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29/06/2024

Análise a Súmula nº 670 do Superior Tribunal de Justiça (STJ): Ação Penal nos Crimes Sexuais e a Situação de Vulnerabilidade Temporária

    A Súmula nº 670 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) aborda um tema crucial no direito penal brasileiro: a natureza da ação penal nos crimes sexuais cometidos contra vítimas em situação de vulnerabilidade temporária. Esse texto reflete um entendimento consolidado pela Terceira Seção do STJ em 20 de junho de 2024.


    Integra da súmula 670, do STJ:

"Nos crimes sexuais cometidos contra a vítima em situação de vulnerabilidade temporária, em que ela recupera suas capacidades físicas e mentais e o pleno discernimento para decidir acerca da persecução penal de seu ofensor, a ação penal é pública condicionada à representação se o fato houver sido praticado na vigência da redação conferida ao art. 225 do Código Penal pela Lei n. 12.015, de 2009

    A súmula dispõe que, em casos de crimes sexuais praticados contra vítimas que estavam em situação de vulnerabilidade temporária, a ação penal será pública condicionada à representação se a vítima recuperar suas capacidades físicas e mentais e o pleno discernimento para decidir sobre a persecução penal de seu agressor. 

    É importante frisar que essa orientação se aplica quando o fato criminoso ocorreu durante a vigência da redação do artigo 225 do Código Penal conferida pela Lei nº 12.015, de 2009.

    A Lei nº 12.015/2009 trouxe mudanças significativas ao tratamento dos crimes sexuais no Brasil. Antes dessa alteração, os crimes sexuais eram, em grande parte, de ação penal privada, exigindo que a vítima ou seu representante legal tomassem a iniciativa de processar o agressor. 

    Com a nova redação, alguns crimes passaram a ser processados mediante ação penal pública condicionada à representação, ou seja, a persecução penal depende de uma manifestação formal de vontade da vítima.

    A súmula esclarece que, nos casos de crimes sexuais contra vítimas em situação de vulnerabilidade temporária, essa condição de vulnerabilidade não impede a aplicação do regime de ação penal pública condicionada, desde que a vítima recupere suas capacidades e possa, de maneira consciente e esclarecida, optar por representar contra o autor do delito. 

    A situação de vulnerabilidade temporária abrange estados como embriaguez, uso de drogas, ou qualquer outra condição transitória que prejudique a capacidade de discernimento da vítima.

    Esse entendimento é vital para garantir que a vítima, ao recuperar sua plena capacidade de decisão, possa exercer seu direito de escolha sobre a continuidade ou não do processo penal contra o ofensor.

    Destaca-se a importância da proteção da autonomia da vítima, assegurando que, mesmo em situações de vulnerabilidade temporária, sua vontade seja respeitada e considerada no âmbito penal.

    A interpretação conferida pela Súmula nº 670 visa harmonizar a proteção à dignidade da vítima com o respeito à sua autonomia, garantindo que a decisão de representar contra o agressor seja tomada de forma consciente e informada. 

    Além disso, a súmula enfatiza a vigência da nova redação do artigo 225 do Código Penal pela Lei nº 12.015/2009, delimitando temporalmente sua aplicação. Essa delimitação é crucial para a segurança jurídica, evitando interpretações retroativas que poderiam prejudicar direitos fundamentais das partes envolvidas.

    É importante afirmar que, a  ação penal pública condicionada à representação é aquela em que a persecução penal depende de uma manifestação formal da vítima ou de seu representante legal, chamada de representação. Sem essa representação, o Ministério Público não pode iniciar a ação penal.

    Exemplo Prático

    Imagine uma situação onde uma pessoa, durante uma festa, consome uma quantidade excessiva de álcool, entrando em um estado de embriaguez que prejudica seu discernimento e capacidade de consentimento. Durante essa condição de vulnerabilidade temporária, ela é vítima de um crime sexual. Após o ocorrido, a pessoa recupera sua sobriedade, recobrando suas capacidades físicas e mentais e o pleno discernimento. 

    Nesse momento, ela deve decidir se deseja ou não representar contra o agressor para que a ação penal seja iniciada. Somente com essa representação, o Ministério Público poderá dar prosseguimento ao processo criminal contra o acusado.

    Em resumo, a Súmula nº 670 do STJ representa um avanço na interpretação dos direitos das vítimas de crimes sexuais, especialmente aquelas em situação de vulnerabilidade temporária. 

    Ao assegurar que a ação penal seja pública condicionada à representação após a recuperação das capacidades da vítima, a súmula promove um equilíbrio necessário entre a proteção estatal e a autonomia individual, fortalecendo a resposta penal às violências sexuais de maneira justa e humanizada.



25/08/2020

É POSSÍVEL ALTERAR A SUBSTITUIÇÃO DE PENA POR NÃO CONSEGUIR CONCILIAR COM O TRABALHO?

Imagina-se a seguinte situação: José foi condenado ao cumprimento de pena em determinado processo, que foi convertida em restritiva de direitos por meio de prestação de serviços à comunidade.


Antes mesmo do processo, José já trabalhava em carteira assinada há muitos anos, no entanto, a jornada de trabalho o dificulta para o cumprimento de prestação de serviços à comunidade.

Diante desta situação apresentada, questiona-se, é possível alterar a substituição de penal?

A resposta está no texto legal. Nos termos do artigo 148 da Lei de Execução Penal que:

Em qualquer fase da execução, poderá o Juiz, motivadamente, alterar, a forma de cumprimento das penas de prestação de serviços à comunidade e de limitação de fim de semana, ajustando-as às condições pessoais do condenado e às características do estabelecimento, da entidade ou do programa comunitário ou estatal.

Neste ponto, caberá ao juiz por ato motivado que se manifeste acerta do pedido formulado por aquele que cumpre a pena, verificando quanto à possibilidade de ou não de alterar:

·        A forma do cumprimento de pena de prestação de serviços à comunidade
 
·       
Limitação de fim de semana

Interessante observarmos que, o art. 148 da LEP, reservou ao juiz por ato discricionário atentar-se quanto aos critérios subjetivos do apenado, a fim de ajustar suas condições pessoais, as características do estabelecimento, da entidade ou do programa comunitário ou estatal.

Portanto, o julgador analisará caso a caso, segundo a orientação da reserva de lei e das provas necessárias, para que possa alterar a forma de cumprimento de pena de prestação de serviços à comunidade, como por exemplo, modificar o horário e dia, porém, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça, não significa “carta branca” alterar o seu conteúdo.

Em relação ao conteúdo, o STJ coube por estabelecer que, não se pode modificar uma pena de prestação de serviços à comunidade por prestação pecuniária[1].

Claramente, não se sabe dizer ao certo se a decisão do STJ foi equivocada ou não, mas, a atenção ao princípio da legalidade foi o motivo determinante, apesar de que, teria muito mais benefício ao apenado substituir a prestação de serviços à comunidade mediante ao pagamento em dinheiro que, por muitas e vezes a preocupação está relacionada às consequências, pois num futuro descumprimento acarretará na conversão para o regime aberto.

Assim, podemos concluir que, é possível alterar a forma de cumprimento das penas de prestação de serviços à comunidade e de limitação de fim de semana, ajustando-as às condições pessoais do condenado, adaptando as peculiaridades do caso concreto, ao possibilidade o cumprimento da pendida pelo condenado, sem prejudicar o seu trabalho e sustento, desde que, com as provas devidamente juntadas aos autos para avaliação do juiz.

 Contudo, não se pode alterar a própria espécie de pena, por ausência de previsão legal neste sentido, conforme entendimento do STJ, que já havia entendimento pacífico [2]


No caso hipotético do José, tratado no início deste breve texto, a solução é pedir que o juiz modifique o modo de cumprimento da pena de prestação comunitária, conforme sua condição de tempo e horário, porém, não poderá se eximir-se de seu devido cumprimento.


[1] HC 582.136, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado 04.08.2020.

[2] HC 38.052/SP, Rel. Ministro  ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 21/03/2006, DJ 10/04/2006 p. 236.


11/07/2020

Crimes na Lei de Licitações: Análise ao Artigo 96 da Lei nº 8.666/1993

 

 Fraude à Licitação

Análise ao Artigo 96 da Lei nº 8.666 de 21 de Junho de 1993

Art. 96. Fraudar, em prejuízo da Fazenda Pública, licitação instaurada para aquisição ou venda de bens ou mercadorias, ou contrato dela decorrente:

I - elevando arbitrariamente os preços;

II - vendendo, como verdadeira ou perfeita, mercadoria falsificada ou deteriorada;

III - entregando uma mercadoria por outra;

IV - alterando substância, qualidade ou quantidade da mercadoria fornecida;

V - tornando, por qualquer modo, injustamente, mais onerosa a proposta ou a execução do contrato:

Pena - detenção, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.

 

Tutela jurídica

O núcleo central de proteção é repressão de toda e qualquer postura ou forma de se violar interesses, no qual se objetiva traçar uma tutela ainda maior, buscando uma igualdade entre os licitantes, assim como, trazendo para a prática, uma posição de competitividade.

Ademais, não devemos esquecer que, os princípios comportamentais devem ser preservados, cabendo a todos os licitantes agirem com lealdade entre si, apresentando informações verídicas a todos, inclusive ao Poder Público.

Certamente que o crime visa a reprimir o patrimônio público da entidade que sofre o prejuízo proveniente das condutas de terceiros, ao passo que, o artigo 96 da Lei de Licitações e Contratos estabelece de forma expressa que somente diz respeito ao prejuízo à Fazenda Pública, no entanto, reveste-se de maior fragilidade aos destinatários que receberam produtos, culminando em prejuízos de ordem coletiva. Imaginem o estrago que um medicamento deteriorado possa ocasionar, pois quando ministrado por diversas pessoas doentes causa mortes de pacientes, decorrente de fraude na licitação.

Para fins de aplicação efetiva do texto legal, é preciso delimitar as bases conceituais, como objeto de tutela jurídica do crime de fraude, traçando apenas a delimitação de Fazenda Pública está mais pautado ao aspecto patrimonial do ente estatal, afastando-se eventuais prejuízos de ordem moral, bem como englobar todas as entidades licitantes. Portanto, trata-se de um crime de dano,  ao passo que, é considerado um dos crimes grave dentre os crimes previstos na Lei de Licitações e Contratos.

 

Elementos do tipo penal

A compreensão inicial mais cômoda ao texto legal está consubstanciada no ato comissivo fraudulento à licitação, implicando em meios artificiosos e ardis, com o escopo de ocasionar prejuízo de ordem patrimonial ao erário.

Note-se que o art. 96 faz menção apenas em caso de licitação instaurada para aquisição ou venda de bens, mercadorias, ou contrato dela decorrente, afastando-se o crime quando houver a prestação de obras e serviços, conforme o STF já assentou, devido ao princípio da taxatividade[1] e que posteriormente o STJ considerou recentemente que, tipo penal deveria prever expressamente a conduta de contratação de serviços fraudulentos para que fosse possível a condenação do réu, uma vez que o Direito Penal deve obediência ao princípio da taxatividade, não podendo haver interpretação extensiva em prejuízo do réu[2].

 

Vejamos tais condutas tipificadas no artigo 96 da Lei n. 8.666/93, que tratam como atos fraudulentos, conforme breves comentários:

I - elevando arbitrariamente os preços

Resta evidente que o dever do servidor público que conduz a licitação e o contrato administrativo, de verificar se os preços dos licitantes estão condizentes com a realidade, ou seja, conforme  o mercado, fixados por órgão oficial competente ou constante do registro de preços, devendo constar em ata de julgamento, devendo o responsável pela licitação, desclassificar propostas desconformes ou incompatíveis. (art. 43, IV, da Lei n. 8.666/1993).

Desta feita, o licitante deverá apresentar os preços em conformidade ao mercado, mas poderá depois da contratação promover a discussão de valores, tendo em vista que a própria Lei de Licitações e Contratos estabelece como oportunidade do equilíbrio econômico-financeiro contratual, no qual poderá o particular propor a modificação de preços, desde que devidamente fundamentada, conforme os requisitos previstos em lei (art. 57 e seguintes da Lei n. 8.666/93).

Fatalmente, a ausência de justificativa plausível na elevação de preço e a adequada fundamentação prevista em lei, por parte do licitante, caracteriza-se como crime de fraude à licitação por elevar os preços arbitrariamente, no qual se consuma no momento do oferecimento da proposta na licitação ou por meio formal no pedido de aditamento contratual.

Entendemos que a tentativa é inadmissível na prática, pois a finalidade especial deste crime é causar prejuízo da Fazenda Pública em seu aspecto patrimonial.

Acerca desta espécie de fraude, o STJ entende ser possível o concurso de crimes entre os delitos do art. 90 (fraudar o caráter competitivo do procedimento licitatório) com o do art. 96, inciso I (fraudar licitação mediante elevação arbitraria dos preços), da Lei de Licitações, pois tutelam objetos distintos, afastando-se, portanto, o princípio da absorção[3].

II - vendendo, como verdadeira ou perfeita, mercadoria falsificada ou deteriorada;

Infelizmente é um dos comportamentos mais comuns na prática, no qual a Administração Pública passa a ser ludibriada por terceiros, num ato de fraude que pode trazer inúmeros efeitos negativos.

Denota-se que a legislação estabelece como a conduta “vendendo”, sendo mesmo que dizer que alguém está realizando a ação de vender, que está comerciando[4], no qual  resta saber se é a conduta está em continuidade ou já se perfez com o tempo para fins de criminalização. É evidente que seria mais cômodo ao legislador ter apenas incluído o verbo “vender” como suficiente para a compreensão fática, no entanto, assim não o fez, mas isto não significa que o sujeito do crime deverá estar agindo para a caracterização da conduta tida como fraudulenta, podendo inclusive, descobrir que há um determinado período, uma empresa forneceu à Administração Pública mercadorias falsificadas ou deterioradas.

De forma simples e objetiva, o ato de vender, é transferir o domínio de um objeto, no qual as partes interessada paga e a outra recebe mediante pagamento. A entrega de mercadoria vendida pelo licitante à Administração Pública se efetiva pela relação contratual entre ambas as partes, podendo ser por meio de licitação pública, ou mesmo hipóteses de dispensa ou inexigibilidade, conforme previsto em lei.

Ainda, podemos afirmar que se consuma como conduta criminosa, o ato de vender mercadoria como se fosse verdadeira ou em perfeitas condições, com o objetivo de causar prejuízos à Administração Pública. Para fins didáticos um breve exemplo, a aquisição de equipamentos hospitalares para o combate à Convid 19 (Coronavírus), que apresentava defeitos.[5] Se restar comprovada a fraude de que vendeu produtos com defeitos ou vícios redibitórios[6], não somente deverá o licitado devolver aos cofres públicos os valores pagos, como também, seus responsáveis responderão criminalmente.

Há que mencionar, quanto ao risco do negócio jurídico inerente a contratação de empresa internacional não sediada no País para o fornecimento de mercadorias, no qual será quase que impossível incriminar o responsável, bem como responsabiliza-lo civilmente, no tocante ao ressarcimento dos prejuízos ocasionados. De fato é o grande desafio para a Administração Pública.

É possível compreendermos que, a esfera civil ser distinta da criminal, no entanto, se houver a devida reparação do dano ou restituída à coisa até o oferecimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do contratado, a pena será reduzida em um a dois terços (art. 16, Código Penal). No tocante a reparação, poderá ser extrajudicial, judicial ou por meio de acordo. Podemos citar como exemplo, um contratante descobre que também foi enganado por seu fornecedor e já distribuía perante a entidade pública determinados produtos falsos, ao invés de silenciar-se quanto aos fatos, resolve ressarcir os valores pagos  durante a execução do contrato.

No que diz respeito à mercadoria falsificada,  sendo aquele fornece produtos sabidamente falsos, por motivos óbvios e que pretende lesar o erário e prejudicar os demais licitantes, que poderiam fornecer os mesmos produtos mas originais. O exemplo claro, e muito comum é a aquisição de cartucho (ou toner) de tinta para impressora como adulterado ou falso[7].

Quanto a mercadoria vendida como deteriorada, seria o mesmo que estragada para fins penais. Imagine merendas estragadas sendo entregues as crianças em escolas ou creches públicas ou, medicamentos vendidos à Administração pública com prazo de validade vencidos. Com tais exemplos, percebe-se que de fato, a tutela penal é coletiva evitando-se que efeitos negativos possam surgir logo no início da prestação de serviços pela Administração Pública, como num hospital, escola pública, ou mesmo em determinada repartição pública, ao passo que os prejuízos não somente de ordem financeira estarão evidentes.

É importante dizer que a prova pericial ou laudo técnico sobre os fatos deverão estar presentes no caso concreto, não podendo estabelecer qualquer prova por dedução.

III - entregando uma mercadoria por outra;

Ao que se faz a leitura do texto legal, logo, se resume na expressão comum, “trocar gato por lebre”. Trata-se de outra modalidade de vício na execução dos contratos administrativos, visto que a mercadoria é modificada em sua totalidade.

Por exemplo, a Administração Pública visa adquirir medicamentos para o tratamento do câncer por meio de licitação, no entanto, a empresa vencedora entrega medicamentos ao combate à insônia ou antidepressivos, sendo totalmente diversa do que prevê no contrato firmado com o ente público.

O crime se perfaz com a efetiva entrega da mercadoria por outra, não sendo possível a tentativa.

 

IV - alterando substância, qualidade ou quantidade da mercadoria fornecida;

 Na sistemática lógica ao combate a fraude licitatória, o ato de alterar a base substancial, a qualidade ou mesmo a quantidade da mercadoria fornecida torna-se evidente antes ou após a contratação com a Administração Pública.

Em verdade, o ato de alterar a substância, qualidade e quantidade de determinada mercadoria é comparado ao de falsificar, restando evidenciado o cerco terminológico daqueles que buscam o prejuízo de ordem financeira à Administração Pública como consumação do delito.

Podemos citar por diversos exemplos práticos: a alteração de cartuchos de impressoras com miligramas abaixo do que previsto contratualmente; modificação química de um medicamento tornando-o mais fraco e com menos quantidade na dosagem; alteração da gasolina no posto de combustíveis que abastece veículos da administração pública, contratada por licitação.

Em todo e qualquer caso, o dolo precisa ser provado e evidente, ou seja, a vontade livre e consciente de causar o resultado, o prejuízo patrimonial à Administração Pública. Portanto, não se presume o dolo em alterar a substância, qualidade ou quantidade da mercadoria objeto de contratação com a administração, e não existindo provas suficientes para demonstrá-lo[8] e que na prática, o laudo de exame em material deverá constatar de que houve a alteração da mercadoria.

 

V - tornando, por qualquer modo, injustamente, mais onerosa a proposta ou a execução do contrato

 

         Claramente, nem sempre a Administração Pública conseguirá aplicar a regra da proposta mais vantajosa em prol do interesse público, cabendo observar o justo equilíbrio entre custo e benefício.

         A questão do equilíbrio financeiro nos contratos administrativos por vezes é necessária, desde que devidamente justificados e aceitos pela Administração Pública, entretanto, o ato do contratado de onerar de forma injustificada, que ocasione despesas, gastos, que seja dispendiosa a execução do contrato ou sua proposta.

         É semelhante do ato de fraude proveniente de elevação arbitrária de preços, contudo, ao tornar, por qualquer meio a fraude para aquisição de venda de bens ou mercadorias, mas que fique mais dispendiosa a relação contratual por parte da Administração Pública. O inciso V do artigo 96 da Lei n. 8.666/96 deve aplicado com outros elementos que assim possam caracteriza-lo como crime, haja vista que incumbe á Administração Pública o aceite da proposta apresentada pelo licitante e se está realmente em conformidade ao valor de mercado, sendo que, por outro lado, existe a liberdade econômica ao particular de dispor quais os valores deseja vender determinada mercadoria, podendo inclusive não ser escolhida sua proposta pelo fato que a Administração Pública, pois estará em desconformidade com a proposta mais vantajosa em prol do interesse coletivo.

         No tocante ao ato do licitante em tornar a execução do contrato mais oneroso à Administração Pública, é possível, mas deverá estar evidente o dolo, ou seja, a vontade livre e consciente de produzir o prejuízo para a contratada. Citamos um exemplo hipotético, a aquisição de um maquinário tecnológico para fins de captação de som, no qual o licitante não transmite adequadamente aos custos de manutenção do equipamento, tornando-a onerosamente injusta a execução do contrato por impossibilidade de continuação da mantença do objeto adquirido.

         Tanto na proposta onerosa ou mesmo na execução do contrato, a vontade livre e consciente devendo estar comprovado para se imputar criminalmente o sujeito ativo (licitante ou vencedor da licitação), ao passo que, ausente o dolo, não há que se dizer que houve o crime.

         Ação Penal e Procedimento Processual

Assim como todos os crimes previstos pela Lei 8.666/93, artigo 96 será ação penal pública incondicionada, cabendo ao Ministério Público promovê-la, no entanto, será admitida ação penal privada subsidiária da pública, se não for ajuizada no prazo legal, aplicando-se, aplicando os arts. 29 e 30 do CPP, nos termos do art. 103.

É possível promover a Notícia do crime (notitia criminis de cognição mediata), ou seja, qualquer pessoa poderá provocar o judiciário, para os efeitos de aplicação da lei de licitações, se não intentado por iniciativa do MP, cabendo o interessado fornecer por escrito informações sobre o fato e sua autoria, assim como as circunstâncias em que se deu a ocorrência. Notícia do crime. Art. 101.

         Pena, procedimentos e Acordo de Não Persecução Penal

         A pena prevista é detenção, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.

         Por se tratar de pena de detenção não admite que se inicie o cumprimento em regime fechado, sendo que, em regra a detenção é cumprida no regime semiaberto, em estabelecimentos menos rigorosos como colônias agrícolas, industriais ou similares, ou no regime aberto, nas casas de albergado ou estabelecimento adequado[9].

         Não é possível aplicar a Lei n. 9.099/95, por se se considerar como crime de menor potencial ofensivo, sendo inaplicável o instituto da suspensão condicional do processo.

         É possível o acusado de o crime beneficiar-se do instituto de Acordo de Não Persecução Penal, pois o artigo 96, da Lei de Licitações e Contratos Administrativos não são condutas capazes de apresentar violência ou grave ameaça e a pena mínima é inferior a 4 (quatro anos), podendo o Ministério Público ofertar o referido acordo, desde que, cumpridas todas as circunstâncias previstas no artigo 28-A do Código de Processo Penal.



[1] Supremo Tribunal Federal STF - INQUÉRITO: Inq 9955100-38.2011.0.01.0000 MT - MATO GROSSO 9955100-38.2011.0.01.0000.

 

[2] Superior Tribunal de Justiça,  STJ REsp 1571527/RS, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 06/10/2016, DJe 25/10/2016

[3] Julgados: REsp 1315619/RJ, Rel. Ministro CAMPOS MARQUES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/PR), QUINTA TURMA, julgado em 15/08/2013, DJe 30/08/2013; REsp 1790561/RS (decisão monocrática), Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 30/05/2019, publicado em 31/05/2019; AREsp 1217163/MG (decisão monocrática), Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 11/09/2018, publicado em 26/09/2018. (Vide Informativo de Jurisprudência N. 530).

 

[6] É o defeito oculto da coisa recebida que a torna inapropriada ao fim a que se destina ou que lhe diminui o valor.

[7] Tribunal de Justiça de São Paulo TJ-SP: 0008786-34.2011.8.26.0168 SP 0008786-34.2011.8.26.0168

[8] Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios TJ-DF - APR : APR 0040717-07.2008.807.0001 DF 0040717-07.2008.807.0001

15/05/2020

É POSSÍVEL ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL EM AÇÕES JUDICIAIS EM CURSO?


 


         Um dos questionamentos de ordem prática, diz respeito quanto à possibilidade ou não, de aplicar o instituto de acordo de não persecução penal em curso, ou seja, durante o processo penal.

         Antes mesmo de darmos uma posição sobre o referido questionamento, é necessário que tenhamos uma breve noção sobre o acordo de não persecução penal, que foi inserido pelo Pacote Anticrime (Lei n. 13.964/19), ao acrescer o artigo 28-A do Código de Processo Penal.

         Com a finalidade de compreendermos melhor, a novel inserção legislativa define apenas o momento e os requisitos em que se aplica o acordo de não persecução penal na prática, porém, sem delimitar quanto ao conceito especificamente.

É preciso afirmar que, quando estamos a traçar conceitos e princípios a tendência que o objeto seja mais claro possível, a fim de se evitar interpretação extensiva ou restritiva acerca de determinado ponto em questão.

Em verdade, a finalidade da ciência jurídica é estabelecer e construir conceitos a partir da norma em concreto para que se possa facilitar ainda mais o conhecimento jurídico, não sendo adequado nem mesmo proveitoso apenas a replicar o texto legal, podendo causar inclusive, uma falsa impressão de que entendeu bem o aspecto finalístico e se esgotou ao tema. Pois bem.

         Conforme a leitura que se faz do artigo 28-A do Código de Processo Penal, em nada explica sobre o acordo de não persecução penal, apenas diferencia que não pode ser aplicado em caso de arquivamento do processo, devendo o investigado ter confessado formalmente, assim como, que a natureza do crime não tenha sido por violência ou grave ameaça e com pena em até quatro anos.

         Conceituando, mas de modo inverso, a persecução penal é atividade que o Estado desenvolve no sentido de tornar realizável a repressão penal por meio de um processo, no qual o Ministério Público oferecerá a denuncia, desde que estiverem presentes todas as provas em face do autor, conforme estabelece o art. 41 do CPP[1].

Desta forma, a não persecução penal é o ato de deixar de praticar a repressão de um ato criminoso, de forma autorizada pela lei (art. 28-A, CPP), cabendo o interessado aceitar o acordo para que a ação penal não tenha o seu devido curso, realizando em verdade, um ajuste de condições entre o MP e investigado devidamente assistido.

Há quem defenda que o referido instituto ser a segunda velocidade do Direito Penal ao relativizar a promoção dos direitos e garantias fundamentais, possibilitando punição mais célere, mas, em compensação, prevê como consequência jurídica do crime uma sanção não privativa de liberdade, de acordo com as lições teóricas de Jesús-María Silva Sánchez[2].

Feitas tais considerações, indaga-se: é possível (ou não) o acordo de não persecução penal após a denúncia, ou seja, nas ações em curso?

Ao que se percebe, somente será possível o Acordo de Não Persecução Penal antes da propositura da ação penal, ou seja, durante procedimentos investigatórios e antes do oferecimento da denúncia, entretanto, o artigo. 28-A do CPP nada diz respeito quanto à possibilidade de aplicação em ações penais em curso.

A questão da inaplicabilidade do ANPP[3] em processos em andamento, diz respeito que as regras novas possuem um caráter meramente instrumental ou processual, devendo observar aos deslindes do tempus regit actum, sendo lhe necessário aplica-las a partir de sua entrada em vigor.

Todavia, há quem defenda que o ANPP detém valor de caráter substancial ou material, pois promove a sua incidência despenalizadora, especialmente quanto à aplicação de pena e extinção de punibilidade.

Para solucionar o deslinde da questão inerente à aplicação do ANPP nas ações judiciais em curso, deve-se observar que o justo e necessário equilíbrio entre o instrumental e o substantivo, ao passo que, a natureza do instituto é bifronte, pois está umbilicalmente ligado à valores como fonte a Constituição Federal de 1988, no artigo 5°, XL, “tratando que a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”.

Além disso, em bases instrumentais o artigo 3° do Código de Processo Penal, estabelece que: “a lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais do direito”. Explica-se que, numa aplicação analógica que, se existem outros institutos despenalizadores inseridos em nosso sistema jurídico penal, como a suspensão condicional do processo e a transação penal, no qual o Supremo Tribunal Federal assentou ser cabível aplicar tais institutos mesmo em processos em curso, à luz do artigo 5°, XL, da CF/88[4], visto que não há na Constituição limite a aplicação de direitos sensíveis em razão de determinada fase processual.

Em conclusão defende-se que, mesmo que o Ministério Público já tenha promovido a denúncia, nada impediria que apresentasse a proposta de Acordo de Não Persecução Penal por se tratar de norma de caráter despenalizadora conforme já dito, desde que, estejam cumpridos os requisitos estabelecidos em lei para que se possa empregar a aplicação analógica, no entanto, é sabido que, por se tratar de um novel instituto, ao que tudo indica, sob o ponto de vista de adequação dúplice (material e processual) ser das mais sábias e evidentes na prática, ainda possam surgir argumentos contrários, para não aplicar o acordo em ações judiciais em curso.

 

 



[1] Art. 41. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas.

 

[2] A expansão do direito penal: aspectos da política criminal nas sociedades pós-industriais. Trad. Luíz Otávio de Oliveira Rocha. São Paulo: RT, 2002.

 

[3] Para facilitar ao caro leitor e familiarizar-se quanto a sigla, leia-se: Acordo de Não Persecução Penal.

[4] V. STF - ADI: 1719 DF, Relator: JOAQUIM BARBOSA, Data de Julgamento: 18/06/2007, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-072 DIVULG 02-08-2007 PUBLIC 03-08-2007 DJ 03-08-2007 PP-00029 EMENT VOL-02283-02 PP-00225 RB v. 19, n. 526, 2007, p. 33-35


21/04/2020

A IMPORTÂNCIA DA CADEIA DE CUSTÓDIA NO PROCESSO PENAL, CONFORME O PACOTE ANTICRIME (LEI 13.964/2019)



Aos que não se acostumaram com as alterações provindas pelo Pacote Anticrime (Lei 13.964/2019) a cadeia de custódia não tem ligação alguma quanto às prisões e suas espécies, mas estão relacionados aos meios de produção de prova precedida por fases.

         O artigo 158-A, do Código de Processo Penal inserido pelo Pacote Anticrime tratou por estabelecer uma definição legal sobre o instituto, como:

Considera-se cadeia de custódia o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir do seu reconhecimento até o descarte. (grifo nosso).

A partir da definição do artigo acima, que podemos trazer algumas colocações de natureza cientifica em partes para fins de compreensão:

Assim, a cadeia de custódia é toda concatenação de procedimentos a serem utilizados com o escopo de assegurar e documentar a história cronológica do vestígio coletado, tanto em locais, quanto em vítimas de crimes, para que seja rastreada a posse e o manuseio, desde o reconhecimento até o ato final, na fase do descarte.

Interessante observarmos que o art. 158-A, § 1° do CPP, institui que o marco inicial da cadeia de custódia é a preservação do local do crime, com procedimentos policiais ou periciais nos quais seja devidamente detectada a existência de vestígios.

Ao fazermos uma leitura nos § 2° e 3° do artigo 158-A do CPP, podemos extrair  quanto a conceito do vestígio, assim como, como potencial interesse para a produção de prova pericial, ao imputar a responsabilidade do agente que assim reconhecer.

O vestígio é todo objeto ou material bruto, visível ou latente, constatado ou recolhido, que se relaciona à infração pena (art. 158-A, § 2°, do CPP).

 Portanto, ao agente público incumbirá na tarefa de reconhecimento de determinado elemento potencial de interesse para a produção de prova pericial, deverá agir preservando-a. É importante salientarmos, logo que a autoridade policial tiver conhecimento da prática da infração penal, obrigatoriamente terá que dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado e conversação das coisas até a chegada dos peritos criminais, bem como apreender os objetos que tiverem relação com o fato e colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias (art. 6° do CPP).

Alias, sobre o papel da preservação da prova pelo agente público na fase inicial da cadeia de custódia, podemos afirmar que se trata de uma condição de validade crucial e indispensável.

Imagine-se uma interceptação telefônica sem o devido deferimento de uma decisão fundamentada pelo juiz, ou seja, sem o procedimento obrigatório, como estabelece o artigo 5° da Lei 9295/96. Logicamente, a prova sem o deferimento do juiz se tornará como nula, pois ausente à condição de validade, no exemplo hipotético.

Ocorre que, todas as espécies de provas não poderão ser produzidas sem o adequado contorno que as normas assim estabelecem, bem como não se pode aceitar que sejam contaminadas, pois sua preservação afeta a credibilidade numa futura ação penal.

 É certo e incontestável que não pode aceitar as provas ilícitas quando obtidas por meios ilícitos conforme preceito Constitucionalmente assegurado (art. 5°, LVI), sendo que a exigência da fonte de provas como fator crucial de autenticidade e promoção de tais valores.

O artigo 158-B, do CPP representa o cunho didático do diploma legal alterado ao tratar que a cadeia de custódia será produzida conforme o rastreamento de vestígios, devendo preceder de diversas etapas. Podemos enumera-las:

1)   Recolhimento;
2)   Isolamento;
3)   Fixação;
4)   Coleta;
5)   Acondicionamento;
6)   Transporte;
7)   Recebimento;
8)   Processamento;
9)   Armazenamento;
10)  Descarte.

Ainda, a alteração legislativa estabelece que a coleta de vestígios que deverá ser realizada por um perito oficial preferencialmente que dará o encaminhamento necessário para a central de custódia, mesmo quando houver a necessidade de se realizar exames de natureza complementar (art. 158-C, do CPP).

Quanto à realização de um perito para a coleta de vestígios, a alteração legislativa não deixou margens de dúvidas que será realizada por um perito oficial, ou seja, aquele que tenha sido aprovado em concurso público e posse efetiva para realização de tais atividades de natureza técnica.

Todos os vestígios coletados durante o inquérito policial ou processo ficarão a cargo de um órgão central criminal incumbirá à tarefa de seu tratamento, sendo proibida a entrada de em locais isolados, bem como a remoção de vestígios antes da liberação por parte do perito responsável e, se agir em contrariedade a tais regras haverá a tipificação de crime de fraude processual[1], conforme prevê o artigo 347 do Código Penal[2].

Salienta-se que todos os vestígios serão armazenados de acordo com seu tipo, ao passo que todos deverão ser selados com lacres e numeração individualizada com o objetivo de garantir a inviolabilidade e idoneidade. De fato, a preocupação em preservação dos vestígios e suas características é uma tarefa árdua para o agente público, sendo que o recipiente armazenado somente será aberto pelo perito que rá analisar tais vestígios, inclusive poderá ser autorizado por pessoa autorizada por este ao seu manuseio, desde que o ato seja devidamente motivado (art. 158, D, do CPP).

A artigo 158-E do CPP, estabelece que os Institutos de Criminalística deverão ter uma central de custódia para o armazenamento e controle dos vestígios, no qual sua gestão deve ser vinculada ao órgão central de perícia oficial. O artigo 158-F, do CPP, prescreve que após a realização da perícia, o material deverá ser devolvido à central de custódia, devendo assim permanecer.

É claro que toda alteração legislativa acerca da inserção da cadeia de custódia ser fundamental, pois a finalidade principal é impedir que qualquer pessoa possa realizar a manipulação indevida de determinadas provas que, fatalmente, poderá gerar efeitos futuros, como uma incriminação ou absolvição de uma pessoa num processo penal, assim como detém um peso relevantíssimo na prática, especialmente quanto a decisão judicial, evitando-se que se tenha uma decisão tida como injusta.

No tocante ao aspecto decisório na utilização das provas produzidas por meio da cadeia de custódia, podemos observar quer critérios objetivos estarão afrente dos subjetivos, portanto, quando o juiz decidir baseando-se em prova produzida e analisada por perícia irá se valer aos aspectos técnicos para que possa atuar com mais assertiva e não apenas em meras evidências.

Necessário afirmarmos que, quando um juiz se baseia estritamente em evidências concordamos que toda a cadeia de custódia foi corrompida, de modo a trazer uma falsa sensação de verdade no plano dos fatos. 

É cristalino compreendermos num breve exemplo, de uma interceptação telefônica ter sido utilizada em desfavor de um acusado em partes e não em sua integralidade, acabando por afastar toda a realidade, pois ao utilizar um breve trecho, logo, criará numa “verdade” inexistente. Seguramente não se resume apenas nesse exemplo mencionado e que, em diversas situações se percebe o esquecimento de uma cadeia de custódia aplicada de sua integralidade, ou seja, toda a sua trajetória realizada, desde o ato de colheita de provas até que seja devidamente inserta no processo para análise de seus interessados.

Além disso, na construção de uma paridade de armas, o contraditório no processo penal no Estado Democrático de Direito jamais pode perder seu espaço, por se tratar de uma garantia constitucionalmente assegurada. 

Neste prisma, dos princípios podem ser aplicados ao presente momento, com a “mesmidade” e a confiança, que nos ensina Geraldo Prado[3]. Sobre o princípio da mesmidade, a prova precisa ser valorada em sua integralidade que foi acolhida. Já o princípio da desconfiança, deve-se observar que as regras de acreditação estará presente e um base cronológica no que diz respeito a cadeia de custódia robustecem as provas produzidas para futura valoração do julgador no processo penal.

Por derradeiro, percebe-se que o legislador ao inserir a cadeia de custódia no processo penal buscou conferir ainda que teoricamente que as provas produzidas não sejam contaminadas em busca da verdade real. Entretanto, seria utópico ou mesmo levando ao endeusamento da integralidade das provas na prática, haja vista que não somente o coletor das provas, como também o julgador são seres humanos sujeitos a falhas, mas de toda sorte, trata se de um instrumento em favor do contraditório ao exigir uma contraprova processual, passando-se a exigir que a cadeia de custódia não seja aquebrantada.




[1] art. 158-C,§1° e § 2° do CPP
[2] Art. 347 - Inovar artificiosamente, na pendência de processo civil ou administrativo, o estado de lugar, de coisa ou de pessoa, com o fim de induzir a erro o juiz ou o perito:
Pena - detenção, de três meses a dois anos, e multa.
Parágrafo único - Se a inovação se destina a produzir efeito em processo penal, ainda que não iniciado, as penas aplicam-se em dobro.
[3] PRADO, Geraldo. “Prova Penal e sistema de controles epistêmicos. A quebra da cadeia de custódia das provas obtidas por métodos ocultos.” São Paulo, Marcial Pons, 2014.


25/03/2020

É POSSÍVEL PRISÃO DOMICILIAR E MEDIDAS ALTERNATIVAS DIVERSAS DE PRISÃO DECORRENTE DE SURTOS DE CORONAVÍRUS?




         Em tempos difíceis como o atual, com a propagação do Covid-19 em escala mundial, jamais imaginada perante as nações que, passamos refletir o campo de atuação de Direitos Humanos Fundamentais em diversas esferas do Direito[1].

         Adentrando ao tema, o Supremo Tribunal Federal não referendou a liminar do ministro Marco Aurélio que conclamava juízes do país a analisarem alternativa a prisão, como regime semiaberto e liberdade condicional a presos com mais de 60 anos, grávidas, e com doenças crônicas, por conta do surto do coronavírus (ADPF n. 347).

         Para fins práticos, colocar presos em liberdade apenas por conta da propagação do coronavírus não é o caminho mais adequado e honestamente, o mais prudente, devendo observar outras peculiaridades, conforme a legislação em vigor e na linha de raciocínio do STF.

         No tocante a tais peculiaridades especificadas em lei, devemos também nos atentar que existem questões de natureza médica, pois somente estarão vulneráveis aqueles que já tenham doenças preexistentes, como diabete, hipertensão, câncer, doenças vasculares, asma, problemas pulmonares e respiratórios, ou mesmo, aqueles que tenham sua imunidade baixa do que outras pessoas, como pessoas portadores de HIV e problemas neurológicos.

         Das lições que se extraí da decisão do Supremo Tribunal Federal, é que o Poder Judiciário, na maioria dos casos, concedeu a credibilidade da ciência médica, valendo-se de tais orientações para proferir decisões e alterar o estado de vida das pessoas.

É neste ponto que, fosse justificável que caberá ao juiz verificar não somente ao aspecto normativo de concessão de uma prisão domiciliar, como também, observar aos aspectos técnicos que embase uma decisão mais pontual e com menos erros possível, afinal, está se a lidar com vidas humanas, independentemente de estar sob custódia do Estado, via cárcere.

Assim, exige-se, como de costume, ao julgador em qualquer instância judicial (do juiz de primeiro grau, até o ministro das cortes supremas do País), buscar na efetiva e sensata promoção dos Direitos Humanos Fundamentais ao conceber a prisão domiciliar, desde que atendidos os requisitos de ordem técnica e de elementos de provas capazes de trazer a maior segurança jurídica de sua decisão.

Obviamente, há que se fazer a distinção entre aqueles que já foram condenados e cumprem a pena, daqueles que ainda estarão para cumprir, mas ambos os casos, é possível prisão domiciliar, no entanto, com ritos diversos.

Quanto à possibilidade de o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar, caberá observar ao que estabelece em lei em casos específicos, ao indiciado ou acusado, como (art. 318, do CPP):

a)   Em decorrência da idade:

Existe uma diferença entre idades. O julgador somente poderá substituir a prisão preventiva pela domiciliar se o acusado ou indiciado tiver com idade acima de 80 anos (art. 318, I, do CPP).
Se o houver sentença transitada em julgado, será admitido ao condenado maior de 70 anos de idade, apenas para quem cumpre o regime aberto para que possam cumprir o restante da pena em regime domiciliar (Lei de Execução Penal).

Em ambas as idades estão devidamente previstas em lei. No entanto, surge uma breve indagação: É possível que o magistrado conceda prisão domiciliar aos acima de 60 anos?

Defendemos ser possível, ainda que a idade esteja fora da previsão estabelecida em lei, haja vista a aplicação do princípio da proteção integral do idoso, pois a Lei n. 10.741/2003, conhecida como Estatuto do Idoso define que, os direitos dos idosos iniciam-se a partir dos 60 anos de idade.

Sob o olhar da ciência médica, recomenda-se também a prisão domiciliar, pois, a partir desta idade o sistema imunológico tende a deteriorar com o tempo, o que prejudica ainda mais a resposta do organismo a vírus e bactérias[2].

         Assim, entendemos que, tanto para processos em curso, quanto para os já sentenciados em definitivo em fase de cumprimento, deve-se aplicar o juízo de ponderação e relativização ao caso concreto e aplicar de forma subsidiária o Estatuto do Idoso, cabendo considerar idoso a partir dos 60 anos de idade, podendo o magistrado conceder a prisão domiciliar[3] devido aos riscos de contágio de coronavírus.

b)  Extremamente debilitado por motivo de doença grave, como mencionado, provenientes de doenças preexistentes e que tenham grande risco de sua saúde de se contaminarem com o Covid-19:

Repitam-se, as pessoas com diabete, hipertensão, câncer, doenças vasculares, asma, tuberculose, problemas pulmonares e respiratórios, ou mesmo, aqueles que tenham sua imunidade baixa do que outras pessoas, como as pessoas portadoras de HIV soropositivo e problemas neurológicos.
Todo e qualquer pedido perante o julgador deverá provir de provas necessárias, como laudos médicos e exames clínicos, de modo a constatar que realmente existem tais doenças e que o indiciado ou preso esteja em risco da doença covid-19.

         E na prática, os julgadores tem concedido prisão domiciliar em meio ao surto da coronavírus?

         Ao que parece sim, ainda que timidamente. Por meio de notícias, até o momento temos:

·        STJ concede prisão domiciliar a Luiz Estevão após suspeita de coronavírus: https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/2020/03/24/stj-permite-prisao-domiciliar-a-luiz-estevao-apos-suspeita-de-coronavirus.ghtml
·        No grupo de risco do Covid-19, ex-prefeito condenado por estupro consegue prisão domiciliar por decisão judicial em MT: https://g1.globo.com/mt/mato-grosso/noticia/2020/03/24/no-grupo-de-risco-do-covid-19-ex-prefeito-condenado-por-estupro-consegue-prisao-domiciliar-por-decisao-judicial-em-mt.ghtml

·        Prisão preventiva de empresário é substituída por domiciliar devido a risco de contágio de Covid-19: http://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/Prisao-preventiva-de-empresario-e-substituida-por-domiciliar-devido-a-risco-de-contagio-de-Covid-19.aspx

·        No grupo de risco do Covid-19, Alejandro vai para prisão domiciliar:


É possível medidas cautelares diversas da prisão em casos de surto de coronavírus?

A resposta é positiva, desde que o acusado não tenha cometido violência ou grave ameaça, podendo, inclusive ser concedida a prisão domiciliar, não somente as medidas cautelares diversas de prisão, visto que podem se cumular.
Neste passo, deverá aplicado o artigo 319, do CPP em sua integralidade, devendo o beneficiado cumpri-lo.

Conclusão:

Conforme trazemos em poucas linhas, conclui-se defender a prisão domiciliar de acordo com caso concreto, cabendo ao julgador avaliar se realmente o solicitante encontra-se na lista de risco para contágio do coronavírus, independentemente do tipo de crime, visto se tratar de saúde pública, até que se reestabeleça a ordem e com base a elementos necessários de provas, para que se julgue com menor risco possível.
Além disso, complementa-se ao exposto que, numa visão mais ampla, qualquer ato de omissão do Poder Público poderá ensejar numa responsabilidade civil do Estado (evita-se descapitalização financeira do Estado ao ter que pagar indenização aos familiares que perderem seus entes dentro das penitenciárias). Portanto, cabe ao agir prontamente, diante do surto da doença, visto que nosso sistema jurídico atual não se tem previsão legal de pena de morte no Brasil, vedando-se penas de caráter perpetuo ou degradante.



          


[1] O profissional do Direito não defende o crime, defende-se sim que a Justiça seja feita.
[3] Há precedente: Interessante julgado que se aplica ao princípio da relativização: TJ-RJ - HC: 00320047620098190000, Relator: SERGIO DE SOUZA VERANI, Data de Julgamento: 30/07/2009, QUINTA CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 11/01/2010


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