A cura que
afirma diz ter está em um determinado produto ou objeto (preferimos escrever desta forma para se evitar qualquer comparação
midiática), cabendo aos seus fiéis ou seguidores comprarem para que pudesse
ficar imune a doença mencionada.
Diante da
situação apresentada, indaga-se, incorreu em qual crime, à luz do Código Penal
Brasileiro?
Existem as
possiblidades mais comuns que podemos aplicar ao caso hipotético, como, o Charlatanismo (art. 283, CP), Estelionato (art. 171, CP) e ainda existe a possibilidade de concurso
formal, elegendo entre os dois crimes mencionados. Assim, faremos uma
análise de cada um dos crimes, conforme suas estruturas para fins de estudo.
De acordo com
o artigo 283 do Código Penal, o charlatanismo
é a prática de Inculcar ou anunciar cura por
meio secreto ou infalível. A pena é de detenção, de 3 meses a 1 ano, além
de multa.
Trata-se de um
crime que se tutela a saúde coletiva, assim como aqueles que estejam diretamente
atingidos pelo ato de fraude e deverão estar presentes as seguintes condutas:
·
Inculcar que significa apregoar, propor,
indicar, recomendar.
·
Anunciar é ato de divulgação, podendo ser por meu
secreto ou infalível a cura de uma doença.
·
Os meios empregados para recomendar ou anunciar
a cura, podendo ser por jornais, revistas, cartazes, televisão, rádio, ou por
qualquer outro meio de comunicação, inclusive por meio de aplicativo e redes
sociais, como whatsApp, zoom, Messenger, Facebook,
Instagram, etc.
Ademais, o crime se consuma com a conduta de inculcar
ou de anunciar a cura e, por se tratar de um crime de perigo abstrato não
há a necessidade que alguém venha comprar determinado objeto ofertado pelo
criminoso, como por exemplo, um suco milagroso que deixa imune a qualquer tipo
de vírus.
E se alguém efetivamente
pagasse por determinado produto indicado? Neste caso, pode se afirmar que houve
uma fraude, no qual o sujeito emprega o charlatanismo como meio para se buscar
o resultado esperado, ou seja, buscar uma vantagem indevida em face da vítima.
Neste caso, pode
se afirmar que o crime de charlatanismo sendo uma conduta meio, o crime de
estelionato deverá ser caracterizado em sua integralidade, por se tratar de
conduta fim, aplicando-se o artigo 171, do Código Penal[1].
Por outro
lado, há quem defenda a tese de aplicação dos dois crimes em comento por se
tratarem de condutas autônomas, ou seja, o sujeito pratica o charlatanismo e ao
mesmo tempo o estelionato.
Com o devido
respeito aos que entendem que são condutas autônomas devendo aplica-las
concomitantemente, é importante frisar que, quando se tratar de crime mais
gravoso, a conduta fim consome a conduta meio, ou seja, pois o sujeito se
utiliza meio fraudulento para obter um proveito ilícito, deve-se aplicar o
crime de estelionato em sua integralidade em consonância ao artigo 70 do Código
Penal.
Desta
forma, se houver prejuízo relacionado ao patrimônio a vítima em decorrência do
charlatanismo (crime meio) e estando presentes os elementos indicativos de
conduta previstos no artigo 171, do CP, entendemos ser aplicado o crime de
estelionato em sua integralidade, ao passo que, não estando presente nenhum prejuízo
específico, como por exemplo, a compra expressiva de produtos que curam, mas
apenas existe o ato de propalar a cura por
meio secreto ou infalível, logo, o crime de charlatanismo estará por
caracterizado.
Noutro
ponto importante diz respeito quanto a prática judiciária do crime de
estelionato, pois conforme a alteração legislativa com o Pacote Anticrime (Lei
n. 13.964/19), a vítima provocar por meio da tutela jurisdicional, tornando-se
de crime de ação penal mediante representação (art. 171, § 5º, do CP),
portanto, a vítima terá que constituir um advogado ou mesmo assistindo por defensor público, desde que preenchidos os
requisitos em lei, para que promova ação penal contra o autor do crime.
Entretanto, a
modificação legislativa estabelece de forma excepcional que não haverá a
necessidade de promover ação penal privada, podendo ser promovida por meio de ação
penal pública incondicionada representada pelo Ministério Público, se a vítima
for:
1)
Administração Pública, direta ou indireta;
2) Criança ou
adolescente;
3) Pessoa com
deficiência mental; ou
4) Maior de 70
(setenta) anos de idade ou incapaz.