20/07/2021

O CANDIDATO PODE SER ELIMINADO POR TER BOLETINS DE OCORRÊNCIA?


                     Assista ao vídeo sobre o tema acima.


         Na prática, os concursos públicos exigem que se investigue a vida pregressa do candidato, visto que em determinados cargos a exigência de um futuro servidor público ter um passado exemplar perante a sociedade.

Dentre uma das etapas do concurso público, a investigação social, tem por objetivo saber sobre a conduta social e profissional  do candidato, devendo apresentar as informações de sua vida, não podendo omitir qualquer informação que seja solicitada.

Além disso, para complementar o ciclo investigativo de sua vida pregressa, as certidões de antecedentes criminais também são solicitadas visando avaliar a idoneidade moral, inclusive os concursos públicos exigem nos editais que o candidato não pode ter sido condenado por sentença judicial transitado em julgado, ou seja, sem que a possibilidade de recorrer, por se tratar de decisão final, independentemente do crime cometido.

É possível afirmar, portanto, que na fase de investigação social, como ocorre nos cargos para a área policial, a realização de análise pela autoridade administrativa não se resume apenas na constatação de condenações penais transitadas em julgado, podendo englobar também, a aferição de outros elementos relacionados à conduta moral e social do candidato (exame psicológico é um deles), com o objetivo de verificar sua adequação ao cargo pretendido.

Por outro lado, o STF já sedimentou seu entendimento que, Candidato não pode ser excluído de concurso público sem trânsito em julgado de condenação viola o princípio constitucional da presunção de inocência (art. 5º, inciso LVII, da CF/88)[1]. Portanto, sem uma decisão condenatória definitiva o candidato não pode ser eliminado do certame.

Além disso, há situações que durante a investigação social pode gerar efeitos negativos ao candidato, tendo por resultado a sua injusta eliminação no concurso público desejado.

No entanto, isto não significar dizer que a eliminação não seja revista ou alterada por meio de controle judicial, visto se tratar de ato discricionário da autoridade administrativa, bem como as consequências da decisão de eliminação do candidato em um concurso público, devendo obediência de atributos do ato administrativo, como competência, forma, finalidade, inclusive, devendo respeitar aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

Apresentados tais pontos, podemos adentrar ao tema com o objetivo de responder a indagação, afinal, o candidato pode mesmo ser eliminado por ter boletins de ocorrência?

Conforme já frisado, por se tratar de ato administrativo eliminar candidato de concurso público pode ser revisto por meio do judiciário, desde que provada à ofensa dos princípios constitucionais e infraconstitucionais.

Resta evidente que, seria injusto o candidato ser eliminado por ter boletins de ocorrência, sendo muito comum qualquer cidadão registrá-lo ou ter sido mencionada por qualquer motivo, como por exemplo, um acidente de veículo, a pessoa ter sido autora de calunia, ou mesmo, ter registrado o boletim de ocorrência em desfavor de seu ex-companheiro que perseguia, solicitando a medida protetiva, prevista em lei[2]. Percebe-se que são diversas situações que será  possível a existência do boletim de ocorrências, seja em favor ou contra o candidato.

Quanto a existência do boletim de ocorrência, a favor ou contra o candidato, por vezes, não se tratando de questões de extrema gravidade não poderia (em tese) culminar uma eliminação do candidato, até mesmo, existem situações que não geram efeitos negativos, como um prosseguimento de uma ação penal em desfavor do candidato e ainda que houvesse, também não seria motivo para a sua eliminação, pois se exige o transito em julgado de sentença condenatória, conforme já mencionado.

Portanto, sobre tais posicionamentos sedimentados dos Tribunais Superiores, podemos concluir que, o candidato não pode ser eliminado por ter boletins de ocorrência, por ofensa ao princípio da razoabilidade, proporcionalidade, em especial, ao princípio da presunção de inocência. Vejamos alguns julgados recentes:

"AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONCURSO PARA SOLDADO DA POLÍCIA MILITAR E SOLDADO BOMBEIRO DA POLÍCIA MILITAR. RECORRENTE EXCLUÍDO DO CERTAME NO EXAME DE PESQUISA SOCIAL E DOCUMENTAL. OMISSÃO DE INFORMAÇÕES. Todavia, boletins de ocorrência de fatos de somenos importância, os quais, mesmo que fossem declarados pelo candidato, não teriam força a ensejar sua eliminação do concurso público. Princípio da razoabilidade. Situação peculiar. Decisão denegatória da liminar reformada. Recurso provido."

(TJPR - 5ª C.Cível - AI - 1497201-1 - Curitiba - Rel.: Luiz Mateus de Lima - Rel.Desig. p/ o Acórdão: Rogério Ribas - Por maioria - - J. 14.06.2016).

Em julgado mais recente:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. JUÍZO DE RETRATAÇÃO. ARTIGO 1.030, II, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. CARGO DE INVESTIGADOR DE POLÍCIA. INVESTIGAÇÃO SOCIAL. ATO ADMINISTRATIVO DE CONTRAINDICAÇÃO DE CANDIDATO. OBSERVÂNCIA DAS REGRAS PREVISTAS NO EDITAL. LEGALIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO. RECURSO NÃO PROVIDO. - O ato que considerou o candidato contraindicado na fase de investigação social não pode ser considerado ilegal, de modo a caracterizar violação ao direito líquido e certo, pelo fato de ter se baseado em condutas colhidas por meio de Boletins de Ocorrência lavrados em seu desfavor (do candidato), ainda que não tenha havido condenação penal - O procedimento de Investigação Social não se confunde com simples análise de antecedentes criminais, circunstância objetiva que, se assim fosse, dispensaria, inclusive, instituição de comissão própria. Trata-se de verdadeira análise "interna corporis" que visa apurar a aptidão do candidato para o exercício das funções inerentes ao cargo que pretende ocupar, levando-se em consideração, notadamente, sua vida pregressa, como forma de evitar que sejam admitidos aqueles que não detenham a necessária inclinação à atividade tão importante e complexa para a manutenção da segurança e da ordem pública.

(TJ-MG - AC: 10000150660413007 MG, Relator: Moacyr Lobato, Data de Julgamento: 01/07/2021, Câmaras Cíveis / 5ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 02/07/2021)

 

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO ANULATÓRIA DE ATO ADMINISTRATIVO – CONCURSO PÚBLICO PARA INGRESSO NA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO – CANDIDATO REPROVADO NA FASE DE INVESTIGAÇÃO SOCIAL – ELIMINAÇÃO SEM CAUSA RAZOÁVELAs condutas que motivaram a exclusão do certame não permitem chegar à conclusão de que se trata de pessoa que ostenta perfil incompatível com o cargo em disputa – Precedentes desta Corte – Sentença reformada – Recurso parcialmente provido.

(TJ-SP - AC: 10186643920198260053 SP 1018664-39.2019.8.26.0053, Relator: Marrey Uint, Data de Julgamento: 29/06/2021, 3ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 01/07/2021)

 

Além disso, se num caso concreto o candidato for eliminado por este fato na fase de investigação social, poderá socorrer do Poder Judiciário e ingressar com uma medida judicial adequada, com o objetivo de aplicar os efeitos de nulidade do ato administrativo eivado de vício, sendo muito comum ação de mandado de segurança ou uma ação de obrigação de fazer, exigindo que retome ao concurso público.

Por derradeiro, quanto ingressa com ação judicial para esta finalidade, o problema se esbarra ao fator tempo, pois, mesmo que apresentados todos os argumentos ora expostos, bem como a posição consolidada dos Tribunais Superiores, vivenciamos tais situações, que compartilharemos em tópicos:

1. Muitos bons candidatos eliminados injustamente pela via administrativa, comumente, nos concursos para carreira policial;

 2. A morosidade das ações judiciais, ao passo que o Poder Público, a outra parte da demanda, recorre de todas as decisões utilizando o reexame necessário, levando a entender quanto a resistência das decisões dos consolidadas dos Tribunais, conforme frisado;

3. Ainda que trazidos os dois pontos, tidos como fatores negativos, não pode servir como desestímulos ao candidato, que almeja um cargo público de sua vida, devendo contratar um profissional para o ingresso da ação judicial.

 



[1] STF, RE 634224

[2] Processo n. 501472-36.2020.8.24.0081/SC.

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