06/03/2019

NOÇÕES DO CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO E AS MOEDAS VIRTUAIS


                 
O crime de lavagem de dinheiro, sem sombra de dúvidas, é um dos mais comentados nas últimas décadas em nosso País, seja veiculado pela imprensa por meio de jornais, revistas telejornais, nos bancos acadêmicos via congressos, palestras, produção literária, ou mesmo numa simples conversa informal. Mas, afinal, o que é crime de lavagem de dinheiro?

          Certamente, a resposta não precisa ser necessariamente com conceitos jurídicos empregados, mas, de forma mais simples e objetiva, podemos dizer que, se trata de métodos/ações promovidas pelo agente do crime que busca um meio para ‘apagar’ a origem ilícita dos bens, direitos e valores anteriores e, na operação seguinte ‘branqueá-los’ como se lícitos fossem a sua origem.

          Neste sentido, é preciso que já tenha uma origem criminosa dos bens que o agente criminoso deseja que seja posteriormente lícito e, neste ponto, não se distingue se tal crime seja uma infração, como no caso de crimes de trafico de drogas, exploração sexual, corrupção, ou mesmo, no caso de contravenção penal, como exemplo, a exploração de jogos de azar.

          Podemos trazer um exemplo fático recente numa noticia veiculada no sítio eletrônico G1, em 14/02/2019 [1]:

“Polícia busca 40 veículos comercializados por suspeitos de lavagem de dinheiro”
Após três anos de investigação, a polícia Civil deflagrou nesta quinta-feira (14) a operação Pavilhão, decorrente da Operação Pullus, que investiga uma organização criminosa suspeita de tráfico de drogas, agiotagem, lavagem de dinheiro e sonegação fiscal. Um casal foi preso.

Com a notícia acima exposta, realmente traz uma melhor elucidação de ordem prática para este delito, no entanto, é preciso afirmar que os atos configuradores da lavagem de dinheiro dificultam a descoberta e o combate aos crimes antecedentes, mas, salienta-se que a Lei n. 9.613/98, com redação dada pela Lei nº 12.683/12, tipificou as seguintes condutas como criminosas, conforme previsão em seu artigo 1°, in verbis:

Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal.
Pena – reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e multa.
 § 1° Incorre na mesma pena quem, para ocultar o dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de infração penal:
I – Os converte em ativos lícitos;
II – Os adquire, recebe, troca, negocia, dá ou recebe em garantia, guarda, tem em depósito, movimenta ou transfere;
III- Importa ou exporta bens com valores não correspondentes aos verdadeiros.
§ 2° Incorre, ainda, na mesma pena quem:
I – Utiliza, na atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou valores provenientes de infração penal;
II – Participa de grupo, associação ou escritório tendo conhecimento de que sua atividade principal ou secundária é dirigida à prática de crimes previsto nesta Lei.
§ 3º A tentativa é punida nos termos do parágrafo único do art. 14 do Código Penal.
§ 4° A pena será aumentada de um a dois terços, se os crimes definidos nesta Lei forem cometidos de forma reiterada ou por intermédio de organização criminosa.
§ 5° A pena poderá ser reduzida de um a dois terços e ser cumprida em regime aberto ou semiaberto, facultando-se ao juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la, a qualquer tempo, por pena restritiva de direitos, se o autor, coautor ou partícipe colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais, à identificação dos autores, coautores e partícipes, ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime.

Interessante colocarmos as três fases caracterizadoras do crime de lavagem de dinheiro, sejam em quaisquer condutas acima descritas acima pela lei em vigor. Segundo Min. Luiz Fux, manifestado por seu voto na famosa Ação Penal 470, extraímos as fases:

1a Fase: É a colocação de recursos derivados de uma atividade ilegal em mecanismo de dissimulação de sua origem, que pode ser realizado por instituição financeira, casas de cambio, leilões de obras de arte, entre outros negócios aparentemente lícitos.

2a Fase: Decorrente do encobrimento, circulação ou transformação, cujo objetivo é tornar mais difícil a detecção da manobra dissimuladora e o descobrimento de lavagem.

3a Fase: Interação dos recursos a uma economia ondem pareçam legítimos.

Obviamente, é impossível que na prática tenhamos que analisar todas estas fases descritas pelo Min. Luiz Fux, mas, não significa que sejam inservível tais fases, no entanto, a sintetização das condutas previstas no artigo 1° da Lei n. 9.613/98,  por si só, são o suficientes para a aplicação da norma penal.

Interessante, para nós, a questão relacionada ao “contágio” do produto do crime, pois o risco prático é ainda maior diante de ações que exigem muito mais detalhes, como provas em concreto para que a conduta seja considerada criminosa haja vista a existência do dolo, conforme o artigo 18, I, do Código Penal Brasileiro: “doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo”, sendo impossível aplicar modalidade culposa, pois o agente do crime conhecia a origem do bem, não podendo agir com negligência, imprudência ou imperícia.

Para fins de elucidação prática, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu a ilegalidade de condenar uma pessoa por imputação de lavagem de dinheiro na forma culposa, tendo em vista que não estava demonstrada a  consciência e vontade de ocultar ou dissimular a origem ilícita de valores depositados em conta bancária (STJ - AgRg no AREsp 328.229/SP, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, DJe 02/02/2016).

Assim, conforme tratado anteriormente, o dolo como elemento de conduta subjetiva livre e consciente para realização do ato ilícito, devendo estar devidamente caracterizada para que seja considerado crime de lavagem de dinheiro que, alias corroborado com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, na Ação Penal 470.

Não podemos deixar de destacar a questão polêmica do dolo eventual. Conforme lições de Damásio de Jesus (2015: 331), sobre o dolo eventual, o sujeito “antevê o resultado e age, percebendo que é possível causar o resultado, realizando o comportamento. Entre desistir da conduta e causar o resultado, ele opta por não evitar aquela”.

Na senda de tipificação normativa, o nosso Código Penal em seu artigo 18, I, estabelece que o dolo eventual caracteriza-se quando o agende do delito assume o risco de produzir o resultado.

Indaga-se, será mesmo que deveremos aplicar o elemento subjetivo do dolo eventual nos crimes de lavagem de dinheiro?

Nas lições de Paulo José Baltazar Junior (2017: 1096), afirma que:

“Admitir o dolo eventual implica admitir a ocorrência do crime quando o lavador não tem a certeza de que o objeto da lavagem é produto da atividade criminosa, mas assume o risco de que os bens tenham origem criminosa, com base no indicativo dado pelas circunstâncias do fato”.

É importante pensarmos que, o dolo eventual aplicado ao crime ora em estudo, requer uma análise mais acurada na legislação especial ao aplicar da lei, no entanto, a celeuma entre aplicar somente o dolo direto e o eventual, abre-se a possibilidade fática da previsão legal do artigo 18, I, do Código Penal, devido o risco que determinado bem seja de origem criminosa.

Na prática é a famosa Teoria da Cegueira Deliberada (Willful Blindness) ou a Teoria das Instruções do Avestruz, no qual se caracteriza como crime de lavagem de capitais o agente que se omite diante de uma ilicitude evidente com a única finalidade de lucro, deverá responder por dolo eventual. Em terras brasileiras, a referida teoria foi aplicada para condenar o dono de uma concessionária de veículos que vendeu onze carros de valores avultosos recebidos em dinheiro em espécie, sendo que a origem do dinheiro era referente ao roubo de um banco.

Interessante posição, pelo visto pacificada da Egrégia Corte do Superior Tribunal de Justiça ao afirmar que:

Sabe-se que para a aplicação da teoria da cegueira deliberada, deve ficar demonstrado no quadro fático apresentado na lide que o agente finge não perceber determinada situação de ilicitude para, a partir daí, alcançar a vantagem pretendida (STJ - RECURSO ESPECIAL : REsp 1565832 RJ 2015/0282311-7).

Desta forma, para aplicarmos o dolo eventual nos crimes de lavagem de dinheiro, será necessário um plus, ou seja, o agente não perceber quanto a origem ilícita do bem, como no princípio do non olet do direito tributário[2], ignorando a origem, mas, de modo a considerar a obtenção da vantagem econômica final.

Sobre lavagem de dinheiro por meio de moedas virtuais

Feitas as considerações introdutórias sobre o crime de lavagem de dinheiro e suas características indispensáveis para a sua configuração, podemos traçar como algo recente no cenário jurídico no tocante as moedas virtuais, conhecidas por criptomoedas ou bitcoin, apesar de que estas duas últimas, em verdade são espécies da primeira[3].

Numa sociedade de risco e em alto grau de elementos inovadores dinâmicos, as moedas virtuais surgiram no mercado financeiro por iniciativa de particulares como alternativa de circulação de riquezas (assim entendemos desta forma).

A ausência de uma lei especifica no Brasil ou mesmo de um Tratado Internacional que seja  ratificado pelo Estado, gera de certa forma uma insegurança e poderá ensejar num aumento da cyber-lavagem.

Essa possibilidade ainda persiste, ainda que as criptomoedas possuam complexa tecnologia, haja vista que blockchain não possibilita a identificação dos usuários[4] e ainda que precisam ser declaradas perante a Receita Federal do Brasil[5], isto não significa que exista uma fiscalização, pois o Poder Pública estará ainda sem desconhecer a origem dos bens.

Faticamente será um imenso desafio aos Poderes Públicos, sobretudo, ao aspecto investigatório na produção de provas acerca da “lavanderia virtual”, pois a identificação de usuários já possa traçar os indícios de autoria e posteriormente, a materialidade delitiva para que haja a punibilidade do transgressor da norma penal.

Em notícia recente (05/03/2019), já temos um caso intrigante no qual facção criminosa utilizava Bitcoin para lavagem de dinheiro[6] e que na reportagem o policial disse que, de acordo com um especialista consultado pela PM, esse equipamento é “usado para fazer a lavagem do dinheiro do tráfico” e que eles conseguem até “dobrar o valor da noite para o dia” e também que essas máquinas podem girar em torno de “1 milhão a 2 milhões por dia[7]”. Portanto, trata-se de uma realidade a lavanderia virtual.

Quanto em relação à aplicação do dolo eventual é possível inclusive mais próximo de uma identificação do comprador da moeda virtual, como origem o vendedor. Talvez, ao critério de regulamentação normativa seria um cadastramento integro e concentrado por parte do vendedor, no qual terá a obrigatoriedade de apresentar aos órgãos públicos quem são seus compradores de moedas virtuais e um órgão específico fiscalizador poderá inibir as transações eletrônicas.

 Por fim, ainda que tenhamos pouquíssimas discussões dos Tribunais, já sabemos pelo menos que a competência para julgamento de ações penais haja vista que o Superior Tribunal de Justiça manifestou-se:

inexistindo indícios, por ora, da prática de crime de competência federal, o procedimento inquisitivo deve prosseguir na Justiça estadual, a fim de que se investigue a prática de outros ilícitos, inclusive estelionato e crime contra a economia popular” STJ - CONFLITO DE COMPETENCIA : CC 161123 SP 2018/0248430-4.



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[2] A cláusula tributária chamada pecunia non olet ou non olet (não tem cheiro) estabelece que, para o fisco, pouco importa se os rendimentos tributáveis tiveram ou não fonte lícita ou moral.

[3] As chamadas “moedas virtuais” ou “moedas criptográficas” são representações digitais de valor que não são emitidas por Banco Central ou outra autoridade monetária. O seu valor decorre da confiança depositada nas suas regras de funcionamento e na cadeia de participantes. Vale a leitura no sítio eletrônico do Banco Central do Brasil:

[4] Blockchain (também conhecido como “o protocolo da confiança”) é uma tecnologia de registro distribuído que visa a descentralização como medida de segurança. São bases de registros e dados distribuídos e compartilhados que têm a função de criar um índice global para todas as transações que ocorrem em um determinado mercado. Ver: https://pt.wikipedia.org/wiki/Blockchain


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