A proposta principal do presente artigo
é promover contornos reflexivos acerca do tema e o aperfeiçoamento do debate, inclusive
que possa alcançar o comportamento reservado ao aplicador da lei ao caso
concreto diante de foros de interesses (público x privado), bem como levantar
vozes, ainda que caladas também dos que defendem legalidade como elemento
indispensável para promoção de uma sociedade justa e sem vícios.
No estágio atual em que vivenciamos
economicamente tem-se aumentado cada vez mais o número de contribuintes
inadimplentes, sejam pessoas físicas ou jurídicas. Por certo, não se pode
defender aquele contribuinte inadimplente por três motivos ou situações
determinantes:
a)
Contribuintes que agem de má-fé que não quitam com suas obrigações pecuniárias
propositadamente, cabendo a Administração Pública repudiar e punir
adequadamente;
b)
Contribuintes de boa-fé, porém sem o devido planejamento necessário para
adimplir com as obrigações tributárias. Sendo fato jurídico relevante para o
direito, logo, a obrigação jurídica em pagar determinado tributo será
necessário, salvo casos previstos em lei. É preciso destacar também que, pagar
imposto significa promover direitos
fundamentais, via de regra, a existência de impostos destinados para
determinada atividade para o custeio específico (saúde, segurança, educação,
etc), ao passo que, os impostos não destinados ou extra fiscal em sua essência,
não significa que o contribuinte possa optar em não efetuar o pagamento por se
tratar de direitos indisponíveis diante da presença da supremacia do interesse
público. Nas relações privadas, o planejamento em sentido amplo consubstancia
na compreensão de todo o levantamento estratégico para determinada atividade
empresária e comercial como numa pessoa jurídica, assim como, para a pessoa
física pode-se afirmar positivamente necessária uma estratégia, sendo citado
como exemplo, ao adquirir determinado bem para pagamento à prazo provenientes
de parcelas, deve-se somar também os impostos, sendo fracionado e embutido ao
valor da parcela. Sempre existe uma estratégia adequada para cada caso.
c)
Contribuinte de boa-fé e “planejado”, entretanto, por circunstancias alheias a
sua vontade, não realiza suas obrigações tributárias: mesmo com todo o zelo e
cautela, o contribuinte ciente do dever em pagar tributos, mas por situações
especificas não consegue adimplir com suas obrigações tributárias. A
circunstância alheia ao seu ato volitivo contextualiza como a exata dimensão
vivenciada com a crise financeira e o seu consequente agravamento, sendo
forçoso apontar a omissão do Estatal na intromissão econômica. Por questões de
política fiscal temos os parcelamentos, no qual o contribuinte deverá aderi-lo
conforme as leis estabelecidas.
No que diz respeito dos atos da
Administração Tributária diante do ato comportamental do contribuinte em não
recolher determinado tributo, é a cobrança, devendo seguir em consonância a
legalidade e todos os princípios jurídicos. Os atos administrativos são
compostos de contornos de integridade jurídica estampada, ou seja, a
Administração Tributária deverá valer-se das normas jurídicas válidas e vigentes,
não comportando qualquer ato em sentido contrário. O posicionamento principal é
afirmar que, qualquer ato/norma que afronte tais normas poderá ser declarado
ilegal ou mesmo inconstitucional por órgãos jurisdicionais via controle de
legalidade/constitucionalidade normativos.
Adentrando ainda mais ao tema, o ato de inserir no cadastro de
inadimplentes (SPC, SERASA, entre outros) por parte da Administração Tributária
deverá constar em dispositivo normativo, seguindo em consonância ao princípio
da legalidade em sentido estrito. No entanto, se contiver norma que estabeleça
esta inserção será considerado ilegal e até mesmo contrário à Constituição
Federativa do Brasil.
É
preciso salientar que, empresas que prestam serviços de cadastramento de
negativa ao crédito não são empresas
públicas e nem dotam de caráter público, apesar, os efeitos de seus atos
são públicos, atingindo todo e qualquer interessado Logo, inserir no cadastro
de devedores significa restrição de créditos na praça, ao passo que, será
afetada a eventual relação de consumo e comercial das atividades do
contribuinte. De fato, se a Administração Pública requerer a inserção do
contribuinte no cadastro de devedores por meio de órgão privado restará
caracterizado como outorga da própria administração por entidade estranha da
relação jurídica estabelecida no tocante à cobrança, portanto, delegou as
competências arrecadatórias de forma precária.
Ademais,
violará princípios jurídicos, como a legalidade (novamente), moralidade,
publicidade, impessoalidade, eficiência, nos termos do artigo 37 da CF/88.
Também, outros princípios específicos estarão sendo violados, como à afronta
aos valores democráticos devido à
coerção por ato administrativo sem ao menos que haja o contraditório e a ampla defesa.
É
importante destacar que, existe um instrumento processual denominado “Execução
Fiscal”, sendo este um meio de cobrança de um débito tributário perante o
contribuinte, desde que contenha a certidão de dívida ativa devidamente
constituída, de modo, a traçar contornos característicos como liquidez, certeza e exigibilidade,
nos termos do artigo 204 do Código Tributário Nacional.
Além
disso, no ordenamento jurídico pátrio é vedado qualquer ato de medidas que
restrinjam a atividade do contribuinte se quando tais medidas impeçam ou mesmo
dificultem o desempenho de determinada atividade empenhada, ocasionando um
“efeito dominó”, pois, via de consequência, não irá honrar com suas obrigações
pessoais/ comerciais. Citando um breve exemplo, uma empresa de médio porte terá
suas “portas fechadas” não obtendo de crédito na praça impedindo de adquirir
determinado produto ou serviço. Outro exemplo, para pessoas físicas, muitas
empresas ao contratar exige que seus empregados tenham “nome limpo” para
abertura de conta bancária, apesar, que alguns entenderem também com prática
abusiva, de fato, a necessidade do ser humano é adaptar ao contexto real.
No
tocante a medidas coercitivas, podemos aplicar interpretativamente as decisões
pacificas ou majoritária do Supremo Tribunal Federal editado por meio de
súmulas. Vejamos algumas cabíveis ao tema em questão:
Súmula 70: “É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo
para cobrança de tributo”
Súmula 323: “É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para
pagamento de tributos”
Súmula 547: “Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito
adquirir estampilha, despache mercadorias nas alfandegas e exerça suas
atividades profissionais”
Além
disso, haverá também a afronta dos princípios constitucionalmente amparados, pelos
atos provindos da Administração Pública expostos no artigo 37 da CF. Não
somente é ilegal, bem como imoral, pessoal e ineficiente. É imoral a conduta
por perpassar ao processo dogmático da moralidade como repulsa por atos desprezíveis
e com elementos de chantagem. Segue em contrariedade da impessoalidade, tendo
em vista que acaba por atingir os direitos personalíssimos e o zelo pelo nome e
a imagem perante terceiros travando determinado exercício ou atividade, seja
pessoa física ou pessoa jurídica. Também é ineficiente a inserção do cadastro
de inadimplentes no SPC e Serasa, pois não é uma garantia de que o contribuinte
irá quitar com suas obrigações tributárias por conta de determinado
apontamento. Outro princípio de grande valia é o da proporcionalidade. A
inaplicabilidade deste princípio pela Administração Pública tributária
consubstancia num desequilibro dos atos empregados e o suas finalidades, ou
seja, compelir forçadamente o contribuinte a efetuar o pagamento de determinado
tributo, independentemente da espécie gera-se a margem da desproporcionalidade.
O
princípio da liberdade econômica também deve ser respeitado e o seu gérmen
encontra-se amparado constitucionalmente nos arts. 5, XIII e 170 da CF/88. O parágrafo
único do último artigo estabelece:
“é assegurado a todos o
livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de
autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei”
Neste
sentido, seguir em contrariedade a este princípio culminará por promover ato de
sanção política. Para compreender o significado de sanção politica,
interessante posicionamento do Supremo Tribunal Federal no RE: 529154 RS. In verbis:
SANÇÕES POLÍTICAS NO
DIREITO TRIBUTÁRIO. INADMISSIBILIDADE DA UTILIZAÇÃO, PELO PODER PÚBLICO, DE
MEIOS GRAVOSOS E INDIRETOS DE COERÇÃO ESTATAL DESTINADOS A COMPELIR O
CONTRIBUINTE INADIMPLENTE A PAGAR O TRIBUTO (SÚMULAS 70, 323 E 547 DO STF).
RESTRIÇÕES ESTATAIS, QUE, FUNDADAS EM EXIGÊNCIAS QUE TRANSGRIDEM OS POSTULADOS
DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE EM SENTIDO ESTRITO, CULMINAM POR
INVIABILIZAR, SEM JUSTO FUNDAMENTO, O EXERCÍCIO, PELO SUJEITO PASSIVO DA
OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA, DE ATIVIDADE ECONÔMICA OU PROFISSIONAL LÍCITA. LIMITAÇÕES ARBITRÁRIAS QUE NÃO PODEM SER
IMPOSTAS PELO ESTADO AO CONTRIBUINTE EM DÉBITO, SOB PENA DE OFENSA AO
"SUBSTANTIVE DUE PROCESS OF LAW". IMPOSSIBILIDADE CONSTITUCIONAL DE O
ESTADO LEGISLAR DE MODO ABUSIVO OU IMODERADO (RTJ 160/140-141 - RTJ
173/807-808 - RTJ 178/22-24). O PODER DE TRIBUTAR - QUE ENCONTRA LIMITAÇÕES
ESSENCIAIS NO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL, INSTITUÍDAS EM FAVOR DO
CONTRIBUINTE - "NÃO PODE CHEGAR À DESMEDIDA DO PODER DE DESTRUIR" (MIN.
OROSIMBO NONATO, RDA 34/132). A PRERROGATIVA ESTATAL DE TRIBUTAR TRADUZ PODER
CUJO EXERCÍCIO NÃO PODE COMPROMETER A LIBERDADE DE TRABALHO, DE COMÉRCIO E DE
INDÚSTRIA DO CONTRIBUINTE. A SIGNIFICAÇÃO TUTELAR, EM NOSSO SISTEMA JURÍDICO,
DO "ESTATUTO CONSTITUCIONAL DO CONTRIBUINTE". DOUTRINA. PRECEDENTES.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO
(STF - Relator: Min.
CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 29/06/2007, Data de Publicação: DJ
16/08/2007 PP-00127)
Portanto,
se afirmarmos que a inserção dos cadastros de inadimplentes pelo ente público é
ilegal/inconstitucional, no entanto, surge uma indagação, afinal, qual será providência
do contribuinte? Na busca de uma garantia de efetivação dos direitos
fundamentais, deverá o contribuinte ceder-se ao amparo legal para contenção do
ato promovido pelo ente público tributante, socorrendo do Poder Judiciário,
órgão indispensável em um estado democrático de direito promovendo a
sedimentação de pesos e contrapesos. Por certo que, uma medida judicial deverá
traçar contornos jurídicos, mas usualmente o instrumento processual adequado
poderá ser um mandado de segurança com medida cautelar, ação declaratória, ação
anulatória, sendo analisado caso a caso.
Conclusões finais
Pelo exposto acima, pode-se afirmar que
inserir/negativar contribuintes por meio de órgãos de proteção ao crédito
(SERASA, SPC, etc) é meio coercitivo para cobrança, tendo em vista que o
próprio credor tem detém de meios jurídicos devidamente previstos em lei, em
especial, a Ação de Execução Fiscal para que seja quitada a dívida
remanescente.
O
simples fato de o contribuinte ser considerado inadimplente ou mesmo continuar
a pagar sua dívida via parcelamento tributário, sequer poderiam estar
relacionados no rol de inadimplentes por um órgão particular de proteção ao
crédito na praça, sendo possível a promoção de uma medida judicial adequada
para a sua retirada, conforme o caso concreto. Há que mencionar, de modo algum
deverá instigar aqueles que não pagam seus débitos tributários continuando a
não quitá-los, entretanto, as normas e os princípios devem ser a cédula de
destaque como elemento promocional de um emprego efetivo de uma Justiça,
sobretudo, socialmente equilibrada.