Prazo decadencial de 120 dias no mandado de segurança e obrigações tributárias sucessivas (Tema 1.273/STJ)
Entenda, de forma prática e interativa, por que o Superior Tribunal de Justiça firmou tese no Tema 1.273 afastando o prazo de 120 dias (art. 23 da Lei 12.016/2009) no mandado de segurança que discute lei ou ato normativo ligado a obrigações tributárias sucessivas.
- 1. Introdução: por que o Tema 1.273 importa tanto?
- 2. Prazo decadencial de 120 dias e mandado de segurança
- 3. O que são obrigações tributárias sucessivas?
- 4. A tese do STJ no Tema 1.273
- 5. Divergência interna no STJ: duas leituras possíveis
- 6. O caso concreto: aumento de ICMS sobre energia em MG
- 7. Checklist: quando o prazo de 120 dias não se aplica?
- 8. Impactos práticos para contribuintes e advogados
- 9. Quiz rápido: você entendeu o Tema 1.273?
- 10. Perguntas frequentes (FAQ)
- 11. Simulador de prazo: seu caso é decadência ou MS preventivo?
1. Introdução: por que o Tema 1.273 importa tanto?
No contencioso tributário, o mandado de segurança é um dos instrumentos mais utilizados para controlar exigências ilegais ou inconstitucionais de tributos. Mas uma dúvida recorrente sempre gerou insegurança: quando começa e quando termina o prazo decadencial de 120 dias do art. 23 da Lei 12.016/2009?
A questão fica ainda mais sensível quando se trata de obrigações tributárias sucessivas, como ICMS, ISS e contribuições sobre faturamento, em que o fato gerador se repete mensalmente. O contribuinte, muitas vezes, tem a impressão de estar sempre “no limite do prazo”.
Este artigo explica, de forma didática e com recursos interativos (checklist, quiz e simulador), como o STJ construiu essa tese, quais foram as correntes em debate e, principalmente, quais são os reflexos práticos para contribuintes, empresas e advogados.
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2. Prazo decadencial de 120 dias e mandado de segurança
O art. 23 da Lei 12.016/2009 dispõe que o direito de requerer mandado de segurança se extingue em 120 dias, contados da ciência do ato impugnado. Essa regra foi declarada constitucional pelo STF, com a ressalva de que a perda do prazo atinge apenas a via mandamental, e não o direito material, que continua podendo ser defendido em ação ordinária.
Só que o mandado de segurança pode ter duas feições:
- Repressiva: quando o direito já foi violado por um ato concreto;
- Preventiva: quando existe um “justo receio” de que a violação ocorrerá, a partir de uma ameaça atual, objetiva e real.
📌 Entenda melhor o “justo receio” (ameaça atual e objetiva)
A doutrina clássica do mandado de segurança ensina que não basta um medo subjetivo do contribuinte. O receio deve ser fundado em atos ou fatos concretos, que revelem uma ameaça real, presente no tempo e apta a gerar, de forma iminente, uma lesão a direito líquido e certo.
Assim, quando a Administração anuncia que aplicará determinada regra tributária em relação a operações que o contribuinte efetivamente pratica ou está prestes a praticar, há ameaça atual e objetiva, que justifica o uso do mandado de segurança em caráter preventivo.
E é justamente a natureza preventiva do mandado de segurança, quando se trata de obrigações tributárias sucessivas, que levou o STJ a afastar a contagem do prazo de 120 dias no Tema 1.273.
3. O que são obrigações tributárias sucessivas?
O acórdão do STJ resgata a distinção clássica entre relações jurídicas:
- Instantâneas: surgem e se esgotam em um único fato (ex.: ITBI na venda de um imóvel);
- Permanentes: dependem de uma situação continuada no tempo (ex.: benefício previdenciário enquanto durar a incapacidade);
- Sucessivas: são compostas por vários fatos geradores repetidos periodicamente, homogêneos entre si (ex.: ICMS sobre energia elétrica ou circulação de mercadorias, contribuições sobre folha de pagamento ou faturamento).
O art. 113, § 1º, do CTN é expressamente invocado na decisão: a obrigação tributária surge com a ocorrência do fato gerador, e não simplesmente com a publicação da lei. Ou seja, a norma é requisito, mas não é suficiente por si só para fazer nascer a obrigação.
🔎 Exemplo prático – ICMS sobre energia elétrica
Uma empresa consumidora de energia elétrica recebe faturas mensais com ICMS destacado. Se uma lei estadual aumenta a alíquota de 18% para 25%, toda fatura emitida sob essa nova alíquota representa um novo fato gerador, que repete a mesma dinâmica:
- Fato gerador: consumo de energia em determinado período;
- Obrigação: recolher ICMS com a alíquota majorada;
- Ameaça: a cada nova fatura, a norma é aplicada novamente contra o contribuinte.
4. A tese do STJ no Tema 1.273
Ao julgar o REsp 2.103.305/MG sob o rito dos repetitivos, a Primeira Seção fixou a seguinte tese jurídica (em síntese livre):
O prazo decadencial de 120 dias do art. 23 da Lei 12.016/2009 não se aplica ao mandado de segurança que tem como causa de pedir a impugnação de lei ou ato normativo que interfere em obrigações tributárias sucessivas, porque a impetração possui caráter preventivo, baseado em ameaça atual, objetiva e permanente de aplicação da norma.
A lógica é a seguinte:
- A lei ou o ato normativo discute-se na medida em que afeta, continuamente, uma relação tributária que se renova;
- A cada novo fato gerador, o contribuinte permanece sob ameaça concreta de incidência da norma reputada ilegal ou inconstitucional;
- Essa situação configura estado permanente de “justo receio”, próprio do mandado de segurança preventivo;
- Nesta hipótese específica, não há espaço para falar em decadência do direito de impetrar, porque a ameaça não se consome em um ato único, mas se renova periodicamente.
5. Divergência interna no STJ: duas leituras possíveis
O relator, ministro Paulo Sérgio Domingues, reconheceu que havia, na jurisprudência do STJ, duas correntes em conflito quanto ao termo inicial do prazo decadencial:
A Primeira Seção, ao firmar o Tema 1.273, prestigiou a segunda orientação, em linha com o CTN, com a jurisprudência do STF e com precedentes das Turmas de Direito Público do próprio STJ, que já vinham admitindo o mandado de segurança preventivo em situações de “justo receio” renovado.
6. O caso concreto: aumento de ICMS sobre energia em Minas Gerais
O caso paradigma (REsp 2.103.305/MG) envolveu mandado de segurança impetrado contra o Estado de Minas Gerais, com o objetivo de discutir a majoração da alíquota do ICMS incidente sobre energia elétrica de 18% para 25%.
A Fazenda estadual alegou decadência, sustentando que o prazo de 120 dias teria começado com a edição da lei estadual que majorou a alíquota. As instâncias ordinárias rejeitaram a preliminar, e o STJ manteve essa conclusão.
Tratando-se de controvérsia sobre norma que alterou a dinâmica de uma obrigação tributária sucessiva (ICMS sobre energia elétrica), o mandado de segurança foi considerado preventivo, fundado em ameaça atual, objetiva e permanente de aplicação da norma. Por isso, não se reconheceu a decadência para a impetração.
A tese, por ser repetitiva, vincula os demais tribunais do país, que devem observá-la em casos semelhantes, como majorações de alíquotas, mudanças em bases de cálculo ou exclusões de créditos em tributos de apuração periódica.
7. Checklist: quando o prazo de 120 dias não se aplica?
Use o checklist abaixo como ferramenta prática para avaliar se, em determinado caso, o prazo decadencial do art. 23 da Lei 12.016/2009 tende a ser afastado com base no Tema 1.273:
Quanto mais itens assinalados, maior a aderência do caso à lógica do Tema 1.273 e mais robustos os argumentos para afastar a decadência do mandado de segurança.
8. Impactos práticos para contribuintes e advogados
A tese firmada pela Primeira Seção produz reflexos relevantes na estratégia processual:
- Reduz o risco de se ver o mandado de segurança extinto por decadência em obrigações tributárias sucessivas;
- Reforça o uso do mandado de segurança preventivo para controlar a aplicação de normas reputadas ilegais ou inconstitucionais;
- Permite concentrar, em uma única ação, a discussão sobre toda uma cadeia de fatos geradores futuros e presentes impactados pela mesma norma;
- Contribui para diminuir custos processuais para o contribuinte, já que o mandado de segurança não comporta honorários sucumbenciais (art. 25 da Lei 12.016/2009);
- Orienta os tribunais a abandonarem a leitura mais restritiva, que contava o prazo decadencial desde a publicação da lei.
💡 Dica de estratégia para advogados
Ao elaborar a petição inicial:
- Evidencie detalhadamente a sucessividade da obrigação (ex.: tributo mensal, faturamento recorrente, faturas de energia sucessivas etc.);
- Descreva o estado permanente de ameaça, demonstrando que, a cada novo período de apuração, a norma é aplicada contra o contribuinte;
- Fundamente expressamente com o Tema 1.273/STJ, destacando seu caráter vinculante e o afastamento do prazo do art. 23 da Lei 12.016/2009;
- Mostre que não se trata de impugnação de “lei em tese”, mas de relação concreta, inclusive com documentos (faturas, guias, notificações).
9. Quiz rápido: você entendeu o Tema 1.273?
Em qual das hipóteses abaixo o prazo decadencial de 120 dias não se aplica ao mandado de segurança, segundo o Tema 1.273?
O que caracteriza o “justo receio” que autoriza o mandado de segurança preventivo em matéria tributária sucessiva?
10. Perguntas frequentes (FAQ)
👉 Já se passaram mais de 120 dias da publicação da lei. Ainda posso impetrar mandado de segurança?
Depende da situação concreta. Segundo o Tema 1.273/STJ, quando a lei ou ato normativo interfere em obrigações tributárias sucessivas (como ICMS mensal, ISS, contribuições periódicas) e essa exigência se renova mês a mês, o mandado de segurança assume caráter preventivo.
Nessa hipótese, não se aplica o prazo decadencial de 120 dias do art. 23 da Lei 12.016/2009, porque há ameaça atual e permanente a cada novo fato gerador. O que continua sujeito a limites é:
- o prazo prescricional para discutir valores pretéritos (normalmente 5 anos); e
- a necessidade de demonstrar que a norma realmente incide sobre as operações do contribuinte.
👉 O Tema 1.273 vale para qualquer mandado de segurança tributário?
Não. A tese é específica para hipóteses em que:
- a causa de pedir é a impugnação de lei ou ato normativo; e
- essa norma interfere em obrigações tributárias sucessivas (relações que se renovam periodicamente).
Quando o mandado de segurança discute apenas atos administrativos individualizados – por exemplo, um auto de infração, um lançamento específico, uma negativa de compensação – continua valendo a regra geral do art. 23: 120 dias contados da ciência desse ato concreto.
👉 No mesmo mandado de segurança posso tratar de valores passados e também impedir a exigência futura?
Em regra, sim. Com base no Tema 1.273, é possível formular pedidos voltados:
- a impedir a aplicação futura da norma (caráter preventivo, típico do mandamus); e
- a afastar incidências pretéritas ainda dentro do prazo prescricional, sobretudo para fins de compensação ou repetição.
Porém, é importante lembrar que:
- o mandado de segurança tem limitações probatórias; e
- a restituição em dinheiro de tributos pagos indevidamente costuma ser buscada por meio de ação própria (ação de repetição), embora a jurisprudência admita, em diversas situações, o uso do MS para reconhecimento do direito à compensação.
👉 O mandado de segurança substitui totalmente a ação ordinária em matéria tributária?
Não. O mandado de segurança é uma via especial e subsidiária, destinada à proteção de direito líquido e certo, com rito célere e sem honorários sucumbenciais (art. 25 da Lei 12.016/2009).
A ação ordinária continua sendo:
- o caminho adequado quando há necessidade de prova complexa (perícia, instrução extensa, produção de provas testemunhais);
- o instrumento típico para pedidos de restituição ampla de tributos pagos indevidamente, com discussão aprofundada de valores.
Na prática, muitos contribuintes combinam estratégias: utilizam o mandado de segurança para afastar a exigência futura e estabilizar a relação jurídica, e, quando necessário, ajuízam ação ordinária para discutir em detalhes a repetição de indébito e outras consequências patrimoniais.
11. Simulador de prazo: seu caso é decadência ou MS preventivo?
Use o simulador abaixo para ter uma noção inicial (não é consultoria jurídica individual) sobre a situação do prazo de 120 dias no seu caso. Em seguida, procure orientação profissional para análise concreta.