1. Introdução
O julgamento
do Tema 1267 pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (REsp
2.072.867/MA, REsp 2.072.868/MA e REsp 2.072.870/MA) resgata com rigor a
necessidade de reafirmar os fundamentos estruturantes do sistema recursal
instituído pelo Código de Processo Civil de 2015. Muito além de uma
controvérsia pontual sobre técnica processual, a discussão revela uma tensão de
fundo entre o respeito à competência funcional dos órgãos jurisdicionais
e práticas forenses ainda marcadas por resquícios do regime anterior.
No centro do
debate está a delimitação da competência para o juízo de admissibilidade da
apelação — um tema que, embora emoldurado por normas processuais, toca
diretamente garantias fundamentais como o contraditório, o devido processo
legal e o acesso efetivo às instâncias superiores. O novo CPC, ao concentrar
essa atribuição no tribunal ad quem (art. 1.010, § 3º), promoveu uma ruptura
consciente com a lógica do Código de 1973, deslocando o poder de filtragem
recursal do juízo de primeiro grau para o órgão competente para julgar o mérito
do recurso.
O que se viu,
contudo, foi uma resistência prática à plena aplicação dessa norma. Muitos
juízos de origem, em descompasso com a literalidade do dispositivo e com o
modelo processual vigente, continuaram a exercer controle prévio da
admissibilidade recursal, obstando o seguimento da apelação com base em
pressupostos que, por determinação legal, deveriam ser analisados pelo
tribunal. Essa prática — que parecia apenas um detalhe de gestão procedimental
— encerra uma séria deformação do desenho constitucional do processo,
pois usurpa competência, compromete a isonomia procedimental e fragiliza a
integridade da jurisdição.
Nesse cenário,
a definição firmada pela Corte Especial — no sentido de que o juízo de primeiro
grau não detém competência para inadmitir a apelação, e que eventual
indeferimento configura usurpação de competência, ensejando reclamação nos
termos do art. 988, I, do CPC — não apenas corrige uma distorção prática, mas reafirma
a centralidade dos tribunais como instâncias de controle técnico-jurídico dos
recursos e guardiões do sistema de precedentes.
Importa
destacar, ademais, que essa questão não se restringe ao plano técnico dos
operadores do direito. O modo como os recursos são processados impacta
diretamente o jurisdicionado, que tem o direito não apenas a recorrer, mas a
ser julgado por quem tem competência para tanto. O indeferimento prematuro da
apelação pelo juízo de origem constitui violação indireta ao acesso à
justiça, à ampla defesa e ao devido processo legal, todos de estatura
constitucional.
É nesse
contexto que o presente artigo se propõe a examinar — à luz do recente
precedente qualificado — os limites legais e constitucionais da atuação
judicial na admissibilidade recursal, os instrumentos processuais disponíveis
para correção de vícios dessa natureza e os reflexos sistêmicos que o tema
projeta sobre a coerência e integridade do processo civil brasileiro.
A análise será
feita com base na legislação, na jurisprudência consolidada e sob o olhar
crítico da doutrina e da filosofia do direito, buscando compreender, mais do
que a norma em si, os valores que ela visa proteger e o modelo de justiça
que deve sustentar.
2. O Novo Modelo Recursal e a Competência Exclusiva
do Tribunal
A promulgação
do Código de Processo Civil de 2015 representou uma guinada no
tratamento normativo conferido ao sistema recursal, especialmente quanto à redistribuição
funcional das competências para a análise dos pressupostos recursais.
No tocante à
apelação, a alteração foi não apenas estrutural, mas paradigmática: o novo
modelo afasta expressamente o juízo de admissibilidade da esfera de
competência do juiz de primeiro grau, atribuindo-o exclusivamente ao
tribunal ad quem, conforme redação literal do art. 1.010, § 3º, do CPC:
“Cumprido
o disposto nos §§ 1º e 2º, o juiz encaminhará os autos ao tribunal,
independentemente de juízo de admissibilidade.”
A regra em
questão não deixa margem a interpretações extensivas nem espaço para filtragens
prévias pelo juízo de origem. A opção legislativa foi clara e deliberada: a
função de verificar os pressupostos de admissibilidade da apelação — como
tempestividade, regularidade formal, preparo e legitimidade — é atribuída ao
órgão jurisdicional competente para apreciar o mérito recursal. Trata-se de
uma delimitação funcional que visa assegurar racionalidade procedimental,
coerência institucional e respeito à autoridade do tribunal.
Essa
modificação rompe com a tradição do CPC/1973, em que o juiz a quo realizava o
juízo de admissibilidade, o que frequentemente gerava decisões
contraditórias, recursos paralelos e insegurança jurídica. O novo arranjo
normativo busca, justamente, eliminar esse ponto de atrito e estabelecer uma
linha contínua entre a interposição do recurso e sua apreciação meritória,
promovendo maior fluidez processual e integridade na jurisdição recursal.
Mais do que um
detalhe técnico, o dispositivo carrega consigo uma carga axiológica
relevante, pois visa evitar a indevida concentração de poder decisório
nas mãos do juiz sentenciante, impedindo que o mesmo magistrado que decidiu
a causa exerça controle sobre a possibilidade de reexame da própria decisão.
A separação
entre a jurisdição de origem e a jurisdição recursal, nesse contexto, não é
apenas uma exigência funcional — é uma salvaguarda de imparcialidade e um
mecanismo de distribuição equilibrada do poder dentro do sistema judicial.
Além disso, a
competência exclusiva do tribunal para o juízo de admissibilidade das apelações
está em consonância com a lógica do sistema de precedentes vinculantes
introduzido pelo próprio CPC/2015.
Ao centralizar
nos tribunais a análise dos requisitos recursais, o legislador pretendeu
garantir maior controle institucional sobre o acesso aos órgãos colegiados,
permitindo que esses tribunais exerçam com plenitude seu papel na formação e
consolidação de jurisprudência estável, íntegra e coerente (art. 926, CPC).
Dessa forma,
quando o juiz de primeiro grau, contrariando o art. 1.010, § 3º, se arvora a
inadmitir a apelação com base em seus próprios critérios sobre regularidade
formal ou ausência de interesse recursal, usurpa competência funcional
expressamente atribuída ao tribunal, ferindo de forma direta a legalidade,
a coerência do sistema e a própria lógica recursal desenhada pelo novo Código.
É nesse exato
ponto que o STJ, no julgamento do Tema 1267, intervém para reafirmar a
divisão de competências como valor jurídico e como garantia institucional do
processo. O que está em jogo, portanto, não é apenas a interpretação de
um parágrafo legal, mas a efetivação de uma concepção moderna de jurisdição,
baseada na colaboração, na deferência entre instâncias e na estruturação
racional do poder jurisdicional.
3.
A Atuação Indevida do Juízo a quo e a Medida Cabível: Reclamação
A controvérsia
apreciada no Tema 1267 do STJ trouxe à tona uma prática que, embora
reiterada em alguns segmentos da jurisdição nacional, não encontra respaldo
normativo e revela inequívoca afronta à lógica do sistema processual em vigor:
trata-se da inadmissão de apelações pelo juízo de primeiro grau, com
fundamento em alegadas irregularidades formais ou ausência de preenchimento dos
pressupostos recursais.
Em resposta a
essa prática, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar os Recursos Especiais
repetitivos de n.º 2.072.867/MA, 2.072.868/MA e 2.072.870/MA, firmou posição
inequívoca: tal conduta configura usurpação de competência do tribunal ad
quem. Isso porque, conforme delineado no art. 1.010, § 3º, do CPC/2015, é
de competência exclusiva do órgão recursal exercer o juízo de admissibilidade
da apelação. A atuação do juiz a quo, ao impedir o prosseguimento do
recurso, invade competência alheia e compromete a integridade da função
jurisdicional.
Para esses
casos, a medida processual adequada — e agora consolidada pelo STJ como o único
instrumento eficaz e juridicamente correto — é a reclamação
constitucional, com fundamento no art. 988, I, do CPC, que permite o
uso do instituto quando houver "usurpação de competência de
tribunal".
O acórdão
paradigmático também acolheu expressamente o entendimento doutrinário que já
vinha sendo amplamente difundido por estudiosos do processo civil, em especial
no âmbito do Fórum Permanente de Processualistas Civis, por meio do Enunciado
207, que dispõe:
“Cabe
reclamação, por usurpação da competência do tribunal de justiça ou tribunal
regional federal, contra a decisão de juiz de 1º grau que inadmitir recurso de
apelação.”
A consagração
jurisprudencial desse enunciado reforça o compromisso do STJ com a
uniformização interpretativa e o respeito ao modelo procedimental estabelecido
pelo legislador. A decisão confere, portanto, estabilidade à
jurisprudência, orienta a atuação da magistratura de primeiro grau e
pacifica a via recursal cabível.
Trata-se,
aqui, de uma reafirmação do princípio da legalidade estrita na condução do
processo jurisdicional, e, ao mesmo tempo, do resguardo da competência
funcional dos órgãos superiores, que não pode ser usurpada sob pretexto de
controle prévio de requisitos recursais.
Do ponto de vista sistêmico, essa
orientação cumpre relevante função de correção interna: fornece ao
jurisdicionado um instrumento célere e adequado para destrancar apelações
indevidamente obstadas, sem que seja necessário recorrer a expedientes
extraordinários ou pouco apropriados, como mandado de segurança, correição
parcial ou até agravos fora do rol taxativo.
Sob o viés
constitucional, a orientação firmada também concretiza a garantia do acesso
efetivo à jurisdição plena (art. 5º, XXXV, CF) e protege o jurisdicionado
contra atos que, embora travestidos de legalidade formal, subvertem a
repartição de competências estabelecida por lei federal.
Assim, a
reclamação deixa de ser apenas um instrumento residual para se consolidar como mecanismo
central de preservação do modelo recursal concebido pelo CPC/2015,
reafirmando a necessidade de rigor técnico e deferência institucional entre os
graus de jurisdição.
4. A
Inadequação do Agravo de Instrumento na Fase de Conhecimento
Uma das
contribuições mais relevantes do julgamento do Tema 1267/STJ reside na
explicitação, com clareza e segurança, da inadequação do agravo de
instrumento como meio de impugnação da decisão do juiz de primeiro grau que
inadmite a apelação. A Corte Especial do STJ, com base em interpretação
sistemática e finalística do art. 1.015 do CPC, afastou definitivamente essa
possibilidade.
De acordo com
a redação do referido dispositivo, o agravo de instrumento é cabível apenas nas
hipóteses expressamente previstas em seus incisos e, por força da
jurisprudência dominante, em situações excepcionais de urgência que
inviabilizem a eficácia de um eventual provimento futuro. Essa mitigação,
introduzida pela jurisprudência a partir do Tema 988/STJ, não
autoriza interpretação extensiva ou analógica para abarcar decisões que, na
prática, configuram usurpação de competência.
O STJ deixou
claro que a inadmissão da apelação pelo juízo de origem não é mera decisão
interlocutória: trata-se de uma atuação inválida, que extrapola os
limites legais da jurisdição do primeiro grau, pois versa sobre matéria de
competência exclusiva do tribunal. Em outras palavras, não se está diante de
decisão que possa ser corrigida por agravo, mas de um vício de ordem funcional,
cuja natureza implica em nulidade absoluta do ato processual por
incompetência.
Dessa forma, a
tentativa de manejar agravo de instrumento, correição parcial ou mandado de
segurança contra tal decisão não se coaduna com a sistemática recursal
vigente. Tais medidas, além de inadequadas à luz da jurisprudência atual, poderiam
gerar sobreposição de competências, multiplicação de recursos paralelos e
insegurança quanto à tramitação do processo.
O julgamento
do Tema 1267, portanto, opera como um marco de racionalização e
uniformização procedimental, orientando a comunidade jurídica quanto ao uso
correto dos instrumentos processuais. A solução adequada — e agora
indiscutivelmente firmada — é a reclamação com base no art. 988, I, do CPC,
cujo escopo é justamente proteger a competência do tribunal em face de
usurpações e garantir o correto funcionamento do sistema jurisdicional.
A inadequação
do agravo, nesse contexto, reforça a própria lógica do modelo recursal
desenhado pelo CPC/2015, que é baseado em especialização funcional, respeito
à hierarquia jurisdicional e contenção da litigiosidade recursal excessiva.
Não se trata de dificultar o acesso à instância superior, mas de garantir que
esse acesso se dê pelas vias apropriadas, conforme a estrutura previamente
delineada pelo legislador.
Admitir o
agravo de instrumento nessas hipóteses seria, em última análise, legitimar
um desvio da norma legal sob o pretexto da urgência, invertendo a racionalidade
do sistema. Pior: implicaria validar a própria conduta ilegal do juízo de
origem, que, ao inadmitir a apelação, já atua fora de sua competência.
Portanto, o
acórdão paradigmático não apenas reafirma a exclusão dessa hipótese do rol do
art. 1.015, como também previne a erosão institucional das normas de
competência, fortalecendo a integridade do sistema recursal e a
previsibilidade na sua aplicação.
5. Modulação de Efeitos e o Princípio da
Fungibilidade Recursal
Consciente da
instabilidade jurisprudencial que precedeu a consolidação do entendimento
firmado no Tema 1267, o Superior Tribunal de Justiça adotou uma postura
prudente e equitativa ao optar pela modulação dos efeitos da decisão,
permitindo que a nova orientação não retroagisse para prejudicar recursos
manejados de boa-fé sob bases antes consideradas plausíveis.
Dessa forma, a
Corte reconheceu que, até o momento da publicação do acórdão, havia dúvida
interpretativa razoável quanto ao meio processual adequado para impugnar a
decisão do juízo de primeiro grau que inadmitisse a apelação. Por isso, admitiu,
em caráter excepcional, que recursos como agravo de instrumento, correição
parcial ou mesmo mandado de segurança fossem recebidos como reclamação,
desde que ainda pendentes de julgamento definitivo e sem trânsito em
julgado.
Essa solução
dialoga diretamente com o princípio da fungibilidade recursal,
positivado no art. 1.009, § 1º, do CPC, segundo o qual o erro na
interposição de recurso não prejudica sua admissibilidade, desde que haja
dúvida objetiva sobre o cabimento e ausência de má-fé da parte.
“Art.
1.009. § 1º: Serão considerados interpostos os recursos para os fins legais,
mesmo quando a parte houver se equivocado quanto ao nome ou à classificação do
recurso cabível, desde que preenchidos os requisitos de sua interposição.”
Essa diretriz
não apenas preserva a boa-fé do jurisdicionado — que atuou com base em
orientação doutrinária e jurisprudencial não pacificada à época — como também evita
o sacrifício desnecessário do direito à ampla defesa e ao duplo grau de
jurisdição por motivos meramente formais.
Do ponto de
vista constitucional, a modulação prestigia a segurança jurídica (art. 5º,
XXXVI, CF) e reforça a função integradora do STJ, evitando o tratamento
desigual entre jurisdicionados em função do momento temporal de interposição de
seus recursos. Trata-se de um gesto de responsabilidade institucional, que
reconhece o caráter evolutivo da jurisprudência e garante que a transição
interpretativa não produza efeitos abruptos, incoerentes ou punitivos.
Além disso, a
adoção da fungibilidade nesses casos específicos reafirma a importância de um processo
civil substancialmente justo, no qual a forma existe para proteger o
conteúdo e não para impedir sua realização. Como já advertia Liebman, as formas
processuais devem servir à função de garantir a decisão de mérito — e não
serem convertidas em armadilhas formais que legitimam a injustiça.
Assim, a
modulação de efeitos promovida pelo STJ não enfraquece a tese firmada — ao
contrário, fortalece sua aplicação racional e responsável, assegurando que
o novo entendimento se projete para o futuro com coerência, sem desprezar a
boa-fé processual e o princípio da proteção da confiança legítima.
6. Considerações Finais: O Papel do STJ e a
Efetividade do Sistema Recursal
O
julgamento do Tema 1267 pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça
representa não apenas a consolidação de um entendimento técnico-processual: ele
expressa um compromisso institucional com a integridade do sistema de
justiça e com os fundamentos filosóficos que sustentam o devido processo legal.
Ao afirmar que
o juízo de admissibilidade da apelação é competência exclusiva do tribunal ad
quem, o STJ reafirma um valor essencial ao processo civil contemporâneo: a
repartição racional de competências como garantia de imparcialidade e como
instrumento de contenção do poder estatal. Trata-se de um exemplo claro do
que Ronald Dworkin denominava de governar por princípios: aplicar
o direito não apenas por meio de regras, mas respeitando valores como
coerência, igualdade e respeito institucional.
A decisão
também concretiza uma concepção material de justiça. Como bem alertava Gustav
Radbruch, a legalidade que afronta de forma evidente a justiça cessa de
ser direito. Ora, permitir que o juiz que decide a causa exerça controle
sobre o próprio reexame de sua decisão seria romper com o ideal de
imparcialidade que a própria estrutura processual busca preservar. Quando o
STJ corrige essa deformação, resgata a racionalidade interna do sistema,
evitando que a forma se sobreponha ao conteúdo e que a autoridade funcional
seja exercida fora de seus limites legítimos.
Nesse sentido,
também ressoa a advertência clássica de Norberto Bobbio: um direito
que não se efetiva é um direito apenas formal. A norma do art. 1.010, § 3º,
do CPC, só adquire valor real se aplicada com rigor — e se for protegida contra
interpretações desviantes que, sob o pretexto de celeridade ou conveniência
prática, comprometem garantias como o contraditório, o duplo grau de jurisdição
e a imparcialidade decisória.
Do ponto de
vista ético-jurídico, a decisão revaloriza o papel do processo como ambiente
institucional de justiça distributiva, conforme ensina Aristóteles
em sua Ética a Nicômaco: a equidade é a justiça adaptada ao caso
concreto, e a função jurisdicional deve ser exercida com equilíbrio, respeito
aos limites e consciência da posição de autoridade.
Ao devolver
ao tribunal o controle sobre os requisitos da apelação, o STJ não apenas
interpreta a lei, mas restabelece o justo lugar de cada órgão jurisdicional
no processo democrático da jurisdição.
Além disso, a
modulação de efeitos revela maturidade institucional. Ao reconhecer a dúvida
objetiva anteriormente existente quanto ao recurso cabível, o Tribunal atua em
consonância com o princípio da confiança legítima, dimensão valorativa
diretamente ligada à segurança jurídica e à boa-fé objetiva. Em vez de
sancionar formalismos ou punir a parte que agiu de maneira coerente com a
jurisprudência do momento, o STJ acolhe a dimensão humana do processo,
reconhecendo que o direito, como ensinava Miguel Reale, se dá sempre na
confluência entre fato, valor e norma.
Portanto, o
Tema 1267 não apenas corrige uma anomalia técnica. Ele afirma um modelo de
processo civil comprometido com a justiça institucional, com a função ética da
jurisdição e com a defesa da estrutura democrática do sistema de recursos.
Sua importância não reside apenas na tese fixada, mas na postura interpretativa
que adota: técnica, prudente, fundamentada e profundamente fiel aos princípios
que estruturam o Estado de Direito.
Assim, como já
ensinava Calamandrei, o processo é o caminho pelo qual o direito se
realiza. Com essa decisão, o STJ reafirma que esse caminho não pode ser
desviado por atalhos autorreferentes ou por práticas incompatíveis com o
ordenamento — deve, sim, ser trilhado com rigor, justiça e respeito aos
fundamentos filosófico-jurídicos que legitimam a própria existência do
processo.
Referências
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https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/temas-repetitivos. Acesso em: abr.
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TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Brasil). Súmula n. 7. A pretensão de simples reexame de
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