Um
dos questionamentos de ordem prática, diz respeito quanto à possibilidade ou
não, de aplicar o instituto de acordo de não persecução penal em curso, ou
seja, durante o processo penal.
Antes
mesmo de darmos uma posição sobre o referido questionamento, é necessário que
tenhamos uma breve noção sobre o acordo de não persecução penal, que foi
inserido pelo Pacote Anticrime (Lei n. 13.964/19), ao acrescer o artigo 28-A do
Código de Processo Penal.
Com
a finalidade de compreendermos melhor, a novel inserção legislativa define
apenas o momento e os requisitos em
que se aplica o acordo de não persecução penal na prática, porém, sem delimitar
quanto ao conceito especificamente.
É preciso
afirmar que, quando estamos a traçar conceitos e princípios a tendência que o
objeto seja mais claro possível, a fim de se evitar interpretação extensiva ou restritiva
acerca de determinado ponto em questão.
Em verdade, a
finalidade da ciência jurídica é estabelecer e construir conceitos a partir da
norma em concreto para que se possa facilitar ainda mais o conhecimento
jurídico, não sendo adequado nem mesmo proveitoso apenas a replicar o texto
legal, podendo causar inclusive, uma falsa impressão de que entendeu bem o
aspecto finalístico e se esgotou ao tema. Pois bem.
Conforme
a leitura que se faz do artigo 28-A do Código de Processo Penal, em nada
explica sobre o acordo de não persecução penal, apenas diferencia que não pode
ser aplicado em caso de arquivamento do processo, devendo o investigado ter
confessado formalmente, assim como, que a natureza do crime não tenha sido por
violência ou grave ameaça e com pena em até quatro anos.
Conceituando,
mas de modo inverso, a persecução penal
é atividade que o Estado desenvolve no sentido de tornar realizável a repressão
penal por meio de um processo, no qual o Ministério Público oferecerá a
denuncia, desde que estiverem presentes todas as provas em face do autor,
conforme estabelece o art. 41 do CPP[1].
Desta forma, a
não persecução penal é o ato de deixar de praticar a repressão de um ato
criminoso, de forma autorizada pela lei (art. 28-A, CPP), cabendo o interessado
aceitar o acordo para que a ação penal não tenha o seu devido curso, realizando
em verdade, um ajuste de condições entre o MP e investigado devidamente assistido.
Há quem
defenda que o referido instituto ser a segunda velocidade do Direito Penal ao relativizar
a promoção dos direitos e garantias fundamentais, possibilitando punição mais
célere, mas, em compensação, prevê como consequência jurídica do crime uma
sanção não privativa de liberdade, de acordo com as lições teóricas de Jesús-María
Silva Sánchez[2].
Feitas tais
considerações, indaga-se: é possível (ou
não) o acordo de não persecução penal após a denúncia, ou seja, nas ações em
curso?
Ao que se
percebe, somente será possível o Acordo de Não Persecução Penal antes da
propositura da ação penal, ou seja, durante procedimentos investigatórios e
antes do oferecimento da denúncia, entretanto, o artigo. 28-A do CPP nada diz
respeito quanto à possibilidade de aplicação em ações penais em curso.
A questão da
inaplicabilidade do ANPP[3] em processos em andamento,
diz respeito que as regras novas possuem um caráter meramente instrumental ou
processual, devendo observar aos deslindes do tempus regit actum, sendo lhe necessário aplica-las a partir de sua
entrada em vigor.
Todavia, há
quem defenda que o ANPP detém valor de caráter substancial ou material, pois
promove a sua incidência despenalizadora, especialmente quanto à aplicação de
pena e extinção de punibilidade.
Para
solucionar o deslinde da questão inerente à aplicação do ANPP nas ações
judiciais em curso, deve-se observar que o justo e necessário equilíbrio entre
o instrumental e o substantivo, ao passo que, a natureza do instituto é bifronte,
pois está umbilicalmente ligado à valores como fonte a Constituição Federal de
1988, no artigo 5°, XL, “tratando que a
lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”.
Além disso, em
bases instrumentais o artigo 3° do Código de Processo Penal, estabelece que: “a lei processual penal admitirá
interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos
princípios gerais do direito”. Explica-se que, numa aplicação analógica
que, se existem outros institutos despenalizadores inseridos em nosso sistema
jurídico penal, como a suspensão condicional do processo e a transação penal,
no qual o Supremo Tribunal Federal assentou ser cabível aplicar tais institutos
mesmo em processos em curso, à luz do artigo 5°, XL, da CF/88[4], visto que não há na
Constituição limite a aplicação de direitos sensíveis em razão de determinada
fase processual.
Em conclusão defende-se
que, mesmo que o Ministério Público já tenha promovido a denúncia, nada
impediria que apresentasse a proposta de Acordo de Não Persecução Penal por se
tratar de norma de caráter despenalizadora conforme já dito, desde que, estejam
cumpridos os requisitos estabelecidos em lei para que se possa empregar a aplicação
analógica, no entanto, é sabido que, por se tratar de um novel instituto, ao
que tudo indica, sob o ponto de vista de adequação dúplice (material e
processual) ser das mais sábias e evidentes na prática, ainda possam surgir
argumentos contrários, para não aplicar o acordo em ações judiciais em curso.
[1] Art. 41. A denúncia ou
queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias,
a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa
identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das
testemunhas.
[2]
A expansão do direito penal: aspectos da política criminal nas sociedades
pós-industriais. Trad. Luíz Otávio de Oliveira Rocha. São Paulo: RT, 2002.
[3] Para facilitar ao caro
leitor e familiarizar-se quanto a sigla, leia-se: Acordo de Não Persecução
Penal.
[4]
V. STF - ADI: 1719 DF, Relator: JOAQUIM BARBOSA, Data de Julgamento:
18/06/2007, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-072 DIVULG 02-08-2007
PUBLIC 03-08-2007 DJ 03-08-2007 PP-00029 EMENT VOL-02283-02 PP-00225 RB v. 19,
n. 526, 2007, p. 33-35
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