24/03/2022

A DESCONSIDERAÇÃÇO DA PERSONALIDADE JURIDICA DE PESSOA JURÍDICA EM CASOS RELACIONADOS À FRAUDE DE CRIPOTOMOEDAS

Assista ao vídeo sobre o tema acima.


 

         Imagine a seguinte situação: uma empresa de investimentos em criptomoedas causa danos financeiros em face de diversos consumidores, no qual criam obstáculos para ressarci-los.

         Diante deste caso hipotético, o consumidor ingressa com ação judicial com o objetivo de ser ressarcidos aos prejuízos materiais sobre o valor integralmente investido, bem como, aos danos morais devidos caracterizar-se por pirâmide financeira e fraude.

         Antes de trazermos o apontamento necessário para este caso hipotético, é preciso claramente afirmar que nem todas as empresas que atuam no setor de criptomoedas utilizam o engodo no mercado, entretanto, cabe ao consumidor investigar a idoneidade da empresa previamente.

         É importante compreendermos que, a desconsideração da personalidade jurídica é uma forma (teoria) que se busca desprender quanto à responsabilidade da empresa e imputando aos seus sócios ou administradores, se estes agirem com abuso, seja por desvio de finalidade ou confusão patrimonial.

          Cumpre observar também, que existem duas teorias de desconsideração da personalidade jurídica, a Teoria Maior e a Teoria Menor.

        

Na Teoria Menor, apenas decorre da insolvência do devedor para com os credores, indiferentemente de se analisar quanto aos fatores que ensejaram a sociedade a deixar de se obrigar perante terceiros.  

Esta teoria é comumente empregada em casos de  insolvência ou falência da pessoa jurídica, danos ambientais e nas relações de consumo. Basta o prejuízo para caracterizar como Teoria Menor.

A base jurídica da Teoria Menor possui previsão no art. 28, § 5° do Código de Defesa do Consumidor e o art. 4° da Lei n. 9.605/1998.

A Teoria Maior se caracteriza quando se provado o desvio de finalidade da pessoa jurídica ou confusão patrimonial. Podemos citar o art. 50 do Código de Civil de 2002, que prescreve:

Art. 50. Em caso de abuso de personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações seja estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

Nesta Teoria acima descrita, o abuso de personalidade jurídica se perfaz quando houver o desvio de finalidade ou confusão patrimonial, sendo suficiente um dos dois elementos para a sua aplicação, ou seja, não são requisitos cumulativos.

 

Sobre os efeitos da aplicação da desconsideração da personalidade jurídica

 

De fato, seja qual for a Teoria aplicada com sua respectiva legislação, seguramente, não afeta a personalidade da pessoa jurídica, mas sim, os efeitos patrimoniais da personalidade, especialmente o princípio da autonomia patrimonial que protege o patrimônio das pessoas naturais que integram ou administram a pessoa jurídica, afastando-a de forma temporária em decorrência da fraude.

A partir desta perspectiva surge uma indagação, afinal: Todos os sócios e administradores são atingidos pela desconsideração da personalidade jurídica?

A interpretação do art. 50, caput, do Código Civil de 2002, que somente os bens particulares de administradores e sócios que abusaram da personalidade jurídica, cabendo quem alega comprova-los.

Conforme o Enunciado 07, da Jornada de Direito Civil: Só se aplica a desconsideração da personalidade jurídica quando houver a prática de ato irregular e, limitadamente, aos administradores ou sócios que nela hajam incorrido[1].

Desta forma, apresentados os apontamentos iniciais sobre a desconsideração da personalidade jurídica, podemos adentrar ao presente tema proposto com base nas decisões dos Tribunais.

         É preciso compreender que, a atuação irregular pelas empresas que poderá ensejar numa aparente fraude e a consequência será a desconsideração da personalidade jurídica com único objetivo de evitar que os consumidores que adquiriram as Criptmoedas (Bitcoins) não fiquem sem reaver sobre os valores pagos,  justamente para preservar o patromônio daquele que foi lesado e apontando a responsabilização do sócio ou administrador que promoveu a referida fraude.

         Podemos citar, por exemplo, na hipótese do consumidor não conseguir mais o acesso da plataforma ou sistema online que constam as informações da cripmoeda adquirida e para fim de preservar o patrimônio do consumidor, coube por bem desconsiderar a personalidade jurídica e bloquear os bens dos sócios e administradores da empresa, conforme já decidiu o Tribunal de Justiça do Paraná em julgado recente[2].

         Perceba que, neste caso não se aplica a teoria maior, mas sim a teoria menor, levando-se em consideração a inexistência de patrimônio suficiente para garantir  o cumprimento das obrigações da pessoa jurídica, sendo irrelevante a caracterização do abuso por parte dos sócios e administradores.

         A fundamentação jurídica para aplicação da teoria menor a consequente desconsideração da personalidade jurídica possui previsão nos artigos 28, parágrafo 5º, do Código de Defesa do Consumidor, e 4º da Lei dos Crimes Ambientais (Lei 9.605/1998).

         Além disso, existem inúmeras empresas que prestam serviços de intermediação na compra e venda de criptomoeda, mediante remuneração, a destinatário final. Logo, a consequência será aplicar a integralidade do Código de Defesa do Consumidor.

         Noutro ponto prático é a pessoa lesada registrar um boletim de ocorrência ou mover uma ação de natureza criminal se, de fato houver indícios de pirâmide financeira da empresa de investimentos ou intermediação, pois, pode trazer um peso ainda maior na decisão do juiz cível em relação ao ressarcimento dos valores e a desconsideração da personalidade jurídica.

         Interessante leitura de um julgado recente do Tribunal de Justiça de São Paulo, retratando bem a realidade de uma pessoa que não conseguiu resgatar os valores de bitcoins retidos pela empresa que teve que promover uma ação judicial para ser ressarcido e durante ao processo o juiz desconsiderou a personalidade jurídica como forma de trazer maior efetividade na referida devolução em favor do consumidor. Vejamos:

 

RECURSO – APELAÇÃO CÍVEL – GESTÃO DE NEGÓCIOS – AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL CUMULADA COM DEVOLUÇÃO DE VALORES E DESCONSIDERAÇÃO DE PERSONALIDADE JURÍDICA. Justiça gratuita pleiteada pelos requeridos apelantes. Demandados que comprovam a insuficiência de recursos, enquanto que o recolhimento de custas possui o condão de prejudicar sua própria subsistência. Concessão. Possibilidade. Acolhimento do pleito da conceder ao requerente os benefícios da gratuidade processual RECURSO – APELAÇÃO CÍVEL – GESTÃO DE NEGÓCIOS – AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL CUMULADA COM DEVOLUÇÃO DE VALORES E DESCONSIDERAÇÃO DE PERSONALIDADE JURÍDICA – MATERIA PRELIMINAR. Cerceamento de defesa. Inocorrência. Não se constatada o cerceamento de defesa alegado. Há nos autos prova suficiente para deslinde da causa, o que dispensa a produção de qualquer outra. Matéria preliminar afastada. RECURSO – APELAÇÃO CÍVEL – GESTÃO DE NEGÓCIOS – AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL CUMULADA COM DEVOLUÇÃO DE VALORES E DESCONSIDERAÇÃO DE PERSONALIDADE JURÍDICA - MERITO. Investimentos em bitcoins. Incidência do Código de Defesa do Consumidor ao presente caso. Desconsideração da personalidade jurídica acertada, eis que existente obstáculo ao ressarcimento do prejuízo suportado pelo consumidor. Rescisão do pacto firmado entre as partes e devolução do valor pertencente ao autor. Possibilidade. Descumprimento contratual por parte das requeridas devidamente demonstrado. Ação julgada parcialmente procedente. Sentença mantida. Recurso de apelação dos requeridos não provido, majorada a verba sucumbencial com base no artigo 85, parágrafo 11, do Código de Processo Civil.

 

(TJ-SP - AC: 10087191920208260562 SP 1008719-19.2020.8.26.0562, Relator: Marcondes D'Angelo, Data de Julgamento: 13/09/2021, 25ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 13/09/2021)

         Em síntese, o instrumento da desconsideração da personalidade jurídica nos casos relacionados a crimes de pirâmide financeira e de empresas de criptomoedas são suficientes para preservação do patrimônio de pessoas lesadas.

A finalidade é evitar que os sócios e administradores resgatem todos os valores recebidos indevidamente e transfiram para pessoas físicas e não deixando que tais pessoas fiquem “a ver navios”, ou, na melhor das expressões, “ganhou, mas não levou!”.

 E, fatalmente, se assim não fosse, empobreceria o sistema de efetividade da Justiça em desfavor dos vulneráveis da relação consumerista, bem como, possibilitando que utilizem “laranjas” ou “testas de ferro”, nos contratos sociais, caracterizados estes meros administradores formais encobrindo os verdadeiros sócios e administradores de responsabilização.

 



[2] TJ-PR - AI: 00703101520208160000 Curitiba 0070310-15.2020.8.16.0000 (Acórdão), Relator: Denise Kruger Pereira, Data de Julgamento: 14/02/2022, 18ª Câmara Cível, Data de Publicação: 15/02/2022

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