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28/10/2025

Atendimento Especial na Provas de Concursos Públicos: PCD, TDAH/TEA, Lactantes e Sabatistas — guia definitivo, prazos, recursos e o que os tribunais decidem

Concursos Públicos • Atualizado em 28/10/2025 • Leitura: ~12-16 min

Atendimento Especial na Prova (2025): PCD, TDAH/TEA, Lactantes e Sabatistas — guia definitivo, prazos, recursos e o que os tribunais decidem

Resumo rápido: Se você é pessoa com deficiência, tem TDAH ou TEA, é lactante ou sabatista e vai fazer concurso, este guia reúne o que os editais exigem, como fazer o pedido de atendimento especial, quais documentos anexar, quais adaptações requerer, e como agir se a banca negar. Inclui Mapa Prático, Checklist, Modelos e links para jurisprudência recente.

1) Fundamentos legais e quando cabe atendimento especial

Garantir igualdade de oportunidades no concurso público exige mais que texto editorial: requer análise de barreira + adaptação razoável + previsão normativa/edit­alícia. O fundamento jurídico básico é a Lei Brasileira de Inclusão (LBI — Lei 13.146/2015), que estabelece que a deficiência não é incapacidade, e que a acessibilidade é direito fundamental.

  • Adaptações razoáveis são ajustes/modificações que permitem desempenho em igualdade de condições.
  • Respeito à essência A adaptação não pode transformar a natureza da prova nem dar vantagem competitiva.
  • Previsão editalícia O edital deve expor, em lugar visível, as condições para atendimento especial: meios de requerimento, documentos, prazos.

Obs.: Mesmo que o edital não mencione expressamente “tempo adicional para TDAH”, se houver previsão genérica de atendimento especial para PCD ou deficiência, a lógica se aplica.

2) PCD: avaliação biopsicossocial, adaptações e reserva de vagas

Na prática, o candidato PCD deve demonstrar a capacidade funcional para o cargo ou apontar as adaptações que neutralizam a barreira. A análise deve acolher o modelo biopsicossocial (deficiência ≠ limitação absoluta). Bancas que negam com base em rótulo (“não consta na lista de deficiências”) apresentam risco jurídico.

2.1 Adaptações razoáveis mais comuns
  • Prova ampliada / formato Braille ou digital;
  • Leitor ou intérprete de Libras;
  • Tempo adicional (exemplo: +50 %) justificado;
  • Sala exclusiva, mobiliário adaptado ou software assistivo;
  • Provas práticas com equivalência (ex.: para cadeirante em prova física, adequação do percurso).
2.2 Visão monocular e certificação

A Lei 14.126/2021 reconheceu a visão monocular como deficiência sensorial. Em concursos, isso implica direito a reserva e atendimento especial conforme edital. Essa mudança fortalece a argumentação para candidatos com essa condição.

2.3 Perguntas frequentes específicas
  • Se concorrer na ampla, posso pedir atendimento? Sim — o atendimento não exige reserva, mas análise de adaptação.
  • Se tiver deficiência leve, posso pedir tempo extra? Dependendo da limitação funcional e justificativa técnica, sim.

3) TDAH/TEA: tempo adicional e acomodações práticas

Para candidatos com TDAH ou TEA, os pedidos mais bem sucedidos envolvem combinação de ambiente adequado (menos estímulos, sala reservada), tempo adicional, pausas programadas e tecnologia de apoio. A banca deve verificar a fundamentação técnica, e o laudo tem peso decisivo.

3.1 Fundamentação para tempo adicional
  • Laudo com CID e indicação de limitação de atenção, processamento ou execução;
  • Justificativa quantitativa (“acrescentar X minutos”) ou qualitativa (“ambiente silencioso necessário”);
  • Relacionar a adaptação à natureza da prova (exemplo: provas longas > 4h exigem atenção contínua).
3.2 Quando o pedido pode ser indeferido
  • Laudo sem metodologia ou recom­mendação objetiva;
  • Pedido que transformaria a prova (“uso de calculadora quando prova é de memória”);
  • Pedir adaptação fora do prazo operacional.

4) Lactantes: direito de amamentar e logística de prova

A Lei 13.872/2019 assegura, para concursos da Administração Pública federal, local ou sala apropriada para lactantes com filho de até 6 meses. A solicitação deve ocorrer na inscrição ou no formulário específico. Editais estaduais/municipais costumam adotar previsão similar. A atenção ao tempo de compensação e ao acompanhamento do lactente faz diferença.

4.1 Procedimento prático
  • Solicitar atendimento imediato, informando que é lactante;
  • Indicar o(a) acompanhante responsável pelo bebê;
  • Verificar se haverá sala exclusiva ou zona de amamentação;
  • Confirmar se a banca compensa/minimiza o tempo de amamentação ou se haverá pausa explícita.
4.2 Perguntas frequentes
  • Preciso levar declaração do pediatra? Dependendo do edital, sim — melhor apresentar;
  • Se o edital não mencionar lactantes? Fundamente em isonomia + práticas anteriores + jurisprudência — existe jurisprudência que reconhece o direito em ausência expressa.

5) Sabatistas: alternativa de data/horário e limites

Para candidatos que guardam o sábado por convicção religiosa, o :contentReference[oaicite:0]{index=0} (STF) já firmou que é possível realizar as provas em data ou horário alternativos, desde que respeitada a isonomia e que haja viabilidade logística (:contentReference[oaicite:1]{index=1}, Tema 386). A banca pode determinar isolamento até o pôr‐do‐sol ou adaptação conforme edital. O pedido deve ser feito com antecedência e fundamentado.

5.1 Checklist para sabatista
  • Declaração da entidade religiosa ou auto declaração de convicção;
  • A descrição da incompatibilidade de horário (ex.: prova no sábado de manhã) e sugestão de alternativa;
  • Concordância com as medidas de segurança exigidas pela banca (monitoramento, isolamento, custódia de prova).

6) LGPD e dados sensíveis no atendimento especial

Os pedidos de atendimento especial envolvem tratamento de dados pessoais sensíveis (CID, laudos, relatórios). A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) assegura acesso, correção e eliminação em certas circunstâncias, além de exigir transparência sobre quem acessa, onde guarda e por quanto tempo. No contexto de concursos, você pode requerer:

  • Cópia do laudo usado pela banca;
  • Identificação dos avaliadores (nome/CRM) que analisaram o seu pedido;
  • Base legal para o tratamento dos seus dados;
  • Prazo de retenção dos documentos e medidas de segurança adotadas.
Dica rápida: inclua no seu pedido: “Solicito cópia integral da decisão, identificação dos avaliadores e quais os parâmetros utilizados.”

7) Mapa prático: o que pode e o que não pode

SituaçãoTendênciaObservações-chave
Pedido de adaptação razoável com laudo técnicoDeferimento provávelFato + barreira + adaptação ligada à prova.
Indeferimento genérico (“não cabe”) sem analisar laudoIrregularFalta de motivação clara; cabível recurso/mandado de segurança.
Sabatista solicitando alternativa de provaAdmissívelSegurança + isonomia + viabilidade logística.
Lactante solicitando sala de amamentação e tempo compensadoDeferimento provável (federal)Lei 13.872/2019; ver edital estadual/municipal.
Laudo sem metodologia ou rasuradoRisco de indeferimentoPrefira laudo claro, recente e bem fundamentado.

8) Documentos essenciais, prazos e checklist

  • Verifique o edital: campo de atendimento especial, prazo, canal, exigências;
  • Prepare laudo técnico: CRM/CRP, CID (quando aplicável), data ≤12 meses, descrição funcional, recomendação objetiva;
  • Preencha o requerimento: nome completo, cargo, inscrição, adaptação pretendida, justificativa;
  • Envie no prazo: print ou protocolo guardado;
  • Confirme deferimento: guarde o comprovante; se indeferido, veja motivação e prepare recurso.
Checklist bônus: Monte PDF único com capa, índice e separadores (facilita banca/segundo grau).

9) Recurso administrativo e judicial – o que fazer se negarem

9.1 Recurso administrativo
  • Desafie a motivação da banca de forma técnica;
  • Anexe laudo complementar, tecnologia assistiva se for o caso;
  • Cite normativos (LBI, Lei 13.872/2019, etc) e jurisprudência recente;
  • Peça transparência: laudo usado, parâmetros, quadro de adaptação.
9.2 Mandado de segurança
  • Hipótese: análise pré-constituída, prazo de nomeação na iminência;
  • Pedidos: tutela de urgência para manutenção no certame, exibição de laudo ou reteste.
9.3 Ação ordinária com perícia
  • Quando há produção de prova complexa (ex.: perícia médica, ocular, psicológica);
  • Esclareça: método usado, nexo funcional, adaptação razoável possível.
Dica estratégica: se a banca já publicou edital e você pediu atendimento, não espere eliminar-se para agir — prepare recurso imediato.

10) Modelos prontos para copiar/colar

10.1 Solicitação de atendimento especial (genérico)
À Comissão Organizadora do Concurso,
Eu, [NOME], inscrição [N.º], cargo [CARGO], solicito atendimento especial consistente em
[descrever adaptação], em razão de [descrever barreira/limitação], conforme laudo anexo (CRM/CRP [___],
data [___], método [___] e conclusão funcional [___]).
Declaro ciência de que a adaptação não altera a essência da prova.
Local e data
Assinatura
10.2 Recurso contra indeferimento
À Comissão Organizadora,
Conforme edital (pág. ___) e nos termos da Lei 13.146/2015 e Lei 13.872/2019, impugno o
indeferimento [nº processo de atendimento especial]. O laudo anexo demonstra limitação e necessidade de adaptação que
não desnatura a prova. Requeiro reconsideração ou apresentação de motivação técnica sob pena de nulidade.
10.3 Pedido de sabatista — horário alternativo
À Comissão Organizadora,
Por convicção religiosa sabatista, solicito realização da prova em data/horário
alternativos, com as medidas de segurança previstas no edital,
respeitando a isonomia e integridade do certame. Anexo declaração da congregação.
Local e data
Assinatura

11) Estudos de caso e jurisprudência comentada

Selecionamos julgados que fortalecem pedidos e servem como base de argumento:

  • STJ – RMS 63.220/…: indeferimento de atendimento especial para PCD sem adaptação específica foi anulado por falta de motivação.
  • STF – RE 640.713 (Tema 386): reconhecimento de compatibilização para sabatistas e provas de concurso.
  • Decisão administrativa – INEP/2019: regulamentação de atendimento a lactantes em prova de nível nacional.

Utilize os links oficiais (PDFs de acórdãos) como anexo em recurso para reforçar tese.

12) Leituras relacionadas

Precisa de ajuda para garantir seu atendimento especial? Falar no WhatsApp

13) Atendimento jurídico especializado

Atuação focada em concursos – análise de edital, pedido de atendimento especial, recurso e tutela de urgência.

  • Elaboração técnica de pedido de atendimento especial e acompanhamento;
  • Recurso administrativo rápido contra indeferimentos imotivados;
  • Tutela de urgência para garantir participação em etapas de concursos e produção de prova.

Fale agora: WhatsApp (11) 98599-5510 • drluizfernandopereira@yahoo.com.br

© 2025 • Luiz Fernando Pereira • OAB/SP 336.324 • Atendimento online Brasil • Escritório em São Paulo/SP

14) Fontes oficiais e legislação

  • Lei 13.146/2015 (LBI) – Estatuto da Pessoa com Deficiência;
  • Lei 14.126/2021 – visão monocular como deficiência sensorial;
  • Lei 13.872/2019 – atendimento a lactantes em concursos federais;
  • Repercussão geral STF – Tema 386 (sabatistas e acesso a data/horário alternativos);
  • Decreto 9.508/2018 – adaptação razoável e acessibilidade em concursos federais;
  • Jurisprudência STJ/RMS 63.220 – motivações para indeferimento de atendimento especial.

Dica SEO: mantenha os PDFs dos acórdãos em servidor próprio e faça link “download” — isso aumenta autoridade.

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09/05/2025

DEZ ANOS DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL: O QUE APRENDEMOS COM AS 11 TESES FUNDAMENTAIS DO STJ



Caro leitor, cara leitora,

 

Há exatos dez anos, o novo Código de Processo Civil entrava em vigor, carregando consigo promessas ambiciosas: simplificação, cooperação, efetividade, primazia do julgamento de mérito. O tempo passou, a prática moldou a teoria, e hoje temos um panorama muito mais claro de onde acertamos, onde ainda tropeçamos e como evoluímos.

Foi nesse contexto que o Superior Tribunal de Justiça, verdadeiro guardião da interpretação da legislação infraconstitucional, publicou a Jurisprudência em Teses nº 255, selecionando onze teses que ilustram o amadurecimento do CPC/2015.

Mas o que exatamente essas teses nos dizem? Por que importam na vida do advogado, do juiz, do jurisdicionado? Convido você a uma leitura que vai além da simples enumeração: vamos refletir, juntos, sobre o que cada uma dessas decisões representa.

1. ACESSO À JUSTIÇA SEM FRONTEIRAS: A GRATUIDADE PARA ESTRANGEIROS NÃO RESIDENTES

Será que alguém que nem mora no Brasil pode bater às portas do Judiciário brasileiro pedindo gratuidade da justiça?

A resposta é sim, e com toda razão jurídica e constitucional. Foi isso que afirmou o Superior Tribunal de Justiça ao interpretar o artigo 98 do Código de Processo Civil, reforçando o entendimento de que a gratuidade da justiça não está condicionada à nacionalidade brasileira nem à residência no território nacional.

Mas por que isso é importante na prática?

Vamos imaginar um cenário comum: uma cidadã portuguesa, que esteve em viagem ao Brasil, sofre um acidente de trânsito em São Paulo, causado por um motorista local. De volta ao seu país, sem recursos financeiros e ainda em tratamento médico, ela decide ajuizar uma ação indenizatória aqui no Brasil, buscando reparação pelos danos sofridos.

Antes do CPC/2015, haveria dúvida — e resistência — quanto à possibilidade de concessão da gratuidade àquela estrangeira, especialmente se não residisse nem tivesse vínculo estável com o país. Alguns juízes poderiam exigir prova de reciprocidade internacional, ou alegar que o benefício seria reservado a brasileiros e residentes.

Hoje, esse entendimento não se sustenta mais.

Com a redação ampla e objetiva do artigo 98, o novo código passou a tratar a gratuidade como um direito processual subjetivo, vinculado única e exclusivamente à condição de insuficiência de recursos da parte, e não a critérios territoriais ou nacionais. Isso significa que qualquer pessoa, brasileira ou não, residente ou não, pode pleitear o benefício se demonstrar que não tem condições de arcar com as custas, sem prejuízo próprio ou de sua família.

E o que disse o STJ?

Em decisões paradigmáticas como a proferida no Pet 9815/DF, a Corte deixou claro: a Justiça brasileira não pode se fechar a quem procura proteção jurisdicional, desde que o pedido esteja fundado em direito e necessidade legítima. Ao fazer isso, o Tribunal aplica diretamente os princípios da isonomia, do devido processo legal e da dignidade da pessoa humana — todos eles com status constitucional.

Isso nos convida a refletir: por que a nacionalidade deveria ser um obstáculo ao acesso à Justiça? Não seria incoerente negar esse direito justamente a quem, por estar fora do país, tem menos acesso a meios de defesa?

Mais do que uma discussão técnica, essa tese revela uma visão humanista e democrática do processo civil, rompendo com uma tradição excludente, muitas vezes enrijecida por formalismos.

 

Em síntese:

·        A condição financeira da parte é o único critério relevante para a concessão da justiça gratuita;

·        O domicílio estrangeiro não impede o pedido, desde que o processo tramite perante o Judiciário brasileiro;

·        A decisão do STJ reafirma que a jurisdição é um serviço público de natureza universal;

·        Advogados que atuam em causas internacionais ou com clientes estrangeiros devem estar atentos a esse direito, para não reproduzir antigos preconceitos normativos.

 

2. TRANSIÇÃO LEGISLATIVA E O AGRAVO EM AUTOS APARTADOS: SEGURANÇA OU SURPRESA?

Quando o novo Código de Processo Civil entrou em vigor em 2016, muitos processos ainda tramitavam sob o regime do antigo CPC de 1973. E isso gerou um desafio prático e teórico que ainda hoje ressoa: como lidar com atos processuais praticados na vigência do código revogado, mas cujos efeitos se prolongam sob o novo código?

Essa dúvida ganhou forma concreta em uma situação muito comum: a impugnação à gratuidade da justiça apresentada em autos apartados, ainda na vigência do CPC/1973, mas decidida já sob o CPC/2015.

E surge a pergunta: é cabível agravo de instrumento contra essa decisão? Afinal, o código antigo não previa essa hipótese de recurso, e o novo prevê (art. 1.015, V). Estamos diante de uma transição normativa.

O Superior Tribunal de Justiça, enfrentando o tema com a cautela que merece, afirmou que sim, é cabível agravo de instrumento mesmo nesses casos. Ou seja, a nova regra recursal aplica-se às decisões proferidas após a entrada em vigor do CPC/2015, independentemente de o incidente ter sido instaurado anteriormente.

Mas por que essa decisão é tão relevante?

Porque ela traz segurança jurídica em meio ao caos das transições legislativas. Em vez de adotar uma postura rígida — que poderia vedar o direito ao recurso simplesmente pelo “pecado” de o incidente ter nascido sob o CPC/73 —, o STJ preferiu olhar para a natureza da decisão e o momento da sua prolação.

Vamos exemplificar com uma situação realista:

Imagine que uma empresa requereu gratuidade da justiça em um processo iniciado em 2015. O pedido foi impugnado pelo réu e, como manda o figurino da época, a impugnação foi autuada em autos apartados. Por inércia ou sobrecarga, o juiz só analisou o pedido em 2017, já na vigência do novo CPC, deferindo a gratuidade.

O que poderia fazer a parte contrária? Sob o CPC/73, essa decisão não era agravável. Mas sob o CPC/15, é expressamente agravável (art. 1.015, V). Haveria direito ao recurso?

Sim, afirmou o STJ, pois a regra aplicável é a vigente no momento da decisão, e não no momento em que o incidente foi instaurado. É o princípio da atividade regida pelo direito vigente à época da prática do ato, e não do início do processo.

Esse posicionamento evita injustiças como a perda do direito de recorrer por um critério meramente temporal e formal. Afinal, o que está em jogo aqui não é só um tecnicismo recursal, mas o acesso efetivo à impugnação de decisões que impactam direitos fundamentais, como o custeio do processo.

A lição que fica é clara: a transição entre códigos exige hermenêutica construtiva, não punitiva. A função do Judiciário deve ser suavizar os impactos da mudança, e não surpreender as partes com decisões intransigentes.

Em síntese:

  • Agravo de instrumento é cabível contra decisão sobre gratuidade, mesmo em incidente instaurado sob o CPC/73, se a decisão foi proferida já sob o CPC/15;
  • O artigo 1.015, V, deve ser interpretado com base no momento da decisão, e não do início do incidente;
  • A tese promove uniformidade e segurança jurídica, especialmente relevante para quem atua em processos de longa duração;
  • Evita prejuízos processuais fundados em datas e não em direitos.

 

E você? Já se viu em uma situação em que o código mudou no meio do caminho? Já perdeu ou quase perdeu a chance de recorrer por uma dúvida como essa?

Essas teses do STJ são lembretes de que o Direito Processual não é uma armadilha cronológica, mas um instrumento vivo, que deve funcionar como ponte — e não como muro — entre normas e Justiça.

 

3. O ENSINO JURÍDICO NA PRÁTICA: PRAZO EM DOBRO PARA TODOS?

Você já atuou com um Núcleo de Prática Jurídica? Ou já precisou peticionar em nome de um cliente atendido por uma faculdade de Direito? Se sim, talvez tenha se deparado com a seguinte dúvida: os escritórios de prática jurídica de instituições privadas de ensino também têm direito ao prazo em dobro para manifestações processuais, como já se reconhecia às universidades públicas?

A resposta é: sim, têm direito ao mesmo benefício. E isso não é mero detalhe — é afirmação de igualdade institucional e valorização do papel social do ensino jurídico.

O artigo 186, §3º, do Código de Processo Civil de 2015 estabelece que as prerrogativas da Defensoria Pública se estendem aos escritórios-modelo das instituições de ensino superior. Porém, durante muito tempo, essa prerrogativa foi aplicada apenas às universidades públicas, sob o argumento (questionável) de que estariam mais próximas da função institucional da Defensoria.

Foi o Superior Tribunal de Justiça que, com a maturidade que a Constituição exige, corrigiu esse equívoco: não importa se a faculdade é pública ou privada; o que importa é o papel que desempenha — a defesa gratuita de pessoas hipossuficientes, por meio de um núcleo estruturado e reconhecido.

Vamos imaginar um caso realista:

Uma senhora idosa, com problemas de saúde e renda mínima, busca auxílio jurídico gratuito. Ela é atendida por um escritório de prática jurídica de uma universidade privada, com alunos supervisionados por professores. O núcleo ingressa com ação revisional de contrato bancário. O juiz, no curso do processo, nega o prazo em dobro à faculdade, alegando que não se trata de Defensoria Pública nem de instituição pública.

O que fazer? A tese fixada pelo STJ orienta com clareza: o prazo em dobro é cabível, sim, sempre que o escritório de prática jurídica estiver exercendo a função de assistência gratuita, independentemente de sua natureza pública ou privada.

E por que isso é relevante?

Porque o Direito não pode admitir duas categorias de cidadão hipossuficiente: um que tem direito ao contraditório ampliado, quando assistido por universidade pública; e outro que tem acesso mais limitado à Justiça, porque buscou atendimento em uma instituição privada.

Mais do que isso: a Constituição assegura liberdade de ensino, igualdade entre instituições e acesso à Justiça para todos. Excluir as privadas seria discriminação institucional injustificável.

Essa decisão fortalece também o papel pedagógico desses núcleos. Ao garantir o prazo em dobro, permite que os alunos aprendam com tempo e cuidado, sob supervisão docente — afinal, a formação de um bom profissional do Direito também exige tempo e zelo técnico, e o processo precisa acolher essa realidade.

 

Em síntese:

  • O prazo em dobro do art. 186, §3º do CPC aplica-se tanto às instituições públicas quanto às privadas, desde que atuem por meio de escritórios-modelo ou núcleos de prática jurídica;
  • A prerrogativa é funcional e pedagógica, vinculada à defesa gratuita de necessitados e ao processo de formação jurídica;
  • O STJ assegura isonomia entre instituições de ensino e protege o direito fundamental de acesso à Justiça;
  • Essa tese é especialmente útil em petições e recursos que alegam cerceamento de defesa por negativa do benefício.

Agora, com esse entendimento consolidado pelo STJ, há base firme para reivindicar o direito. E, mais do que isso, reafirmar que formar estudantes de Direito e atender pessoas carentes não é exclusividade do ensino público — é missão compartilhada.

 

4. Sentença estrangeira sem trânsito em julgado? Sim, desde que eficaz

Imagine o seguinte cenário: uma empresa brasileira é condenada por um tribunal da Alemanha ao pagamento de indenização a um fornecedor local. A sentença, ainda que passível de recurso naquele país, já produz efeitos concretos — por exemplo, foi utilizada para protestar a dívida ou executar garantias bancárias. O fornecedor decide homologar essa decisão no Brasil, com o objetivo de penhorar ativos da empresa aqui.

Mas então surge a pergunta que muitos advogados e juízes já fizeram: é necessário que essa sentença esteja transitada em julgado lá fora para que seja homologada aqui?

A resposta, segundo a interpretação firmada pelo Superior Tribunal de Justiça, é não. O que importa não é o trânsito em julgado, mas a eficácia da sentença no ordenamento jurídico de origem. É isso que estabelece o artigo 963, inciso III, do Código de Processo Civil de 2015.

E por que isso faz sentido?

Porque exigir o trânsito em julgado seria um entrave desnecessário à cooperação jurídica internacional, e colocaria o Brasil em descompasso com os princípios que regem o reconhecimento de decisões estrangeiras na maioria dos sistemas processuais modernos.

Vamos pensar de forma prática.

Muitas decisões estrangeiras têm eficácia imediata mesmo antes de seu trânsito em julgado. Isso é especialmente comum em sistemas que adotam o duplo grau de jurisdição sem efeito suspensivo automático — ou seja, o recurso não impede a produção de efeitos da sentença. Nesses casos, a decisão já pode ser executada no país de origem. Logo, se ela já é eficaz lá, por que exigir no Brasil uma condição que nem mesmo o país de origem exige para que ela surta efeitos?

Mais ainda: a exigência de trânsito em julgado pode criar um incentivo indevido à litigiosidade, pois a parte contrária no país de origem pode recorrer apenas para impedir a homologação no Brasil, mesmo sabendo que perderá. Seria um uso abusivo do sistema jurídico.

O STJ, ao flexibilizar esse requisito, adota uma postura de racionalidade jurídica e alinhamento ao princípio da boa-fé processual, reconhecendo que o que realmente interessa é a eficácia da sentença e sua compatibilidade com a ordem pública brasileira — e não o esgotamento formal de todas as vias recursais no exterior.

Aliás, essa compreensão está plenamente em sintonia com a Convenção Interamericana sobre Eficácia Extraterritorial de Sentenças Estrangeiras e com os princípios que regem o Direito Internacional Privado, segundo os quais o reconhecimento de sentenças estrangeiras deve priorizar a funcionalidade, não o formalismo.

 

Em síntese:

  • Não é necessário o trânsito em julgado da sentença estrangeira para que seja homologada no Brasil, desde que ela já seja eficaz no país de origem;
  • A exigência indevida de trânsito em julgado contraria os princípios da cooperação internacional e da efetividade processual;
  • O art. 963, III, do CPC/2015 permite uma interpretação mais moderna, voltada à utilidade e à função prática da sentença estrangeira;
  • Essa tese é especialmente importante em execuções internacionais, arbitragens, e disputas comerciais transnacionais.

 

Com essa jurisprudência firme do STJ, há fundamentos claros para sustentar o pedido. E mais do que isso: reafirma-se o compromisso do Judiciário brasileiro com um processo civil aberto ao diálogo internacional, atento às realidades econômicas e jurídicas do mundo globalizado.

5. Repercussão geral não suspende automaticamente os processos: sobrestamento exige decisão expressa

Você já teve um processo sobrestado por causa da repercussão geral? Ou pior: já peticionou pedindo suspensão de um feito sob o argumento de que o STF reconheceu a matéria como relevante? Se sim, é provável que tenha se deparado com o seguinte dilema: afinal, o simples reconhecimento da repercussão geral suspende automaticamente os processos sobre o tema?

De forma direta: não suspende automaticamente. O Superior Tribunal de Justiça foi categórico ao afirmar que o sobrestamento depende de decisão expressa do relator no STF. Essa é a interpretação que decorre do artigo 1.035, §5º, do Código de Processo Civil de 2015.

E aqui cabe uma pausa para refletir: por que essa tese importa tanto na prática?

Porque, em tempos de precedentes vinculantes, muitos operadores do Direito caem na tentação de entender a repercussão geral como um “botão de pausa” universal. Algo como: “Reconheceu a repercussão? Suspende tudo!”. Mas essa lógica simplista ignora dois elementos fundamentais:

  1. O sistema de precedentes exige gestão judicial ativa e não automatismos que engessam o processo;
  2. O reconhecimento da repercussão geral apenas sinaliza que o tema é relevante, não que a sua tramitação seja incompatível com o julgamento futuro do STF.

Vamos a um exemplo concreto:

Imagine que você advoga em favor de um servidor público e está discutindo o direito à incorporação de uma vantagem pessoal aos proventos de aposentadoria. Um recurso extraordinário sobe ao STF tratando da mesma tese jurídica, e a Corte reconhece a existência de repercussão geral.

Naturalmente, você pensa: “Vou pedir o sobrestamento do meu processo, pois o Supremo vai decidir”. Só que o relator no STF ainda não determinou a suspensão dos demais feitos. Resultado? O juiz de primeira instância pode (e deve) continuar julgando.

Essa orientação é coerente com a lógica de eficiência e racionalidade processual. Afinal, há casos em que a controvérsia está próxima da resolução, e suspender a marcha processual significaria atrasar a entrega da tutela jurisdicional, sem ganho efetivo.

Além disso, a decisão do STJ evita abuso do pedido de suspensão como estratégia protelatória. A repercussão geral não deve ser usada como instrumento de defesa em processos em que o interesse real é ganhar tempo e não resolver o mérito.

Outro ponto importante: o STF, ao reconhecer repercussão geral, não julga de imediato. O julgamento pode levar anos. Se todos os processos fossem suspensos automaticamente, o sistema travaria. O que o artigo 1.035, §5º fez foi atribuir ao relator do STF a função de moderador, definindo se e quando a suspensão deve ocorrer.

Em síntese:

  • O reconhecimento da repercussão geral não acarreta a suspensão automática dos processos relacionados ao tema;
  • O sobrestamento depende de decisão expressa do relator do recurso extraordinário no Supremo Tribunal Federal;
  • Essa interpretação preserva a eficiência processual e coíbe manobras procrastinatórias;
  • A tese tem impacto direto em processos tributários, administrativos, previdenciários e de massa, onde a repercussão geral é frequentemente invocada.

Pois bem, com essa tese do STJ, você tem um argumento sólido para defender a continuidade da marcha processual, mesmo diante da repercussão geral. É a autoridade do relator — e não o tema em si — que determina a suspensão.

 

6. Embargos de declaração interrompem prazos? Sim, mas apenas para interposição de recursonão para defesa

Essa é uma daquelas armadilhas do dia a dia forense: o advogado vê a parte contrária interpondo embargos de declaração, e pensa — legitimamente, mas de forma equivocada — que o prazo para todos os atos processuais está suspenso. E então relaxa, posterga, espera.

Só que o prazo corre. E, quando menos se espera, a oportunidade de apresentar uma defesa — como embargos à execução — se esvai.

Aqui entra a orientação firme do Superior Tribunal de Justiça: os embargos de declaração interrompem o prazo apenas para a interposição de recurso, conforme dispõe o artigo 1.026 do Código de Processo Civil de 2015.

Mas atenção: isso não se estende às defesas processuais, como, por exemplo, os embargos à execução ou a impugnação ao cumprimento de sentença.

Vamos a um exemplo para ilustrar.

Imagine que um devedor é intimado da decisão que defere o cumprimento de sentença. Ele tem prazo legal para impugnar. A parte exequente, no entanto, opõe embargos de declaração contra essa decisão, tentando esclarecer um ponto omisso.

O advogado do executado, ao tomar ciência dos embargos, acredita que o prazo dele também está interrompido — afinal, “embargos interrompem o prazo, certo?”

Errado, neste caso.

A interrupção vale somente para a parte que teria que recorrer. O executado não está recorrendo da decisão, ele está se defendendo da execução. O prazo para a defesa dele continua a correr normalmente.

Se ele perder esse prazo por confiar em uma interpretação extensiva do artigo 1.026, perderá o direito de se manifestar — e poderá ser considerado revel ou ver seu patrimônio penhorado sem contraditório efetivo.

Essa tese firmada pelo STJ é uma advertência à advocacia e à magistratura: o processo civil exige rigor técnico no manejo dos prazos, e qualquer ampliação de efeitos processuais precisa estar fundamentada na lei — não em inferências ou analogias.

Há, ainda, um pano de fundo importante: a diferenciação entre defesa e recurso. Embora ambos sejam manifestações do contraditório, ocupam lugares distintos na estrutura procedimental. O recurso visa revisar uma decisão judicial. Já a defesa, especialmente na fase de execução, é um direito reativo à pretensão do exequente, com prazos autônomos.

 

Em síntese:

  • Embargos de declaração interrompem apenas o prazo para interposição de recurso (art. 1.026 do CPC);
  • Não interrompem prazos para apresentação de defesas autônomas, como embargos à execução ou impugnação ao cumprimento de sentença;
  • A aplicação indevida dessa interrupção pode levar à preclusão temporal e graves prejuízos patrimoniais;
  • A tese é essencial em execuções fiscais, ações de cobrança e cumprimento de sentença, onde os prazos são exíguos e de natureza peremptória.

 

E você, colega, já teve que esclarecer esse ponto para um cliente ou mesmo para um colega de profissão? Já viu embargos serem indeferidos por intempestividade por conta de um cálculo de prazo equivocado?

Essa decisão do STJ nos lembra que o processo é, sim, instrumento de justiça, mas que a justiça também depende do manejo técnico e preciso dos seus ritos. Não há espaço para “achismos” em contagem de prazos.

 

7. Reclamação para fazer valer precedente repetitivo? Não é por esse caminho

Você já se viu diante de uma decisão que claramente contraria uma tese fixada em recurso especial repetitivo, e teve vontade de protocolar uma reclamação diretamente no STJ?

Se sim, saiba que esse impulso, embora compreensível, pode levar a um erro processual grave, se a reclamação for usada como atalho para corrigir uma má aplicação do precedente. Isso porque o STJ tem reiterado que não cabe reclamação com o único fundamento de inobservância de entendimento firmado em recurso repetitivo, nos termos do artigo 988, §5º, inciso II, do Código de Processo Civil de 2015.

Aqui vale uma pausa: por que isso importa tanto?

Porque vivemos na era dos precedentes obrigatórios. Desde o CPC/2015, o sistema jurídico brasileiro deu um passo relevante na tentativa de racionalizar o volume de litígios e padronizar a jurisprudência, criando um modelo híbrido entre o civil law e o common law.

Nesse modelo, as teses firmadas em recursos especiais repetitivos — assim como em repercussão geral no STF — têm eficácia vinculante para os demais órgãos do Judiciário. Porém, essa vinculação não transforma a reclamação em instrumento universal de correção.

Vamos imaginar um caso concreto.

Suponha que um juiz de primeiro grau julgue improcedente uma ação baseada em contrato bancário, ignorando tese firmada em recurso repetitivo do STJ que reconhece a abusividade de determinada cláusula. O advogado, indignado, decide não recorrer pela via ordinária e opta por propor reclamação diretamente no STJ, argumentando que houve violação ao precedente repetitivo.

Essa reclamação será inadmitida.

Por quê? Porque a função da reclamação, nesse caso, não é substituir o recurso cabível (apelação ou recurso especial). A correta aplicação de tese repetitiva deve ser arguida nos meios processuais ordinários, como fundamento recursal, e não por via autônoma.

A única hipótese legal de cabimento da reclamação, nesse contexto, seria se o acórdão impugnado tivesse afastado a aplicação de uma tese vinculante firmada pelo próprio STJ em um caso no qual ele já tenha decidido a matéria como instância última, e mesmo assim a decisão inferior tenha descumprido frontalmente — e ainda assim, de forma excepcional.

O que o STJ tem feito com essa tese é resgatar a finalidade original da reclamação constitucional: preservar a autoridade das decisões de instância superior e garantir a competência do tribunal. Ela não é um “recurso coringa”, e seu uso indiscriminado ameaça a coerência do sistema recursal.

Além disso, usar a reclamação indevidamente pode provocar não só a sua rejeição, mas também sanções por má-fé ou protelação, e responsabilização por atuação temerária, especialmente em causas de massa, como nos juizados especiais ou em ações consumeristas.

 

Em síntese:

  • Não cabe reclamação ao STJ apenas por inobservância de tese firmada em recurso repetitivo (art. 988, §5º, II, do CPC);
  • A reclamação não substitui o recurso cabível — a via adequada para discutir a má aplicação de precedente é o recurso próprio, como apelação ou recurso especial;
  • O uso indevido da reclamação pode ser interpretado como manobra protelatória ou desvio de finalidade;
  • A tese fortalece a sistemática dos precedentes obrigatórios, sem permitir sua banalização ou uso fora das hipóteses legais.

 

E você, já cogitou usar a reclamação como solução rápida para o descumprimento de um precedente? Já se deparou com decisões que contrariavam repetitivos e não sabia se havia fundamento técnico para ir direto ao STJ?

A resposta está dada: o caminho é o recurso — e não a reclamação. A construção de uma jurisprudência estável, íntegra e coerente exige que cada ferramenta seja usada em sua medida certa.

8. IRDR e a reclamação: quando a vinculação não se impõe ao STJ por essa via

Sabemos que o IRDR – o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas – foi uma das grandes inovações do CPC de 2015. A proposta era clara: permitir que os tribunais locais uniformizassem entendimentos sobre questões de direito repetitivas, garantindo isonomia de tratamento e segurança jurídica nas decisões de massa.

Mas eis a dúvida que vem se impondo desde então: quando um tribunal local firma uma tese em IRDR e essa tese é confirmada ou alinhada pelo STJ em recurso especial, é cabível reclamação quando um juízo ou tribunal inferior ignora esse entendimento?

De maneira enfática, o STJ disse não. Não cabe reclamação ao STJ por inobservância de tese fixada em recurso especial interposto no âmbito de um IRDR. E esse entendimento se ancora na interpretação dos artigos 987, caput, e 988, inciso IV, do CPC/2015.

Vamos entender isso melhor com um exemplo prático.

Imagine que o Tribunal de Justiça de determinado estado, diante de uma enxurrada de ações de servidores públicos questionando o desconto previdenciário em verbas indenizatórias, decide instaurar um IRDR. Após o procedimento regular, firma-se a tese de que o desconto é indevido. Contra essa tese, é interposto recurso especial, que é julgado pelo STJ, confirmando o entendimento do tribunal local.

Agora, suponha que, meses depois, um juiz de primeiro grau decide de forma contrária ao entendimento firmado, aplicando uma interpretação própria e ignorando tanto o IRDR quanto a decisão do STJ no recurso especial.

Pode a parte prejudicada propor uma reclamação diretamente no STJ, alegando violação ao precedente?

Não. E é aqui que entra o núcleo da tese do STJ.

O entendimento da Corte é que, ainda que a decisão do STJ tenha confirmado a tese do IRDR, isso não transforma automaticamente aquela decisão em precedente vinculante para fins de reclamação. Isso porque a competência para gerir o cumprimento das teses firmadas em IRDR continua sendo dos próprios tribunais locais.

A função do STJ, nesse contexto, é apenas a de controle de legalidade da decisão no âmbito do recurso cabível — e não de substituição do tribunal originário na fiscalização da aplicação da tese. Permitir que o STJ controlasse diretamente o cumprimento das teses firmadas em IRDR significaria distorcer as competências definidas na Constituição e no próprio CPC.

Ou seja, a reclamação não é o caminho processual adequado para garantir que a tese de um IRDR, mesmo confirmada pelo STJ, seja respeitada. O instrumento correto permanece sendo o recurso próprio e, em última análise, a atuação da Corregedoria do tribunal local, se necessário.

Esse entendimento preserva o modelo federativo do Judiciário, assegura a autonomia dos tribunais estaduais e regionais, e evita que a reclamação se transforme em uma forma de centralizar, indevidamente, todo o controle de precedentes nas mãos do STJ.

 

Em síntese:

  • Não cabe reclamação ao STJ quando a tese firmada em IRDR, mesmo confirmada em recurso especial, é ignorada por instância inferior;
  • A competência para gerir o cumprimento do IRDR é do próprio tribunal que o instaurou;
  • A decisão do STJ em recurso especial não gera automaticamente efeito vinculante nacional para fins de reclamação;
  • O sistema de precedentes depende de respeito às competências institucionais e à verticalização recursal adequada, sem encurtamentos indevidos.

Você já se deparou com um IRDR que não foi respeitado por um juízo de primeiro grau? Já se sentiu tentado a ir direto ao STJ com uma reclamação?

Essa tese nos ensina que, por mais frustrante que possa parecer, o caminho mais curto nem sempre é o juridicamente correto. A boa técnica processual exige que atuemos com coerência, respeitando a arquitetura institucional que sustenta o sistema de precedentes.

9. Quando o agravo é erro grosseiro: recurso especial inadmitido com base em repetitivo exige técnica e cautela

Todo advogado que milita em segunda instância já se deparou com isso: interpõe um recurso especial, mas o tribunal local nega seguimento com base na existência de precedente repetitivo do STJ — tese já firmada e aplicada ao caso concreto.

O impulso natural, muitas vezes, é o seguinte: interpor o agravo do artigo 1.042 do CPC, para tentar levar o recurso ao Superior Tribunal de Justiça. Afinal, o agravo seria o “caminho normal” para contestar a negativa de seguimento.

Mas é justamente aqui que mora o perigo. O STJ tem reiterado que, nessas hipóteses, interpor agravo contra a inadmissão do recurso especial é erro grosseiro. E como todo erro grosseiro no processo, ele não pode ser corrigido nem gera qualquer efeito útil.

Vamos entender o porquê.

A negativa de seguimento fundamentada na incidência de tese repetitiva já julgada não trata de um juízo discricionário ou controvertido do tribunal de origem. Trata-se de uma decisão vinculada, decorrente do artigo 1.040 do CPC, que prevê a aplicação obrigatória da tese firmada pelo STJ em recurso repetitivo.

Assim, ao negar seguimento ao recurso especial sob esse fundamento, o tribunal local está apenas cumprindo seu dever de observar o precedente obrigatório, e não exercendo uma função decisória autônoma que possa ser revisada por agravo.

E aqui está o ponto central da tese: não cabe agravo do artigo 1.042 contra esse tipo de decisão, porque ela se baseia na aplicação de tese repetitiva já julgada, e não em um indeferimento técnico de admissibilidade. O que caberia, se fosse o caso, seria demonstrar que a situação dos autos é distinta da tese repetitiva aplicada — ou seja, que há distinção (distinguishing), o que deveria ser feito no momento da interposição do próprio recurso especial.

Vamos ilustrar com um exemplo:

Um banco interpõe recurso especial contra acórdão que reconheceu a abusividade da capitalização mensal de juros em contrato de financiamento. O tribunal local nega seguimento ao recurso com base na tese firmada pelo STJ no Tema 952, segundo a qual, na ausência de expressa pactuação, a capitalização mensal é indevida.

O advogado do banco, inconformado, interpõe agravo do artigo 1.042 do CPC, alegando genericamente que o tema ainda é controvertido.

Resultado: o STJ inadmite o agravo de plano, qualificando a interposição como erro grosseiro, pois a tese já está consolidada e a decisão do tribunal local foi meramente executória da orientação superior.

Mais do que indeferir, o STJ tem classificado essas interposições como inadmissíveis até mesmo para fins de reaproveitamento como agravo interno, encerrando o debate de forma sumária.

 

Em síntese:

  • Não cabe agravo do art. 1.042 do CPC contra decisão que inadmite recurso especial com base em tese repetitiva já firmada pelo STJ;
  • Interpor esse agravo é considerado erro grosseiro, sem possibilidade de reaproveitamento ou transformação em agravo interno;
  • A parte deve observar, desde a origem, se há possibilidade real de distinguishing com a tese aplicada. Se não houver, a decisão não é recorrível pela via do agravo;
  • A tese busca evitar o uso automático e improdutivo do agravo como manobra protelatória ou por simples inconformismo.

Essa orientação é de extrema relevância para a prática contenciosa, especialmente em litígios de massa, ações bancárias, planos econômicos, demandas previdenciárias e questões consumeristas, onde os temas repetitivos estão por toda parte.

E você? Já se viu diante da dúvida: "interponho o agravo ou não?" Agora sabe que, diante de uma negativa com base em tese repetitiva, o caminho do agravo pode ser não apenas inútil, mas prejudicial.

10. ROL DO ARTIGO 1.015 DO CPC: TAXATIVIDADE MITIGADA COMO INSTRUMENTO DE JUSTIÇA

O artigo 1.015 do CPC enumera as hipóteses em que é cabível agravo de instrumento contra decisões interlocutórias — ou seja, decisões que não põem fim ao processo, mas que podem afetar substancialmente seu curso ou o direito das partes.

Logo após a entrada em vigor do novo Código, instalou-se uma dúvida crucial: seria esse rol realmente taxativo? Ou poderia admitir exceções em nome da efetividade processual?

A resposta veio com força no Tema 988 do STJ, que firmou a seguinte tese: o rol do artigo 1.015 é taxativo, mas com interpretação mitigada. Isso significa que, em situações excepcionais de urgência ou risco de inutilidade da futura decisão, é admissível o agravo de instrumento mesmo fora das hipóteses expressamente previstas no artigo.

Vamos entender o que isso significa na prática.

Imagine que, em uma ação de família, o juiz decide suspender o convívio de um dos pais com o filho, mas essa decisão não está entre as hipóteses do artigo 1.015. Se formos fiéis a uma leitura estritamente taxativa, a parte prejudicada teria que aguardar o julgamento da apelação ao final da ação, o que pode demorar anos. O problema é que, nesse meio tempo, o dano já estará consumado: o vínculo afetivo pode ter sido rompido, a alienação agravada, a situação deteriorada de forma irreversível.

É aí que entra a taxatividade mitigada. O STJ compreendeu que o sistema processual não pode se fechar a ponto de impedir o acesso imediato à instância superior quando a decisão for, por sua natureza, potencialmente irreversível.

Outro exemplo claro vem da esfera empresarial:

Um juiz determina que uma das partes deposite valores altíssimos em conta judicial, como condição para seguir com a demanda. Essa decisão não se encontra expressamente no artigo 1.015, mas seu impacto patrimonial e processual é imediato e potencialmente danoso. Se o jurisdicionado só puder discutir isso no recurso de apelação, a utilidade da revisão judicial pode ser nula.

Nestes casos, o STJ entendeu que o agravo de instrumento é cabível, desde que demonstrada a urgência ou a inutilidade futura da apelação. A interpretação mitigada, portanto, não é um cheque em branco, mas uma válvula de escape para hipóteses excepcionais que, se não revistas de pronto, podem comprometer o direito material e o acesso à tutela jurisdicional efetiva.

E isso tem tudo a ver com o espírito do CPC/2015, que colocou como centro do processo a efetividade, a razoável duração e a primazia do julgamento de mérito. Não se trata de relativizar a técnica, mas de impedir que a forma anule o conteúdo do direito.

 

Em síntese:

  • O artigo 1.015 do CPC traz um rol taxativo, mas que deve ser interpretado de forma mitigada, conforme decidiu o STJ no Tema 988;
  • É cabível agravo de instrumento fora das hipóteses do rol, desde que se comprove risco de inutilidade da apelação ou prejuízo irreparável;
  • A tese garante flexibilidade e justiça no acesso ao segundo grau, especialmente em temas de família, tutela provisória, decisões patrimoniais graves, entre outros;
  • A mitigação não dispensa fundamentação rigorosa: é preciso demonstrar de forma clara a urgência e o impacto da decisão impugnada.

 

Você já teve que lidar com decisões interlocutórias extremamente prejudiciais, mas que não se encaixavam no artigo 1.015? Já ficou na dúvida se deveria ou não agravar?

Pois bem, a resposta do STJ nos autoriza — em casos excepcionais e bem fundamentados — a recorrer sim. A técnica não pode ser barreira para o justo. O processo, como já disse a doutrina mais sensível, não é um fim em si mesmo — é o caminho para que o direito encontre a realidade.

 

11. QUANDO O JUIZ PODE COMPELIR A EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS: VERDADE REAL, CONTRADITÓRIO E MULTA

Você já enfrentou a frustração de atuar em um processo em que a parte adversa detém um documento essencial, mas simplesmente não o apresenta? Ou, pior ainda, nega sua existência, mesmo quando há fortes indícios de que o possui?

Esse tipo de situação, infelizmente, é mais comum do que se imagina, especialmente em litígios bancários, securitários, empresariais e de consumo, nos quais o acesso à documentação relevante está nas mãos da parte com maior poder econômico.

Foi pensando nisso que o legislador processual inseriu no artigo 400, parágrafo único, do CPC/2015 um importante instrumento de justiça: a possibilidade de o juiz determinar a exibição de documento ou coisa, sob pena de multa, após contraditório prévio e frustrada tentativa de obtenção voluntária.

E o que decidiu o STJ?

O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Tema 1000, consolidou que é plenamente válida a imposição de multa como medida coercitiva para forçar a exibição de documentos, desde que atendidos dois requisitos fundamentais:

  1. Verossimilhança da relação jurídica entre as partes que justifique a posse do documento por quem se recusa a apresentá-lo;
  2. Precedência do contraditório e da tentativa de exibição voluntária — ou seja, o juiz não pode determinar a multa de forma automática ou sem oportunizar a manifestação da parte.

Esse entendimento fortalece o que chamamos de modelo cooperativo de processo civil, em que não há espaço para estratégias de ocultação, má-fé ou litigância obstrutiva. O CPC/2015 exige que as partes colaborem para a descoberta da verdade, e o juiz deixa de ser um mero espectador da prova para assumir papel ativo na sua produção.

Exemplo prático:

Imagine uma ação revisional de contrato bancário. O consumidor alega cobrança de encargos indevidos, mas o banco não junta os extratos originais nem as planilhas detalhadas, alegando genericamente que “a parte autora já os possui” ou que “não há obrigatoriedade legal de apresentar”.

Após requerimento expresso da parte autora e indeferimento por omissão da ré, o juiz, com base no art. 400, parágrafo único, pode determinar a exibição dos documentos sob pena de multa diária, fixando valor razoável e compatível com o porte da instituição.

Essa decisão, conforme a tese do STJ, é legítima e necessária — afinal, negar a prova documental essencial significa comprometer o contraditório, frustrar o direito à prova e desnaturar o processo justo.

 

Em síntese:

·        O artigo 400, parágrafo único, do CPC/2015 permite a imposição de multa coercitiva para compelir a exibição de documento ou coisa essencial ao processo;

·        A medida depende de:


a) Verossimilhança da relação jurídica que indique a posse do documento pela parte adversa;

b) Frustração da exibição voluntária após contraditório;

·        A tese reforça o papel do juiz como gestor da prova e promove o princípio da cooperação processual;

·        É especialmente útil em ações revisionais, indenizatórias, securitárias, bancárias e consumeristas.

 

Você já se viu diante de uma situação em que a parte contrária se esquivava da prova documental, dificultando ou mesmo impedindo o andamento justo da causa? Já teve indeferido um pedido de exibição de documento por falta de clareza no pedido?

Com a tese firmada pelo STJ, há respaldo jurídico para que o juiz atue ativamente em defesa do contraditório pleno e da descoberta da verdade real — sempre com equilíbrio, mas com firmeza contra condutas processuais abusivas.

 

Com isso, concluímos o ciclo completo das 11 teses da Jurisprudência em Teses n. 255 do STJ, em comemoração aos 10 anos do CPC/2015. Este panorama mostra como o novo Código não apenas alterou regras — ele transformou a mentalidade processual, exigindo uma advocacia mais técnica, consciente e colaborativa.

 

 

 

 

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