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08/06/2025

STF Confirma: Fazenda Pública Deve Apresentar Cálculos e Documentos no Cumprimento de Sentença nos Juizados Especiais


A mais recente orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal — firmada no julgamento do Tema 1.396 da Repercussão Geral (ARE 1.528.097/SP) — marca uma virada significativa na forma como se estrutura a execução de sentenças contra a Fazenda Pública nos Juizados Especiais.

De forma clara e objetiva, o STF afirmou que é possível exigir da Fazenda Pública a apresentação de cálculos e documentos necessários à fase de cumprimento de sentença, especialmente quando a parte exequente não dispõe das informações técnicas ou documentais indispensáveis à liquidação do julgado.

Essa decisão, incorporada ao Informativo nº 1.178 do STF (maio/2025), reafirma e estende os fundamentos da ADPF 219, que já reconhecia a execução invertida no âmbito dos Juizados Especiais Federais. Agora, essa lógica se aplica também aos Juizados da Fazenda Pública estaduais e municipais, o que reforça a efetividade da jurisdição e a proteção do cidadão em situação de desvantagem técnica ou econômica.


O contexto prático da decisão: por que isso importa?

Imagine a seguinte cena, que infelizmente é recorrente na prática forense: um servidor público aposentado, após anos de trâmite processual, obtém sentença favorável determinando o pagamento de diferenças remuneratórias ou reajustes atrasados. O processo, contudo, esbarra na fase de cumprimento de sentença. O juiz exige do exequente que apresente os cálculos atualizados, documentos funcionais, índices de reajuste e planilhas detalhadas.

Ocorre que todos esses dados estão exclusivamente sob a guarda da Administração Pública. O servidor, por sua vez, não possui acesso a sistemas internos de recursos humanos, nem condições técnicas de realizar cálculos de liquidação complexos, que muitas vezes envolvem subtetos, contribuições previdenciárias, descontos legais e atualizações monetárias por índices oficiais.

Neste tipo de situação, o novo entendimento do STF não apenas corrige uma distorção histórica, como também realinha o processo às garantias constitucionais de acesso à justiça, eficiência e razoabilidade. A imposição do ônus probatório e técnico à parte que não tem os meios materiais ou jurídicos de cumprir essa obrigação viola os princípios basilares do processo justo.


A tese firmada no Tema 1.396 da Repercussão Geral repousa sobre três vetores normativos e principiológicos fundamentais, cada um deles refletindo transformações estruturais no modelo contemporâneo de processo civil — sobretudo na atuação jurisdicional contra a Administração Pública.

O primeiro pilar reside na cláusula geral da boa-fé objetiva e no princípio da cooperação processual, positivado no art. 6º do CPC/2015. Esse dispositivo rompe com o paradigma adversarial clássico e introduz no processo brasileiro uma racionalidade colaborativa, segundo a qual todas as partes têm o dever de contribuir para a correta formação e execução do provimento jurisdicional. No caso da Fazenda Pública, essa obrigação se intensifica, uma vez que se trata de parte institucional com capacidade técnica, organizacional e informacional muito superior à da maioria dos jurisdicionados.

Mais do que uma diretriz ética, a boa-fé objetiva aqui funciona como instrumento de concretização da paridade de armas e da efetividade da jurisdição, permitindo que o juiz atribua o ônus da prática de determinado ato processual à parte que detém melhores condições de realizá-lo — sob pena de violação ao devido processo legal em sua vertente substancial.

O segundo alicerce é a eficácia ampliada da ADPF 219 no microssistema dos Juizados Especiais da Fazenda Pública. Embora o julgamento originário da arguição tenha se dado no âmbito federal, a lógica subjacente à sua conclusão tem caráter normativo-principiológico. A Corte reconheceu que, em processos de menor complexidade, a exigência de apresentação de cálculos pelo credor, sem acesso às informações essenciais, configura um formalismo abusivo. Transpor esse entendimento para os juizados estaduais e municipais, como feito agora, representa a natural expansão da ratio decidendi da ADPF, especialmente porque a desigualdade técnico-informacional entre Fazenda e cidadão é uma constante estrutural, e não um acaso federativo.

Por fim, a decisão do STF se ancora em um dado constitucional incontornável: a proteção das partes vulneráveis no processo judicial. A hipossuficiência, como categoria jurídica, ultrapassa o critério meramente econômico. Envolve a análise das condições técnicas, cognitivas e informacionais do sujeito diante do aparato estatal. Em diversas hipóteses, o jurisdicionado não consegue, por si só, reconstruir a cadeia de atos administrativos que deram origem ao crédito reconhecido judicialmente, tampouco identificar a metodologia de cálculo imposta por leis específicas, regimes próprios ou regulamentos internos da Administração.

Exigir, portanto, que um servidor aposentado, um beneficiário de prestação continuada ou um pequeno contribuinte realize esse trabalho técnico, sem acesso aos elementos que o viabilizam, seria subverter o sentido material da isonomia. O STF reconhece aqui que a distribuição dinâmica do ônus processual não é apenas um mecanismo de eficiência procedimental, mas uma exigência constitucional de justiça e equidade.

Assim, o julgamento do Tema 1.396 não apenas resolve uma controvérsia processual, mas reafirma a função garantista do processo civil como instrumento de acesso à ordem jurídica justa, conforme preconizado pelo art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal. Trata-se, pois, de uma decisão que harmoniza direito positivo, teoria geral do processo e princípios constitucionais, resgatando a função ética do processo frente à desigualdade estrutural que frequentemente se impõe nas demandas contra o Estado.

Efeitos práticos e aplicação estratégica da tese

A consolidação da tese no Tema 1.396 da Repercussão Geral impõe aos profissionais da advocacia — especialmente àqueles que militam nos Juizados da Fazenda Pública — uma revisão metodológica da forma como se estrutura o início do cumprimento de sentença contra a Administração Pública.

A nova orientação do Supremo Tribunal Federal viabiliza uma atuação mais proativa e tecnicamente embasada, ao reconhecer a legitimidade de se transferir à Fazenda Pública o encargo de elaborar os demonstrativos de débito e os cálculos de liquidação quando o exequente não possuir, por motivos objetivos, os meios para realizá-los.

Assim, torna-se juridicamente viável e estrategicamente recomendável que o advogado, logo no requerimento de cumprimento de sentença:

a) Requeira a intimação da Administração Pública para apresentação de cálculos detalhados, acompanhados dos documentos administrativos que embasam o valor devido (como histórico funcional, folhas financeiras, evolução de proventos, etc.). Esse requerimento deverá estar fundamentado na tese vinculante do Tema 1.396 e no art. 6º do CPC, invocando o dever de cooperação processual.

b) Fundamente a hipossuficiência técnica do exequente, não apenas sob o prisma econômico, mas também sob o aspecto informacional e estrutural, evidenciando que os dados indispensáveis à liquidação estão sob exclusividade da Fazenda. Esse argumento ganha ainda mais força quando o autor da demanda for idoso, pensionista, servidor inativo ou beneficiário de políticas sociais.

c) Requeira que a ausência de resposta da Fazenda enseje os efeitos previstos no art. 400 do CPC, notadamente a presunção de veracidade das alegações da parte adversa quanto ao fato que somente a Fazenda poderia comprovar. Esse ponto é particularmente relevante para evitar a eternização da fase executória por inércia deliberada do ente público.

Além disso, a aplicação concreta da tese evita um equívoco frequente na prática: a extinção do processo executivo por suposta “inércia do credor”. Em muitas decisões anteriores, juízes extinguiam o cumprimento de sentença com base no art. 485, III, do CPC, sob o argumento de que o exequente não teria promovido os atos necessários à execução. Ocorre que, na maioria desses casos, a impossibilidade material de apresentar os cálculos decorre da exclusividade informacional da própria Fazenda Pública, que detém os dados técnicos, funcionais e financeiros.

Dessa forma, o Tema 1.396 passa a funcionar como um verdadeiro anteparo jurídico contra decisões prematuras de extinção do cumprimento de sentença por ausência de liquidação, conferindo segurança argumentativa ao advogado para resistir a esse tipo de indeferimento e garantir a efetividade da tutela jurisdicional já reconhecida.

Por fim, a correta aplicação dessa tese em juízo contribui para a racionalização da execução contra o poder público, redirecionando o foco do processo não mais para formalismos estéreis, mas para a concretização prática do direito reconhecido em sentença. Com isso, o advogado transforma um fundamento jurisprudencial em instrumento técnico de efetividade processual e proteção do jurisdicionado, especialmente nos casos em que há evidente vulnerabilidade da parte exequente.


Conclusão: o processo deve servir à justiça — não ao formalismo

A decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no Tema 1.396 da Repercussão Geral é mais do que uma resposta a uma controvérsia processual recorrente: trata-se de uma afirmação institucional do papel do processo civil como instrumento de realização da justiça substancial.

Ao reconhecer a possibilidade de se impor à Fazenda Pública o dever de apresentar cálculos e documentos indispensáveis à liquidação da sentença, o STF reafirma que a estrutura procedimental não pode ser dissociada da realidade das partes, tampouco pode ser utilizada como mecanismo de obstrução da efetividade jurisdicional.

A função do processo não se esgota na conformidade formal aos ritos, mas exige compromisso com a efetivação do direito material reconhecido. Insistir em atribuir ao jurisdicionado — muitas vezes idoso, hipossuficiente ou desprovido de meios técnicos — o encargo de produzir elementos que somente a Administração possui é perpetuar um desequilíbrio estrutural que contraria os princípios constitucionais da isonomia, do devido processo legal e do acesso à justiça (art. 5º, incisos XXXV e LIV, da CF/88).

Mais do que isso, a tese firmada resgata a essência do modelo cooperativo de processo, no qual se espera que as partes — inclusive o Estado — atuem com lealdade, transparência e colaboração, especialmente quando envolvidas em relações assimétricas.

Não há lugar, no Estado Democrático de Direito, para um processo indiferente à desigualdade entre as partes. Quando o Judiciário permite que o rito se sobreponha à substância, ele fragiliza o próprio conceito de justiça. Ao contrário, decisões como a do Tema 1.396 reconstroem o processo como ferramenta de inclusão, pacificação e tutela efetiva — sobretudo nos Juizados Especiais, cuja razão de existir está intrinsecamente ligada à simplificação, à informalidade e à ampliação do acesso à ordem jurídica justa.

Portanto, cabe à advocacia, à magistratura e à própria Administração Pública reconhecer e aplicar esse novo paradigma com responsabilidade e rigor técnico, não como uma exceção jurisprudencial, mas como expressão de um compromisso constitucional com a dignidade processual do cidadão. Afinal, o processo serve à justiça — e não ao formalismo estéril.


05/06/2025

Assédio Judicial e a Responsabilidade Ética da Jurisdição: conforme decisão do STF

 


Assédio Judicial e a Responsabilidade Ética da Jurisdição

 

Resumo

O presente artigo analisa a decisão do Supremo Tribunal Federal na ADI 6792/DF à luz da filosofia do direito e da teoria constitucional contemporânea. O julgamento enfrentou o assédio judicial por meio da pulverização de ações como forma de cerceamento da liberdade de imprensa, reconhecendo a legitimidade da coletivização processual como instrumento de contenção. Com base em autores como Dworkin, Bobbio, Habermas e Ferrajoli, sustenta-se que a jurisdição deve ser compreendida não apenas como técnica, mas como prática ética vinculada à integridade do sistema constitucional. O texto propõe uma releitura das garantias processuais a partir de uma perspectiva substancial, comprometida com a proteção de direitos fundamentais e a efetividade da democracia.

Palavras-chave: assédio judicial; jurisdição ética; coletivização; STF; garantismo; filosofia do direito.

 

1. INTRODUÇÃO

O fenômeno do assédio judicial — caracterizado pelo ajuizamento coordenado, massivo e pulverizado de ações com propósito intimidatório — desafia os paradigmas tradicionais do direito processual. A decisão do Supremo Tribunal Federal na ADI 6792/DF, ao enfrentar diretamente essa prática, evidencia a necessidade de revisitar o papel da jurisdição no Estado Democrático de Direito.

Mais que uma resposta procedimental, o que está em jogo é a concepção ética e constitucional da jurisdição enquanto prática institucional responsável pela realização da justiça.

 

2. Assédio judicial e a instrumentalização do processo

O assédio judicial constitui uma forma contemporânea de litigância abusiva, caracterizada pela utilização estratégica do direito de ação não com o propósito de buscar a tutela jurisdicional legítima, mas como meio de intimidação, silenciamento e desgaste do réu — especialmente quando este exerce função crítica em regimes democráticos, como ocorre com jornalistas, acadêmicos, ativistas ou veículos de imprensa.

Trata-se de um fenômeno que subverte a função constitucional do processo civil. Em lugar de ser instrumento de pacificação social e de proteção a direitos subjetivos, o processo é transformado em mecanismo de opressão institucionalizada, operando sob a aparência formal de legalidade, mas com finalidade essencialmente antidemocrática. Essa prática, à semelhança do que se observa em experiências de lawfare, converte o aparato estatal em vetor de violação de garantias fundamentais, em especial as liberdades de expressão, crítica e informação.

O traço distintivo do assédio judicial está na pulverização de demandas idênticas ou similares, ajuizadas simultaneamente em diferentes comarcas e contra um mesmo réu. Ainda que isoladamente legítimas, tais ações, quando examinadas no conjunto, revelam um uso desviado da jurisdição. O objetivo real não é o reconhecimento judicial de um direito material, mas o colapso da capacidade defensiva do demandado, mediante o acúmulo de custas, despesas com deslocamento, contratação de advogados em múltiplos foros, e o consequente risco de inibição da liberdade crítica.

O Supremo Tribunal Federal, ao apreciar esse padrão de conduta na ADI 6792/DF, reconheceu o assédio judicial como uma forma de instrumentalização perversa do processo, cuja repressão é compatível com os princípios da proporcionalidade, da boa-fé processual e da vedação ao abuso de direito. A Corte observou que, em situações dessa natureza, a proteção ao direito de ação não pode ser dissociada de sua finalidade constitucional. Como explicitado no voto do Ministro Relator:

“O direito de ação não pode ser compreendido como carta branca para constranger ou silenciar terceiros por meio de processos judiciais articulados com esse fim.”

(ADI 6792/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 04.04.2025)

Portanto, o assédio judicial é incompatível com o modelo de processo justo, uma vez que compromete o contraditório efetivo, rompe com a isonomia processual e gera efeito intimidatório estrutural. Ocorre, assim, uma inversão da função originária da jurisdição: o poder-dever de julgar deixa de ser mecanismo de contenção do arbítrio para converter-se em instrumento de opressão processual disfarçada de legalidade.

Esse uso abusivo do direito de ação — ainda que tecnicamente conforme às regras de competência territorial e instrumental — fere diretamente os princípios fundamentais da Constituição da República (art. 5º, incisos IV, IX e XXXV), pois não se pode admitir que a estrutura do Estado seja manipulada para hostilizar direitos individuais sob o pretexto de sua tutela formal.

A compreensão dessa realidade exige um olhar hermenêutico que vá além do formalismo processual. É necessário considerar os efeitos materiais da litigância pulverizada sobre a parte demandada, os custos sociais da saturação da máquina judiciária e, sobretudo, a degradação da confiança no sistema judicial como espaço de racionalidade democrática.

Nesse cenário, a instrumentalização do processo, via assédio judicial, constitui grave violação à moralidade institucional da jurisdição, e impõe ao Poder Judiciário — enquanto garantidor da ordem constitucional — o dever de atuar com firmeza. Proteger o processo é, aqui, proteger a democracia.

3. A Resposta do STF na ADI 6792/DF: Coletivização e Competência Constitucionalmente Justificada

Ao julgar a ADI 6792/DF, o Supremo Tribunal Federal enfrentou uma realidade singular: o uso do aparato jurisdicional como mecanismo de dispersão estratégica de ações com identidade fática e jurídica substancial. Diante desse contexto, a Corte reconheceu, com precisão técnico-constitucional, que tal prática impõe uma resposta institucional capaz de preservar a unidade da jurisdição, a coerência da resposta judicial e a funcionalidade do sistema de justiça.

A decisão não se limitou a identificar o problema. Ela estruturou uma solução: a possibilidade de reunião processual das ações reiteradas perante o foro do domicílio do réu, inclusive de ofício, sempre que a dispersão configurar risco efetivo à integridade do processo e à coerência do tratamento judicial da controvérsia. A Corte não inovou ex nihilo: extraiu essa resposta do próprio sistema normativo vigente, especialmente dos dispositivos que tratam da conexão processual (art. 55 do CPC), modificação da competência (art. 65) e, sobretudo, da cooperação judiciária nacional (arts. 67 a 69).

Esse movimento interpretativo do STF representa um avanço hermenêutico em direção a uma leitura substancial e coordenada do processo, onde a forma processual serve à realização dos direitos, e não à perpetuação de distorções. Em outras palavras, o Tribunal afirma que a competência não é um fim em si mesmo, mas instrumento de racionalização, proteção da isonomia e efetividade jurisdicional.

Importante sublinhar: a Corte não afastou o princípio do juiz natural, mas procedeu a uma reinterpretação harmônica desse postulado com outros valores constitucionais, especialmente a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CRFB), a efetividade da jurisdição (art. 5º, XXXV) e a igualdade das partes no processo (art. 5º, I e LIV). Conforme apontado no voto do Relator, Ministro Dias Toffoli:

O juiz natural não é uma abstração desconectada da finalidade do processo. Ele deve ser compreendido dentro de uma racionalidade que proteja o réu contra práticas abusivas, ainda que disfarçadas de legalidade.”

(ADI 6792/DF, j. 04.04.2025)

 

A decisão tem ainda outra virtude: fortalece o poder-dever dos juízos na coordenação e cooperação entre varas distintas, promovendo a unidade decisória e a economia processual. A ênfase do STF na viabilidade da atuação de ofício dos magistrados nesses casos confirma o compromisso do Judiciário com a responsabilidade institucional e a integridade do sistema, mesmo quando isso exige soluções fora da ortodoxia territorial clássica.

Portanto, a resposta do STF na ADI 6792/DF deve ser lida como um gesto de afirmação da função constitucional do processo, especialmente em tempos de judicialização massiva com pretensões de sufocamento institucional. Ao articular coletivização, competência excepcional e racionalidade sistêmica, o Tribunal não cria um novo regime, mas realiza a Constituição pela via da integridade hermenêutica.

Trata-se, em última análise, de um marco de maturidade constitucional, que confere ao Poder Judiciário a legitimidade necessária para preservar sua própria função diante da litigância deformada.

4. Jurisdição e Filosofia do Direito: Reconstruindo o Sentido Ético do Processo

Se quisermos compreender com profundidade o que está em jogo no julgamento da ADI 6792/DF, é necessário ir além da dogmática processual e ingressar no campo da Filosofia do Direito. Afinal, quando se discute a utilização abusiva do processo judicial para perseguir, silenciar ou sufocar, o debate já não é apenas sobre competências, ritos e fórmulas. Trata-se de algo muito mais profundo: qual é o papel ético da jurisdição em um Estado Democrático de Direito?

Essa pergunta, caro leitor, exige uma reflexão que desloque o foco da técnica para a teoria, da regra para o princípio, da forma para o conteúdo. E é nesse deslocamento que a Filosofia do Direito se revela imprescindível.

Norberto Bobbio, em sua clássica reflexão sobre o sistema jurídico moderno, advertia que todo ordenamento opera sob uma tensão constante entre garantias individuais e eficácia institucional. Para ele, o verdadeiro desafio da justiça não está na aplicação acrítica de normas, mas na sua harmonização com os valores que sustentam o sistema. A aplicação cega e descontextualizada de garantias processuais — como a rigidez da competência territorial — pode, paradoxalmente, servir ao arbítrio, quando utilizada para viabilizar práticas de assédio judicial. É a forma servindo à destruição da substância.

Ronald Dworkin, por sua vez, nos oferece uma chave de leitura especialmente útil. Para o autor, os direitos fundamentais não são meras regras formais, mas sim princípios jurídicos — dotados de peso moral, que exigem ponderação, argumentação racional e responsabilidade ética no momento de sua aplicação. No contexto do assédio judicial, isso significa dizer que a garantia do juiz natural, embora central, não pode ser tratada como dogma absoluto, especialmente quando está sendo invocada para impedir a reação judicial a uma prática abusiva e coordenada de litigância predatória.

Dworkin nos lembra que aplicar o direito corretamente é um ato de integridade moral. E o que o Supremo Tribunal Federal fez na ADI 6792/DF foi exatamente isso: proteger os princípios constitucionais da jurisdição contra sua manipulação. A Corte compreendeu que o respeito ao juiz natural não implica ceder à fragmentação artificial de ações como estratégia de coerção.

Jürgen Habermas, ao tratar do direito como forma institucional do discurso racional, sustenta que a legitimidade do sistema jurídico depende de sua capacidade de garantir a comunicação livre, simétrica e igualitária entre os sujeitos. Ora, o que ocorre no assédio judicial é o contrário: a saturação do Judiciário, pela via de ações múltiplas, quebra a integridade comunicativa do processo. Quando o contraditório é sufocado pela sobrecarga, quando o réu é obrigado a se defender simultaneamente em dezenas de comarcas, o que temos não é mais um processo — é um ritual jurídico sem discurso autêntico. É o simulacro da jurisdição.

Por fim, Luigi Ferrajoli nos oferece a distinção decisiva entre o garantismo autêntico e o garantismo degenerado. O primeiro — verdadeiro pilar de um Estado constitucional — protege o indivíduo contra os abusos do poder, inclusive o poder jurisdicional. Já o segundo, ao absolutizar as formas processuais e desconsiderar sua finalidade protetiva, transforma o direito em ferramenta de legitimação da opressão. Quando o Judiciário se recusa a reagir ao assédio judicial com base em garantias formais — como a imutabilidade da competência — ele deixa de ser garantista e passa a ser cúmplice da arbitrariedade travestida de formalidade.

A decisão do STF, portanto, não apenas se alinha a uma concepção ética do processo — ela reafirma o compromisso do Poder Judiciário com a proteção ativa das liberdades fundamentais. Trata-se de uma postura que rompe com o formalismo ritualista e devolve à jurisdição o seu verdadeiro papel: o de guardiã da democracia, da justiça e da igualdade material entre os sujeitos processuais.

Você, leitor, que milita diariamente nos tribunais, sabe que o processo civil é cada vez mais um espaço de disputa de poder. E é justamente por isso que ele precisa ser continuamente reconstruído à luz dos princípios da Filosofia do Direito, sob pena de degenerar em técnica vazia, disponível aos que a manipulam.

A ADI 6792/DF não inaugura um novo direito. Ela apenas recoloca o processo no lugar de onde ele nunca deveria ter saído: como instrumento ético de realização da justiça constitucional.

 

5. Conclusão: A Função Pública da Jurisdição e o Dever de Reagir

 

A decisão proferida na ADI 6792/DF representa, em sua essência, um marco de transição hermenêutica: desloca-se o olhar tradicional sobre o processo — como mera técnica procedimental — para uma leitura ética, funcional e constitucionalmente comprometida com a proteção contra abusos sistematizados. Ao reconhecer a legitimidade da coletivização processual como forma de resposta à litigância predatória, o Supremo Tribunal Federal recoloca a jurisdição no seu verdadeiro lugar institucional: uma estrutura de contenção ao arbítrio, e não um instrumento à disposição dos interesses que o perpetuam.

O processo não pode ser neutro diante da injustiça. Quando utilizado como ferramenta de opressão — como ocorre nos casos de assédio judicial pulverizado, territorialmente manipulado, mas coordenado em sua finalidade — o sistema precisa reagir. E essa reação não é política, nem ativista: é constitucional. É expressão do dever institucional do Judiciário de proteger o processo contra o seu próprio desvirtuamento.

A jurisdição, enquanto prática institucional, carrega um compromisso com os valores que estruturam o Estado Democrático de Direito: liberdade, igualdade, dignidade, racionalidade e justiça. O juiz — especialmente o juiz constitucional — não pode se esconder atrás da inércia procedimental ou da neutralidade formal quando a própria integridade do sistema está em jogo. Como guardião da Constituição, tem o dever de agir.

Mais do que uma simples decisão sobre competência territorial, a ADI 6792/DF reafirma que o processo é trincheira — e não trinchete. É instrumento de emancipação — e não de silenciamento. É espaço de discurso — e não de dispersão estratégica.

Trata-se, portanto, de uma reafirmação da jurisdição como função pública dotada de responsabilidade ética, fundada não apenas na literalidade da lei, mas na conformidade moral com os princípios constitucionais que conferem legitimidade ao exercício do poder jurisdicional.

A lição que fica é clara: a legalidade sem integridade é forma sem alma; a técnica sem compromisso é caminho aberto à injustiça. A resposta institucional que emerge da ADI 6792/DF devolve à jurisdição seu papel ativo na defesa da democracia e dos direitos fundamentais. E nos obriga, como operadores do Direito, a um posicionamento claro: não há lugar para neutralidade quando a Constituição está sendo instrumentalmente desafiada.

Essa é, afinal, a missão contemporânea da jurisdição: proteger a si mesma para continuar protegendo a todos.

 

 

Referências

BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. 10. ed. São Paulo: EDIPRO, 1995.
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. v. 1. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003.
STF. ADI 6792/DF. Rel. Min. Dias Toffoli. Plenário. Julgado em 04/04/2025. Disponível em: https://jurishand.com/jurisprudencia-stf-6792-de-04-abril-2025 . Acesso em: 06 jun. 2025.

 

26/03/2024

STF Decide sobre Mortes por Disparos de arma de fogo em Operações Policiais

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO:
STF DECIDE SOBRE MORTES POR DISPAROS DE ARMA DE FOGO EM OPERAÇÕES POLICIAIS

 



    O Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu, em sessão virtual ocorrida na última sexta-feira (8), um julgamento de grande repercussão, tratando da responsabilidade do Estado em casos de mortes por disparos durante operações policiais ou militares, nos quais não seja possível identificar a origem do tiro.

Por uma maioria de 9 votos a 2, ficou estabelecido que:

O Estado pode ser responsabilizado pela morte de uma pessoa atingida por disparo de arma de fogo em operações desse tipo, quando a perícia não conseguir determinar a origem do tiro de forma conclusiva.

O relator do caso, ministro Edson Fachin, sustentou que:

Diante da falta de investigação sobre a autoria do disparo, o Estado deve ser responsabilizado pelos danos causados em operações policiais, uma vez que assume o risco ao realizar tais ações em áreas habitadas. Ele propôs uma tese que estabelece a responsabilidade estatal nessas situações.

Por outro lado, houve divergências quanto aos critérios e condições para essa responsabilização.

O ministro André Mendonça, por exemplo, defendeu que:

O Estado só deve ser responsabilizado se for plausível que o disparo tenha sido feito por um agente de segurança pública. Ele propôs uma tese que prevê a possibilidade de isenção da responsabilidade civil do Estado em casos de total impossibilidade de realização da perícia.

 

Já o ministro Cristiano Zanin concordou com a ideia de responsabilização do Estado, mas sustentou que essa responsabilidade:

Deve seguir a teoria do risco administrativo, possibilitando a exclusão de responsabilidade se ficar demonstrado que não houve nexo causal entre o comportamento do Estado e o dano. Ele destacou que a perícia inconclusiva por si só não é suficiente para afastar essa responsabilidade.

Por fim, o ministro Alexandre de Moraes divergiu integralmente, defendendo que a responsabilização do Estado só ocorre quando houver prova de que o disparo partiu de agentes estatais, ou seja, quando houver evidências diretas e imediatas da conduta.

SOBRE O CASO JULGADO:

O caso específico que motivou o julgamento trata da morte de Vanderlei Conceição de Albuquerque, atingido por um tiro dentro de casa durante um confronto entre moradores, militares do Exército e policiais militares, em junho de 2015, na comunidade de Manguinhos, Rio de Janeiro.

A família de Vanderlei moveu uma ação contra a União e o Estado, alegando que o Estado é responsável pelos danos causados por seus agentes a terceiros, conforme prevê a Constituição Federal.

Após análise do caso, o STF ainda não definiu uma tese para fins de repercussão geral, sendo essa definição adiada para uma sessão presencial.

Enquanto isso, a discussão sobre a responsabilidade civil do Estado em casos semelhantes continua em pauta, levantando questões importantes sobre os limites da atuação estatal em operações policiais e militares e os direitos das vítimas e de suas famílias.

ANÁLISE DO JULGADO

O tema da responsabilidade civil do Estado em casos de mortes por disparos durante operações policiais ou militares levanta questões complexas que envolvem não apenas o direito, mas também aspectos éticos, sociais e políticos.

Vamos abordar alguns pontos importantes para aprofundar a compreensão desse assunto:

PRINCÍPIOS JURÍDICOS FUNDAMENTAIS:

 

Responsabilidade Objetiva

A responsabilidade objetiva é um princípio do direito civil que implica a obrigação de reparar danos independentemente da existência de culpa por parte do agente causador.

No contexto estatal, a responsabilidade objetiva é estabelecida pelo artigo 37, §6º, da Constituição Federal brasileira, que determina que o Estado é responsável pelos danos causados por seus agentes a terceiros.

Essa modalidade de responsabilidade é adotada em razão da supremacia do interesse público e da necessidade de proteção dos cidadãos em face das ações do Estado.

Ao atribuir responsabilidade objetiva, o legislador reconhece que o Estado possui poderes especiais e que, por isso, deve arcar com as consequências de suas atividades, mesmo que desenvolvidas no exercício regular de suas funções.

Diferentemente da responsabilidade subjetiva, que exige a comprovação da culpa do agente, na responsabilidade objetiva basta demonstrar o dano e o nexo de causalidade entre a conduta estatal e o prejuízo sofrido pela vítima. Isso significa que, mesmo que o agente público tenha agido sem intenção de causar danos, o Estado ainda é responsável pelos prejuízos causados.


Direito à Vida e Responsabilidade Estatal:

 

O direito à vida é um dos pilares fundamentais de qualquer ordem jurídica democrática. Previsto em diversos documentos internacionais de direitos humanos e consagrado na Constituição Federal brasileira, o direito à vida implica na proteção da integridade física e moral das pessoas contra ações que possam colocar em risco sua existência.

Quando o Estado está envolvido em situações que resultam em mortes de cidadãos, como em operações policiais ou militares, a responsabilidade objetiva ganha destaque. Isso porque o Estado, como detentor do monopólio legítimo da força, assume uma posição de garantidor da segurança e bem-estar da população.

Assim, a responsabilidade objetiva do Estado em casos de mortes violentas, especialmente em contextos de violência institucional, é uma forma de assegurar que as vítimas e seus familiares recebam uma reparação adequada pelos danos sofridos.

Ademais, a responsabilização não apenas busca compensar os prejudicados, mas também serve como um instrumento de controle e accountability sobre as ações estatais, incentivando práticas mais cuidadosas e respeitosas por parte dos agentes públicos.

Cumpre ressaltar que, a combinação entre responsabilidade objetiva e o direito à vida ressalta a importância de se garantir que o Estado cumpra com suas obrigações de proteção dos direitos fundamentais dos cidadãos, mesmo quando suas ações resultam em tragédias e violações desses direitos.

Atuação do Estado em Operações Policiais e Militares:

A atuação do Estado em operações policiais e militares em áreas urbanas é uma questão extremamente delicada, que envolve diversos aspectos sociais, jurídicos e éticos. 

Nessas operações, os conflitos armados são frequentes e apresentam uma ameaça significativa à integridade física e à vida dos residentes das comunidades afetadas. É importante destacar que nem todos os habitantes dessas localidades estão envolvidos em atividades ilícitas. Muitos deles são pessoas que enfrentam dificuldades socioeconômicas e habitam essas áreas por falta de oportunidades, o que acarreta em consequências adversas em suas vidas. Além disso, alguns optam por residir nessas regiões devido à escassez de alternativas habitacionais acessíveis, o que resulta em um impacto significativo em sua estabilidade financeira.

O direito à vida é um dos mais fundamentais direitos humanos, e quando o Estado está envolvido em situações que resultam em mortes de cidadãos, a questão assume uma importância ainda maior, exigindo uma análise cuidadosa das circunstâncias em que ocorreu o evento.

Nesse contexto, a atuação das forças de segurança deve ser pautada pelo respeito aos direitos humanos, pela proporcionalidade e pela precaução. Certamente isso implica que as ações policiais e militares devem ser proporcionais e controladas, evitando o uso excessivo da força e protegendo os direitos das pessoas, mesmo em contextos de conflito e violência.

A proporcionalidade exige que as medidas adotadas pelas forças de segurança sejam adequadas e necessárias para alcançar os objetivos legítimos da operação, como a manutenção da ordem pública e a prevenção de crimes.

Além disso, a precaução envolve a adoção de medidas preventivas para evitar ou minimizar danos aos moradores das comunidades afetadas, incluindo a adoção de protocolos de segurança, o treinamento adequado dos agentes e o uso de tecnologias e táticas que reduzam o risco de violações dos direitos humanos.

A proteção da vida e da dignidade dos moradores das comunidades afetadas deve ser uma prioridade absoluta para o Estado. Isso inclui garantir o acesso a serviços básicos, como saúde e educação, mesmo durante operações de segurança. Além disso, é importante que o Estado ofereça apoio e assistência às vítimas de violência, incluindo medidas de reparação e compensação por danos sofridos.

Neste ponto, a atuação do Estado em operações policiais e militares em áreas urbanas requer um equilíbrio delicado entre a manutenção da ordem pública e o respeito aos direitos humanos e à dignidade das pessoas, exigindo políticas e práticas que promovam a transparência, a prestação de contas e o respeito aos princípios democráticos e ao Estado de Direito.

Perícia e Prova:

A perícia deve ser conduzida de acordo com os protocolos e diretrizes estabelecidas pela legislação vigente e pelas melhores práticas forenses reconhecidas internacionalmente. Isso inclui a preservação adequada das evidências, o registro detalhado das análises realizadas, a utilização de métodos científicos validados e a comunicação clara e objetiva dos resultados obtidos.

 

É importante destacar também que a perícia não deve ser encarada como a única fonte de prova em um processo judicial, cabendo ser complementada por outras evidências, como depoimentos de testemunhas, registros audiovisuais, documentos e outras provas materiais, para fornecer uma visão abrangente e consistente dos eventos ocorridos.

Em casos de mortes por disparos durante operações policiais ou militares, a perícia desempenha um papel crucial na busca pela verdade e na garantia da justiça. Sem dúvidas, atua como elemento de a proteção dos direitos das vítimas e de suas famílias, ao mesmo tempo em que auxilia na responsabilização dos eventuais responsáveis pelos atos ilícitos.

Teorias sobre a Responsabilidade do Estado:

No âmbito do julgamento em tela, os Eminentes Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) demonstraram distintas perspectivas acerca dos critérios para imputação da responsabilidade estatal em eventos que envolvam mortes decorrentes de disparos durante operações policiais ou militares.

Dentre as teorias apresentadas, destaca-se a teoria do risco administrativo, a qual preconiza que o Estado, enquanto ente detentor do monopólio do uso legítimo da força, deve arcar com os ônus decorrentes de suas atividades, independentemente da comprovação de culpa dos agentes públicos envolvidos.

Segundo tal concepção, a responsabilidade estatal é objetiva, bastando a demonstração do nexo causal entre a atuação estatal e o dano causado, sem que seja necessário indagar sobre a existência de dolo ou culpa por parte dos agentes estatais.

Por outro lado, outra abordagem discutida durante o julgamento é a necessidade de plausibilidade do alvejamento por agentes de segurança pública.

Nessa linha de raciocínio, a responsabilização do Estado estaria condicionada à verificação da verossimilhança de que os disparos tenham sido efetuados por agentes estatais durante a operação. Ou seja, o Estado somente seria responsabilizado caso haja indícios convincentes de que os tiros tenham partido de integrantes das forças de segurança pública.

Ademais, uma terceira teoria debatida pelos Ministros consiste na exigência de comprovação direta e imediata da autoria do disparo por parte dos agentes estatais. De acordo com essa perspectiva, a responsabilidade do Estado estaria condicionada à prova cabal de que os tiros que ocasionaram a morte partiram, de fato, de agentes públicos em serviço, excluindo-se a responsabilização estatal na ausência de tal comprovação.

É relevante ressaltar que tais teorias refletem abordagens distintas para enfrentar a complexidade dos casos envolvendo mortes decorrentes de operações policiais ou militares. Buscou-se, assim, conciliar a proteção dos direitos das vítimas com a preservação dos interesses estatais e dos agentes públicos, em uma ponderação que visa assegurar a justiça e a equidade nas decisões judiciais.

Impactos Sociais e Políticos:

Além das questões jurídicas, a responsabilidade civil do Estado em casos de mortes por disparos durante operações policiais ou militares tem profundos impactos sociais e políticos.

Esses eventos frequentemente geram desconfiança e revolta nas comunidades afetadas, alimentando debates sobre violência institucional, discriminação racial e desigualdades estruturais no sistema de justiça.

A forma como o Estado lida com esses casos pode influenciar significativamente a confiança dos cidadãos nas instituições públicas e nas políticas de segurança adotadas.

         Considerações Finais

Em casos de mortes por disparos durante operações policiais ou militares são cruciais para compreendermos a complexidade desse tema e suas implicações nos âmbitos jurídico, ético, social e político.

É fundamental reconhecer que, de acordo com os princípios jurídicos fundamentais, o Estado é responsável pelos danos causados por seus agentes a terceiros, adotando a teoria da responsabilidade objetiva.

Nesse contexto, o direito à vida, um dos mais básicos direitos fundamentais, assume uma importância primordial, exigindo uma análise cuidadosa das circunstâncias em que ocorreram os eventos que resultaram em mortes.

A atuação do Estado em operações policiais e militares deve ser pautada pelo respeito aos direitos humanos, pela proporcionalidade e pela precaução, visando a proteção da vida e da dignidade das pessoas envolvidas. Isso é especialmente relevante em confrontos armados em áreas urbanas, onde moradores locais podem estar expostos a riscos graves.

A perícia técnica desempenha um papel crucial na investigação desses eventos, mas nem sempre é possível obter uma conclusão definitiva sobre a autoria dos disparos. Isso culmina questões sobre as diferentes teorias de responsabilidade do Estado apresentadas no julgamento, que refletem abordagens variadas para lidar com a complexidade dos casos e equilibrar os direitos das vítimas com os interesses do Estado e de seus agentes.

Além das implicações jurídicas, a responsabilidade civil do Estado em casos de mortes por disparos durante operações policiais ou militares tem profundos impactos sociais e políticos.

Tais eventos frequentemente geram desconfiança e revolta nas comunidades afetadas, alimentando debates sobre violência institucional, discriminação racial e desigualdades estruturais no sistema de justiça.

Em síntese, é essencial buscar um equilíbrio entre a garantia da segurança pública e o respeito aos direitos individuais, promovendo uma cultura de responsabilização e transparência no exercício do poder estatal.

O precedente abordado neste breve texto, inquestionavelmente, estabelecerá um referencial para casos futuros nos quais os tribunais em todo o país devam aplicá-lo.

A definição de critérios claros para a responsabilização do Estado em casos de mortes por disparos durante operações policiais ou militares é fundamental para garantir a justiça e a proteção dos direitos fundamentais de todos os cidadãos.


18/11/2023

Análise prática da decisão do STF: "Condenados Aprovados em Concursos Públicos e Direito à Nomeação"

    


O Supremo Tribunal Federal (STF), em decisão proferida no Recurso Extraordinário (RE) 1282553, tratou da possibilidade de nomeação e posse de candidatos aprovados em concurso público que possuem condenação criminal, desde que não haja incompatibilidade entre o cargo pretendido e a infração cometida, além da inexistência de conflito entre a jornada de trabalho e o cumprimento da pena. O ministro Alexandre de Moraes foi relator do caso e a maioria dos ministros seguiram seu entendimento.

    O cerne da discussão envolveu a contestação da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) em relação à investidura no cargo de auxiliar de indigenismo por um candidato aprovado em concurso, que estava cumprindo liberdade condicional. A Funai argumentava que o Regime Jurídico Único (Lei 8.112/1990) exigia o pleno gozo dos direitos políticos como requisito para a investidura.

    No entanto, o ministro Alexandre de Moraes ressaltou que a suspensão dos direitos políticos, prevista na Constituição Federal no caso de condenação criminal, não abrange os direitos civis e sociais. Salientou ainda que a ressocialização dos condenados no Brasil demanda a oportunidade de estudo e trabalho, sublinhando a importância desses direitos para a reintegração desses indivíduos à sociedade.

    Um ponto relevante do julgamento foi a situação de um candidato condenado por tráfico de drogas, que após aprovação em diversos exames e concursos, incluindo o concurso público em questão, obteve liberdade condicional. O relator destacou que a falta de quitação com a Justiça Eleitoral era uma consequência da pena que o indivíduo estava cumprindo.

    A tese fixada pelo STF sustenta que:

    A suspensão dos direitos políticos em razão de condenação criminal não impede a     nomeação e posse de candidatos aprovados em concurso público, desde que não haja incompatibilidade entre a infração penal praticada e o cargo a ser exercido.

    A base para esta decisão é conforme a aplicação dos princípios da dignidade da pessoa humana, do valor social do trabalho e do dever do Estado de proporcionar condições para a integração social dos condenados. 

    O exercício efetivo do cargo fica condicionado ao regime da pena ou à decisão judicial do Juízo de Execuções, que analisará a compatibilidade de horários.

    Por outro lado, o ministro Cristiano Zanin apresentou divergência ao sustentar que as regras do edital do concurso público precisavam ser estritamente observadas. Ele argumentou que a exceção à regra estabelecida no edital configuraria uma intervenção do Poder Judiciário na esfera legislativa, podendo prejudicar candidatos que preencheram todos os requisitos.

    Todavia, a decisão majoritária do STF, ratificada por outros ministros, estabeleceu critérios específicos para a investidura de candidatos aprovados em concurso público que possuem condenação criminal, atendendo a princípios constitucionais e às necessidades de ressocialização dos condenados. Este entendimento deverá ser observado pelas instâncias judiciais e pela administração pública.

Exemplos práticos de aplicação da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF):

1. Caso de um candidato condenado por crime financeiro aprovado em concurso para cargo administrativo em órgão governamental: Imagine um indivíduo condenado por um delito financeiro, como fraude fiscal, que tenha sido aprovado em um concurso público para um cargo administrativo em um órgão do governo. 

    Se a pena aplicada não implicar incompatibilidade com o cargo a ser ocupado e não houver conflito entre a jornada de trabalho e o cumprimento da pena, o STF estabeleceu que essa pessoa poderia ser nomeada e empossada, respeitando os princípios de reintegração social e valorização do trabalho, conforme decisão do RE 1282553.

2. Situação de um candidato condenado por delito de trânsito aprovado em concurso para professor

    Suponha um indivíduo que tenha sido condenado por um delito de trânsito e, após cumprir a pena, tenha sido aprovado em um concurso público para o cargo de professor em uma instituição de ensino. 

    Desde que não haja incompatibilidade entre a infração penal cometida e as funções de professor, e não exista conflito entre a jornada de trabalho e o cumprimento da pena, a decisão do STF permite a nomeação e posse desse candidato, considerando a importância da reinserção social e do trabalho na reintegração dessas pessoas à sociedade.

3. Candidato com reabilitação criminal

    Se um candidato possui uma condenação criminal anterior e, posteriormente, obtém a reabilitação criminal, essa reabilitação pode ajudar na argumentação para tomar posse no cargo público, desde que a natureza do delito não seja incompatível com a função.

4. Candidato com liberdade condicional: 

    Uma pessoa aprovada em um concurso público que esteja cumprindo liberdade condicional pode ser impedida de tomar posse, apesar da decisão do STF.

     Neste caso, a decisão do tribunal pode ser invocada em uma ação judicial para obter a nomeação, alegando o respeito aos princípios constitucionais que fundamentaram a decisão do Supremo.


    Se mesmo após da decisão do STF, houver a negativa de posse ao cargo público o que deve ser feito? Cabe ingressar com ação judicial? E se fizer a reabilitação criminal, ajuda para tomar posse ao concurso público?

    Respondendo à pergunta: Se mesmo após a decisão do STF houver a negativa de posse ao cargo público, o candidato pode ingressar com uma ação judicial. Ele pode utilizar a decisão do STF como um argumento jurídico, buscando que a decisão da Suprema Corte seja aplicada ao seu caso específico.


    Quanto à reabilitação criminal, ela pode ser considerada um fator relevante para a tomada de posse em um concurso público, pois demonstra a ressocialização do indivíduo. 

    No entanto, a simples obtenção da reabilitação não garante automaticamente a posse, especialmente se ainda houver incompatibilidade entre a infração penal cometida e o cargo a ser exercido, mesmo com decisões favoráveis aos candidatos do STJ e STF. Seguramente, cada caso precisará ser avaliado considerando a natureza do crime e a relação com as atribuições do cargo público em questão.


04/10/2023

Breve análise da decisão do STF Valida Reajuste Retroativo para Servidores Aposentados antes de 2008

 O Supremo Tribunal Federal (STF) tomou uma decisão importante e unânime que validou o reajuste de proventos e pensões concedidos a servidores públicos federais e seus dependentes que não foram beneficiados pela garantia de paridade de revisão. Esse reajuste foi feito pelo mesmo índice de reajuste do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) durante o período anterior à Lei 11.784/08.


Essa questão foi discutida no Recurso Extraordinário (RE) 1.372.723, que foi apresentado pela União contra uma decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4). A relevância dessa questão foi reconhecida pelo STF com unanimidade, tornando-se o Tema 1.224.


Um exemplo que ilustra essa situação é o caso de um servidor público federal que se aposentou antes de 2008. Ele percebeu que seus proventos de aposentadoria não estavam sendo reajustados de acordo com os mesmos índices aplicados aos benefícios do RGPS

Ao buscar a revisão de seus proventos, a Administração Pública não realizou os reajustes retroativos ao período anterior à Lei 11.784/08, alegando a ausência de previsão legal.


No entanto, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) reconheceu a validade desses reajustes retroativos com base na orientação do Ministério da Previdência Social, que previa os índices de reajuste. O TRF-4 considerou que essa orientação poderia ser aplicada desde a edição do ato normativo até a vigência da lei.


A União recorreu da decisão, argumentando que a correção dos benefícios não poderia ser feita com base em atos normativos inferiores à lei e que não havia previsão legal específica para os reajustes retroativos.


No julgamento pelo STF, os ministros seguiram o entendimento do ministro Dias Toffoli, relator do processo, e confirmaram a validade dos reajustes retroativos. Toffoli destacou jurisprudência anterior do STF que respaldava essa interpretação.


Portanto, a decisão final do STF teve como base casos concretos de servidores públicos que buscaram a revisão de seus proventos de aposentadoria, o que reforçou a relevância e a aplicação dessa questão jurídica.


Processo: RE 1.372.723

22/08/2022

Notícia: STF - Indenização por incapacidade ou morte de profissionais da saúde em razão da pandemia é constitucional

 


Segundo a ministra Cármen Lúcia, trata-se de política pública para atender a finalidade específica de buscar atenuar os malefícios causados pela pandemia à categoria.

 

Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a constitucionalidade da Lei 14.128/2021, que garante o pagamento de compensação financeira a profissionais da saúde que, em atendimento direto às pessoas acometidas pela covid-19, tenham se tornado permanentemente incapazes para o trabalho ou aos herdeiros e dependentes, em caso de morte. Na sessão virtual encerrada em 15/8, o colegiado julgou improcedente, por unanimidade, o pedido formulado pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6970.

 

O presidente havia vetado o projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional, mas o veto foi derrubado. Ele, então, questionou a lei no STF, alegando violação da competência privativa do chefe do Poder Executivo federal, pois o auxílio financeiro iria alcançar servidores públicos da União. Sustentou, ainda, ofensa às condicionantes fiscais para expansão de ações governamentais na pandemia e falta de estimativa do impacto orçamentário e financeiro na proposição legislativa.

 

Indenização

 

No voto condutor do julgamento, a ministra Cármen Lúcia (relatora) explicou que a compensação financeira em questão não tem natureza de benefício previdenciário ou remuneratório, mas de indenização, e a lei não restringe seus beneficiários aos servidores públicos federais. Segundo ela, a norma abrange todos os profissionais de saúde, dos setores público e privado, de todos os entes da Federação, sem tratar de regime jurídico de servidores da União nem alterar atribuições de órgãos da administração pública federal. Nesses casos, de acordo com a jurisprudência consolidada do Supremo, não há ofensa à competência privativa do chefe do Poder Executivo.

 

"A legislação questionada trata de política pública para atender finalidade específica, no cumprimento do dever constitucional outorgado ao Estado de buscar atenuar os malefícios causados pela pandemia aos profissionais de saúde", destacou.

 

Excepcionalidade

 

Em relação ao argumento de desrespeito às regras fiscais, a ministra assinalou que a compensação financeira se destina ao enfrentamento das consequências sociais e econômicas decorrentes da covid-19, não configurando despesa obrigatória de caráter continuado. O pagamento da indenização está restrito ao período de calamidade pública e inserido no quadro normativo das Emendas Constitucionais 106/2020 e 109/2021, que estabeleceram regime fiscal excepcional.

 

Para a ministra, as diversas previsões legislativas que dispensam a observância de determinadas regras de responsabilidade fiscal evidenciam a opção de evitar o impedimento da atuação do poder público no enfrentamento da pandemia, “oferecendo-se resposta jurídica tida pelo legislador como justa aos que atuaram e ainda atuam no combate à doença com maior risco à própria vida e à saúde".

 

Processo relacionado: ADI 6970

 

Fonte: Supremo Tribunal Federal

05/05/2020

Ação de ressarcimento ao erário baseada em decisão de Tribunal de Contas é prescritível

Por unanimidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu que é prescritível a ação de ressarcimento ao erário baseada em decisão de Tribunal de Contas. O entendimento se deu, em sessão virtual, no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 636886, com repercussão geral reconhecida (tema 899).

No caso concreto, Vanda Maria Menezes Barbosa, ex-presidente da Associação Cultural Zumbi, em Alagoas, deixou de prestar contas de recursos recebidos do Ministério da Cultura para aplicação no projeto Educar Quilombo. Por isso, o Tribunal de Contas da União (TCU) ordenou a restituição aos cofres públicos dos valores recebidos.
Com a não quitação do débito, a União propôs a execução de título executivo extrajudicial. O juízo de 1º grau reconheceu a ocorrência de prescrição e extinguiu o processo. O Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5) manteve a decisão.
Prescritibilidade
Segundo o relator do recurso, ministro Alexandre de Moraes, o STF concluiu, no julgamento do RE 852475, com repercussão geral (tema 897), que somente são imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário com base na prática de ato de improbidade administrativa doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992).
Ele apontou que, em relação aos demais atos ilícitos, inclusive àqueles não dolosos atentatórios à probidade da administração e aos anteriores à edição da norma, aplica-se o decidido pelo Supremo no RE 669069 (é prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil - tema de repercussão geral nº 666).
No caso sob análise, o relator disse que não ocorreu a imprescritibilidade, pois as decisões dos tribunais de contas que resultem imputação de débito ou multa têm eficácia de título executivo. Assim, é prescritível a pretensão de ressarcimento ao erário baseada nessas decisões, uma vez que a Corte de Contas, em momento algum, analisa a existência ou não de ato doloso de improbidade administrativa. Além disso, não há decisão judicial caracterizando a existência de ato ilícito doloso, inexistindo contraditório e ampla defesa plenos, pois não é possível ao acusado defender-se no sentido da ausência de elemento subjetivo (dolo ou culpa).
Prazo
De acordo com o ministro Alexandre de Moraes, no caso, deve ser aplicado o disposto no artigo 174 do Código Tributário Nacional (CTN), que fixa em cinco anos o prazo para a cobrança do crédito fiscal e para a declaração da prescrição intercorrente.
No RE, a União alegava que a decisão do TCU configurava ofensa ao artigo 37, parágrafo 5º, da Constituição Federal, porque não se aplica a decretação de prescrição de ofício às execuções de título extrajudicial propostas com base em acórdão do Tribunal de Contas que mostram, em última análise, a existência do dever de ressarcimento ao erário.
Decisão
O Plenário desproveu o recurso, mantendo a extinção do processo pelo reconhecimento da prescrição. Foi fixada a seguinte tese de repercussão geral: “É prescritível a pretensão de ressarcimento ao erário fundada em decisão de Tribunal de Contas”.

A INOVAÇÃO DAS INTIMAÇÕES JUDICIAIS POR WHATSAPP NO TJ-SP: BREVE ANÁLISE CRÍTICA E CONSTRUTIVA

O avanço tecnológico no âmbito do Poder Judiciário brasileiro tem se revelado inevitável diante das demandas contemporâneas por maior celeri...

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