20/01/2022

DESVIO DE FUNÇÃO DO SERVIDOR PÚBLICO

desvio de função se caracteriza o servidor passa a exercer atribuições diversas daquelas que correspondem ao cargo para o qual foi nomeado e empossado, ou seja, durante o exercício de atividades ou serviços estranhos à competência de um cargo caracteriza desvio de função.

Muitas pessoas confundem o desvio de função com a readaptação.

Na readaptação o servidor público exerce a investidura do cargo e responsabilidades compatíveis com a sua limitação, conforme a sua capacidade física ou mental, desde que verificada em inspeção médica.

A base deste conceito apresentado de acordo com a previsão no art. 24 da Lei n. 8.112/90, porém, pode variar também, conforme estabelece a Lei Estadual ou Municipal que o servidor público estiver vinculado.

Feitas as devidas distinções, devemos compreender em relação aos contornos práticos acerca do reconhecimento de desvio de função do servidor público.

Num primeiro ponto, deve ser reconhecido por meio de uma ação judicial específica de que o servidor público, dentro de suas atividades, exerceu atribuições diversas, caracterizando o desvio de função e terá o direito de receber todo o salário compatível com o cargo ao qual exerceu.

É importante deixar claro que, não se trata de hipótese de aumento de vencimentos ou equiparação salarial, mas sim, uma forma de indenização pela correta remuneração dos serviços efetivamente prestados, sob pena de enriquecimento sem causa da Administração[1].

O enriquecimento sem causa promovido por parte da Administração Pública decorre quando esta detém certa vantagem indevida em face do servidor público, que por sua vez, realiza prestações superiores e mais custosas do que as que foram pactuadas.

         Nos termos do art. 840 do Código Civil de 2002, veda expressamente que:

Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.

         Ademais, o Superior Tribunal de Justiça sedimentou entendimento com a edição da Súmula nº 378, segundo o qual o servidor que desempenha função diversa daquela inerente ao cargo no qual foi investido, embora não faça jus ao reenquadramento, tem direito a receber as diferenças remuneratórias referentes ao período no qual perdurar o desvio de função, sob pena de enriquecimento sem causa por parte do Estado.

         Importante frisar, que a edição da referida súmula é datada em 22/4/2009, portanto, não se trata de nenhuma novidade inserida na prática jurídica, sendo um assunto pacifico em nossa jurisprudência atual até a presente data.

        

         Aspectos fundamentais sobre a Ação de desvio de função do servidor público

         A primeira e oportuna indagação acerca dos aspectos processuais, diz respeito à espécie de ação judicial a ser promovida, afinal, qual ação se deve ingressar?

         A ação que deve ser promovida será de reconhecimento da relação jurídica, ou seja, uma ação declaratória, cumulada com perdas e danos, tendo em vista que a finalidade é de ver reconhecido pelo Poder Judiciário de que, materialmente o servidor público exercia função diversa do cargo que foi nomeado e empossado, cabendo ainda ao órgão no qual é vinculado efetuar o pagamento das diferenças dos vencimentos que lhe faça jus.

Em síntese, deve-se provar que o servidor público trabalhava em funções diversas daquelas da investidura do cargo.

         O fundamento legal está contido no art. 19 do CPC que, estabelece que, o interesse do autor pode limitar-se à declaração da existência, da inexistência e do modo de ser de uma relação jurídica.

Sobre as provas a serem produzidas e aceitas no processo

         Por se tratar de uma questão estritamente técnica, devemos pontuar que, o ônus da prova incumbe ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito (art. 373, II, do CPC), portanto, cabe ao servidor público provar que exerce o desvio de sua função durante suas atividades desempenhadas.

         Em relação aos meios de prova, pode ser por meio de depoimento pessoal e testemunhas que serão ouvidas em audiência, podendo também ser aceitos documentos oficiais do órgão, como por exemplo, um relatório elaborado pelo autor, inclusive e-mails e mensagens de troca de mensagens instantâneas como elemento de prova digital.

         As provas periciais também serão válidas e poderão ser requeridas judicialmente, desde que tenha pertinência com os fatos.

Reconhecido o desvio da função, o servidor público terá o direito de receber acréscimo das diferenças, bem como ser indenizado pelas prestações vencidas com os devidos reflexos sobre os quinquênios, sexta-parte e 13º salário, respeitada a prescrição quinquenal, com a incidência dos juros moratórios, a partir da citação.

Prazo prescricional para ingresso da ação sobre desvio de função

         É importantíssimo que o servidor público, assim como o servidor público já aposentado esteja atento à questão do prazo para a propositura da ação relacionada ao reconhecimento do desvio de função, pois o prazo é de até 5 (cinco) anos.

         Para aqueles que ingressam com a ação e ainda continua a exercer suas atividades perante a Administração Pública, por se tratar de relação jurídica de trato sucessivo, o prazo prescricional renova-se mensalmente, prescrevendo apenas as parcelas anteriores aos cinco anos que antecedem a propositura da ação[2].

 

         Jurisprudência selecionada:

SÍNTESE DOS DEVERES: Compete a prestação de serviços técnicos de enfermagem, executando as atividades de nível médio técnico atribuídas à equipe de enfermagem, cabendo-lhe: executar ações de tratamento simples, preparar o paciente para consultas, exames e tratamento, observar, reconhecer e descrever sinais e sintomas, ao nível de sua qualificação, executar tratamentos especificamente prescritos e de rotina, além de outras atividades de enfermagem tais como: ministrar medicamentos por via oral e parental , realizar controle hídrico, fazer curativos, aplicar oxigenoterapia, nebulizações , enteroclisma, enema e calor e frio, executar tarefas referentes à conservação e aplicação de vacinas, participar na prevenção e controle de doenças transmissíveis em geral, realizar testes e proceder a sua leitura para subsídios de diagnósticos, colher material para exames laboratoriais, executar atividades de desinfecção e esterelização , prestar cuidados de higiene e conforto ao paciente e zelar por sua segurança, inclusive alimentá-lo ou auxiliá-lo a alimentar-se, zelar pela limpeza e ordem do material, de equipamentos e dependências de unidades de saúde, integrar a equipe de saúde, participar de atividades de educação de saúde, inclusive orientar os pacientes na pós consulta quanto ao cumprimento das prescrições de enfermagem e médicas, realizar visitas domiciliares, auxiliar enfermeiro na execução dos programas de educação para a saúde, executar atividades de apoio como lavagem e preparo do material para esterilização , recebimento, conferência e arranjo da roupa vinda da lavanderia, auxiliar na distribuição de alimentos e dietas, participar de levantamentos epidemiológicos e executar tarefas afins, inclusive as editadas na respectivo regulamento da profissão, bem como prover a unidade de saúde, com materiais necessários para o desempenho das funções médico-assistencial, controlar estoque de materiais e medicamentos informando das necessidades apuradas, acompanhar equipes em visitas domiciliares, fazer procedimentos da função, assistir ao enfermeiro no planejamento, programação, orientação e supervisão das atividades de assistência de enfermagem, prestação de cuidados de enfermagem a pacientes em estado grave, prevenção e controle de doenças transmissíveis em geral em programas de vigilância epidemiológica, prevenção e controle sistemático de danos físicos que possam ser causados a pacientes durante a assistência de saúde, executar atividades de assistência de enfermagêm perceptuadas as atividades do enfermeiro, integrar a equipe de saúde. Executar demais atividades afins. (grifei).

 

PROCEDÊNCIA - APELAÇÃO DA RÉ E REEXAME NECESSÁRIO CONSIDERADO INTERPOSTO - DESPROVIMENTO - Efetiva demonstração do desvio de função por provas documental e testemunhal - Nítida divergência entre as incumbências do cargo efetivo ocupado e daquele realmente exercido - Agente administrativo judiciário que cuidava do setor de almoxarifado da Comarca - Elaboração de Livro de Tombo, controle dos materiais e patrimônio, atos próprios do cargo de escrevente técnico judiciário - Fixação de indenização consistente na diferença da remuneração entre os cargos, sob pena de enriquecimento sem causa da Administração Pública - Precedentes - Sentença de procedência mantida - Recursos desprovidos." (TJSP; Apelação 1009591-48.2016.8.26.0053; Relator (a): Antonio Tadeu Ottoni; Órgão Julgador: 13a Câmara de Direito Público; Foro Central - Fazenda Pública/Acidentes - 2a Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 28/11/2018; Data de Registro: 30/11/2018).

"APELAÇÕES - AÇÃO ORDINÁRIA - SERVIDORA PÚBLICA DO MUNICÍPIO DE PIRACICABA - MONITOR DE CENTRO EDUCACIONAL E CRECHE - DESVIO DE FUNÇÃO - Pretensão ao pagamento de diferenças remuneratórias e reenquadramento no cargo de professora em razão do desvio de função - Sentença de procedência em parte - Pleito de reforma da sentença - Não cabimento - Comprovação da realização de atividades inerentes à função de professora através da prova oral - Necessidade do pagamento das diferenças remuneratórias, nos termos da Súm. nº 378, de 05/05/2.009, do STJ - Caráter indenizatório - Ausência de violação ao art. 37, XIII, da CF, e à Sum. nº 339, de 22/08/1.963, do STF - Reenquadramento no cargo de professora - Impossibilidade - Investidura em cargo público que demanda aprovação em concurso público próprio - Precedentes do STF e deste TJ/SP - CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA - Incidência do IPCA-E para a correção monetária e da Lei Fed. nº 11.960, de 29/06/2.009 para os juros de mora

APELAÇÕES não providas e REMESSA NECESSÁRIA provida em parte, apenas para regrar a correção monetária e os juros de mora." (TJSP; Apelação 0006296-58.2014.8.26.0451; Relator (a): Kleber Leyser de Aquino; Órgão Julgador: 3a Câmara de Direito Público; Foro de Piracicaba - 1a Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 27/11/2018; Data de Registro: 29/11/2018).

SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL – DESVIO DE FUNÇÃO – SERVIDOR CONCURSADO PARA O CARGO DE CARCEREIRO QUE PASSOU A EXERCER A FUNÇÃO DE INVESTIGADOR DE POLÍCIA – Pretensão de recebimento das diferenças entre as correspondentes remunerações, com os devidos reflexos – Admissibilidade, sob pena de enriquecimento da Administração – Desvio de função comprovado – Súmula nº 378, do Superior Tribunal de Justiça – Precedentes – Correção monetária e juros de mora, nos termos do quanto decidido no Recurso Extraordinário nº 870.947/SE (Tema de Repercussão Geral nº 810) – Sentença mantida. Apelo não provido.

(TJ-SP - AC: 10031951320218260269 SP 1003195-13.2021.8.26.0269, Relator: Spoladore Dominguez, Data de Julgamento: 26/11/2021, 13ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 26/11/2021)

ADMINISTRATIVO - Servidora Pública Estadual - Desvio de função - Atendente de necrotério que desempenhava funções de Auxiliar de Necropsia - Pagamento das diferenças remuneratórias, com o reflexo nas demais verbas - Procedência do pedido Pretensão de reforma - Impossibilidade -Desvio de função comprovado - Cabível a cobrança das diferenças salariais, sob pena de enriquecimento ilícito da Administração Súmula nº 378 do Eg. STJ. Sentença mantida. Recurso negado.

 

(TJ-SP - AC: 10034883420208260037 SP 1003488-34.2020.8.26.0037, Relator: Danilo Panizza, Data de Julgamento: 13/10/2021, 1ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 13/10/2021).



[1] REsp 1689938/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/09/2017, DJe 10/10/2017)

[2] TJ-SP - Apelação APL 10141024520158260564 SP 1014102-45.2015.8.26.0564.

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