Assista ao vídeo sobre o tema acima.
Na
prática, os concursos públicos exigem que se investigue a vida pregressa do
candidato, visto que em determinados cargos a exigência de um futuro servidor
público ter um passado exemplar perante a sociedade.
Dentre uma das
etapas do concurso público, a investigação social, tem por objetivo saber sobre
a conduta social e profissional do
candidato, devendo apresentar as informações de sua vida, não podendo omitir qualquer
informação que seja solicitada.
Além disso,
para complementar o ciclo investigativo de sua vida pregressa, as certidões de
antecedentes criminais também são solicitadas visando avaliar a idoneidade
moral, inclusive os concursos públicos exigem nos editais que o candidato não
pode ter sido condenado por sentença judicial transitado em julgado, ou seja,
sem que a possibilidade de recorrer, por se tratar de decisão final,
independentemente do crime cometido.
É possível
afirmar, portanto, que na fase de investigação social, como ocorre nos cargos
para a área policial, a realização de análise pela autoridade administrativa
não se resume apenas na constatação de condenações penais transitadas em
julgado, podendo englobar também, a aferição de outros elementos relacionados à
conduta moral e social do candidato (exame psicológico é um deles), com o
objetivo de verificar sua adequação ao cargo pretendido.
Por outro
lado, o STF já sedimentou seu entendimento que, Candidato não pode ser excluído
de concurso público sem trânsito em julgado de condenação viola o princípio
constitucional da presunção de inocência (art. 5º, inciso LVII, da CF/88)[1]. Portanto, sem uma decisão
condenatória definitiva o candidato não pode ser eliminado do certame.
Além disso, há
situações que durante a investigação social pode gerar efeitos negativos ao
candidato, tendo por resultado a sua injusta eliminação no concurso público
desejado.
No entanto,
isto não significar dizer que a eliminação não seja revista ou alterada por
meio de controle judicial, visto se tratar de ato discricionário da autoridade
administrativa, bem como as consequências da decisão de eliminação do candidato
em um concurso público, devendo obediência de atributos do ato administrativo,
como competência, forma, finalidade, inclusive, devendo respeitar aos
princípios da razoabilidade e proporcionalidade.
Apresentados
tais pontos, podemos adentrar ao tema com o objetivo de responder a indagação,
afinal, o candidato pode mesmo ser
eliminado por ter boletins de ocorrência?
Conforme já
frisado, por se tratar de ato administrativo eliminar candidato de concurso
público pode ser revisto por meio do judiciário, desde que provada à ofensa dos
princípios constitucionais e infraconstitucionais.
Resta evidente
que, seria injusto o candidato ser eliminado por ter boletins de ocorrência,
sendo muito comum qualquer cidadão registrá-lo ou ter sido mencionada por
qualquer motivo, como por exemplo, um acidente de veículo, a pessoa ter sido
autora de calunia, ou mesmo, ter registrado o boletim de ocorrência em desfavor
de seu ex-companheiro que perseguia, solicitando a medida protetiva, prevista
em lei[2]. Percebe-se que são
diversas situações que será possível a
existência do boletim de ocorrências, seja em favor ou contra o candidato.
Quanto a
existência do boletim de ocorrência, a favor ou contra o candidato, por vezes,
não se tratando de questões de extrema gravidade não poderia (em tese) culminar
uma eliminação do candidato, até mesmo, existem situações que não geram efeitos
negativos, como um prosseguimento de uma ação penal em desfavor do candidato e
ainda que houvesse, também não seria motivo para a sua eliminação, pois se
exige o transito em julgado de sentença condenatória, conforme já mencionado.
Portanto,
sobre tais posicionamentos sedimentados dos Tribunais Superiores, podemos
concluir que, o candidato não pode ser eliminado por ter boletins de
ocorrência, por ofensa ao princípio da razoabilidade, proporcionalidade, em
especial, ao princípio da presunção de inocência. Vejamos alguns julgados
recentes:
"AGRAVO DE INSTRUMENTO.
CONCURSO PARA SOLDADO DA POLÍCIA MILITAR E SOLDADO BOMBEIRO DA POLÍCIA MILITAR.
RECORRENTE EXCLUÍDO DO CERTAME NO EXAME DE PESQUISA SOCIAL E DOCUMENTAL.
OMISSÃO DE INFORMAÇÕES. Todavia,
boletins de ocorrência de fatos de somenos importância, os quais, mesmo que
fossem declarados pelo candidato, não teriam força a ensejar sua eliminação do
concurso público. Princípio da razoabilidade. Situação peculiar. Decisão
denegatória da liminar reformada. Recurso provido."
(TJPR - 5ª C.Cível - AI
- 1497201-1 - Curitiba
- Rel.: Luiz Mateus de Lima - Rel.Desig. p/ o Acórdão: Rogério Ribas - Por
maioria - - J. 14.06.2016).
Em julgado mais recente:
EMENTA:
APELAÇÃO CÍVEL. JUÍZO DE RETRATAÇÃO. ARTIGO 1.030, II, DO CÓDIGO DE PROCESSO
CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. CARGO DE INVESTIGADOR DE
POLÍCIA. INVESTIGAÇÃO SOCIAL. ATO ADMINISTRATIVO DE CONTRAINDICAÇÃO DE
CANDIDATO. OBSERVÂNCIA DAS REGRAS PREVISTAS NO EDITAL. LEGALIDADE DO ATO
ADMINISTRATIVO. RECURSO NÃO PROVIDO. - O
ato que considerou o candidato contraindicado na fase de investigação social
não pode ser considerado ilegal, de modo a caracterizar violação ao direito
líquido e certo, pelo fato de ter se baseado em condutas colhidas por meio de
Boletins de Ocorrência lavrados em seu desfavor (do candidato), ainda que não
tenha havido condenação penal - O procedimento
de Investigação Social não se confunde com simples análise de antecedentes
criminais, circunstância objetiva que, se assim fosse, dispensaria, inclusive,
instituição de comissão própria. Trata-se de verdadeira análise
"interna corporis" que visa apurar a aptidão do candidato para o
exercício das funções inerentes ao cargo que pretende ocupar, levando-se em consideração, notadamente,
sua vida pregressa, como forma de evitar que sejam admitidos aqueles que não
detenham a necessária inclinação à atividade tão importante e complexa para a
manutenção da segurança e da ordem pública.
(TJ-MG - AC:
10000150660413007 MG, Relator: Moacyr Lobato, Data de Julgamento: 01/07/2021,
Câmaras Cíveis / 5ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 02/07/2021)
APELAÇÃO CÍVEL
– AÇÃO ANULATÓRIA DE ATO ADMINISTRATIVO – CONCURSO PÚBLICO PARA INGRESSO NA
POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO – CANDIDATO
REPROVADO NA FASE DE INVESTIGAÇÃO SOCIAL – ELIMINAÇÃO SEM CAUSA RAZOÁVEL – As condutas que motivaram a exclusão do
certame não permitem chegar à conclusão de que se trata de pessoa que ostenta
perfil incompatível com o cargo em disputa – Precedentes desta Corte –
Sentença reformada – Recurso parcialmente provido.
(TJ-SP - AC:
10186643920198260053 SP 1018664-39.2019.8.26.0053, Relator: Marrey Uint, Data
de Julgamento: 29/06/2021, 3ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação:
01/07/2021)
Além disso, se
num caso concreto o candidato for eliminado por este fato na fase de
investigação social, poderá socorrer do Poder Judiciário e ingressar com uma
medida judicial adequada, com o objetivo de aplicar os efeitos de nulidade do
ato administrativo eivado de vício, sendo muito comum ação de mandado de
segurança ou uma ação de obrigação de fazer, exigindo que retome ao concurso
público.
Por
derradeiro, quanto ingressa com ação judicial para esta finalidade, o problema
se esbarra ao fator tempo, pois, mesmo que apresentados todos os argumentos ora
expostos, bem como a posição consolidada dos Tribunais Superiores, vivenciamos tais
situações, que compartilharemos em tópicos:
1. Muitos bons
candidatos eliminados injustamente pela via administrativa, comumente, nos
concursos para carreira policial;
2. A morosidade das ações judiciais, ao passo
que o Poder Público, a outra parte da demanda, recorre de todas as decisões
utilizando o reexame necessário, levando a entender quanto a resistência das
decisões dos consolidadas dos Tribunais, conforme frisado;
3. Ainda que
trazidos os dois pontos, tidos como fatores negativos, não pode servir como
desestímulos ao candidato, que almeja um cargo público de sua vida, devendo
contratar um profissional para o ingresso da ação judicial.