28/10/2014

AS MENSALIDADES ESCOLARES E O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

     
         Próximo do término do ano letivo escolar, os pais e responsáveis já devem estar preparados para  rematrícula do próximo período.

Esta preparação acompanhar também aos direitos e deveres inerentes a prestação de serviços educacionais e nas partes envolvidas, ou seja, o prestador de serviço (escola) e o destinatário final (consumidor).

Efetuamos numa aplicação do fato à norma, temos Código de Defesa do Consumidor que regula toda e qualquer relação jurídica envolvendo a circulação de produtos e serviços do fornecedor ao consumidor ou destinatário final.

Num posicionamento bem elaborado no parecer da Procuradoria da República, no RE n. 641.005 / PE, engrandece a importância do CDC a sua aplicação aos contratos de prestação de serviços educacionais:

“As normas protetivas do CDC desempenham relevante papel social em relação aos contratos de prestação de serviços educacionais: a uma, por regularem serviço de utilidade pública prestado por entidades particulares mediante autorização ou delegação do poder público; a duas, por garantirem equilíbrio numa relação consumerista marcadamente desigual, já que firmada mediante contrato de adesão, cujo conteúdo é preestabelecido pela instituição de ensino, por vezes impondo sanções pedagógicas como meio coercitivo de pagamento”

Podemos seguir como base a construção desta relação jurídica (regra base ou matriz) da seguinte forma[1]:

Critério Material: prestar serviço ou fornecer produto

Critério espacial: no território nacional

Critério temporal: seu inicio e término dependerá do contrato estabelecido entre as partes da relação jurídica.
        
         Critério pessoal ou subjetivo: identificação das partes envolvidas, qual seja, o fornecedor de produtos e/ou serviços (art. 3° do CDC) e o consumidor (artigo 2° do CDC).

         Critério quantitativo: está relacionado à base de cálculo dos valores a serem pagos pelo serviço prestado. No caso em tela, são serviços educacionais, sendo regulado conforme o índice inflacionário em relação ao seu reajuste. Destaca-se o artigo 1°, § 1o, da Lei 9.870/99:

O valor anual ou semestral referido no caput deste artigo deverá ter como base a última parcela da anuidade ou da semestralidade legalmente fixada no ano anterior, multiplicada pelo número de parcelas do período letivo.

Feitas tais considerações teóricas iniciais, necessário adentrar aos temas polêmicos sobre os serviços prestados por instituições educacionais privadas e o reajuste de matriculas, aplicando por conseguinte o Código de Defesa do Consumidor e a Lei 9.870/99, que trata sobre as mensalidades escolares.

Conforme dito, nos reajustes das mensalidades escolares terão por base o índice inflacionário, no entanto, por tratar-se de relação de direito privado nada impede que tais valores sejam um pouco aquém dos índices estabelecidos, desde que a instituição de ensino comprove o aumento.

Esta comprovação de aumento da mensalidade está adequadamente de acordo com o princípio da transparência e da informação. O artigo 4°, do CDC estabelece:

A Política Nacional de Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito a sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:

IV - educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo;”

O artigo 6° do Código de Defesa do Consumidor também dispõe, com um direito básico ao consumidor:

III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;”

Assim, os reajustes das mensalidades se extrapolados os limites inflacionários (deve-se recorrer à pesquisa do índice de cada Estado), a instituição deverá informar o real motivo deste aumento.

Primando ao direito a informação, o artigo 2° da Lei 9.870/99, assim trata:
“O estabelecimento de ensino deverá divulgar, em local de fácil acesso ao público, o texto da proposta de contrato, o valor apurado na forma do art. 1o e o número de vagas por sala-classe, no período mínimo de quarenta e cinco dias antes da data final para matrícula, conforme calendário e cronograma da instituição de ensino”

Com efeito, as instituições deverão divulgar em quarenta e cinco dias de antecedência a eventual proposta de alteração contratual e os valores a ser reajustado (apurados), assim com deverá ser apresentando também no mesmo antes da data final para a matricula, seguindo o calendário e o cronograma. O valor deve ser estipulado no ato da matrícula ou da sua renovação e dividido em mensalidades iguais.

Portanto, os valores reajustados pela instituição de ensino deverá fazer correspondência às despesas desta, de modo a aprimorar o projeto didático-pedagógico ou mesmo para cobrir com reformas e aumentos de salários. No entanto, o principio da transparência, exposto no Código de Defesa do Consumidor não poderá ser olvidado, ou seja, o consumidor tem o direito de solicitar maiores informações para que a fornecedora do serviço prestado comprove a origem do reajuste apresentando a planilha de custo.

Neste sentido, recomenda-se que, não havendo uma justificativa plausível por parte da instituição de ensino, o consumidor ou representante legal, conforme o caso deverá procurar os seus direito, tanto por parte dos órgãos de proteção de defesa ao consumidor, assim como, não tendo efeito (resultado positivo) em efetuar a reclamação a este órgão, deve-se socorrer do Poder Judiciário, de modo, a evitar locupletamento indevido por parte da instituição de ensino e os abusos dos valores a serem pagos.

Para fazer jus ao direito do consumidor, tente o diálogo. Interessante procurar a instituição de ensino e conversar com a direção para que esta explique quanto ao conteúdo da planilha e dos referidos gastos apresentados.

         Caso o diálogo não tenha sido a solução, o lesado deverá promover uma ação judicial para que cesse o aumento de tais valores no ano letivo e a devolução dos valores pagos indevidamente a maior.


         Se estiver previsão de clausula contratual de reajuste de forma abusiva, o artigo 51 do CDC coube por estabelecer a previsão legal, sendo nula de plenos direito as que, “in verbis”:
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;

         Tratando-se de valores pagos indevidamente, se comprovado, é possível que tais valores sejam devolvidos em dobro, conforme dispõe o artigo 42, parágrafo único do Código de Defesa ao Consumidor:

"O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável."

Noutro ponto em relevo, destaca-se a cobrança de mensalidades. Aplica-se ao disposto do “caput” do artigo 42 do CDC:

“Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça”

De acordo com o artigo 5° e 6° da Lei n. 9.870/99:

Art. 5o Os alunos já matriculados, salvo quando inadimplentes, terão direito à renovação das matrículas, observado o calendário escolar da instituição, o regimento da escola ou cláusula contratual.

Art. 6o São proibidas a suspensão de provas escolares, a retenção de documentos escolares ou a aplicação de quaisquer outras penalidades pedagógicas por motivo de inadimplemento, sujeitando-se o contratante, no que couber, às sanções legais e administrativas, compatíveis com o Código de Defesa do Consumidor, e com os arts. 177 e 1.092 do Código Civil Brasileiro, caso a inadimplência perdure por mais de noventa dias.

Em um caso concreto, um aluno foi exposto ao ridículo perante aos, pois o modo de cobrança pela instituição de ensino excedeu os limites legais, tornando vergonhosa a cobrança perante terceiro, no qual caracterizou danos morais, nos termos do art. 186 c/c art. 927 do Código Civil. O aluno em débito jamais pode ser submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça, nem sofrer sanções pedagógicas, como a suspensão de provas ou a retenção de documentos, inclusive aqueles necessários para transferência.

 Veja a ementa do caso concreto:

CIVIL E PROCESSO CIVIL. APELAÇAO CÍVEL. AÇAO DE INDENIZAÇAO. CONTRATO DE PRESTAÇAO DE SERVIÇO DE ENSINO ESCOLAR. ART. 42 DO CDC. COBRANÇA VEXATÓRIA. REVISAO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. 1. O artigo 42, do CDC, afirma que na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça”, impondo um dever de cuidado com a pessoa do consumidor, bem como um dever cooperar com o pagamento de sua dívida (vedando quaisquer meios de cobrança vexatórios), o qual, se desobedecido, ocasiona-lhe dano e, conforme o alcance e a intensidade da conduta perpetrada, pode constituir ilícito civil, ou penal, com as sanções próprias. 2. O CDC consagra a ideia de que o valor da dignidade da pessoa humana, princípio fundante do Estado Democrático de Direito Brasileiro, na forma do art. 1º, inciso III, da Constituição Federal, é superior ao interesse econômico da cobrança do consumidor inadimplente. 4. Regulamentando o art. 209, inciso I, da Constituição Federal, a norma trazida pelo artigo 6º, da Lei nº 9.870/99, a qual regula, dentre outros aspectos, os métodos de cobrança de serviços educacionais, afirma a impossibilidade de suspensão de provas escolares, em caso de inadimplemento quanto às mensalidades escolares. Precedentes do STJ.5. A lide em julgamento tem como cerne a relação de consumo estabelecida entre a instituição Apelante e os pais do autor, que contrataram o serviço particular de ensino ao filho menor, bem como os danos morais decorrentes da situação vexatória, em que o educador expôs ao ridículo o aluno, na presença dos demais, atinente ao impedimento de que este realizasse as “provas finais”.6. “Tem-se que a aferição do dano moral também segue a mesma regra geral do Código de Defesa do Consumidor. Ou seja, a teoria do risco da atividade ou do negócio desenvolvido pelo fornecedor informa igualmente o temo do dano moral que, por conseguinte, configura-se independentemente da existência de dolo ou culpa da conduta do fornecedor responsável pela violação dos direitos da personalidade do consumidor.” (Dano Moral no Direito do Consumidor. Héctor Valverde Santana. São Paulo: RT, 2009, p. 113/114) [grifei]7. Não é adequado entender que ao educador seja dada a possibilidade de transferir exclusivamente ao educando a responsabilidade de informar seus pais ou responsáveis acerca de situação de relevância para sua vida escolar (como a necessidade de prestação de exames finais), sendo certo que tal conduta é, também, de responsabilidade das escolas, nos cuidados da prestação da educação.8. Para a fixação do quantum indenizatório, deve-se estar atento aos critérios há muito sedimentados pela doutrina e jurisprudências pátrias, quais sejam, as circunstâncias em que se deu o evento, a situação patrimonial das partes e a gravidade da repercussão da ofensa, além de se atender ao caráter compensatório, pedagógico e punitivo da condenação, sem gerar enriquecimento sem causa e, por fim, é de suma importância, a observância dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade. Precedente do STJ.9. No caso em julgamento, a sentença recursada especificou o alcance da conduta danosa perpetrada, bem como evidenciou a reprovabilidade do comportamento da ré, enquanto instituição de ensino, voltada para a formação de cidadãos, e observou a situação financeira de ambas as partes na fixação da condenação, sendo acertado o valor arbitrado pelo magistrado sentenciante.10. Recursos conhecidos e improvidos.

(TJ-PI - AC: 201000010027308 PI , Relator: Des. Francisco Antônio Paes Landim Filho, Data de Julgamento: 31/10/2012, 3a. Câmara Especializada Cível)

Alias, em casos cobrança de dívidas (em geral), quando extrapolados os limites normativos configura-se crime ao consumidor, conforme prescreve o Código de Defesa do Consumidor, no artigo 71:

Utilizar, na cobrança de dívidas, de ameaça, coação, constrangimento físico ou moral, afirmações falsas incorretas ou enganosas ou de qualquer outro procedimento que exponha o consumidor, injustificadamente, a ridículo ou interfira com seu trabalho, descanso ou lazer:
 Pena Detenção de três meses a um ano e multa.

Importante destacar que, nem poderia a instituição de ensino promover atos desta natureza, tendo em vista que o Poder Judiciário está à disposição para fazer valer os seus direitos, qual seja cobrar dos seus consumidores os valores não pagos das mensalidades.

Por fim, diante das informações acima apresentadas, de qualquer modo, salvo exceções, o diálogo poderá ser a solução, no entanto, nem sempre será esta a solução de problemas, cabendo o lesado ir em buscar do seu direito, desde que representado por um advogado de confiança do consumidor para fazer valer os seus direitos.




[1] Seguimos os ensinamentos de Paulo de Barros Carvalho sobre a doutrina da Incidência das Normas Jurídicas, mas aplicada para o ramo do direito tributário, no qual vislumbramos em aplicar nas relações privadas.

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