justiça — e não ao formalismo estéril.


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