MEU PARENTE FALECEU E TINHA CONSÓRCIO. EU TENHO DIREITO A ALGUMA COISA?
· por Luiz Fernando Pereira, Advogado (OAB/SP 336.324)
- O que é o consórcio e por que isso importa no inventário
- Seguro prestamista: quando a dívida é quitada e a carta de crédito vai pros herdeiros
- E se não tem seguro? Tenho direito a receber o dinheiro pago?
- Precisa abrir inventário mesmo?
- Exemplos práticos (carro e imóvel)
- O que diz o STJ sobre liberar a carta de crédito para a família
- O que fazer agora (checklist)
- Fale com o advogado
Você já parou pra pensar o que acontece com um consórcio quando a pessoa que contratou falece? Esse é um dos temas que mais gera conflito entre família e administradora de consórcio.
"Eu tenho direito a alguma coisa?" "O consórcio é quitado?" "Posso receber a carta de crédito?" "O dinheiro some?"
Vou explicar de forma direta, com base na lei, no entendimento dos tribunais superiores e na prática do dia a dia na advocacia de inventário e sucessões.
1. Antes de tudo: consórcio é patrimônio
Consórcio é uma forma de compra planejada. Pessoas entram em um grupo e pagam parcelas mensais. A cada rodada, alguns participantes são contemplados, por sorteio ou lance. Quem é contemplado recebe uma carta de crédito para comprar o bem (carro, moto, imóvel etc.).
Agora vem o ponto que quase ninguém fala: esse direito futuro também é patrimônio. Ou seja, mesmo que a pessoa falecida ainda não tivesse sido contemplada, o consórcio faz parte do patrimônio dela. Logo, ele entra no inventário como qualquer outro bem.
2. Seguro prestamista: isso pode mudar tudo (para melhor)
O primeiro passo técnico é verificar se havia seguro prestamista vinculado ao consórcio. Esse seguro é bem comum e muita gente nem sabe que contratou.
O que ele faz? Quita o saldo devedor do consórcio em caso de morte (ou invalidez total permanente) do titular. Traduzindo: a seguradora paga as parcelas restantes. E depois disso?
Depois disso, a carta de crédito fica disponível para os herdeiros.
E não é “boa vontade” da administradora. Isso já foi reconhecido pela Justiça.
3. O que diz o STJ sobre isso
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já decidiu que, havendo seguro prestamista, os herdeiros têm direito à carta de crédito, porque a seguradora assume a dívida após o falecimento.
Em julgamento da 4ª Turma do STJ (REsp 1.406.200/AL), sob relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão, o Tribunal deixou claro que:
Ou seja: não importa se a pessoa faleceu pouco antes de ser contemplada. Se existe seguro prestamista e cobertura de morte, a obrigação de pagar o restante é da seguradora. E o benefício (a carta de crédito ou o crédito equivalente) é dos herdeiros.
4. Mas e se não existe seguro prestamista?
Calma. Isso não significa que a família perdeu tudo.
Quando não há seguro, a gente olha outra coisa: a reserva técnica / fundo já formado. Em português simples: todo o valor que já foi pago para o consórcio não desaparece. Esse valor pertence ao espólio (patrimônio deixado pela pessoa falecida).
Na prática, os herdeiros podem exigir a devolução das parcelas pagas, corrigidas. Esse crédito entra no inventário e depois é dividido entre os sucessores conforme a lei (cônjuge, filhos etc.).
Importante: esse valor não é “favor” da administradora. Ele faz parte do patrimônio do falecido e precisa constar no inventário como um ativo financeiro.
5. Precisa fazer inventário mesmo?
Sim. O consórcio, quitado ou não, é patrimônio. E bem deixado por quem faleceu precisa ser regularizado em inventário.
Por quê?
- Porque a administradora do consórcio não vai liberar nada “na conversa” sem documento;
- Porque a carta de crédito/cotas/valores pagos precisam ter herdeiro definido legalmente;
- Porque sem inventário você não consegue nem mesmo comprovar a legitimidade para pedir a liberação.
Isso vale tanto para inventário judicial quanto para inventário em cartório (extrajudicial), quando a lei permite.
6. Exemplos práticos (isso ajuda muito)
Exemplo 1 — Consórcio de carro
Seu pai participava de um consórcio de veículo no valor de R$ 80 mil. Ele já tinha pago boa parte, e ainda faltavam cerca de R$ 30 mil em parcelas.
- Havia seguro prestamista? Se sim: a seguradora quita o saldo que restaria. Resultado: a família (os herdeiros) herda a carta de crédito para comprar o carro. O esforço financeiro dele não se perde.
- Não havia seguro? Aí vocês podem exigir a restituição de tudo o que já foi pago, corrigido. Esse valor entra no inventário e depois é partilhado entre os herdeiros.
Exemplo 2 — Consórcio de imóvel
Sua irmã estava num consórcio imobiliário de R$ 300 mil. Pagou R$ 50 mil em parcelas e faleceu antes de ser contemplada.
- Se existir seguro prestamista cobrindo morte: a seguradora quita o restante e os herdeiros ficam com direito à carta de crédito imobiliário;
- Se não existir seguro: esses R$ 50 mil pagos não somem. Viram crédito no inventário. Vocês têm direito de receber de volta, com atualização monetária.
7. O passo a passo para a família não perder dinheiro
Guarda isso, porque é prático e salvou muita gente de perder valores altos:
- 1. Pegue o contrato do consórcio. Leia (ou peça para alguém ler) a parte sobre “seguro prestamista”, “morte”, “cobertura”, “invalidez”.
- 2. Peça formalmente à administradora:
- a apólice do seguro prestamista;
- o extrato atualizado das parcelas pagas;
- o saldo devedor na data do falecimento;
- a posição do grupo (se contemplado / não contemplado);
- 3. Abra o inventário dentro de 60 dias. Mesmo que vocês ainda estejam organizando documentos, já inicie. Isso evita multa e garante que alguém (inventariante) tenha legitimidade pra tratar com a administradora e com a seguradora.
- 4. Documente tudo. Comprovantes de pagamento de parcela, boletos, comprovantes bancários, número da cota, apólice do seguro. Isso é prova. Sem prova, a administradora vai dizer “não há saldo”.
- 5. Caso haja seguro prestamista e a administradora se recuse a liberar a carta de crédito: essa recusa pode ser judicialmente discutida. Já há decisões reconhecendo o direito dos herdeiros à carta de crédito quando a dívida é liquidada pelo seguro.
E, principalmente: não aceite a desculpa padrão “o titular faleceu, encerrou o vínculo, então acabou”. Isso muitas vezes é juridicamente errado — e financeiramente péssimo pra família.
Quer saber se sua família tem direito à carta de crédito ou devolução das parcelas?
Eu analiso o contrato de consórcio, a cobertura do seguro prestamista e a situação do inventário. É avaliação jurídica individual, para proteger o patrimônio da família.
Falar no WhatsApp (11) 98599-5510Atendimento jurídico em sucessões, inventário, consórcio e seguros.
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