29/04/2024

Responsabilidade Civil do Estado por Danos Causados por Munição da Polícia Militar

    O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) recentemente deliberou sobre um caso que exemplifica os desafios enfrentados no campo da responsabilidade civil do Estado em situações envolvendo danos causados por agentes policiais.

    O episódio em questão trata do pedido de indenização de um estudante que, durante uma operação para dispersar uma aglomeração, foi atingido por um projétil, resultando na perda irreversível de sua visão em um dos olhos.

    O centro da controvérsia reside na atribuição da responsabilidade pelo dano sofrido pela vítima. A despeito da dificuldade em identificar o autor específico do disparo, o laudo pericial foi conclusivo ao determinar que a lesão foi ocasionada por munição compatível com aquela utilizada regularmente pela Polícia Militar do Estado de São Paulo.

    Em primeira instância, o pedido de indenização foi negado, sob o argumento de falta de prova quanto à autoria do ato danoso. Todavia, em análise recursal, o TJ-SP adotou uma abordagem mais ampla, reconhecendo a responsabilidade objetiva do Estado por atos de seus agentes. 

    Nesse contexto, a decisão destacou a importância de se considerar a verossimilhança das alegações da vítima, aliada às evidências periciais e ao contexto em que o evento ocorreu.

    A fixação do valor indenizatório em R$ 50 mil reflete não apenas a gravidade do dano experimentado pela vítima, mas também a recorrência de casos semelhantes envolvendo a atuação da Polícia Militar. 

    Além disso, a negativa do pedido por pensão vitalícia e indenização por danos estéticos baseou-se na ausência de comprovação de incapacidade laboral permanente e na inexistência de prejuízos estéticos relevantes.

    O desenrolar desse caso não se limita apenas ao âmbito jurídico, mas estende-se a uma esfera mais ampla de discussões que permeiam as relações entre Estado, cidadãos e a sociedade como um todo. 

    A atuação policial, em especial em contextos de controle de aglomerações ou manifestações, suscita questionamentos profundos sobre os limites do poder estatal e a proteção dos direitos fundamentais dos indivíduos.

    A sociedade contemporânea demanda não apenas uma resposta técnico-jurídica para conflitos dessa natureza, mas também uma reflexão crítica sobre as estruturas e práticas institucionais que regulam o exercício do poder estatal. 

    Afinal, o Estado detém o monopólio legítimo do uso da força, mas tal prerrogativa deve ser exercida dentro dos estritos limites impostos pela legalidade e pelo respeito aos direitos humanos.

    Nesse contexto, o caso em análise nos convida a repensar não apenas as normas e procedimentos jurídicos aplicáveis, mas também as políticas públicas e práticas operacionais das forças de segurança. 

    Trata-se de uma oportunidade para avaliar criticamente a eficácia dos mecanismos de controle e fiscalização do Estado, bem como a necessidade de aprimorar os instrumentos de responsabilização em casos de abuso ou excesso na atuação policial.

    A proteção dos direitos individuais e a promoção da segurança pública devem ser encaradas como objetivos complementares e indissociáveis, exigindo uma abordagem multidisciplinar e holística por parte dos poderes públicos, do sistema de justiça e da sociedade civil. 

    É fundamental garantir que as políticas de segurança se pautem pelos princípios da legalidade, proporcionalidade, prevenção e respeito à dignidade humana, visando sempre a preservação da vida e da integridade física e psicológica dos cidadãos.


    Dessa forma, o desfecho desse caso não apenas lança luz sobre os desafios jurídicos enfrentados pelos tribunais, mas também nos instiga a refletir sobre o papel do Estado na proteção dos direitos individuais e na promoção da justiça social. 

    É imperativo que as decisões judiciais, como a proferida pelo TJ-SP, sirvam como farol orientador para a construção de uma sociedade mais justa, segura e democrática, onde o exercício do poder estatal esteja verdadeiramente a serviço do bem comum e do respeito à dignidade de todos os seus cidadãos.


Clique aqui para ler o acórdão
Ap 1017214-39.2021.8.26.0361

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