23/04/2025

Honorários Advocatícios em Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica: A Tensão entre a Equidade e a Valorização da Advocacia



Por Luiz Fernando Pereira – Advogado e Consultor Jurídico. Especialista em Direito Processual Civil, com sólida formação nacional e internacional. Atua em contencioso estratégico, consultoria jurídica, Direito Médico, Direito do Trabalho e Direito Público, com ênfase na defesa de servidores públicos, inclusive em processos administrativos disciplinares. Advogado junto ao CREMESP. Atua como advogado dativo perante o Tribunal de Justiça de Santa Catarina e a Justiça Federal. Foi advogado dativo do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP) e das Comissões de Direito Processual Civil, Direito Constitucional e Administrativo, Direito Médico e da Saúde, e Acidente do Trabalho da OAB/SP. Mantém o blog jurídico drluizfernandopereira.blogspot.com e canal próprio no YouTube, onde compartilha conteúdo técnico sobre temas contemporâneos do Direito.


Artigo inédito a ser submetido à revista especializada em Direito Processual.

 

1. Introdução

O incidente de desconsideração da personalidade jurídica (IDPJ), expressamente positivado no Código de Processo Civil de 2015 (arts. 133 a 137), consolidou-se como uma das mais relevantes inovações processuais da última década. Trata-se de um instrumento que visa conferir efetividade à execução, ao permitir que o credor responsabilize diretamente pessoas naturais ou jurídicas ligadas ao devedor principal, mediante demonstração de desvio de finalidade ou confusão patrimonial — elementos caracterizadores do abuso da personalidade jurídica.

Na prática forense contemporânea, o IDPJ tornou-se uma ferramenta recorrente, especialmente em execuções de natureza cível, empresarial e fiscal, funcionando como mecanismo de superação dos limites formais entre a pessoa jurídica e seus membros, em situações em que o patrimônio da empresa não é suficiente para satisfazer a dívida executada.

O crescente protagonismo do incidente, contudo, trouxe consigo questões jurídicas ainda não suficientemente equacionadas pela jurisprudência e pela doutrina, especialmente no que tange à remuneração do trabalho advocatício quando a atuação se dá exclusivamente na defesa do terceiro incluído no polo passivo do feito executivo.

O vácuo normativo se revela mais agudo quando se verifica que, na maioria das vezes, o profissional é contratado apenas para atuar nesse incidente, sem qualquer vínculo com a execução principal ou com eventual embargos. Em tais situações, não há proveito econômico direto mensurável nos moldes clássicos da sucumbência, o que tem levado os tribunais a aplicarem, de forma quase automática, o art. 85, § 8º do CPC, que permite o arbitramento dos honorários por equidade nas hipóteses em que o valor da causa é irrisório, inestimável ou inexistente.

Essa solução, embora normativamente válida, tem gerado profunda inquietação na comunidade jurídica, pois vem sendo interpretada de forma redutora, resultando na fixação de honorários em patamares simbólicos, muitas vezes desconectados da real complexidade do trabalho realizado.

O que se vê, na prática, é uma tendência à padronização de valores baixos — frequentemente arbitrados entre R$ 1.000,00 e R$ 5.000,00 — independentemente da carga probatória exigida, da responsabilidade envolvida ou da relevância econômica da execução principal.

Nesse contexto, surge a pergunta que motiva este artigo: é juridicamente aceitável — e eticamente defensável — que a atuação autônoma e tecnicamente qualificada em um IDPJ seja sistematicamente remunerada de forma simbólica, sob a justificativa de ausência de proveito econômico direto?

Tal questionamento não é meramente retórico, mas está no cerne da discussão sobre a dignidade da advocacia, a função jurisdicional e os critérios de justiça na fixação de honorários advocatícios.

Como se demonstrará ao longo deste estudo, o problema está menos no uso da equidade como critério — que é legítimo e necessário em diversos contextos — e mais na forma com que ela vem sendo aplicada, desprovida de critérios objetivos, de base argumentativa densa e, principalmente, de sensibilidade à realidade da atuação profissional. Ao tratar o IDPJ como um apêndice da execução e ao desconsiderar a natureza contenciosa e estratégica do incidente, o Judiciário, muitas vezes, incorre naquilo que Gustav Radbruch[1] chamaria de uma “injustiça legal” — uma aplicação formal da norma que contraria os valores materiais da justiça e da proporcionalidade.

Neste artigo, busca-se então revisitar o tema à luz do direito processual civil, da jurisprudência recente do STJ e de fundamentos filosóficos do direito, com o objetivo de contribuir para a construção de uma leitura mais coerente, equilibrada e valorizadora da atuação advocatícia nos incidentes de desconsideração da personalidade jurídica.

 

2. A Equidade como Critério de Arbitramento: Limites e Pressupostos

 

O art. 85, § 8º, do Código de Processo Civil de 2015, estabelece que:

“Nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico, ou quando o valor da causa for muito baixo, os honorários serão fixados por apreciação equitativa, observando-se o disposto nos incisos do § 2º.”

 

Esse dispositivo, de inspiração nitidamente principiológica, visa evitar distorções remuneratórias em hipóteses nas quais não seja possível mensurar objetivamente o benefício econômico obtido pela parte vencedora, como ocorre em ações declaratórias, processos de natureza não patrimonial ou, como no caso ora analisado, incidentes processuais com conteúdo jurídico relevante, mas sem repercussão econômica direta mensurável.

Contudo, ao contrário do que muitas vezes se verifica na prática judicial, a equidade aqui prevista não opera como cláusula aberta desvinculada de parâmetros. Ao contrário: ela reclama do julgador um juízo de ponderação ancorado nos critérios objetivos estabelecidos pelo § 2º do mesmo artigo, os quais permanecem obrigatórios mesmo diante da dificuldade de quantificação do proveito.

Assim, ainda que se reconheça a pertinência da utilização da equidade como técnica de fixação de honorários em contextos de baixa liquidez econômica, é fundamental compreender que a sua aplicação exige o devido rigor argumentativo e o compromisso com a valorização substancial da atuação advocatícia. Em outras palavras, o arbitramento por equidade não pode ser convertido em mecanismo de desvalorização do trabalho jurídico sob o pretexto de ausência de base econômica objetiva.

O que se observa em muitos julgamentos, porém, é uma tendência perigosa à uniformização simbólica: valores entre R$ 1.000,00 e R$ 5.000,00 são arbitrados de maneira quase automática, independentemente do grau de complexidade da causa, do tempo despendido, da relevância jurídica da tese sustentada e do impacto direto que o êxito possui para o cliente. Essa prática revela não um uso criterioso da equidade, mas sim uma banalização do instituto, incompatível com os postulados da proporcionalidade, da dignidade da advocacia e do contraditório substancial.

Nesse ponto, a equidade prevista no art. 85, § 8º, do CPC deve ser compreendida como um método de compensação, jamais como um pretexto para subestimar a atuação advocatícia”. Ou seja, o instituto deve operar como um recurso técnico voltado à justa remuneração em hipóteses de difícil mensuração, e não como justificativa para arbitramentos simbólicos e dissociados da realidade da causa[2].

É importante destacar que a equidade no processo civil brasileiro não é sinônimo de discricionariedade ilimitada. Trata-se de um critério jurídico que, por sua própria natureza, exige ponderação entre fatores concretos do caso e a aplicação proporcional da norma, conforme a tradição civilista e a matriz principiológica do CPC/2015. O julgador não pode, sob o manto da equidade, decidir com base apenas em sua impressão subjetiva sobre o valor da atuação, ignorando os elementos objetivos que o próprio ordenamento impõe.

A aplicação da equidade como substituta do raciocínio técnico compromete, inclusive, a previsibilidade do sistema, e isso afeta diretamente a segurança jurídica nas relações contratuais entre advogado e cliente, pois elimina a capacidade de prever — ainda que minimamente — os padrões de remuneração judicial.

O resultado é um ciclo vicioso: valores simbólicos arbitrados judicialmente passam a servir como parâmetro informal para contratos futuros, produzindo, ao longo do tempo, o achatamento sistêmico dos honorários sucumbenciais.

No contexto do IDPJ, isso se agrava. Como se trata de um incidente de natureza contenciosa, com rito próprio, carga probatória autônoma e consequências patrimoniais severas para o terceiro indevidamente incluído no polo passivo da execução, a atuação do advogado não pode ser comparada, em termos de esforço técnico e impacto, à mera manifestação incidental.

É, na prática, um litígio específico dentro do processo, que exige estratégia processual, análise documental aprofundada e, muitas vezes, até mesmo a produção de prova pericial ou testemunhal.

Dessa forma, a escolha pela equidade deve ser acompanhada da demonstração explícita dos fatores objetivos considerados para a fixação do valor. A ausência dessa justificativa fundamentada viola não apenas o art. 85, § 2º, do CPC, mas também o dever constitucional de motivação das decisões judiciais (art. 93, IX, CF/88), abrindo margem para críticas doutrinárias e institucionais quanto à legitimidade da fixação arbitrária.

 

3. A Jurisprudência do STJ e o Desafio da Uniformização

A questão da fixação de honorários advocatícios por apreciação equitativa, em especial nos casos de atuação restrita ao incidente de desconsideração da personalidade jurídica, ganhou contornos de repercussão nacional com o julgamento do EREsp 1.880.560/RN, pela Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça.

Naquele leading case, a Corte firmou entendimento no sentido de que, quando a atuação do patrono limitar-se à discussão sobre a legitimidade passiva, sem impugnação ao crédito, e não houver proveito econômico direto ou quantificável, a fixação dos honorários deve observar o disposto no art. 85, § 8º, do CPC, ou seja, ser feita com base em equidade[3].

A tese jurídica reafirma a linha interpretativa majoritária no Tribunal, que reconhece a possibilidade de arbitramento equitativo em hipóteses de indeterminação do valor econômico envolvido. No entanto, a aplicação concreta dessa tese tem gerado críticas substanciais na doutrina e entre os operadores do direito, em razão da ausência de balizas normativas claras que orientem o magistrado na fixação do quantum devido.

Em outras palavras, o problema não reside propriamente na tese fixada — que é juridicamente defensável —, mas na ausência de critérios uniformes, objetivos e transparentes que permitam aplicar a equidade sem que isso implique, na prática, na atribuição de valores simbólicos ou meramente protocolares. Tal realidade se agrava quando se observa que, em diversos julgados, os honorários arbitrados em sede de IDPJ não ultrapassam a faixa de R$ 2.000,00 a R$ 5.000,00, ainda que o incidente envolva valores de execução milionários e atuação altamente especializada.

A problemática ganha contornos ainda mais delicados diante do obstáculo recursal imposto pela Súmula 7 do STJ[4], que veda o reexame de matéria fático-probatória em sede de recurso especial. Isso significa que, uma vez fixados os honorários por equidade na instância ordinária, a possibilidade de revisão em instância superior é virtualmente nula, salvo em hipóteses excepcionais de manifesta violação literal da lei ou inexistência de fundamentação. Na prática, portanto, a decisão do juízo de origem torna-se definitiva quanto ao valor da verba honorária, mesmo quando flagrantemente desproporcional.

Certamente, esse fenômeno gera um paradoxo sistêmico preocupante: embora o art. 85 do CPC de 2015 tenha sido concebido para reforçar o caráter remuneratório e digno da verba honorária, o uso indiscriminado da equidade, aliado à rigidez recursal, fragiliza o próprio conteúdo normativo da regra, esvaziando o seu sentido protetivo original.

Além disso, a ausência de diretrizes interpretativas mais densas favorece a heterogeneidade decisória entre os tribunais, resultando em uma jurisprudência errática, que compromete a igualdade material entre jurisdicionados e a previsibilidade contratual na advocacia. Há situações, por exemplo, em que a mesma atuação técnica gera honorários de R$ 1.000,00 em um tribunal estadual e de R$ 10.000,00 em outro, sem que haja qualquer diferença substancial no conteúdo da demanda. Essa disparidade é incompatível com os princípios constitucionais da isonomia, da segurança jurídica e da moralidade administrativa, os quais devem reger a atividade jurisdicional.

Sob o ponto de vista filosófico, essa realidade entra em tensão com o que Ronald Dworkin denomina de "igual consideração e respeito": todo cidadão tem o direito de ser tratado pelo Estado — e, por consequência, pelo Judiciário — com seriedade moral e coerência institucional[5]. O Estado que fixa valores arbitrários ou irrisórios por um trabalho técnico relevante não apenas falha em reconhecer a dignidade do advogado, mas transmite ao jurisdicionado a mensagem de que sua defesa teve pouco ou nenhum valor intrínseco, o que mina a confiança pública na função judicial.

Portanto, o verdadeiro desafio posto à jurisprudência superior não é apenas o de reafirmar a legitimidade da equidade como critério, mas o de construir um padrão interpretativo confiável, sensível à realidade da atuação advocatícia e compromissado com os princípios da proporcionalidade, da coerência e da justiça substancial.

 

4. Arbitramento por Equidade: Caminhos para uma Interpretação Constitucionalmente Adequada

A cláusula de equidade, prevista no art. 85, § 8º, do Código de Processo Civil de 2015, deve ser compreendida à luz do ordenamento jurídico como um instrumento de justiça distributiva, voltado à realização do direito em contextos de incerteza quanto ao valor econômico envolvido na causa. Seu uso, portanto, deve ser excepcional, justificado e compatível com os parâmetros constitucionais que regem a remuneração da advocacia.

Mais do que um artifício de conveniência procedimental, a equidade, quando invocada para arbitrar honorários sucumbenciais, deve operar como um critério orientado por princípios — e não como um cheque em branco nas mãos do julgador. Como tal, a sua aplicação precisa respeitar não apenas os critérios legais (art. 85, § 2º, CPC), mas sobretudo os princípios constitucionais que asseguram a dignidade da função advocatícia, a isonomia entre as partes e a integridade do processo justo.

É nesse ponto que se revela a necessidade de uma interpretação constitucionalmente adequada da equidade, conforme ensina Luís Roberto Barroso ao tratar do princípio da conformidade constitucional: toda norma infraconstitucional deve ser lida à luz da Constituição, buscando máxima efetividade aos direitos fundamentais nela consagrados[6].

No caso específico dos honorários advocatícios, essa leitura implica reconhecer que:

·        O art. 133 da Constituição Federal confere ao advogado a condição de indispensável à administração da justiça, assegurando-lhe prerrogativas compatíveis com a essencialidade da função que exerce;

·        O art. 85 do CPC/2015, ao tratar dos honorários sucumbenciais, adotou uma orientação remuneratória (e não meramente indenizatória ou simbólica), como forma de valorizar o trabalho técnico-jurídico e inibir práticas de fixação aleatória de valores;

·        O art. 22 do Estatuto da Advocacia (Lei n.º 8.906/94) reforça essa diretriz, ao prever que os honorários devem ser “fixados com moderação, atendidos os elementos previstos no CPC e no Código de Ética e Disciplina”, preservando a proporcionalidade e a dignidade da profissão.

Dessa forma, a utilização da equidade como parâmetro para fixação dos honorários não pode se traduzir em valor simbólico, padronizado ou desvinculado do esforço técnico exigido, sob pena de se configurar um verdadeiro aviltamento institucional da advocacia, prática que, lamentavelmente, tem se tornado comum, sobretudo nos julgamentos de incidentes como o IDPJ.

É necessário recordar que o princípio da proporcionalidade — em sua dimensão protetiva e proibitiva de excesso — deve guiar o arbitramento da verba honorária também quando se invoca a equidade. Remunerações irrisórias afrontam não apenas o direito subjetivo do profissional, mas enfraquecem a própria estrutura do processo justo, ao desestimular a atuação diligente em defesa do jurisdicionado.

Sob a ótica filosófica, tal como já defendido por Norberto Bobbio[7], um direito que não se efetiva na prática, por ausência de condições materiais mínimas, é apenas uma promessa retórica. Se o advogado é compelido a atuar por valores arbitrados sem relação com o esforço técnico demandado, cria-se um paradoxo ético-jurídico: o sistema exige excelência técnica, mas não oferece, em contrapartida, condições mínimas de reconhecimento dessa entrega.

Em termos institucionais, a continuidade dessa prática prejudica também a previsibilidade contratual. A ausência de critérios objetivos no uso da equidade contamina a confiança legítima que orienta a fixação de cláusulas honorárias entre advogados e seus clientes, sobretudo na advocacia contenciosa, onde a sucumbência é frequentemente usada como parte da composição econômica dos contratos.

Por fim, é importante destacar que a valorização adequada dos honorários — mesmo sob arbitramento equitativo — não é um privilégio da classe dos advogados, mas uma exigência sistêmica de justiça. A defesa técnica qualificada tem custo, exige preparo, responsabilidade, e deve ser remunerada em conformidade com sua natureza.

Portanto, o caminho mais compatível com a Constituição é aquele que reconhece a equidade como técnica de justiça, mas impõe ao julgador o dever de fundamentar, com base nos critérios legais e nos princípios constitucionais, a quantia arbitrada. Quando aplicada de forma consciente, fundamentada e proporcional, a equidade concretiza o direito; quando aplicada de forma automática e simbólica, o perverte.

 

5. Conclusões

Não é mais possível ignorar que o incidente de desconsideração da personalidade jurídica (IDPJ) se tornou, na prática forense, muito mais do que um mero apêndice do processo executivo. A sua condução, especialmente quando impõe ao advogado a missão de defender a exclusão de um terceiro do polo passivo, exige um nível de complexidade técnica, responsabilidade estratégica e conhecimento jurídico que, em muitos casos, ultrapassa a própria discussão sobre o mérito da execução.

O que se discutiu neste artigo não é a legitimidade da equidade como critério de fixação de honorários — ela é válida, necessária e bem-vinda em muitos contextos. O que se questiona é o modo como ela vem sendo aplicada: de forma mecânica, padronizada, sem fundamento específico no caso concreto e, pior, frequentemente resultando em valores simbólicos que destoam completamente da atuação exigida.

Ao se fixar valores de R$ 1.000,00 a R$ 5.000,00 como regra — independentemente do grau de complexidade da demanda — a jurisprudência transforma o que deveria ser exceção em rotina, e o que deveria ser justiça corretiva em ferramenta de desvalorização. O problema, portanto, não está na letra da lei, mas na superficialidade com que vem sendo interpretada.

É nesse ponto que o Direito precisa reencontrar sua integridade. Como nos ensina Dworkin, o juiz não decide casos apenas aplicando regras: ele interpreta princípios, leva em consideração o valor das instituições e busca coerência no sistema. Decidir, portanto, não é apenas aplicar o art. 85, § 8º, do CPC — é aplicá-lo à luz da Constituição, dos deveres da magistratura, da dignidade da advocacia (art. 133 da CF), e da exigência de motivação consistente (art. 93, IX, CF).

Do ponto de vista prático, essa banalização da equidade tem efeitos corrosivos. Ela prejudica a confiança nos contratos advocatícios — que se tornam imprevisíveis. Ela enfraquece o papel do advogado como agente de transformação dentro do processo. E ela compromete a própria percepção de justiça, tanto para o profissional que atua quanto para o jurisdicionado que se vê amparado por uma defesa que, ao fim, é remunerada com indiferença institucional.

Mais do que um problema remuneratório, estamos diante de uma questão institucional e ética: o sistema judicial pode, sob o rótulo da equidade, manter uma estrutura de fixação de honorários que ignora o conteúdo da prestação jurisdicional e desestimula a excelência técnica?

A resposta, a meu ver, é negativa.

Se há algo que este debate revela é a necessidade urgente de uma mudança de postura interpretativa. O STJ deu um primeiro passo ao reconhecer a aplicação da equidade nos casos de IDPJ, mas é preciso ir além: construir critérios, promover uniformidade, exigir fundamentação qualificada. Não basta reconhecer a ferramenta — é preciso saber utilizá-la com justiça.

Valorizar a advocacia nesses incidentes não é proteger uma classe, é proteger o processo, a função jurisdicional e, em última instância, o próprio jurisdicionado, que tem o direito de ser defendido com seriedade — e ver essa defesa reconhecida com dignidade.

Referências

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução de Antonio Pinto de Carvalho. São Paulo: Nova Cultural, 1991. Livro V, cap. 10.

BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2022.

BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2006.

DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Comentários ao Código de Processo Civil. Salvador: Juspodivm, 2023. v. 2.

DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2022. v. 3.

RADBRUCH, Gustav. Filosofia do direito. Coimbra: Almedina, 2016.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Brasil). EREsp 1.880.560/RN, Rel. Min. Francisco Falcão, Primeira Seção, julgado em 24 abr. 2024. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, DF, 5 jun. 2024.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Brasil). Súmula 7: A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial. Disponível em: https://scon.stj.jus.br. Acesso em: abr. 2025.

 

 



[1] RADBRUCH, Gustav. Filosofia do Direito. Coimbra: Almedina, 2016, p. 115–117.

[2] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2022, v. 3, p. 427.
Os autores abordam, com profundidade, a natureza jurídica dos honorários advocatícios no processo civil contemporâneo, tratando da função remuneratória e das consequências práticas da aplicação da equidade no arbitramento de honorários.

[3] 1.            STJ. EREsp 1.880.560/RN, Rel. Min. Francisco Falcão, Primeira Seção, julgado em 24/04/2024, DJe 05/06/2024.

[4] Súmula 7 do Superior Tribunal de Justiça:


“A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial.”

Enunciado jurisprudencial consolidado que limita a revisão do quantum dos honorários fixados por equidade nas instâncias ordinárias, salvo nos casos de manifesta violação à norma ou ausência de fundamentação.

 

[5] DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 272–278.
Dworkin defende a ideia de que o Estado deve tratar todos os cidadãos com igual consideração e respeito, princípio que se reflete na exigência de decisões judiciais coerentes e fundamentadas, especialmente em temas sensíveis como a remuneração da advocacia.

 

[6] BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição: Fundamentos de uma Dogmática Constitucional Transformadora. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2022, p. 98–101.
O autor desenvolve a teoria da interpretação conforme a Constituição, defendendo que toda norma infraconstitucional deve ser lida à luz dos princípios constitucionais, com destaque para a máxima efetividade dos direitos fundamentais e a coerência sistêmica das decisões judiciais.

[7] BOBBIO, Norberto. Teoria da Norma Jurídica. Brasília: UNB, 2006, p. 89–93.
Bobbio destaca que um direito não concretizado é um direito apenas formal. A ausência de condições materiais mínimas para a atuação jurídica efetiva — como a remuneração justa do advogado — compromete a realização prática da justiça.

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