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29/06/2024

Análise a Súmula nº 670 do Superior Tribunal de Justiça (STJ): Ação Penal nos Crimes Sexuais e a Situação de Vulnerabilidade Temporária

    A Súmula nº 670 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) aborda um tema crucial no direito penal brasileiro: a natureza da ação penal nos crimes sexuais cometidos contra vítimas em situação de vulnerabilidade temporária. Esse texto reflete um entendimento consolidado pela Terceira Seção do STJ em 20 de junho de 2024.


    Integra da súmula 670, do STJ:

"Nos crimes sexuais cometidos contra a vítima em situação de vulnerabilidade temporária, em que ela recupera suas capacidades físicas e mentais e o pleno discernimento para decidir acerca da persecução penal de seu ofensor, a ação penal é pública condicionada à representação se o fato houver sido praticado na vigência da redação conferida ao art. 225 do Código Penal pela Lei n. 12.015, de 2009

    A súmula dispõe que, em casos de crimes sexuais praticados contra vítimas que estavam em situação de vulnerabilidade temporária, a ação penal será pública condicionada à representação se a vítima recuperar suas capacidades físicas e mentais e o pleno discernimento para decidir sobre a persecução penal de seu agressor. 

    É importante frisar que essa orientação se aplica quando o fato criminoso ocorreu durante a vigência da redação do artigo 225 do Código Penal conferida pela Lei nº 12.015, de 2009.

    A Lei nº 12.015/2009 trouxe mudanças significativas ao tratamento dos crimes sexuais no Brasil. Antes dessa alteração, os crimes sexuais eram, em grande parte, de ação penal privada, exigindo que a vítima ou seu representante legal tomassem a iniciativa de processar o agressor. 

    Com a nova redação, alguns crimes passaram a ser processados mediante ação penal pública condicionada à representação, ou seja, a persecução penal depende de uma manifestação formal de vontade da vítima.

    A súmula esclarece que, nos casos de crimes sexuais contra vítimas em situação de vulnerabilidade temporária, essa condição de vulnerabilidade não impede a aplicação do regime de ação penal pública condicionada, desde que a vítima recupere suas capacidades e possa, de maneira consciente e esclarecida, optar por representar contra o autor do delito. 

    A situação de vulnerabilidade temporária abrange estados como embriaguez, uso de drogas, ou qualquer outra condição transitória que prejudique a capacidade de discernimento da vítima.

    Esse entendimento é vital para garantir que a vítima, ao recuperar sua plena capacidade de decisão, possa exercer seu direito de escolha sobre a continuidade ou não do processo penal contra o ofensor.

    Destaca-se a importância da proteção da autonomia da vítima, assegurando que, mesmo em situações de vulnerabilidade temporária, sua vontade seja respeitada e considerada no âmbito penal.

    A interpretação conferida pela Súmula nº 670 visa harmonizar a proteção à dignidade da vítima com o respeito à sua autonomia, garantindo que a decisão de representar contra o agressor seja tomada de forma consciente e informada. 

    Além disso, a súmula enfatiza a vigência da nova redação do artigo 225 do Código Penal pela Lei nº 12.015/2009, delimitando temporalmente sua aplicação. Essa delimitação é crucial para a segurança jurídica, evitando interpretações retroativas que poderiam prejudicar direitos fundamentais das partes envolvidas.

    É importante afirmar que, a  ação penal pública condicionada à representação é aquela em que a persecução penal depende de uma manifestação formal da vítima ou de seu representante legal, chamada de representação. Sem essa representação, o Ministério Público não pode iniciar a ação penal.

    Exemplo Prático

    Imagine uma situação onde uma pessoa, durante uma festa, consome uma quantidade excessiva de álcool, entrando em um estado de embriaguez que prejudica seu discernimento e capacidade de consentimento. Durante essa condição de vulnerabilidade temporária, ela é vítima de um crime sexual. Após o ocorrido, a pessoa recupera sua sobriedade, recobrando suas capacidades físicas e mentais e o pleno discernimento. 

    Nesse momento, ela deve decidir se deseja ou não representar contra o agressor para que a ação penal seja iniciada. Somente com essa representação, o Ministério Público poderá dar prosseguimento ao processo criminal contra o acusado.

    Em resumo, a Súmula nº 670 do STJ representa um avanço na interpretação dos direitos das vítimas de crimes sexuais, especialmente aquelas em situação de vulnerabilidade temporária. 

    Ao assegurar que a ação penal seja pública condicionada à representação após a recuperação das capacidades da vítima, a súmula promove um equilíbrio necessário entre a proteção estatal e a autonomia individual, fortalecendo a resposta penal às violências sexuais de maneira justa e humanizada.



15/05/2020

É POSSÍVEL ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL EM AÇÕES JUDICIAIS EM CURSO?


 


         Um dos questionamentos de ordem prática, diz respeito quanto à possibilidade ou não, de aplicar o instituto de acordo de não persecução penal em curso, ou seja, durante o processo penal.

         Antes mesmo de darmos uma posição sobre o referido questionamento, é necessário que tenhamos uma breve noção sobre o acordo de não persecução penal, que foi inserido pelo Pacote Anticrime (Lei n. 13.964/19), ao acrescer o artigo 28-A do Código de Processo Penal.

         Com a finalidade de compreendermos melhor, a novel inserção legislativa define apenas o momento e os requisitos em que se aplica o acordo de não persecução penal na prática, porém, sem delimitar quanto ao conceito especificamente.

É preciso afirmar que, quando estamos a traçar conceitos e princípios a tendência que o objeto seja mais claro possível, a fim de se evitar interpretação extensiva ou restritiva acerca de determinado ponto em questão.

Em verdade, a finalidade da ciência jurídica é estabelecer e construir conceitos a partir da norma em concreto para que se possa facilitar ainda mais o conhecimento jurídico, não sendo adequado nem mesmo proveitoso apenas a replicar o texto legal, podendo causar inclusive, uma falsa impressão de que entendeu bem o aspecto finalístico e se esgotou ao tema. Pois bem.

         Conforme a leitura que se faz do artigo 28-A do Código de Processo Penal, em nada explica sobre o acordo de não persecução penal, apenas diferencia que não pode ser aplicado em caso de arquivamento do processo, devendo o investigado ter confessado formalmente, assim como, que a natureza do crime não tenha sido por violência ou grave ameaça e com pena em até quatro anos.

         Conceituando, mas de modo inverso, a persecução penal é atividade que o Estado desenvolve no sentido de tornar realizável a repressão penal por meio de um processo, no qual o Ministério Público oferecerá a denuncia, desde que estiverem presentes todas as provas em face do autor, conforme estabelece o art. 41 do CPP[1].

Desta forma, a não persecução penal é o ato de deixar de praticar a repressão de um ato criminoso, de forma autorizada pela lei (art. 28-A, CPP), cabendo o interessado aceitar o acordo para que a ação penal não tenha o seu devido curso, realizando em verdade, um ajuste de condições entre o MP e investigado devidamente assistido.

Há quem defenda que o referido instituto ser a segunda velocidade do Direito Penal ao relativizar a promoção dos direitos e garantias fundamentais, possibilitando punição mais célere, mas, em compensação, prevê como consequência jurídica do crime uma sanção não privativa de liberdade, de acordo com as lições teóricas de Jesús-María Silva Sánchez[2].

Feitas tais considerações, indaga-se: é possível (ou não) o acordo de não persecução penal após a denúncia, ou seja, nas ações em curso?

Ao que se percebe, somente será possível o Acordo de Não Persecução Penal antes da propositura da ação penal, ou seja, durante procedimentos investigatórios e antes do oferecimento da denúncia, entretanto, o artigo. 28-A do CPP nada diz respeito quanto à possibilidade de aplicação em ações penais em curso.

A questão da inaplicabilidade do ANPP[3] em processos em andamento, diz respeito que as regras novas possuem um caráter meramente instrumental ou processual, devendo observar aos deslindes do tempus regit actum, sendo lhe necessário aplica-las a partir de sua entrada em vigor.

Todavia, há quem defenda que o ANPP detém valor de caráter substancial ou material, pois promove a sua incidência despenalizadora, especialmente quanto à aplicação de pena e extinção de punibilidade.

Para solucionar o deslinde da questão inerente à aplicação do ANPP nas ações judiciais em curso, deve-se observar que o justo e necessário equilíbrio entre o instrumental e o substantivo, ao passo que, a natureza do instituto é bifronte, pois está umbilicalmente ligado à valores como fonte a Constituição Federal de 1988, no artigo 5°, XL, “tratando que a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”.

Além disso, em bases instrumentais o artigo 3° do Código de Processo Penal, estabelece que: “a lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais do direito”. Explica-se que, numa aplicação analógica que, se existem outros institutos despenalizadores inseridos em nosso sistema jurídico penal, como a suspensão condicional do processo e a transação penal, no qual o Supremo Tribunal Federal assentou ser cabível aplicar tais institutos mesmo em processos em curso, à luz do artigo 5°, XL, da CF/88[4], visto que não há na Constituição limite a aplicação de direitos sensíveis em razão de determinada fase processual.

Em conclusão defende-se que, mesmo que o Ministério Público já tenha promovido a denúncia, nada impediria que apresentasse a proposta de Acordo de Não Persecução Penal por se tratar de norma de caráter despenalizadora conforme já dito, desde que, estejam cumpridos os requisitos estabelecidos em lei para que se possa empregar a aplicação analógica, no entanto, é sabido que, por se tratar de um novel instituto, ao que tudo indica, sob o ponto de vista de adequação dúplice (material e processual) ser das mais sábias e evidentes na prática, ainda possam surgir argumentos contrários, para não aplicar o acordo em ações judiciais em curso.

 

 



[1] Art. 41. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas.

 

[2] A expansão do direito penal: aspectos da política criminal nas sociedades pós-industriais. Trad. Luíz Otávio de Oliveira Rocha. São Paulo: RT, 2002.

 

[3] Para facilitar ao caro leitor e familiarizar-se quanto a sigla, leia-se: Acordo de Não Persecução Penal.

[4] V. STF - ADI: 1719 DF, Relator: JOAQUIM BARBOSA, Data de Julgamento: 18/06/2007, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-072 DIVULG 02-08-2007 PUBLIC 03-08-2007 DJ 03-08-2007 PP-00029 EMENT VOL-02283-02 PP-00225 RB v. 19, n. 526, 2007, p. 33-35


06/02/2020

ANÁLISE CRÍTICA SOBRE O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL E SEUS REQUISITOS, (DE ACORDO COM PACOTE ANTICRIME)




Seria oportuno e adequado trazer a lume inovações no cenário penal e processual penal. Cada vez mais estamos por respirar tais inovações inseridas pelo Pacote Anticrime promovida pela Lei 13.964/2019 que, via de consequência, todo e qualquer tipo de reflexão, quanto aos contornos práticos pode robustecer a tese de sua efetividade no aspecto social.

Por obviedade, a inserção do acordo de não persecução penal não é tão novidade assim, tendo em vista as resoluções 181/2017 e 183/2018, do Conselho Nacional do Ministério Público, mas, o critério essencial do referido instituto diz respeito apenas a normatização do rito e dos procedimentos a serem aplicados na prática.

O artigo 28-A do Código de Processo Penal estabelece que:
“não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado forma e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a quatro anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal”.

Se observarmos com um senso crítico, podemos vislumbrar a ausência de uma Política Criminal direta, visto que se deveria estimular para combate ao crime, empregando meios muito mais eficazes para tanto.

Reservamos observar também que, por outro lado, os acordos penais trazem consigo uma amenização econômica ao Estado, pois, ao invés de continuar com o processo penal, condenar o individuo e mantendo encarcerado, preferiu o Estado (em sentido amplo) economizar seu erário.

Por certo, a Justiça Penal Negociada é uma estratégia válida e de alcance imediato de despenalização, tendo em vista que não haverá sua continuidade ao caráter punitivo, desde que preenchidas as condições estabelecidas no artigo 28-A do Código de Processo Penal.

Podemos citar diversos exemplos de crimes que podem ser aplicados na prática, quanto ao acordo de não persecução penal, como: furto, dano, apropriação indébita, estelionato, receptação, moeda falsa, falsidade ideológica, peculato, concussão, corrupção passiva e ativa, descaminho, crimes licitatórios, tributários, crimes contra o sistema financeiro nacional, crime de lavagem de dinheiro e crime de organização criminosa.

Quantos aos requisitos para a concessão do acordo de não persecução penal estabelecido no art. 28-A, do CPP, serão condicionantes especificas sendo ajustadas de forma alternativa e cumulativa, portanto, caberão às partes interessadas no acordo realizar uma espécie de “check list” para seu devido preenchimento de tais requisitos, conforme análise do juiz, que homologará o acordo.
 
Assim temos os seguintes requisitos previstos em lei, como:

a)   Reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, salvo se houver a impossibilidade de fazê-lo:

Citamos um exemplo típico, um crime tributário que o sujeito confessa o crime e ainda efetua o pagamento dos valores, ainda que de forma fracionada com o parcelamento do débito perante o órgão tributante competente.

No entanto, há situações em que a reparação do dano ou mesmo a restituição da coisa à vítima torna-se impossível, no entanto, não significa que o critério de reparação possa ser empecilho ao acordo, desde que a parte interessada consiga provar a referida impossibilidade de reparação.

b)   Renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime:

Interessante observação se deve pela harmonização da condição anterior referente à reparação do dano, sendo que a renuncia voluntária a bens e direitos ficam a cargo do Ministério Público indicar nos termos do acordo que, em verdade, seria um ato de “abrir mão” dos bens e direitos provenientes do crime, entretanto, não significa que estes sejam de forma voluntária e até gera estranheza a questão de “renunciar voluntariamente”, pois se o individuo não fizer, de modo algum será beneficiado pelo acordo.

c)   Prestar serviço à comunidade ou entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado pelo juízo da execução, na forma do art. 46 do Código Penal:

Realmente, o texto legal é claro no sentido que, o individuo beneficiado pelo acordo de não persecução penal deverá prestar serviço comunitário ou de entidades públicas pelo período da pena mínima do crime acometido, sendo reduzida de um dois terços, em local indicado pelo juiz de execuções.
Por exemplo, a pena mínima será de um ano referente ao crime específico, logo, a prestação de serviço à comunidade será reduzida de um terço, correspondente a 121,66 dias e se for um ano bissexto será 122 dias.

d)   Pagar prestação pecuniária, a ser estipulada no artigo 45 do Código Penal, a entidade pública ou de interesse social, a ser indicada pelo juízo da execução, que tenha, preferencialmente, como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes ao aparentemente lesados pelo delito:

É necessário observarmos que, a alteração legislativa absorve mais funções do juiz de execução penal, visto que poderá escolher o destino dos valores inerentes à prestação pecuniária da entidade pública ou de interesse social. Ademais, menciona a alteração legislativa que deverá seguir em consonância ao disposto no artigo 45 do CP, no qual estabelece que a importância fixada não poderá ser inferior a um salário mínimo, nem superior a 360 salários mínimos, sendo que o valor pago será deduzido do montante de eventual condenação em ação de reparação civil.

e)   Cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração imputada:

A crítica que se faz sobre esta alteração legislativa diz respeito especialmente uma margem ampla de atuação do Ministério Público, ao passo que, na prática será necessária à observância do princípio da legalidade estrita ou cerrada, ou seja, não poderá de modo algum haver uma interpretação ampliativa do alcance normativo, por se tratar de norma penal, ainda que a norma traga em seu espírito esta vontade.

Além do mais, qualquer outra condição indicada pelo Ministério Público deverá passar ao crivo do juiz que poderá rejeitar a homologação judicial do acordo de não persecução penal se considerar determinada condição inadequada, insuficiente ou abusiva, no qual serão devolvidos os autos ao MP para que seja reformulada a proposta de acordo, com a concordância do investigado e seu defensor (art. 28-A, § 5°, do CPP).

Importante observarmos que, a alteração legislativa trouxe quatro hipóteses taxativas que não se aplica o acordo de não persecução penal (art. 28-A, § 2°, do CPP). Vejamos tais situações com breves comentários:

I)             Em casos de transação penal perante os Juizados Especiais Criminais, conforme a Lei 9.099/95:

Por tratar se de lei especial e de rito distinto, por questão lógica é inaplicável o acordo de não persecução criminal;

II)           Quando o investigado for reincidente ou se houver elementos probatórios que indique condita criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas:

Teceremos algumas considerações.

Primeiramente, a alteração legislativa nada diz respeito se o beneficiado for reincidente por crime especifico ou reincidente por qualquer crime, de forma genérica. Assim, aplicam-se as regras regrais contidas no artigo 63 do Código Penal: “verifica-se reincidência quando o agente comente novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior”

         Desta forma, temos os seguintes requisitos para que seja considerada a reincidência:

1)   Prática de crime anterior, no Brasil ou no exterior, independentemente se crime doloso, culposo, tentado ou consumado;

2)   Transito em julgado de sentença penal condenatória.

3)   Cometimento de nova infração penal.

Interessante pontuarmos que, a pena imposta ao crime cometido anterior não haverá a interferência direta na reincidência, ou seja, considerará pena privativa de liberdade, restritiva de direito, assim como, a pena de multa.

Por certo, a reincidência tem efeitos temporários não devendo prevalecer a condenação anterior, se entra a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer a revogação (art. 64, I, CP). Por exemplo: em 2005, Tibúrcio é condenado de forma definitiva pelo crime de homicídio ao cumprimento de pena de 10 anos de reclusão, sendo que em 2015 teve seu integral cumprimento de pena. Em 2020, pratica novo delito, não podendo o juiz reconhecer a reincidência, no entanto, poderá servir como maus antecedentes numa eventual condenação[1].

Feitas tais considerações, pode ser afirmar que, não será beneficiado do acordo de não persecução penal aquele que for reincidente.

No tocante da inaplicabilidade de não aplicação de acordo em casos que houver elementos de prova que indiquem a conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, devemos atentar que, na prática, levará a tais elementos para o subjetivismo institucional permitindo ao Ministério Público recusar-se de ofertar ou mesmo aceitar o acordo de não persecução penal, pois os indicativos de provas de conduta criminal deverão apontar ou não a tais critérios e que a recusa do acordo advenha por meio de fundamentação do MP, assim como, todas as provas robustas de que o individuo pratique determinada atividade criminosa de forma habitual, reiterada ou profissional e que, via de consequência, será ofertada a denuncia nos autos, haja vista os indícios de autoria e materialidade.

Imagine-se que todos os requisitos foram devidamente preenchidos para o acordo de não persecução penal, no entanto, devido a pratica criminosa reiterada (não sendo considerada reincidência), o Ministério Público descobre por meio de provas que determinado individuo sempre vendeu produtos proveniente do crime, inclusive tem uma loja virtual e física, mas nunca respondeu pelo crime de receptação (art. 180, CP). Logo, o Ministério Público deverá ofertar a denuncia e recusar o acordo, mas que o individuo não seja reincidente.

III)         Não haverá aplicação do acordo de não persecução penal, quando o agente for beneficiado nos 5 (cinco) anos anteriores ao cometimento da infração, em acordo de não persecução penal

Por certo, não se trata de reincidente ou mesmo esteja praticando qualquer conduta criminosa, mas, a legislação coube por estabelecer um lapso temporal de cinco anos com a finalidade única do individuo beneficiar-se dos institutos penais quando assim bem entender, de modo que, aqueles criminosos tidos como contumazes não possam se beneficiar do acordo.

IV)        Não haverá aplicação do acordo de não persecução penal, nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticados contra a mulher por razões da condição do sexo feminino, em favor do agressor.

Note-se que a alteração legislativa referente especialmente, ao crivo de proteção social aludindo que ninguém passará “a mão na cabeça” daqueles que praticarem violência domestica ou familiar, inclusive, em sua razão de ser, são direitos tidos indisponíveis no tocante a proteção à família.

No entanto, restou claro mais uma norma jurídica de proteção ao gênero feminino em face daqueles que assim agridem, levando a entender que, deverão ser aplicados os aspectos de punibilidade de forma seletiva, como ocorre no crime de feminicidio e também, sua aplicação integral a Lei Maria da Penha.

Neste sentido, a vedação de acordo nestes casos, sem sombra de dúvidas, que restou evidente o amparo e o tratamento material, sob o tecido social.
                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                     
Do Processo e Procedimentos do acordo de não persecução penal

O primeiro critério necessário alude-se como premissa ao princípio da formalidade, ou seja, o acordo de não persecução penal será formalizado por escrito e posteriormente, será firmado pelo Ministério Público, pelo investigado e por seu defensor (§3°, art. 28-A, CPP). É evidente também quanto à presença do princípio da voluntariedade, visto que a parte interessada também terá que manifestar-se de forma expressa ao requerer e a assinar o acordo, ainda que com a presença técnica de seu defensor. Veja que, é necessária a presença do defensor (advogado em sentido amplo, visto que temos advogados públicos e particulares) e a sua ausência poderá gerar a nulidade do ato, assim como o membro do Ministério Público.

Posteriormente, formalizado o acordo, será realizada audiência homologatória, no qual o juiz deverá verificar que tal ato foi de forma voluntária, ou seja, sem nenhum vício de consentimento. Ademais, o juiz ouvirá o investigado na presença de seu defensor (advogado) e, observará se o acordo está conforme a lei (§4°, art. 28-A, CPP).

Homologado o acordo, o juiz remeterá os autos ao Ministério Público para que se inicie sua execução perante o juízo de execução penal (§6, art. 28-A, CPP). Em verdade, traz certa estranheza que a legislação traga este rito ao devolver os autos para o MP, como se o órgão fosse o responsável para o cumprimento da execução penal, sendo que a fase de execução penal é pertencente à tutela jurisdicional, inclusive não cabe ao MP por ato discricionário fazer cumprir com o acordo ou não, sendo ato devidamente delineado, vinculado e precedido por etapas. Portanto, não haveria sentido o juiz encaminhar os autos para o MP, ao menos que nesta fase de cumprimento do acordo assuma o real papel de fiscal do acordo celebrado.

Noutro interessante ponto na fase de acordo de não persecução penal, diz respeito do ato do juiz que deverá utilizar-se em critérios previstos em lei, por ato vinculado, e devolver os autos ao Ministério Público quando entender que o acordo for inadequado, insuficiente ou impondo condições abusivas em face do beneficiado (§ 5°, art. 28-A, CPP). Ao que parece, a função do juiz na homologação é buscar um equilíbrio no acordo entre o MP e o beneficiado, inclusive, diante da recusa da homologação do acordo por ato do juiz, também devolvidos os autos para o MP, no qual terá que analisar se complementa as investigações ou mesmo oferecerá a denuncia (§8°, art. 28-A, CPP).

Devido ao princípio da transparência, a vítima será intimada, tanto na homologação do acordo, quanto ao descumprimento (§ 9° art. 28-A, CPP). Na prática, pessoas jurídicas de direito público e privado também deverão ser intimadas por meio de seu representante legal, aplicando-se subsidiariamente as regras contidas no Código de Processo Civil, visto que é parte interessada no acordo ou descumprimento.

No tocante ao cumprimento e descumprimento do acordo, temos as seguintes regras. Em caso de descumprimento de qualquer das condições estabelecidas, o Ministério Público se manifestará nos autos justificando a rescisão do acordo celebrado e oferecerá a denuncia, dando impulso ao processo (§ 10° art. 28-A, CPP).

O descumprimento poderá ser utilizado pelo MP como justificativa para eventual não oferecimento da suspensão condicional do processo (§ 11° art. 28-A, CPP).

Nos termos do art. 89 da Lei nº 9.099/1995, o sursis processual aplica-se aos crimes – sejam de menor potencial ofensivo ou não e também contravenções penais, cuja pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, desde que o acusado não esteja sendo processado por outro crime ou não tenha sido condenado por outro crime. Percebe-se neste aspecto que há conflito normativo, tendo em vista que, o sursis envolve a análise de aspectos subjetivos da personalidade do acusado, especialmente quanto à culpabilidade, antecedentes, conduta social e personalidade do agente, assim como os motivos e as circunstâncias do delito, que poderão envolver diretamente no oferecimento ou não do sursis. Portanto, o simples descumprimento do acordo de não persecução penal de modo algum poderia envolver aos aspectos relacionados à suspensão condicional do processo, devido a requisitos específicos deste instituto, no qual devem obrigatoriamente ser analisados perante o caso concreto.

Se o Ministério Público recusar a propor o acordo de não persecução penal, o investigado poderá encaminhará os autos para a instância de revisão ministerial para fins de homologação (artigos 28 e 28-A, § 13° CPP).

Por derradeiro, se cumpridas todas as condições previstas no acordo de não persecução penal, o juízo competente (Vara de Execuções Penais) decretará a extinção da punibilidade (§ 13° art. 28-A, CPP), sendo que a celebração e o cumprimento do acordo não constarão na certidão de antecedentes criminais, ao menos que o agente tenha sido beneficiado nos cinco anos anteriores ao cometimento da infração, em acordo, transação penal ou suspensão condicional do processo (art. 28-A, III, § 2°, CPP).








[1] STF, Primeira Turma, ARE 925136, AgR, j. 02.09.2016.

30/05/2019

BUSCA E APREENSÃO DOMICILIAR: ASPECTOS TEÓRICOS E PRÁTICOS, A LUZ DA JURISPRUDÊNCIA



        
  Em princípio, é necessário distinguirmos a busca e apreensão, por tratar-se de institutos distintos.

          Como meio de obtenção de provas, a busca tem por finalidade encontrar pessoas ou coisas, sendo uma medida instrumental.

Distintamente, a apreensão objetiva-se como medida cautelar para a persecução probatória, ou seja, como elemento garantidor de provas. No entanto, há situações que servirá como medida apenas para restituição do bem ao seu legitimo dono.

Portanto, são institutos diversos e não podem ser confundidos.

Se quando se busca com a finalidade de encontrar determinados objetos, como documentos imprescindíveis, posteriormente, terá seu valor probante no caso concreto. Realizada a busca, objeto será apreendido e, desta forma, atenderá sua função no processo.

Salienta-se que, a busca e apreensão tanto podem decorrer no curso do inquérito policial, durante o processo ou, em casos excepcionalíssimos, na fase de execução de pena. A iniciativa poderá ser determinada de ofício, pela autoridade judiciária, policial ou a requerimento das partes interessadas, conforme artigo 242, do CPP.

Ainda, numa eventual fundamentação do juiz o princípio da proporcionalidade deverá imperar, evitando-se o excesso de intervenção, ao passo que, a adequação deverá estar presente, condicionada as circunstancias que deverão ser analisadas ao caso concreto.

Assim, se fundadas as razões, serão aplicadas as disposições previstas no artigo 240, § 1°, do Código de Processo Penal, ao qual estabelece como hipóteses de busca domiciliar para:

a) prender criminosos;
b) apreender coisas achadas ou obtidas por meios criminosos;


c) apreender instrumentos de falsificação ou de contrafação e objetos falsificados ou contrafeitos;

d) apreender armas e munições, instrumentos utilizados na prática de crime ou destinados a fim delituoso;

e) descobrir objetos necessários à prova de infração ou à defesa do réu;

f) apreender cartas, abertas ou não, destinadas ao acusado ou em seu poder, quando haja suspeita de que o conhecimento do seu conteúdo possa ser útil à elucidação do fato;

g) apreender pessoas vítimas de crimes;

h) colher qualquer elemento de convicção.

          É imprescindível que, para aplicar faticamente as hipóteses acima trazidas pela legislação em vigor, deverá deixar sem margem para discussão acerca do conceito de domicilio, devendo ser interpretado de forma amplamente como efetividade da aplicação penal ao caso concreto, entretanto, nossa Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5°, XI, estabelece que:

A casa é asilo inviolável do individuo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre para prestar socorro, ou durante o dia, por determinação judicial”.

Neste ponto, em verdade, trata-se de uma excepcionalidade do princípio de proteção ao domicilio, que em regra, não poderá ser inviolável, salvo, as disposições previstas no referido preceito constitucional, acrescidas as hipóteses previstas no Código de Processo Penal, conforme mencionado.  Para os fins da proteção jurídica a que se refere o art. 5º, XI, da Constituição da República, o conceito normativo de "casa" revela-se abrangente e, por estender-se a qualquer aposento de habitação coletiva, desde que ocupado[1] (CP, art. 150, § 4º, II).

          Extraímos alguns pontos de relevo para fins de compreensão sobre a busca e apreensão para fins práticos. Vejamos.

Consentimento do morador, durante o dia ou noite

A autoridade policial poderá adentrar no domicilio apenas com autorização do morador, seja durante o dia ou no período noturno, sendo possível o arrependimento posterior do morador em deixar que a autoridade policial adentre em seu domicílio. No tocante a autorização para adentrar no domicílio, somente poderá ser manifestada por pessoa com capacidade de discernimento para tal ato.

Não podemos deixar de mencionar também, quanto à incidência de dois princípios que muitas vezes são esquecidos na prática. O primeiro é o princípio da não incriminação, ao passo que, mesmo que a autoridade policial adentre no recinto, o morador poderá mudar de ideia e não autorizar a busca, ou seja, poderá ser revogado o consentimento a qualquer tempo, prestigiando o direito de não produzir provas contra si mesmo, pois, se a autoridade policial adentra no recinto sem mandado judicial, obviamente, o morador estará ciente dos efeitos que possam ocasionar. O segundo é o direito ao silêncio, estando firmemente apoiado no direito de não produzir provas contra si mesmo, conforme mencionado.

Quanto a estas duas bases (direito de não produzir provas contra si mesmo e o direito ao silêncio) pertencentes no sistema jurídico, por critérios práticos, um breve exemplo: Um sujeito autoriza policiais a entrar em sua casa com o objetivo de realizarem uma busca. Os policiais questionam ao morador onde estão as armas e drogas, mesmo que inexistam na casa e, se não tiverem uma resposta do morador, a este poderá ser imputado o crime de desobediência (art. 330, do Código Penal). 

Ao que parece, no exemplo citado, casos como este fazem parte do cotidiano, no entanto, devemos ter a ciência de que, entre o crime de desobediência previsto no Código Penal e os princípios constitucionais do direito de não produzir provas contra si mesmo e ao direito ao silêncio, prevalecerá logicamente estes últimos, tendo em vista que seria forçosa a atitude da autoridade policial querer obter provas diretas com o morador, como ato inquisitorial.

Percebe-se que a busca e apreensão por autoridade policial sem autorização judicial tem sido muito mais complexo na prática e requer cuidados. A violação de consentimento do morador poderá gerar a nulidade de provas devido a ilegalidade, tendo em vista da intimidação ambiental. Imagine-se uma pessoa presa, não importa a espécie de prisão, se preventiva, temporária ou flagrante, a autoridade policial adentra em sua casa com o objetivo de buscar novas provas e efetuar a apreensão de objetivos. É válido o ato da autoridade policial? Não. A intimidação ambiental é algo que possa ocasionar efeitos negativos, como a coação que a presença dos agentes da atividade representa, seguindo a linha de raciocínio de um julgado recente do Superior Tribunal de Justiça[2].

A questão do flagrante delito

A legislação processual estabelece com rigores as hipóteses de flagrante delito quem (art. 302, CPP): I - está cometendo a infração penal; II - acaba de cometê-la; III - é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração; IV - é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração.

          O cerne da problemática diz respeito aos crimes permanentes, aqueles que se prolongam no tempo (art. 303, CPP).

          Imagine-se: a autoridade policial ingressa na residência afirmando se tratar de flagrante devido denuncias anônima, no qual encontram drogas e armas. O morador foi preso em flagrante delito. Existe algum vicio na prisão? Respondendo a indagação, obviamente prisão é ilegal, pois não é suficiente que a autoridade policial ter recebido denuncia anônima, sendo exigíveis outros elementos de provas, assim como autorização judicial para adentrar na residência, pois inexiste flagrante imaginado em nosso sistema jurídico. A jurisprudência recentíssima do STJ manifestou-se:

Não configura justa causa apta a autorizar invasão domiciliar a mera intuição da autoridade policial de eventual traficância praticada por indivíduo, fundada unicamente em sua fuga de local supostamente conhecido como ponto de venda de drogas ante iminente abordagem policial[3]

Portanto, é preciso ter elementos prévios que justifiquem a entrada legitima da autoridade policial e não havendo a devida justificativa configurará numa ilegalidade. Interessante pontuarmos que, a busca pessoal poderá ser justificável, mas, a busca domiciliar não prosperará, devido a proteção dos direitos e garantias fundamentais.

Cumprimento do Mandado judicial

Em regra, o cumprimento do mandado judicial será realizado no período diurno, sendo legal o seu cumprimento no período no noturno pela autoridade policial.

A aplicação subsidiária do artigo 212 do Código de Processo Civil coube por estabelecer o período para cumprimento de mandado judicial, sendo apenas cumprido entre 6h e20h.

A problemática reservada às interpretações antiquadas acerca dos termos “alvorecer” e “anoitecer” não merecem mais argumentos práticos, tendo em vista que há regiões deste imenso Brasil que o céu escure já no inicio de tarde ou mesmo o a luz solar continua radiar ainda após as 20h[4]. É por este motivo que a aplicação do CPC/15, trouxe maior exatidão de tempo e espaço, evitando-se arbitrariedades por parte da autoridade policial, garantindo ao individuo a efetividade de direitos fundamentais.




[1] Interessante leitura: STF - RECURSO EM HABEAS CORPUS RHC 90376 RJ (STF)
[2] STJ - REsp: 1574681 RS 2015/0307602-3, Relator: Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Data de Julgamento: 20/04/2017, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 30/05/2017
[3] REsp 1.574.681-RS, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, por unanimidade, julgado em 20/4/2017, DJe 30/5/2017.
[4] Muito comum em algumas regiões do nordeste.

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