16/09/2020

COMPREENSÕES SOBRE A RESERVA DO POSSÍVEL E MÍNIMO EXISTENCIAL E A VISÃO DOS TRIBUNAIS SUPERIORES

O que é a reserva do possível:

uma regra, uma teoria ou um princípio?

 

Primeiramente, é necessário distinguirmos conceitos para melhor compreensão do objeto de estudo, pois atualmente, tem-se uma confusão conceitual sobre qual categoria da ciência jurídica é a reserva do possível, visto que a doutrina e a jurisprudência tem apresentado cada um com se ponto de vista e por diversas formas, entendendo como uma teoria, princípio ou mesmo uma regra.

A observância dos fundamentos de cada proposição leva-nos a trilhar por caminhos diversos, porém, não pode ficar sem a adequada resposta ao ponto de mutilação ao plano de existência de institutos da ciência. Certamente, a habilidade do interprete ao traçar caminhos interpretativos, logicamente também observará soluções, tanto teóricas como práticas.

Assim, se uma determinada teoria pretende-se a apresentar uma hipótese devidamente comprovada com evidências válidas, pode inclusive, explicar um fenômeno. Afora da ciência jurídica, temos a famosa teoria da relatividade formulada por Albert Einstein.

Em nosso sistema jurídico atual, inexiste a definição entre regra e princípio, cabendo outra vez, ao interprete ou cultor da ciência jurídica, ao se deparar com o texto, observar o sentido jurídico, de acordo com a hermenêutica.

É preciso estabelecer que, as normas jurídicas são o gênero das espécies normas-regras e normas jurídicas. Geralmente, as normas jurídicas se expressa como a forma que o direito se expressa para atuação de uma realidade, buscando-se a fatores axiológicos, ou seja, proveniente da teoria dos valores instrumentalizados, ao prescrever, determinar ou traçar um mandamento, de modo a introduzir a justiça  e a ordem na vida em sociedade. A imperatividade impõe como elemento propulsor em efeitos obrigacionais juridicamente aos seus destinatários, assim como, traça garantias para imposição de seu devido cumprimento ou promover as consequências, em caso de seu descumprimento a tais destinatários.

Com base nas lições do saudoso Prof. Ronaldo Dworkin, podemos sumariamente afirmar que, as regras provêm de relatos descritivos de comportamento, no qual a aplicação está umbilicalmente relacionada à subsunção do fato a previsão em abstrato. O referido autor retrata que em eventual conflito de determinadas regras jurídicas, deverá observar a dimensão ideológica do tudo ou nada, prevalecendo uma norma diante de eventual conflito de regras.

Em tratando de princípios, são juridicamente considerados como descritivos de modo mais abstrato, sendo que não será possível observar determinada conduta sem ser analisado a cada caso concreto, no qual a melhor que mais se adequa diante daquela situação especifica, conforme o juiz de valores ou dimensões éticas.

A importância dos princípios no cenário atual detém um tratamento como normas primárias, na mesma posição de regras jurídicas, porém, isto não significa que em eventual lacuna ou vácuo normativo os princípios devam ser aplicados, cabendo aloca-los conforme a sua real posição, referencialmente ao juízo de ponderação e de sua reserva de valores.

Feitas tais colocações específicas acerca de teorias, regras, normas e princípios, restam-se apenas responder onde está alocada a reserva do possível.

Com base ao que foi apresentado, podemos concluir alguns acertos e desacertos, quanto a terminologia que mais se adequa. Vejamos :

1.   A reserva do possível não é uma teoria!, Pois não apresenta uma base hipotética por estudos comprovados que traçam evidências assertivas, sob um determinado fenômeno jurídico.

Assim, não se pode afirmar que exista a teoria da reserva do possível pretende-se a apresentar uma hipótese devidamente comprovada com evidências válidas, pode inclusive, explicar um fenômeno jurídico.

Na jurisprudência a leitura que se faz ao entender que a reserva do possível como uma teoria que detém de um caráter negativo do que positivo. Citamos um caso recente datado em 10/09/2020, que o Tribunal de Justiça obrigou o Município de Rio Largo/AL contratar professores para auxiliar alunos com autismo. Na referida decisão, o voto do Desembargador Fábio José Bittencourt Araújo, relator do processo, destacou que a invocação da teoria da reserva do possível não pode ser utilizada como escudo para o ente público se eximir do cumprimento de suas obrigações prioritárias[1].

2.   A Reserva do Possível não é uma regra nem norma jurídica: A explicação é simples. Se não há expressa previsão legal, logo, não possui tratamento de regra ou norma jurídica.

Em síntese, as normas jurídicas possuem um processo legislativo para que tenha sua vigência e eficácia, ao passo que, não havendo uma lei tratando sobre a reserva do possível não pode ser considerada como se lei fosse.

3.   A Reserva do Possível deve ser então tratada como um princípio?

 

Para que possamos apresentar uma resposta aproximada, com base na ciência jurídica, em primeiro lugar, devemos compreender pelo menos sua origem, objetivando traçar contornos princiológicos ou não.

A reserva do possível surgiu no Direito Comparado, no qual foi aplicada na década de 70, pelo Tribunal Federal Alemão, numa ação judicial proposta por estudantes não admitidos em escolas de medicina em decorrência do limite do número de vagas em cursos superiores.

Na referida ação judicial promovida por estudantes alemães, fundamentou-se no art. 12 da Lei Fundamental da Alemã, ao tratar como um direito de todos os alemães escolher livremente sua profissão, local de trabalho e seu centro de formação.

O Tribunal Constitucional Alemão entendeu que o número de aumento de vagas seria em inconformidade da pretensão de deduzida com o objetivo de sua efetivação prática.

 Em nosso sistema judicial brasileiro, como elemento de proteção e efetivação de Direitos previstos na Carta Maior de 1988, a disponibilidade publica de recursos financeiros tornou-se cada vez mais necessária para a realização pautada no critério (des) valoração.

Baseando-se na referida decisão do Tribunal Constitucional Alemão, no Brasil o Supremo Tribunal Federal aberrou-se da “teoria da reserva do financeiramente possível” em que a realização de direitos econômicos, sociais e culturais depende do inescapável vínculo financeiro, estando umbilicalmente ligado as possibilidades orçamentárias do Estado, desde que comprovada de forma objetiva a incapacidade econômico-financeira, não se exigindo a sua implementação prevista na Carta Maior de 1988.

Assim, o STF tratou a reserva do possível como uma dimensão categórica ou provisional, devendo apresentar tais características, como:

a)   Disponibilidade fática de recursos: no qual deverá resguardar a todos, num critério mais abrangente do que numa forma única e individualizada, trazendo muito mais efetividade de demandas semelhantes;

b)   Disponibilidade jurídica de recursos: atenta-se como uma solução com vistas de trazer maior efetividade de Direitos Fundamentais, cabendo ao Poder Judiciário intervir em caso que houver a violação, entretanto, não poderá o referido Poder violar a intervenção de outros poderes da República Federativa do Brasil (Poder Executivo e Legislativo), como critério de ponderação.

 

Quanto ao critério de ponderação na atuação do Poder Judiciário, o afastamento arbitrário deverá ser recorrente, pois caso agir em afronta ao princípio de repartição entre os poderes, via de consequência, caracterizará como uma espécie de ativismo judicial.

         Assim, o melhor caminho a ser trilhado pelo Poder Judiciário é a observância de uma intervenção mínima judicial, conforme apresentado previamente. Entretanto, a intervenção mínima é um dos grandes desafios em tempos atuais, visto que os cidadãos não podem sofrer com atos omissivos dos outros poderes, especialmente não comprometimento da eficácia dos direitos previstos na Constituição Federal de 1988.

         A técnica de ponderação das decisões judiciais como elemento de determinação de medida excepcional torna-se mais efetiva na proteção de direitos, ao passo que, de modo algum deverá trazer qualquer margem de discricionariedade, devendo atuar de forma legitima.

Na jurisprudência atual, podemos citar como exemplos, a obrigação da Administração Pública por meio de decisão judicial manter um estoque específico de medicamento no combate de determinada doença grava, afim de que se evitem futuras interrupções no tratamento em prol da população[2]; ou mesmo situações em que determine a Administração Pública a realizar obras ou reformas emergenciais em presídios com o escopo de garantir os direitos fundamentais dos presos, especificamente, a integridade física e moral, não podendo ser aplicada a reserva do possível, muito menos a afronta da separação dos Poderes[3].

Destaque para a decisão do STJ, que negou o recurso do Estado do Mato Grosso, aplicando o mínimo existencial[4]:

"Desse modo, somente depois de atingido esse mínimo existencial é que se poderá pensar, relativamente aos recursos remanescentes, em quais outros projetos se deve investir. Claro, se não se pode cumprir tudo o que assegurado pela Constituição, deve-se, ao menos, garantir aos cidadãos esse piso basilar de direitos essenciais à vida, entre os quais, sem a menor dúvida, há de se incluir padrão mínimo de dignidade às pessoas encarceradas em estabelecimentos prisionais”

c)   Razoabilidade/Proporcionalidade

Os reais fatores de dimensão devem ser pautados em um determinado caso concreto, de modo, a não recepcionar qualquer tese defensiva do Estado de não conseguir aplicar a efetividade de direitos fundamentais previstos constitucionalmente, pois, a sua conduta negativa culminará no severo aniquilamento ou nulificação de tais direitos, trazendo por consequência, a “constituição letra morta” ou sem valor algum, em sua praticabilidade.

    

É neste sentido que, se trata de uma incumbência do Poder Público promover de forma justa e razoável os Direitos Fundamentais, devendo comprovar de forma satisfatória por meio de prova cabal que não consiga cumprir com sua efetividade de direitos.

Apresentados os apontamentos inerentes da reserva do possível, podemos concluir que deva ser tratado como um princípio, tendo em vista que em muitas situações é empregado com valores específicos para ser aplicado a cada caso concreto, possuindo uma dimensão de peso diante de uma realidade fático-jurídica.

Significa dizer que, não pode ser considerado como um instituto “pejorativo ou enganador” do sistema jurídico, pois nas ocasiões em que tentaram aplica-lo, buscava o Poder Executivo e Legislativo de eximir-se das obrigações de promover determinados Direito Fundamentais, ao passo que, num aspecto positivo, não se pode ignorar a presença da disponibilidade fática, jurídica e com a devida razoabilidade/proporcionalidade, podendo ser muito mais ser efetivo em prol de direitos, contextualizando a realidade, sem deixar a Constituição Federal de 1988 e demais leis, como se fossem mera folhas de papel escritas, traçando contornos mais sólidos.

Nesta trilha de raciocínio, interessante a posição do Prof. Português José Joaquim Gomes Canotilho[5], ao criticar:

“Rapidamente se aderiu à construção dogmática da reserva do possível (Vorbehalt des Möglichen) para traduzir a ideia de que os direitos sociais só existem quando e enquanto existir dinheiro nos cofres públicos. Um direito social sob “reserva dos cofres cheios” equivale, na prática, a nenhuma vinculação jurídica”

E o embate entre Reserva do Possível e o Mínimo Existencial?

Hodiernamente, em se tratando de aplicação à Direitos Fundamentais (como direito a vida, saúde, educação, etc), os holofotes estão sempre voltados a atuação dos Poderes, que por vezes, o Legislativo e o Executivo não dão a resposta em tempo hábil, cabendo ao Poder Judiciário solucioná-lo, mas de forma prudente e adequada.

É sobre este ponto que, o mínimo existencial, no qual entendemos ser tratado com um princípio devido aos valores irradiados por uma norma jurídica, como a CF/88, retrata bem o plano de existência que os cidadãos possam objetivar ao estado, como condições materiais e elementares de sobrevivência e, caso descumprimento, ensejará na real violação das normas constitucionais.

Trata-se, portanto, da definição mais adequada do Princípio do Mínimo Existencial, ao passo que, não se limita em determinado tempo e local, pois, orienta objetivos primários do Estado, que devem ser avaliados e ponderados, segundo as condições mínimas de existência, devendo englobar direitos como:

·        Saúde

·        Educação

·        Assistência aos desamparados, como por exemplo, alimentos, vestuário, abrigo, etc.

·        Acesso à Justiça

Neste aspecto, o Princípio do Mínimo Existencial é interpretado como elemento sólido de juízo de valor, pois diante de um caso concreto, na escolha entre princípios estará em seu grau mais elevado, ou seja, hierarquicamente superior aos outros demais, não podendo ser olvidado de plano.

Ademais, os Tribunais Superiores têm entendido que os embates entre a reserva do possível e o mínimo existencial são frequentes na prática e a judicialização revela como necessária, isto é, a transferência para o Poder Judiciário de decisões sobre o reconhecimento e concretização de direitos.

Ocorre que, deve-se criticar a visão deturpada, conceitos vagos ou indeterminados ao posicionar o princípio da reserva do possível como algo negativo e o princípio do mínimo existencial, como positivo. Certamente, quando estamos a tratar sobre princípios devem ser aplicados caso a caso, conforme suas características devidamente moldadas.

Num confronto entre princípios, o Superior Tribunal de Justiça entendeu como válido e eficaz para a promoção de direitos sociais, especialmente ao direito à saúde, como um direito básico e que o princípio do mínimo existencial deverá ser aplicado quando houver a incompetência na inadequada implementação de programação orçamentária e a incapacidade para gerir recursos públicos, devendo ser concretizados direitos em prol de pessoas desfavorecidas, com base nos artigos 196 e 197 da Constituição Federal de 1988, inclusive, impondo ao Estado o inafastável dever de cumprir os tais direitos.

É claro que a justificativa é plausível, visto que a omissão Estatal irá cada vez mais culminar no aumento de demandas judiciais, sejam individuais ou coletivas que obriguem ao seu devido cumprimento e implementação de Direitos. Citamos alguns exemplos, como: as ações de fornecimento de medicamentos, vagas de leitos hospitalares em UTIs, custeio de tratamento médico fora do domícilio, exames médicos, órteses, próteses, etc.

Diante deste quadro, não nos parece adequado aplicar o princípio da reserva do possível, cabendo ao Poder Judiciário aloca-lo para segundo plano e, em primeiro plano o princípio do mínimo existencial, como fonte central, a dignidade da pessoa humana.

Se o Princípio Do Mínimo Existencial é a regra, como tem sedimentada a responsabilidade no tocante a Assistência a Saúde?

Na visão do STF, a responsabilidade da assistência à saúde é solidária entre os entes federativos, ou seja, cabe a União, os Estados e os Municípios promover o direito à saúde para a população (RE 855.178).

Podemos citar um recente caso, dentre muitos, que a Justiça condenou determinado município a custear exames de portador de epilepsia[6]. Na referida decisão, o magistrado entendeu que “o direito à saúde está fortemente ligado à qualidade de vida, concretizando, pois, o princípio do mínimo existencial, ou seja, um conjunto de condições fundamentais para que se viva com dignidade.

Afora da aplicação de casos de saúde, a justiça já decidiu que determinado município garanta o transporte público para estudantes de povoados, no qual a magistrada fundamentou como elemento necessário ao Direito à Educação, citando o artigo 205 da Constituição Federal segundo o qual a educação é um direito fundamental, além de um dever do Estado. “Ora, para que seja mantido o mínimo de dignidade humana, consistente no mínimo existencial, necessário que os direitos subjetivos, fundantes de todos os cidadãos, sejam respeitados, tais quais o direito à educação[7]”.

Portanto, em regra, o cidadão poderá promover uma medida judicial em face dos entes da federação, seja em conjunto ou de forma separada, entretanto, se houver relação quanto às ações que versem sobre o fornecimento de medicamentos sem o registro da ANVISA, a ação será promovida em face da União Federal.

14/09/2020

Pré-candidato a vereador deve excluir de redes sociais comentários ofensivos contra concorrente

 Para juiz de SP, político "não deveria perder tempo com provocações em redes sociais, mas sim, se dedicar ao debate de ideias"

O juiz de Direto Marcos Alexandre Santos Ambrogi, da Vara do Juizado Especial Cível e Criminal de Mauá/SP, condenou um pré-candidato a vereador, a excluir comentários com expressões ofensivas ao autor, também pré-candidato, de suas redes socias.

O magistrado entendeu que o direito à crítica é aliado da liberdade de expressão, portanto, é indispensável o debate de ideias, de modo a fomentar a prévia campanha eleitoral, mas, o cidadão disposto a se eleger, "não deveria perder tempo com provocações em redes sociais, mas sim, se dedicar ao debate de ideias, e a demonstração de aptidão para reverter o cenário política e enaltecer a própria imagem, e não degradar a dos adversários".

Por essas razões, o juiz condenou o requerido a remover os comentários, no prazo de cinco dias, sob pena de multa diária no valor de R$ 200.

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