Diante de diversos casos complexos que lido em minha vida
profissional, tive que escrever este breve artigo a ponto de querer ainda mais
aprofundar-se à temática, no qual tive como inspiração.
É inegável que o acesso à informação por meio da internet é algo positivo para a
sociedade. No entanto, é preciso evitar informações errôneas e precipitadas,
como aquela velha frase “eu ouvi dizer”, ou “me contaram que eu tenho direito”.
Não é bem assim!
O caso inspirador deste artigo: Uma mãe que há mais de 16
anos entregou um de seus imóveis para seu que seu filho morasse, autorizado por
seus irmãos.
Ocorre
que, a mãe por problemas financeiros e por saber que seu filho já havia
comprado um imóvel financiado em seu nome resolve pedir a posse amigável para
seu filho, no entanto, para sua surpresa, ele diz: “não devolverei o imóvel, pois possuo o direito sobre ele a Senhora
perdeu ele pelo desuso. Vou entrar com usucapião e pronto!”.
Entristecida
com a reação de seu filho busca apoio jurídico-profissional. E qual a solução? Existe
mesmo o direito do filho de obter o imóvel por meio de usucapião? Vejamos as
respostas, conforme uma análise mais técnica.
O que a usucapião[1]?
A Usucapião
é a forma de aquisição da propriedade, que se inicia devido o lapso temporal de
prescrição aquisitivo do direito de propriedade, da forma originária. Explico:
o possuidor adquire o direito real sobre o bem imóvel em decorrência do tempo,
conforme previsão legal[2].
Em
resumo, para que alguém tenha direito a usucapião imobiliária, deverá preencher
todos os requisitos previstos em lei, conforme também suas espécies.
No
tocante as espécies e requisitos, temos:
A usucapião ordinária, no qual
deverá o interessado provar por meio de ação judicial, o justo título, boa-fé, e 10
(dez) anos de posse no imóvel e, haverá a redução de prazo para cinco
anos, se o imóvel houver sido adquirido onerosamente com base no registro de
cartório, entretanto, desde que o referido registro esteja cancelado. O possuidor deverá estabelecer moradia ou
realizar investimentos de interesse social e econômico.
O
justo título poderá ser qualquer documento hábil, como por exemplo, uma escritura pública, compromisso de compra e venda. Em
relação à boa-fé, não deverá haver qualquer desconhecimento de vício
possessório.
A usucapião extraordinária independe de justo título e boa-fé,
basta que o interessado possa agir como se dono fosse, adquirindo a propriedade
mediante prazo 15 (quinze) anos sem interrupção e sem oposição perante terceiros. Excepcionalmente
este prazo de quinze anos poderá ser reduzido para 10 (dez) anos, se o
possuidor usar o imóvel para sua moradia habitual, realizado obras ou serviços
de caráter produtivo (social e/ou econômico).
Exemplo
de usucapião extraordinária, “A” falece e deixa imóvel para “B”, sem escritura
pública e sem inventário ou testamento a mais de dez anos. Alias, este exemplo,
na prática foi base de uma jurisprudência recentíssima do Superior Tribunal de
Justiça no REsp n. 1631859, ao afirmar que Herdeiro pode pleitear usucapião
extraordinária de imóvel objeto de herança[3].
A usucapião especial rural tem
critérios específicos para aquisição do bem imóvel, como: posse por 5 (cinco)
anos ininterruptos e sem oposição, Não pode ser proprietário de imóvel rural ou
urbano e seja produtiva para seu trabalho ou sua moradia.
Além
disso, a legislação estabelece que a área de terra em zona rural não supere a
50 (cinquenta) hectares.
A usucapião especial urbano
ou constitucional, assim como as outras espécies, tem
requisitos específicos, como: a posse por 05 (cinco) anos ininterruptos e sem
oposição perante terceiros; em hipótese alguma poderá ser proprietário de outro
imóvel urbano ou rural e área urbana de até 250 (duzentos e cinquenta metros)
quadrados, devendo ser considerada a área construída juntamente com o terreno.
A
finalidade do imóvel deverá ser para moradia ou de sua família e não poderá ser
proprietário de outro imóvel, seja urbano ou rural.
A usucapião especial familiar se
estabelece para aquele que manteve-se na residência e detenha o direito ao bem
imóvel, em sua integralidade. Claro que, a legislação prevê também requisitos específicos,
como: a posse do bem imóvel pelo período de 2 (dois) anos, de posse direita e
exclusiva de imóvel urbano de 250 (duzentos e cinquenta) metros quadrados, devendo
ser adquirida de forma integral, sendo de forma ininterrupta, sem oposição
perante terceiro e que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
Interessante
e último requisito é que a propriedade deverá ter sido abandonada por ex cônjuge
ou ex companheiro.
Por
fim, temos a usucapião especial estatutária
ou coletiva[4],
no qual tem por objetivo tutelar a dignidade da pessoa humana e ao direito à
moradia, ambos direitos previstos em nossa Constituição Federal de 1988.
Normalmente
fazem jus os ocupantes de imóveis por pessoas de baixa renda, desde que
preenchidos os requisitos previstos em lei, como: área Urbana com mais de 250
(duzentos e cinquenta metros) quadrados, ocupados pelo prazo de 5 (cinco) anos,
de forma ininterrupta e sem oposição, que não seja possível identificar os
terrenos ocupados por cada possuidor, nem mesmo sejam proprietários de outro
imóvel urbano ou rural.
Feitas
todas as considerações iniciais acerca de cada espécie ou tipologia das
usucapiões existentes, podemos retomar ao tema, afinal, quem tem o direito? A mãe, que emprestou o imóvel ao seu filho? Ou o
filho, o direito de promover a ação de usucapião?
Vale
responder tais questionamentos![5].
Em
primeiro lugar, não vislumbro sequer uma possiblidade (nem mesmo a mínima) de
direito por parte do filho que pretendia adquirir o imóvel por meio de
usucapião, seja quais espécies fossem!.
Detenção e posse são coisas distintas. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de
algum dos poderes inerentes à propriedade. A detenção é aquela situação em que alguém conserva a posse em nome
de outro e em cumprimento às suas ordens e instruções[6].
No
caso, o filho possuía apenas a detenção sobre o bem imóvel, pois a relação jurídica
entre mãe e filho caracterizou-se como comodato[7]
(empréstimo), ainda que ausente de formalidade, por escrito, sendo válido
verbalmente. De fato, a proprietária transferiu a posse direta e manteve como indireta,
sendo, portanto, ausente, ao filho "animus
domini", devido à posse precária.
É
muito diferente se a mãe vier a falecer no futuro e o filho ainda residir no
imóvel, no qual poderá obter o direito de aquisição da propriedade por meio de
usucapião extraordinário, conforme já tratamos, no entanto, os prazos começarão
a contar a partir que preenchidos os requisitos previstos em lei.
Neste
sentido, conclui-se que a mãe apenas
empresou o imóvel e o filho detém o imóvel, mas não é possuidor do bem, não
obtendo o direito a promover nenhum tipo de usucapião.
Respondidas
tais questões, agora qual a conclusão de tudo isso?
Na
defesa dos interesses da dona legitima do imóvel, a solução ideal seria
notificar o filho para sair do imóvel com prazo previamente estabelecido e,
descumprido o prazo, promover ação de reintegração de posse sobre o imóvel a
favor da mãe.
Caso
a mãe pense antes de promover a referida ação, deixando o seu filho no imóvel,
o caminho é instrumentalizar com o um documento especifico, afim de proteger
seu bem imóvel contra problemas futuros.
*Consulte
sempre um advogado.
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[1]
Vale a primeira dica em nota de rodapé: escreve-se “A usucapião” , do latim usucapio:
"adquirir pelo uso"; palavra do gênero feminino e não masculino,
conforme já li alguns artigos sobre o tema.
[2]
Esta conceituação foi extraída do meu texto no blog, no qual fiz um “tira
dúvidas”: https://drluizfernandopereira.blogspot.com/2016/11/tire-suas-duvidasusucapiao-aspectos.html
[3]http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Comunica%C3%A7%C3%A3o/noticias/Not%C3%ADcias/Herdeiro-pode-pleitear-usucapi%C3%A3o-extraordin%C3%A1ria-de-im%C3%B3vel-objeto-de-heran%C3%A7a
[5]
Depois que o leitor teve o apanhado geral das espécies de usucapião, não custa
nada ter pelo menos uma resposta ou um ponto de vista, após ter lido tanto, não
é mesmo?
[6]
É o exato texto normativo, conforme prevê o artigo 1.196, do Código Civil de
2002.
[7]
O comodato é o empréstimo gratuito de coisas não fungíveis, conforme leitura do
artigo 579 do Código Civil de 2002.
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