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06/09/2024

Acidentes Aéreos e os Direitos dos Familiares: Indenizações e Responsabilidade Civil


    Os acidentes aéreos são eventos trágicos que despertam uma série de questionamentos jurídicos, especialmente no que se refere aos direitos dos familiares das vítimas em obterem indenizações. 


    Quando ocorrem tragédias dessa magnitude, como o recente acidente envolvendo a companhia Voepass, no qual 62 pessoas perderam a vida, a sociedade se volta para a análise das responsabilidades e dos direitos de reparação.

Responsabilidade Civil das Companhias Aéreas: Natureza Objetiva

    Em casos de acidentes aéreos, a responsabilidade das companhias é tratada sob o regime de responsabilidade civil objetiva, conforme previsto no Código de Defesa do Consumidor e na legislação aeronáutica. Isso significa que a companhia aérea é automaticamente responsável pelos danos causados aos passageiros e seus familiares, independentemente de culpa. 

    A família da vítima não precisa provar que houve falha ou negligência por parte da empresa, bastando o fato de o acidente ter ocorrido durante a prestação do serviço de transporte aéreo para ensejar o dever de indenizar.

    Esse conceito é importante pois retira dos familiares o ônus de ter que demonstrar falhas operacionais, mecânicas ou humanas. A responsabilidade objetiva é uma forma de garantir proteção aos consumidores e uma forma eficaz de assegurar que as empresas atuem com rigor em seus procedimentos de segurança.

    Danos Morais e Materiais: A Reparação Necessária

    O acidente aéreo, por si só, gera dois tipos de prejuízos que podem ser reparados judicialmente: os danos materiais e os danos morais. 

    Os danos materiais referem-se a todos os custos e prejuízos financeiros resultantes da perda do ente querido, como despesas com funeral e a perda de renda que a vítima fatal poderia gerar ao longo de sua vida. Já os danos morais envolvem a dor e o sofrimento emocional decorrentes da perda abrupta e trágica de um ente familiar.

    Importante lembrar que o montante da indenização por danos materiais não se limita ao ressarcimento das despesas imediatas. O cálculo também considera quanto a vítima fatal poderia contribuir financeiramente para o sustento familiar, com base em sua renda e expectativa de vida.

    Como exemplo clássico, a queda do avião Fokker 100 da TAM em 1996, que vitimou 99 pessoas, gerou um longo e doloroso processo judicial. Os familiares das vítimas esperaram 11 anos para receber uma indenização adequada, uma situação que, embora emblemática, revela as dificuldades que as famílias enfrentam para ter seus direitos reconhecidos.

O Papel das Investigações: Determinação de Causas e Responsabilidades

    Embora a responsabilidade objetiva da companhia aérea já garanta o direito à indenização, as investigações sobre a causa do acidente continuam sendo essenciais. Elas podem identificar falhas que ampliem as responsabilidades, seja por erro humano, falhas técnicas ou problemas operacionais.

    No entanto, é fundamental compreender que o resultado dessas investigações não interfere no direito dos familiares de buscarem reparação pelos danos sofridos. Mesmo que o acidente seja causado por fatores externos, como condições meteorológicas adversas, a companhia aérea ainda será responsável pela indenização.


O Longo Caminho para a Indenização: Exemplos e Desafios

    Um dos maiores desafios enfrentados pelos familiares das vítimas de acidentes aéreos é o tempo necessário para que as indenizações sejam pagas. Como mencionado anteriormente, o acidente do Fokker 100 da TAM levou mais de uma década para que as famílias recebessem uma compensação justa. 

    Processos como esses podem ser extremamente desgastantes, tanto emocionalmente quanto financeiramente, pois as empresas, muitas vezes, recorrem de decisões e tentam minimizar os valores das indenizações.

    Nesse cenário, a atuação de um advogado especializado é crucial, não apenas para acelerar o processo, mas também para garantir que a indenização esteja de acordo com a gravidade do dano sofrido. 

    O sofrimento causado pela perda de um familiar em circunstâncias trágicas como um acidente aéreo não pode ser mensurado, mas é dever da Justiça assegurar que as famílias recebam um valor que, ao menos, contribua para aliviar as dificuldades financeiras decorrentes da perda.

A Luta por Mudanças na Legislação e na Segurança Aérea

    Os acidentes aéreos também têm um impacto significativo nas regulamentações de segurança e nas políticas de indenização. Após a tragédia do Fokker 100, por exemplo, houve uma pressão crescente para modificar as regulamentações de segurança na aviação civil e melhorar os mecanismos de ressarcimento às vítimas.

    Mudanças legislativas como a obrigatoriedade de comunicação imediata à ANAC e outros órgãos de controle em casos de inadimplência no pagamento de seguros foram implementadas como resultado dessa pressão. Essas mudanças são fundamentais para garantir que tragédias futuras possam ser evitadas ou, ao menos, minimizadas.

    Além disso, as companhias aéreas passaram a adotar padrões de manutenção e operação mais rígidos, buscando evitar erros humanos e técnicos que possam resultar em novos desastres.

Considerações Finais

    Diante de tantas adversidades, é essencial que os familiares das vítimas de acidentes aéreos tenham o suporte necessário, tanto jurídico quanto emocional. 

    A busca pela indenização é apenas uma parte do processo de reconstrução após uma perda tão devastadora, mas é uma parte fundamental. As companhias aéreas têm a responsabilidade de zelar pela segurança de seus passageiros, e, quando falham, é dever da Justiça garantir que os direitos das famílias sejam respeitados.

    Por fim, tragédias como essas também nos lembram da importância de mantermos rigorosos padrões de segurança na aviação, prevenindo que novos desastres ocorram e que vidas sejam perdidas de forma tão abrupta e dolorosa. 

    As companhias aéreas, enquanto prestadoras de um serviço essencial, têm o dever contínuo de promover a segurança e a integridade de suas operações, evitando que tragédias como a da Voepass se repitam no futuro.


Referências:

  • Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990.
  • Relatório Anual do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), 2022.
  • Acidente aéreo da TAM, Fokker 100 (1996).

25/10/2023

Banco responde por vazamento de dados que resultou em aplicação do “golpe do boleto” contra cliente, decide STJ.

 O recente julgamento proferido pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) trouxe à tona uma importante decisão relacionada à responsabilidade dos bancos em casos de vazamento de dados pessoais que resultam em fraudes, como o conhecido "golpe do boleto". Nesse tipo de golpe, criminosos se passam por funcionários de instituições financeiras, emitindo boletos falsos para receber pagamentos indevidos dos clientes.


O caso em questão envolveu uma consumidora que entrou em contato com o banco via e-mail, buscando informações sobre a quitação de uma operação. Pouco tempo depois, ela foi abordada por meio do WhatsApp por uma pessoa que se fazia passar por funcionária do banco, recebendo um boleto no valor de aproximadamente R$ 19 mil. A cliente efetuou o pagamento, mas posteriormente descobriu que se tratava de um boleto fraudado.


Em primeira instância, o tribunal determinou que o banco reconhecesse o pagamento realizado por meio do boleto fraudulento e reembolsasse a cliente pelas parcelas pagas indevidamente em seu contrato de financiamento. No entanto, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) reformou essa decisão, alegando que o golpe ocorreu em negociações informais e que a cliente não havia exercido a devida cautela em relação ao pagamento.


A ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso da cliente no STJ, explicou que, com base na tese estabelecida no Tema Repetitivo 466, que contribuiu para a criação da Súmula 479 do STJ, as instituições bancárias têm responsabilidade objetiva pelos danos resultantes de fraudes praticadas por terceiros. Essa responsabilidade deriva do risco inerente à atividade bancária.


Especificamente em relação aos golpes de engenharia social, a ministra destacou que os criminosos geralmente possuem conhecimento prévio dos dados pessoais das vítimas e usam técnicas psicológicas para persuadi-las, simulando um atendimento bancário legítimo para alcançar seus objetivos ilícitos.


A ministra enfatizou que a responsabilidade do banco depende da análise específica de cada caso. No entanto, não se pode atribuir exclusivamente ao banco a responsabilidade pelo vazamento de dados cadastrais básicos, como nome e CPF, uma vez que essas informações podem ser obtidas de fontes alternativas. No entanto, quando os dados do cliente estão relacionados a operações e serviços bancários, o banco é responsável por armazená-los e protegê-los adequadamente. Caso haja vazamento dessas informações, isso configura uma falha na prestação do serviço.


Nesse contexto, a ministra observou que os criminosos tinham conhecimento da relação da cliente com o banco, bem como de sua intenção de quitar a dívida, possuindo dados relacionados ao financiamento. Dado que essas informações são sigilosas e de responsabilidade exclusiva do banco, a ministra restabeleceu a sentença que reconheceu a responsabilidade da instituição financeira no caso.


Essa decisão do STJ reforça não apenas a responsabilidade dos bancos em casos semelhantes, mas também a importância de garantir a segurança dos dados pessoais dos clientes e tomar medidas para evitar a ocorrência de fraudes. Além disso, destaca a necessidade de proteger os consumidores contra práticas fraudulentas que podem causar prejuízos financeiros significativos.


Quiz: Responsabilidade dos Bancos em Casos de Vazamento de Dados e Fraudes


O que é o "golpe do boleto"?

Resposta: O "golpe do boleto" é uma fraude em que criminosos se passam por funcionários de bancos e emitem boletos falsos para receber pagamentos indevidos dos clientes.


Qual foi a decisão da Terceira Turma do STJ em relação à responsabilidade do banco no caso de vazamento de dados pessoais?

Resposta: A Terceira Turma do STJ decidiu que o banco é responsável pelo vazamento de dados pessoais do cliente que resultam em fraudes, como o "golpe do boleto".


Qual é o fundamento legal que estabelece a responsabilidade dos bancos por danos causados em fraudes praticadas por terceiros?

Resposta: A responsabilidade dos bancos decorre do risco inerente à atividade bancária e é respaldada pela tese do Tema Repetitivo 466, que contribuiu para a edição da Súmula 479 do STJ.


Como os criminosos costumam obter sucesso em golpes de engenharia social?

Resposta: Os criminosos costumam obter sucesso em golpes de engenharia social ao conhecerem previamente os dados pessoais das vítimas e usarem técnicas psicológicas de persuasão, como a simulação de atendimento bancário legítimo.


O que a ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso da cliente, enfatizou em relação à responsabilidade do banco?

Resposta: A ministra Nancy Andrighi enfatizou que a responsabilidade do banco depende de uma análise específica de cada caso, e não se pode atribuir exclusivamente ao banco a responsabilidade pelo vazamento de dados cadastrais básicos, mas quando os dados do cliente estão relacionados a operações e serviços bancários, o banco é responsável por armazená-los e protegê-los adequadamente.


Espero que este quiz ajude na fixação do tema!

13/10/2020

Banco digital deve indenizar cliente e restituir valores debitados por falha de segurança

 Valores foram debitados após cliente ter seu celular roubado. Ao decidir, magistrada concluiu que houve falha na prestação do serviço pelo banco.


Um banco digital brasileiro deverá restituir valores debitados da conta de um cliente que teve o celular roubado. A decisão é da juíza de Direito Claudia Carneiro Calbucci Renaux da 7ª Vara Cível de São Paulo ao constar que o serviço prestado pela instituição teve falhas por não proporcionar a segurança esperada pelo cliente. A instituição financeira também foi condenada a pagar danos morais.



Conforme a ação, o cliente teve o seu celular roubado em novembro de 2019, momento em que avisou imediatamente a operadora telefônica para que bloqueasse a linha e todas as suas operações. Além disso, afirmou que trocou todas as senhas dos aplicativos das instituições financeiras e invalidou os acessos bancários por aplicativo.

Entretanto, no dia seguinte, relatou que, ao acessar o aplicativo do banco, constatou que o valor de R$ 29.990 havia sido debitado por um fraudador. O cliente explicou que o criminoso não teve acesso a qualquer senha de sua conta bancária e que parte das operações foram realizadas fora do horário permitido pela instituição.

Como não foi realizado o estorno dos valores, o cliente recorreu à Justiça buscando a restituição da quantia, além de indenização por danos morais.

Ao decidir, a juíza reconheceu a falha da instituição bancária, concluindo que o serviço prestado foi defeituoso "ao não proporcionar a segurança dele esperada, sem que se possa imputar ao consumidor a culpa exclusiva pelo evento danoso".

"Na verdade, o que se depreende dos autos é o controle insuficiente do banco réu sobre os procedimentos de segurança de lançamentos da conta bancária e também de ressarcimento em casos de débitos indevidos (investiga-se pouco e desconfia-se muito do cliente), caracterizando um descaso com o consumidor", assinalou a magistrada.

Assim, condenou o banco a restituir o valor transferido, de R$ 29.990. A magistrada também considerou que a falha na prestação de serviços configura dano moral, fixando o valor em R$ 10 mil reais.


27/06/2017

REAJUSTES ABUSIVOS DOS PLANOS DE SAÚDE: COMO IDENTIFICÁ-LOS E O QUE FAZER?.

Objetivamente, questões inerentes a reajustes de planos de saúde tem sido muito frequentes na vida dos brasileiros e o motivo principal é a falta de conhecimento do público em geral de como identificar a abusividade do reajuste.

Para traçarmos uma noção para identificar, devemos ter como base as regras de percentuais estipulados pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), no qual cada ano será publicado um teto base para que não seja extrapolado tal limite. 

A título de ilustração, em 2017 o  índice de reajuste dos planos de saúde médico-hospitalares individuais/familiares poderá ser de até 13,55% entre maio de 2017 e abril de 2018.

Desta forma, se o plano de saúde não cumpriu com as normas estabelecidas pela ANS, obviamente está agindo de forma ilegal ao reajustar valores de forma abusiva e unilateral.

E o que fazer em casos de reajustes abusivos de planos de saúde?

A resposta desta indagação, poderá ser dois caminhos, sucessivos:

O primeiro é entrar em contato com a empresa de plano de saúde a apontar o erro pela empresa com planilhas, desde que devidamente formalizado por email ou por escrito via carta. A forma de solução de alternativa de conflitos pode ser juntamente com um advogado de confiança, de modo, que seja estabelecido um diálogo com a empresa, antes mesmo de entrar com ação judicial.

O seguindo caminho será pela via judicial, pois infelizmente caberá o cidadão promover uma ação judicial para que seja revisado o contrato firmado entre as partes e, conforme o caso, poderá o juiz conceder uma liminar, para que rapidamente consiga o valor ser reajustado corretamente, segundo as normas da ANS. 

Também poderá reaver quanto aos valores pagos indevidamente durante o periodo, como limite máximo de 5 (cinco) anos para devolução de valores.

Por fim, cumpre salientar que qualquer contrato pode ser revisto judicialmente, seja plano individual, familiar, coletivo ou empresarial, assim como qualquer idade, sendo em destaque para as pessoas com idade acima 60 (sessenta) anos não podem ser reajustados, devido a Lei de Planos de Saúde e o Estatuto do Idoso.


*cite a fonte. Respeite os direitos do Autor.





21/02/2015

OS SERVIÇOS PÚBLICOS E O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR


         Hodiernamente, por onde olharmos em todo o território nacional os serviços públicos encontra-se instalados e disponíveis aos cidadãos, sejam quaisquer classes sociais.

Isto se deve precisamente à outorga constitucional do regime jurídico dos serviços públicos e por seus consectários princípios, pois nosso sistema é positivado por preceitos normatizados, no qual regulam a vida em sociedade.

         Leciona o saudoso norte americano Ronald Dworkin que, os princípios têm uma dimensão que as regras não têm a dimensão de peso ou importância, entendendo ser um padrão de justiça ou moralidade, eis que supera o peso de todas as normas rivais, em sua forma absoluta, portanto, trata-se de uma balança a ser pesada ao caso concreto.

Em nosso livro em formato eletronico sobre “Os princípios das licitações públicas: anulação e revogação[1] tratamos quanto a aplicabilidade ao aspecto teórico de Dworkin:

Na verdade, este peso que os princípios carregam para si, tem de substancial promoção daquilo que demonstra o direito norte-americano, mas ainda sim podemos exportar tal razão para a existência de quaisquer princípios no Direito, de modo geral, pois em nossa Pátria, acobertada pelo positivismo normativo, ao passo que o tronco político é os valores democráticos e em obediência da lei.

           No que diz respeito aos princípios aplicáveis, temos os clássicos como: a legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e especialidade, de forma explícita, conforme o artigo 37 e seguintes da Carta Maior.

         O princípio da separação de poderes também é aplicável já que se reveste uma posição precisa, pois sequer pode haver interveniência de um poder sobre o outro, pois cada ente público detém sua competência exclusiva, conforme ao preceito estabelecido constitucionalmente, como a União (art. 21, CF/88), os Estados (art.25, CF/88) e os Municípios (art. 30, CF/88), salvo a exceção no que confere a aplicabilidade das normas jurídicas, tanto na defesa da Constituição Federal, como as normas infraconstitucionais.
        
          De forma objetiva, a professora Zanella Di Pietro define serviço público, como:

Toda atividade material que a lei atribui ao Estado para que exerça diretamente ou por meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer concretamente as necessidades coletivas, sob regime jurídico total ou parcialmente público”

O saudoso mestre Hely Lopes Meirelles (2008:333)conceitua de modo abrangente o serviço público, como:

“É todo aquele prestado pela Administração ou por seus delegados, sob normas e controles estatais, para satisfazer necessidades essenciais ou secundárias da coletividade ou simples conveniências do Estado”

E ainda conclui:

“Fora dessa generalidade não se pode, em doutrina, indicar as atividades que constituem serviço público, porque variam segundo as exigências de cada povo e de cada época. Nem se pode dizer que são atividades coletivas vitais que caracterizam os serviços públicos, por que ao lado destas existem outras, sabidamente dispensáveis pela comunidade, que são realizadas pelo Estado como serviço público”

        Concordamos com este conceito, entretanto, a inquietude da ciência jurídica é capaz de estabelecer controvérsias acerca deste conceito, mas quedamos para fins materiais cuja aplicabilidade deve ser em sentido lato, seguindo inclusive o italiano Noberto Bobbio afirmava o direito ser “uno e indivisível”.

         Adentrando no tema proposto, necessário frisar que incube à ciência jurídica transpor quanto a definição e aplicabilidade das proposições jurídicas. Assim, a critério metodológico, delimitaremos ao objeto e as partes para que a incidência jurídica tome por seu posto.

        Retomando ao conceito constitucional, cumpre ao Poder Público a prestação de serviços tidos públicos prestados pela administração pública ou por seus delegados, conforme as normas previstas para tanto e, satisfazendo as necessidades essenciais ou secundárias da coletividade ou mesmo por própria convenção estatal delegar simplesmente.

     Partindo-se à leitura do artigo 22 do Código de Defesa ao Consumidor, podemos destacar quanto ao conceito de direito subjetivo de serviço público por quem é exercido representado por seus órgãos. “In verbis”:

“Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.
Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código.

Para efeito de identificação da relação jurídica instalada o serviço prestado pela Administração Pública e por seus delegados é o seu objeto.

Ao seu objeto, surge uma indagação, afinal: Que serviço público está sujeito as normas estabelecidas pelo Código de Defesa ao Consumidor?

Atendendo uma resposta adequada ao caso será preciso distinguir as taxas dos preços públicos. A taxa consiste numa atuação estatal direta e imediata referida ao obrigado, enquanto que, no preço público a atividade estatal volta-se as relações privadas em que sua receita é vinculada.

O mestre Hugo de Brito Machado[2], de modo objetivo faz uma distinção no qual partilharemos seu entendimento:

“A maioria dos autores ensina que a taxa corresponde ou está ligada a uma atividade estatal especifica relativa ao contribuinte. Justifica-se, assim, a taxa pelo exercício do poder de polícia ou pela prestação de serviço público – atividades privativas, próprias do Estado. Nem todo serviço público, porem, seria atividade especificamente estatal. O preço público, assim, seria uma remuneração correspondente a um serviço público não especificamente estatal, vale dizer, uma atividade de natureza comercial ou industrial”

Notavelmente, o Supremo Tribunal Federal coube por tratar sobre esta questão distinguindo as taxas dos preços públicos:

Preços de serviços públicos e taxas não se confundem, porque estas, diferentemente daqueles, são compulsórias e têm sua cobrança condicionada à prévia autorização orçamentária, em relação à lei que as instituiu.” (Súmula 545)

Ao critério distintivo destes institutos jurídicos são necessários para aplicabilidade do Código de Defesa ao Consumidor, pois os serviços públicos não custeados por impostos, como as taxas são inaplicáveis, assim, por eliminação e quanto as tarifas tem sua aplicação ao CDC, pois tais serviços tem natureza “uti singuli”, ou seja, são serviços públicos prestados pela administração pública indireta, pois a administração pública direta outorga poderes (assim como deveres), para a prestação de tais serviços.

Noutro ponto interessante cuja aplicabilidade do CDC as tarifas (ou preços públicos) torna-se essencial, de fato, devido ao direito de escolha no qual é um elemento indispensável para o encadeamento a condição de consumidor, seja pessoa física ou jurídica, ao passo que, poderíamos figurar como princípio, pois nosso CDC não tratou a respeito deste tema, no entanto, a remuneração insere-se como força motriz para a caracterização da relação de consumo.

Seguimos, assim, com o posicionamento doutrinário de Sérgio Cavalieri Filho[3], bem como a jurisprudência do  Superior Tribunal de Justiça:

ADMINISTRATIVO - SERVIÇO PÚBLICO - CONCEDIDO - ENERGIA ELÉTRICA - INADIMPLÊNCIA. 1. Os serviços públicos podem ser próprios e gerais, sem possibilidade de identificação dos destinatários. São financiados pelos tributos e prestados pelo próprio Estado, tais como segurança pública, saúde, educação, etc. Podem ser também impróprios e individuais, com destinatários determinados ou determináveis. Neste caso, têm uso específico e mensurável, tais como os serviços de telefone, água e energia elétrica. 2. Os serviços públicos impróprios podem ser prestados por órgãos da administração pública indireta ou, modernamente, por delegação, como previsto na CF (art. 175). São regulados pela Lei 8.987/95, que dispõe sobre a concessão e permissão dos serviços público. 3. Os serviços prestados por concessionárias são remunerados por tarifa, sendo facultativa a sua utilização, que é regida pelo CDC, o que a diferencia da taxa, esta, remuneração do serviço público próprio. 4. Os serviços públicos essenciais, remunerados por tarifa, porque prestados por concessionárias do serviço, podem sofrer interrupção quando há inadimplência, como previsto no art. 6º, § 3º, II, da Lei 8.987/95, Exige-se, entretanto, que a interrupção seja antecedida por aviso, existindo na Lei 9.427/97, que criou a ANEEL, idêntica previsão. 5. A continuidade do serviço, sem o efetivo pagamento, quebra o princípio da igualdade da partes e ocasiona o enriquecimento sem causa, repudiado pelo Direito (arts. 42 e 71 do CDC, em interpretação conjunta). 6. Recurso especial provido.
(STJ, Relator: Ministra ELIANA CALMON, Data de Julgamento: 16/12/2003, T2 - SEGUNDA TURMA)

Quanto às partes da relação jurídica, podemos identificar, partindo para a seara consumerista, de um lado o prestador (fornecedor) do serviço público e de outro o consumidor.

Para fins de compreensão do conceito consumidor, o artigo 2° do CDC, dispõe, “in verbis”:

“Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”

 Importante mencionar que, o artigo acima não esquece quanto ao direito da pessoa jurídica. Atribuindo as bases doutrinárias, conforme as ciências jurídicas assim estabelecem conceituar[4] impõe fecundos argumentos a serem levantados, inclusive ouvir às vozes de jusfilósofos, haja vista que a legislação nacional não coube por conceituar este instituto. Neste ponto, interessante conceito Clóvis Bevilácqua[5]:

“Todos os agrupamentos de homens que, reunidos para um fim, cuja realização procuram, mostram ter vida própria, distinta da dos indivíduos que os compõem, e necessitando, para a segurança dessa vida, de uma proteção particular do direito”

O Saudoso Silvio Rodrigues[6], autor também clássico na doutrina civil leciona, “ipsis litteris”:

“Pessoas jurídicas, portanto, são entidades a que a lei empresta personalidade, isto é, são seres que atuam na vida jurídica, com personalidade diversa da dos indivíduos que os compõem, capazes de serem sujeitos de direitos e obrigações”
Maria Helena Diniz, em sentido lato conceitua[7]:
“A pessoa jurídica é a unidade de pessoas naturais ou de patrimônios, que visa à consecução de certos fins, reconhecida pela ordem jurídica como sujeito de direitos e obrigações”

Frisa-se que, o artigo 2° do CDC coube por bem não efetuar este corte distintivo, de modo, a promover o princípio da igualdade material em sua essência em consonância com nossa Constituição Federal de 1988 (artigo 5°).

Além disso, a pessoa jurídica para fins da relação de consumo deverá ser destinatária final ao adquirir o serviço público, conforme dispõe o artigo 2° do CDC. A jurisprudência pátria é pacifica neste sentido:

APELAÇÃO - CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE TELEFONIA MÓVEL - PESSOA JURÍDICA RELAÇÃO DE CONSUMO CARACTERIZA. É consumidora a pessoa jurídica que firma contrato de prestação de serviço de telefonia móvel e comodato de aparelhos, já que é a destinatária final do produto/serviço. CONTRATO DE COMODATO DOS APARELHOS - PRAZO DE CARÊNCIA - INDUZIMENTO DO CONSUMDDOR A ERRO - ABUSIVIDADE - Estando o contrato de comodato dos aparelhos diretamente ligado ao contrato de prestação de serviço de telefonia, não se pode admitir que o prazo mínimo de permanência no contrato de comodato seja superior ao do contrato de prestação de serviço. COBRANÇA ABUSIVA - APLICAÇÃO DO ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO DO CDC. Aplica-se a multa prevista no parágrafo único do art. 42 do CDC quando a prestadora de serviço cobra quantia indevida. RECURSO PROVIDO EM PARTE. .

(TJ-SP - APL: 7166195500 SP , Relator: Paulo Jorge Scartezzini Guimarães, Data de Julgamento: 12/12/2008, 11ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 26/02/2009)
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C/C INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. TELEFONIA MÓVEL. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO CONFIGURADA. DIREITO À RESCISÃO CONTRATUAL SEM INCIDÊNCIA DE MULTA. PESSOA JURÍDICA. CONSUMIDORA FINAL. RELAÇÃO DE CONSUMO. DANO MORAL CARACTERIZADO. 1. Trata-se de relação de consumo, ante o teor do art. 2º do Código de Defesa do Consumidor, que prevê que a pessoa jurídica pode ser consumidora, desde que adquira o produto ou serviço como destinatário final, sendo este o caso em tela. 2. O conjunto probatório colacionado aos autos pela autora permite reconhecer a verossimilhança da alegação inicial, no sentido da falha na prestação do serviço de telefonia móvel contratado com a empresa ré, que não comprovou nos autos a ocorrência de alegado fato exclusivo da parte autora, ou qualquer outra causa excludente de sua responsabilidade. 3. Rescisão contratual a que faz jus a demandante em virtude da falha da ré na prestação do serviço, consistente no descumprimento das condições acordadas com a parte autora na celebração do contrato dos autos. 4. Incabível a cobrança multa contratual rescisória, por se tratar de hipótese de exceção do contrato não cumprido, conforme art. 40, § 8º da RESOLUÇAO n. 477 (07/08/2007), DA ANATEL, que veda a cobrança de multa no caso de descumprimento de obrigação contratual ou legal por parte da Prestadora. 5. Dano moral configurado, vislumbrando-se abalo à imagem da pessoa jurídica junto aos seus clientes decorrente da falha no serviço de telefonia, bem como em razão da função pedagógico-preventiva das indenizações a título de dano moral. Quantum adequadamente arbitrado, em consonância com os princípios norteadores da razoabilidade, proporcionalidade e vedação ao enriquecimento sem causa. DESPROVIMENTO DO RECURSO.
(TJ-RJ - APL: 10227810820118190002 RJ 1022781-08.2011.8.19.0002, Relator: DES. CARLOS SANTOS DE OLIVEIRA, Data de Julgamento: 21/05/2013, NONA CAMARA CIVEL, Data de Publicação: 03/07/2013 13:08)

Quanto ao sujeito prestador dos serviços públicos, podem ser prestados de forma direta pelo próprio ente público ou mesmo indiretamente por meio de delegação pública.

         Em relação à delegação dos serviços públicos, a Constituição Federativa de 1988 em seu artigo 175 prevê esta possibilidade, “in verbis”:

“Incube ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.
Parágrafo único. A lei disporá sobre:
- o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão;
II - os direitos dos usuários;
III - política tarifária;
IV - a obrigação de manter serviço adequado.
         
         Posteriormente a Constituição Federal, a Lei 8.987/95 regulou a concessão e a permissão dos serviços públicos no qual teve sua alteração legislativa pela Lei 9.074/95.
        
        Comumente, prestam serviços públicos: autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações públicas. Ao serviço prestado: fornecimento de água, energia elétrica, telefonia, transporte público, etc.

         Há que compreender que, o Código de Defesa do Consumidor considera como determinados serviços públicos ou atividades como essenciais. Logo, o artigo 22 da legislação protecionista coube por aplicar a responsabilidade ao apontar a obrigatoriedade do fornecimento de um serviço público essencial e continuo. Vejamos:

Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos. (destaque nosso).

         A essencialidade, conforme o texto legal estabelece nos aponta como primor, são aquelas que atendem as necessidades inadiáveis da comunidade. A continuidade significa que não pode haver sua interrupção.
        
         O artigo 10 da Lei de Greve (Lei 7783/89) elenca um rol de serviços ou atividades essenciais:

I - tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis;
II - assistência médica e hospitalar;
III - distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos;
IV - funerários;
V - transporte coletivo;
VI - captação e tratamento de esgoto e lixo;
VII - telecomunicações;
VIII- guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares;
IX - processamento de dados ligados a serviços essenciais;
X - controle de tráfego aéreo;
XI compensação bancária.
        
Provendo da analise do texto normativo como norma sancionadora, o parágrafo único do artigo 22, do CDC:

“Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código”

Assim, aqueles que prestam serviços públicos seja total ou parcial, não podem se esquivarem de sua responsabilidade devendo amparar o consumidor, tido como destinatário final, cabendo ao fornecedor reparar eventuais danos causados em quaisquer espécies forem (material ou moral).

Não podemos olvidar que, a Carta Magna de 1988 estabelece:

§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Por sua vez, a norma infraconstitucional tem seu amparo legal no que confere aos danos causados, previsto no Código Civil nos artigos 186 e 927:

 “Art. 186 – Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”

“Art. 927 – Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”

Não diferente, a Norma Protecionista do Consumidor prevê também sobre o Direito à Indenização em seu artigo 6º, inciso VI, do CDC, denominando lhe como um direito básico, “in verbis”:

São direitos básicos do consumidor:

VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;

Em linhas finais, afirma-se que o Código de Defesa ao Consumidor tem sua incidência no que tange aos serviços públicos, desde que, claro, identificáveis suas especialidades, como sendo serviços provenientes de taxa ou preço público e prestados por quaisquer entes públicos ou mesmo por delegação de tais serviços. Quanto ao consumidor, pode ser pessoa física ou jurídica, desde que destinatário final.

E, por derradeiro, eventuais danos causados pelo fornecedor de serviços, deverá se responsabilizar-se e reparar o consumidor, seja quaisquer espécies forem, como danos materiais, morais ou ambos, conforme o caso.

Por certo, haverá muita discussão jurídica acerca da crise hídrica enfrentada por alguns Estados (inclusive São Paulo) e se poderíamos aplicar todos os arcabouços jurídicos previamente apontados, ou, factualmente uma greve no setor elétrico ou de transporte público, de todo modo, a resposta é positiva, pois há suportes jurídicos e elementos científico, no qual a prática judiciária deve seguir vox promovendo em sua inteira efetividade aos direitos sociais e, sobretudo, aos direitos humanos fundamentais.



[2] In Curso de Direito Constitucional Tributário, Editora Malheiros, 2012, p. 85.
[3] Programa de Direito do Consumidor, Ed.Atlas, 2014, p. 79.
[4] Nas lições do argentino Rafael Bielsa, In: Los Conceptos Jurídicos y su Terminologia, 3° Ed., Buenos Aires, Depalma, 1987, p. 9: “Todo examen Del vocabulario jurídico que contribuya a La aclaracion y a La depuración de los conceptos deve estimarse com útil em algún grado. Si hay una disciplina en La cual conviene emplear La palabra adecuada  o própria ela es del Derecho.

[5] Teoria Geral do Direito Civil, 2ª edição, Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1929, pág. 158.
[6] Direito Civil, Saraiva 2003, p. 86.
[7] Curso de Direito Civil BrasileiroTeoria Geral do Direito Civil, V.1, Editora Saraiva, 2007, p. 229.

28/10/2014

AS MENSALIDADES ESCOLARES E O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

     
         Próximo do término do ano letivo escolar, os pais e responsáveis já devem estar preparados para  rematrícula do próximo período.

Esta preparação acompanhar também aos direitos e deveres inerentes a prestação de serviços educacionais e nas partes envolvidas, ou seja, o prestador de serviço (escola) e o destinatário final (consumidor).

Efetuamos numa aplicação do fato à norma, temos Código de Defesa do Consumidor que regula toda e qualquer relação jurídica envolvendo a circulação de produtos e serviços do fornecedor ao consumidor ou destinatário final.

Num posicionamento bem elaborado no parecer da Procuradoria da República, no RE n. 641.005 / PE, engrandece a importância do CDC a sua aplicação aos contratos de prestação de serviços educacionais:

“As normas protetivas do CDC desempenham relevante papel social em relação aos contratos de prestação de serviços educacionais: a uma, por regularem serviço de utilidade pública prestado por entidades particulares mediante autorização ou delegação do poder público; a duas, por garantirem equilíbrio numa relação consumerista marcadamente desigual, já que firmada mediante contrato de adesão, cujo conteúdo é preestabelecido pela instituição de ensino, por vezes impondo sanções pedagógicas como meio coercitivo de pagamento”

Podemos seguir como base a construção desta relação jurídica (regra base ou matriz) da seguinte forma[1]:

Critério Material: prestar serviço ou fornecer produto

Critério espacial: no território nacional

Critério temporal: seu inicio e término dependerá do contrato estabelecido entre as partes da relação jurídica.
        
         Critério pessoal ou subjetivo: identificação das partes envolvidas, qual seja, o fornecedor de produtos e/ou serviços (art. 3° do CDC) e o consumidor (artigo 2° do CDC).

         Critério quantitativo: está relacionado à base de cálculo dos valores a serem pagos pelo serviço prestado. No caso em tela, são serviços educacionais, sendo regulado conforme o índice inflacionário em relação ao seu reajuste. Destaca-se o artigo 1°, § 1o, da Lei 9.870/99:

O valor anual ou semestral referido no caput deste artigo deverá ter como base a última parcela da anuidade ou da semestralidade legalmente fixada no ano anterior, multiplicada pelo número de parcelas do período letivo.

Feitas tais considerações teóricas iniciais, necessário adentrar aos temas polêmicos sobre os serviços prestados por instituições educacionais privadas e o reajuste de matriculas, aplicando por conseguinte o Código de Defesa do Consumidor e a Lei 9.870/99, que trata sobre as mensalidades escolares.

Conforme dito, nos reajustes das mensalidades escolares terão por base o índice inflacionário, no entanto, por tratar-se de relação de direito privado nada impede que tais valores sejam um pouco aquém dos índices estabelecidos, desde que a instituição de ensino comprove o aumento.

Esta comprovação de aumento da mensalidade está adequadamente de acordo com o princípio da transparência e da informação. O artigo 4°, do CDC estabelece:

A Política Nacional de Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito a sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:

IV - educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo;”

O artigo 6° do Código de Defesa do Consumidor também dispõe, com um direito básico ao consumidor:

III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;”

Assim, os reajustes das mensalidades se extrapolados os limites inflacionários (deve-se recorrer à pesquisa do índice de cada Estado), a instituição deverá informar o real motivo deste aumento.

Primando ao direito a informação, o artigo 2° da Lei 9.870/99, assim trata:
“O estabelecimento de ensino deverá divulgar, em local de fácil acesso ao público, o texto da proposta de contrato, o valor apurado na forma do art. 1o e o número de vagas por sala-classe, no período mínimo de quarenta e cinco dias antes da data final para matrícula, conforme calendário e cronograma da instituição de ensino”

Com efeito, as instituições deverão divulgar em quarenta e cinco dias de antecedência a eventual proposta de alteração contratual e os valores a ser reajustado (apurados), assim com deverá ser apresentando também no mesmo antes da data final para a matricula, seguindo o calendário e o cronograma. O valor deve ser estipulado no ato da matrícula ou da sua renovação e dividido em mensalidades iguais.

Portanto, os valores reajustados pela instituição de ensino deverá fazer correspondência às despesas desta, de modo a aprimorar o projeto didático-pedagógico ou mesmo para cobrir com reformas e aumentos de salários. No entanto, o principio da transparência, exposto no Código de Defesa do Consumidor não poderá ser olvidado, ou seja, o consumidor tem o direito de solicitar maiores informações para que a fornecedora do serviço prestado comprove a origem do reajuste apresentando a planilha de custo.

Neste sentido, recomenda-se que, não havendo uma justificativa plausível por parte da instituição de ensino, o consumidor ou representante legal, conforme o caso deverá procurar os seus direito, tanto por parte dos órgãos de proteção de defesa ao consumidor, assim como, não tendo efeito (resultado positivo) em efetuar a reclamação a este órgão, deve-se socorrer do Poder Judiciário, de modo, a evitar locupletamento indevido por parte da instituição de ensino e os abusos dos valores a serem pagos.

Para fazer jus ao direito do consumidor, tente o diálogo. Interessante procurar a instituição de ensino e conversar com a direção para que esta explique quanto ao conteúdo da planilha e dos referidos gastos apresentados.

         Caso o diálogo não tenha sido a solução, o lesado deverá promover uma ação judicial para que cesse o aumento de tais valores no ano letivo e a devolução dos valores pagos indevidamente a maior.


         Se estiver previsão de clausula contratual de reajuste de forma abusiva, o artigo 51 do CDC coube por estabelecer a previsão legal, sendo nula de plenos direito as que, “in verbis”:
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;

         Tratando-se de valores pagos indevidamente, se comprovado, é possível que tais valores sejam devolvidos em dobro, conforme dispõe o artigo 42, parágrafo único do Código de Defesa ao Consumidor:

"O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável."

Noutro ponto em relevo, destaca-se a cobrança de mensalidades. Aplica-se ao disposto do “caput” do artigo 42 do CDC:

“Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça”

De acordo com o artigo 5° e 6° da Lei n. 9.870/99:

Art. 5o Os alunos já matriculados, salvo quando inadimplentes, terão direito à renovação das matrículas, observado o calendário escolar da instituição, o regimento da escola ou cláusula contratual.

Art. 6o São proibidas a suspensão de provas escolares, a retenção de documentos escolares ou a aplicação de quaisquer outras penalidades pedagógicas por motivo de inadimplemento, sujeitando-se o contratante, no que couber, às sanções legais e administrativas, compatíveis com o Código de Defesa do Consumidor, e com os arts. 177 e 1.092 do Código Civil Brasileiro, caso a inadimplência perdure por mais de noventa dias.

Em um caso concreto, um aluno foi exposto ao ridículo perante aos, pois o modo de cobrança pela instituição de ensino excedeu os limites legais, tornando vergonhosa a cobrança perante terceiro, no qual caracterizou danos morais, nos termos do art. 186 c/c art. 927 do Código Civil. O aluno em débito jamais pode ser submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça, nem sofrer sanções pedagógicas, como a suspensão de provas ou a retenção de documentos, inclusive aqueles necessários para transferência.

 Veja a ementa do caso concreto:

CIVIL E PROCESSO CIVIL. APELAÇAO CÍVEL. AÇAO DE INDENIZAÇAO. CONTRATO DE PRESTAÇAO DE SERVIÇO DE ENSINO ESCOLAR. ART. 42 DO CDC. COBRANÇA VEXATÓRIA. REVISAO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. 1. O artigo 42, do CDC, afirma que na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça”, impondo um dever de cuidado com a pessoa do consumidor, bem como um dever cooperar com o pagamento de sua dívida (vedando quaisquer meios de cobrança vexatórios), o qual, se desobedecido, ocasiona-lhe dano e, conforme o alcance e a intensidade da conduta perpetrada, pode constituir ilícito civil, ou penal, com as sanções próprias. 2. O CDC consagra a ideia de que o valor da dignidade da pessoa humana, princípio fundante do Estado Democrático de Direito Brasileiro, na forma do art. 1º, inciso III, da Constituição Federal, é superior ao interesse econômico da cobrança do consumidor inadimplente. 4. Regulamentando o art. 209, inciso I, da Constituição Federal, a norma trazida pelo artigo 6º, da Lei nº 9.870/99, a qual regula, dentre outros aspectos, os métodos de cobrança de serviços educacionais, afirma a impossibilidade de suspensão de provas escolares, em caso de inadimplemento quanto às mensalidades escolares. Precedentes do STJ.5. A lide em julgamento tem como cerne a relação de consumo estabelecida entre a instituição Apelante e os pais do autor, que contrataram o serviço particular de ensino ao filho menor, bem como os danos morais decorrentes da situação vexatória, em que o educador expôs ao ridículo o aluno, na presença dos demais, atinente ao impedimento de que este realizasse as “provas finais”.6. “Tem-se que a aferição do dano moral também segue a mesma regra geral do Código de Defesa do Consumidor. Ou seja, a teoria do risco da atividade ou do negócio desenvolvido pelo fornecedor informa igualmente o temo do dano moral que, por conseguinte, configura-se independentemente da existência de dolo ou culpa da conduta do fornecedor responsável pela violação dos direitos da personalidade do consumidor.” (Dano Moral no Direito do Consumidor. Héctor Valverde Santana. São Paulo: RT, 2009, p. 113/114) [grifei]7. Não é adequado entender que ao educador seja dada a possibilidade de transferir exclusivamente ao educando a responsabilidade de informar seus pais ou responsáveis acerca de situação de relevância para sua vida escolar (como a necessidade de prestação de exames finais), sendo certo que tal conduta é, também, de responsabilidade das escolas, nos cuidados da prestação da educação.8. Para a fixação do quantum indenizatório, deve-se estar atento aos critérios há muito sedimentados pela doutrina e jurisprudências pátrias, quais sejam, as circunstâncias em que se deu o evento, a situação patrimonial das partes e a gravidade da repercussão da ofensa, além de se atender ao caráter compensatório, pedagógico e punitivo da condenação, sem gerar enriquecimento sem causa e, por fim, é de suma importância, a observância dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade. Precedente do STJ.9. No caso em julgamento, a sentença recursada especificou o alcance da conduta danosa perpetrada, bem como evidenciou a reprovabilidade do comportamento da ré, enquanto instituição de ensino, voltada para a formação de cidadãos, e observou a situação financeira de ambas as partes na fixação da condenação, sendo acertado o valor arbitrado pelo magistrado sentenciante.10. Recursos conhecidos e improvidos.

(TJ-PI - AC: 201000010027308 PI , Relator: Des. Francisco Antônio Paes Landim Filho, Data de Julgamento: 31/10/2012, 3a. Câmara Especializada Cível)

Alias, em casos cobrança de dívidas (em geral), quando extrapolados os limites normativos configura-se crime ao consumidor, conforme prescreve o Código de Defesa do Consumidor, no artigo 71:

Utilizar, na cobrança de dívidas, de ameaça, coação, constrangimento físico ou moral, afirmações falsas incorretas ou enganosas ou de qualquer outro procedimento que exponha o consumidor, injustificadamente, a ridículo ou interfira com seu trabalho, descanso ou lazer:
 Pena Detenção de três meses a um ano e multa.

Importante destacar que, nem poderia a instituição de ensino promover atos desta natureza, tendo em vista que o Poder Judiciário está à disposição para fazer valer os seus direitos, qual seja cobrar dos seus consumidores os valores não pagos das mensalidades.

Por fim, diante das informações acima apresentadas, de qualquer modo, salvo exceções, o diálogo poderá ser a solução, no entanto, nem sempre será esta a solução de problemas, cabendo o lesado ir em buscar do seu direito, desde que representado por um advogado de confiança do consumidor para fazer valer os seus direitos.




[1] Seguimos os ensinamentos de Paulo de Barros Carvalho sobre a doutrina da Incidência das Normas Jurídicas, mas aplicada para o ramo do direito tributário, no qual vislumbramos em aplicar nas relações privadas.

27/07/2014

DO DIREITO À REPARAÇÃO CIVIL DO COMERCIANTE CONTRA O PRODUTOR DOS DANOS CAUSADOS PERANTE CONSUMIDORES


Diante de diversas relações inerentes à atividade empresarial ou comercial, pode se apontar um verdadeiro “ciclo produtivo” objetivo.

Para efetuar a posição perfeita ou lúcida, faz-se necessário apontar as partes desta relação empresária.

Se de um lado temos empresário ou sociedade empresarial, (neste último em diferentes formas de constituição) no qual exercem profissionalmente sua atividade, seja produzindo ou circulando bens e serviços e com o escopo de auferir lucro, conforme o artigo 966 do Código Civil.

 Noutra monta temos aquele contratante ou adquirente de produtos e serviços, assim denominamos como consumidor, podendo ser pessoa física ou mesmo jurídica (empresário ou sociedade empresarial), desde que seja destinatário final, de acordo com o artigo 2° do Código de Defesa do Consumidor.

Assim, apontadas as posições da relação jurídica, podemos afirmar que temos como perfeita em destaque o elo entre as atividades de consumo.

Entretanto, mesmo que apresentados tais sujeitos da relação de consumo, pode surgir uma indagação, afinal: onde o produtor se inclui nesta atividade de consumo?

Em vista de responder esta indagação pertinente, faticamente é possível inclusive promover tão somente o artigo 12 do Código de Defesa do Consumidor, “in verbis”:

“O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos”. (Destaque nosso)

Note-se que, o artigo acima elegeu a responsabilização ao produtor por eventuais danos causados aos consumidores consoantes disposições estabelecidas aos prospectos fáticos.

No entanto surge outra indagação, se o consumidor prejudicado pelos danos constatados ingressa com ação contra o comerciante, este último é o responsável de forma absoluta?

A resposta é negativa. Sabe-se que, a critério geral nada é absoluto para determinadas circunstancias, devendo à analise mais detalhada ao caso, pois em determinadas ocasiões aplica-se a “relatividade jurídica”.

Assim, a norma protecionista ao consumidor coube apontar também a responsabilidade do comerciante em seu artigo 13, “in verbis”:

“O comerciante é igualmente responsável, nos termos do artigo anterior, quando:
I - o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser identificados;
II - o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor ou importador;
 III - não conservar adequadamente os produtos perecíveis”
(Destaque nosso)

Lendo ao disposto do texto normativo acima, poderia apenas afirmar, no que pertine a responsabilidade solidária nas relações de consumo entre o comerciante e produtor, bem como fabricante, importador ou mesmo construtor. Também não será o “fim da linha” para o comerciante.

A única solução que o acompanha (juridicamente) para sanar eventuais prejuízos pelos danos de seus produtores perante aos consumidores está no parágrafo único do artigo 13 do CDC:

“Aquele que efetivar o pagamento ao prejudicado poderá exercer o direito de regresso contra os demais responsáveis, segundo sua participação na causação do evento danoso”

Aproveitando a autenticidade ao presente artigo, devemos apresentar um seguinte exemplo. Um determinado comerciante revendeu o produto à empresa “A” destinatária final. Por pouco tempo constatou-se que produto vendido pelo comerciante apontava vicio, no qual a consumidora ingressou com uma ação judicial perante o comerciante. A comerciante obteve sucesso na demanda em que o comerciante, por ter sido apontado como responsável, foi condenada à título de indenização (material ou moral) pelo produto vendido.
No caso em tela, constatou-se que não teve culpa alguma o comerciante diante do produto vendido, sendo conferida a responsabilização do produtor.

Neste aspecto, poder-se-ia aplicar o artigo 13, parágrafo único do CDC, pois o comerciante pagou à título de indenização perante o consumidor, no qual pode exercer o seu direito de regresso contra os demais responsáveis, desde que seguidamente comprovada a participação do dano causado.

O instituto da ação regressiva tem seu gérmen no artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal, que estabelece:

“as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”. 

Portanto, pode o Comerciante exercer o seu direito constitucional e infraconstitucional (Código de Defesa do Consumidor) em ser ressarcido pelos danos que o produtor, no qual deverá promover uma ação judicial para tanto.

Em relação aos prazos para a propositura de ação de regresso, não se aplica o Código de Defesa do Consumidor, por não se tratar de relação de consumo, aplicando-se ao disposto na relação civil, prescrevendo em três anos, conforme o Art. 206, § 3°, V.

A jurisprudência, em especifico o Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento que, a pretensão de reparação civil  em caso de ação de regresso por quem reparou o dano contra o seu efetivo causador começa a contar do pagamento da indenização (AResp 182.368).


Por derradeiro, útil e necessário promover o direito de regresso, pois é uma forma de restabelecer ou recompor economicamente quanto ao patrimônio perdido em ocasião anterior pelo empresário ou sociedade empresária que exerce atividade como comerciante, pois o montante perdido, quando retornado poderá fazer parte do planejamento empresarial relacionado ao próprio crescimento de sua atividade.

Arrematação e Dívidas Anteriores: O Que a Decisão do STJ no Tema 1.134 Significa para os Compradores de Imóveis em Leilão

     Imagine a situação: você se torna o arrematante de um imóvel em leilão judicial. O preço é justo, a localização é ótima, e tudo parece...

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