Seria oportuno
e adequado trazer a lume inovações no cenário penal e processual penal. Cada
vez mais estamos por respirar tais inovações inseridas pelo Pacote Anticrime
promovida pela Lei 13.964/2019 que, via de consequência, todo e qualquer tipo
de reflexão, quanto aos contornos práticos pode robustecer a tese de sua
efetividade no aspecto social.
Por obviedade,
a inserção do acordo de não persecução penal não é tão novidade assim, tendo em
vista as resoluções 181/2017 e 183/2018, do Conselho Nacional do Ministério
Público, mas, o critério essencial do referido instituto diz respeito apenas a
normatização do rito e dos procedimentos a serem aplicados na prática.
O artigo 28-A
do Código de Processo Penal estabelece que:
“não
sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado forma e
circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e
com pena mínima inferior a quatro anos, o Ministério Público poderá propor
acordo de não persecução penal”.
Se observarmos
com um senso crítico, podemos vislumbrar a ausência de uma Política Criminal
direta, visto que se deveria estimular para combate ao crime, empregando meios muito
mais eficazes para tanto.
Reservamos
observar também que, por outro lado, os acordos penais trazem consigo uma
amenização econômica ao Estado, pois, ao invés de continuar com o processo
penal, condenar o individuo e mantendo encarcerado, preferiu o Estado (em
sentido amplo) economizar seu erário.
Por certo, a
Justiça Penal Negociada é uma estratégia válida e de alcance imediato de
despenalização, tendo em vista que não haverá sua continuidade ao caráter
punitivo, desde que preenchidas as condições estabelecidas no artigo 28-A do
Código de Processo Penal.
Podemos citar
diversos exemplos de crimes que podem ser aplicados na prática, quanto ao
acordo de não persecução penal, como: furto, dano, apropriação indébita,
estelionato, receptação, moeda falsa, falsidade ideológica, peculato,
concussão, corrupção passiva e ativa, descaminho, crimes licitatórios,
tributários, crimes contra o sistema financeiro nacional, crime de lavagem de
dinheiro e crime de organização criminosa.
Quantos aos
requisitos para a concessão do acordo de não persecução penal estabelecido no
art. 28-A, do CPP, serão condicionantes especificas sendo ajustadas de forma alternativa e cumulativa, portanto, caberão às partes interessadas no acordo
realizar uma espécie de “check list”
para seu devido preenchimento de tais requisitos, conforme análise do juiz, que
homologará o acordo.
Assim temos os
seguintes requisitos previstos em lei, como:
a) Reparar o dano ou restituir a coisa à
vítima, salvo se houver a impossibilidade de fazê-lo:
Citamos um
exemplo típico, um crime tributário que o sujeito confessa o crime e ainda
efetua o pagamento dos valores, ainda que de forma fracionada com o
parcelamento do débito perante o órgão tributante competente.
No entanto, há
situações em que a reparação do dano ou mesmo a restituição da coisa à vítima
torna-se impossível, no entanto, não significa que o critério de reparação possa
ser empecilho ao acordo, desde que a parte interessada consiga provar a referida
impossibilidade de reparação.
b) Renunciar voluntariamente a bens e direitos
indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do
crime:
Interessante
observação se deve pela harmonização da condição anterior referente à reparação
do dano, sendo que a renuncia voluntária a bens e direitos ficam a cargo do
Ministério Público indicar nos termos do acordo que, em verdade, seria um ato
de “abrir mão” dos bens e direitos
provenientes do crime, entretanto, não significa que estes sejam de forma
voluntária e até gera estranheza a questão de “renunciar voluntariamente”, pois
se o individuo não fizer, de modo algum será beneficiado pelo acordo.
c) Prestar serviço à comunidade ou entidades
públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito diminuída de
um a dois terços, em local a ser indicado pelo juízo da execução, na forma do
art. 46 do Código Penal:
Realmente, o
texto legal é claro no sentido que, o individuo beneficiado pelo acordo de não
persecução penal deverá prestar serviço comunitário ou de entidades públicas
pelo período da pena mínima do crime acometido, sendo reduzida de um dois
terços, em local indicado pelo juiz de execuções.
Por exemplo, a
pena mínima será de um ano referente ao crime específico, logo, a prestação de
serviço à comunidade será reduzida de um terço, correspondente a 121,66 dias e
se for um ano bissexto será 122 dias.
d) Pagar prestação pecuniária, a ser
estipulada no artigo 45 do Código Penal, a entidade pública ou de interesse
social, a ser indicada pelo juízo da execução, que tenha, preferencialmente,
como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes ao aparentemente
lesados pelo delito:
É necessário
observarmos que, a alteração legislativa absorve mais funções do juiz de
execução penal, visto que poderá escolher o destino dos valores inerentes à
prestação pecuniária da entidade pública ou de interesse social. Ademais,
menciona a alteração legislativa que deverá seguir em consonância ao disposto
no artigo 45 do CP, no qual estabelece que a importância fixada não poderá ser
inferior a um salário mínimo, nem superior a 360 salários mínimos, sendo que o
valor pago será deduzido do montante de eventual condenação em ação de
reparação civil.
e) Cumprir, por prazo determinado, outra condição
indicada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a
infração imputada:
A crítica que
se faz sobre esta alteração legislativa diz respeito especialmente uma margem
ampla de atuação do Ministério Público, ao passo que, na prática será necessária
à observância do princípio da legalidade estrita ou cerrada, ou seja, não
poderá de modo algum haver uma interpretação ampliativa do alcance normativo,
por se tratar de norma penal, ainda que a norma traga em seu espírito esta
vontade.
Além do mais,
qualquer outra condição indicada pelo Ministério Público deverá passar ao crivo
do juiz que poderá rejeitar a homologação judicial do acordo de não persecução
penal se considerar determinada condição inadequada, insuficiente ou abusiva,
no qual serão devolvidos os autos ao MP para que seja reformulada a proposta de
acordo, com a concordância do investigado e seu defensor (art. 28-A, § 5°, do
CPP).
Importante observarmos
que, a alteração legislativa trouxe quatro hipóteses taxativas que não se
aplica o acordo de não persecução penal (art. 28-A, § 2°, do CPP). Vejamos tais
situações com breves comentários:
I)
Em casos
de transação penal perante os Juizados Especiais Criminais, conforme a Lei
9.099/95:
Por tratar se de lei especial e de rito distinto, por
questão lógica é inaplicável o acordo de não persecução criminal;
II)
Quando
o investigado for reincidente ou se houver elementos probatórios que indique
condita criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se insignificantes
as infrações penais pretéritas:
Teceremos
algumas considerações.
Primeiramente,
a alteração legislativa nada diz respeito se o beneficiado for reincidente por
crime especifico ou reincidente por qualquer crime, de forma genérica. Assim,
aplicam-se as regras regrais contidas no artigo 63 do Código Penal: “verifica-se reincidência quando o agente
comente novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que no País ou no
estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior”
Desta
forma, temos os seguintes requisitos para que seja considerada a reincidência:
1) Prática
de crime anterior, no Brasil ou no exterior, independentemente se crime doloso,
culposo, tentado ou consumado;
2) Transito
em julgado de sentença penal condenatória.
3) Cometimento
de nova infração penal.
Interessante
pontuarmos que, a pena imposta ao crime cometido anterior não haverá a interferência
direta na reincidência, ou seja, considerará pena privativa de liberdade,
restritiva de direito, assim como, a pena de multa.
Por certo, a
reincidência tem efeitos temporários não devendo prevalecer a condenação
anterior, se entra a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração
posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado
o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer a
revogação (art. 64, I, CP). Por exemplo: em 2005, Tibúrcio é condenado de forma
definitiva pelo crime de homicídio ao cumprimento de pena de 10 anos de
reclusão, sendo que em 2015 teve seu integral cumprimento de pena. Em 2020,
pratica novo delito, não podendo o juiz reconhecer a reincidência, no entanto,
poderá servir como maus antecedentes numa eventual condenação[1].
Feitas tais
considerações, pode ser afirmar que, não será beneficiado do acordo de não
persecução penal aquele que for reincidente.
No tocante da
inaplicabilidade de não aplicação de acordo em casos que houver elementos de prova que indiquem a conduta criminal habitual,
reiterada ou profissional, devemos atentar que, na prática, levará a tais
elementos para o subjetivismo institucional permitindo ao Ministério Público
recusar-se de ofertar ou mesmo aceitar o acordo de não persecução penal, pois
os indicativos de provas de conduta criminal deverão apontar ou não a tais
critérios e que a recusa do acordo advenha por meio de fundamentação do MP,
assim como, todas as provas robustas de que o individuo pratique determinada
atividade criminosa de forma habitual, reiterada ou profissional e que, via de consequência,
será ofertada a denuncia nos autos, haja vista os indícios de autoria e
materialidade.
Imagine-se
que todos os requisitos foram devidamente preenchidos para o acordo de não
persecução penal, no entanto, devido a pratica criminosa reiterada (não sendo
considerada reincidência), o Ministério Público descobre por meio de provas que
determinado individuo sempre vendeu produtos proveniente do crime, inclusive
tem uma loja virtual e física, mas nunca respondeu pelo crime de receptação
(art. 180, CP). Logo, o Ministério Público deverá ofertar a denuncia e recusar
o acordo, mas que o individuo não seja reincidente.
III)
Não
haverá aplicação do acordo de não persecução penal, quando o agente for
beneficiado nos 5 (cinco) anos anteriores ao cometimento da infração, em acordo
de não persecução penal
Por certo, não
se trata de reincidente ou mesmo esteja praticando qualquer conduta criminosa,
mas, a legislação coube por estabelecer um lapso temporal de cinco anos com a
finalidade única do individuo beneficiar-se dos institutos penais quando assim
bem entender, de modo que, aqueles criminosos tidos como contumazes não possam
se beneficiar do acordo.
IV)
Não
haverá aplicação do acordo de não persecução penal, nos crimes praticados no
âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticados contra a mulher por
razões da condição do sexo feminino, em favor do agressor.
Note-se que a
alteração legislativa referente especialmente, ao crivo de proteção social
aludindo que ninguém passará “a mão na cabeça” daqueles que praticarem violência
domestica ou familiar, inclusive, em sua razão de ser, são direitos tidos
indisponíveis no tocante a proteção à família.
No entanto,
restou claro mais uma norma jurídica de proteção ao gênero feminino em face
daqueles que assim agridem, levando a entender que, deverão ser aplicados os
aspectos de punibilidade de forma seletiva, como ocorre no crime de feminicidio
e também, sua aplicação integral a Lei Maria da Penha.
Neste sentido,
a vedação de acordo nestes casos, sem sombra de dúvidas, que restou evidente o
amparo e o tratamento material, sob o tecido social.
Do Processo e Procedimentos do acordo de
não persecução penal
O primeiro
critério necessário alude-se como premissa ao princípio da formalidade, ou
seja, o acordo de não persecução penal será formalizado por escrito e
posteriormente, será firmado pelo Ministério Público, pelo investigado e por
seu defensor (§3°, art. 28-A, CPP). É evidente também quanto à presença do
princípio da voluntariedade, visto que a parte interessada também terá que
manifestar-se de forma expressa ao requerer e a assinar o acordo, ainda que com
a presença técnica de seu defensor. Veja que, é necessária a presença do
defensor (advogado em sentido amplo, visto que temos advogados públicos e
particulares) e a sua ausência poderá gerar a nulidade do ato, assim como o
membro do Ministério Público.
Posteriormente,
formalizado o acordo, será realizada audiência homologatória, no qual o juiz
deverá verificar que tal ato foi de forma voluntária, ou seja, sem nenhum vício
de consentimento. Ademais, o juiz ouvirá o investigado na presença de seu
defensor (advogado) e, observará se o acordo está conforme a lei (§4°, art.
28-A, CPP).
Homologado o
acordo, o juiz remeterá os autos ao Ministério Público para que se inicie sua
execução perante o juízo de execução penal (§6, art. 28-A, CPP). Em verdade,
traz certa estranheza que a legislação traga este rito ao devolver os autos para
o MP, como se o órgão fosse o responsável para o cumprimento da execução penal,
sendo que a fase de execução penal é pertencente à tutela jurisdicional,
inclusive não cabe ao MP por ato discricionário fazer cumprir com o acordo ou
não, sendo ato devidamente delineado, vinculado e precedido por etapas. Portanto,
não haveria sentido o juiz encaminhar os autos para o MP, ao menos que nesta
fase de cumprimento do acordo assuma o real papel de fiscal do acordo
celebrado.
Noutro
interessante ponto na fase de acordo de não persecução penal, diz respeito do
ato do juiz que deverá utilizar-se em critérios previstos em lei, por ato
vinculado, e devolver os autos ao Ministério Público quando entender que o
acordo for inadequado, insuficiente ou impondo condições abusivas em face do
beneficiado (§ 5°, art. 28-A, CPP). Ao que parece, a função do juiz na
homologação é buscar um equilíbrio no acordo entre o MP e o beneficiado,
inclusive, diante da recusa da homologação do acordo por ato do juiz, também
devolvidos os autos para o MP, no qual terá que analisar se complementa as
investigações ou mesmo oferecerá a denuncia (§8°, art. 28-A, CPP).
Devido ao
princípio da transparência, a vítima será intimada, tanto na homologação do
acordo, quanto ao descumprimento (§ 9° art. 28-A, CPP). Na prática, pessoas jurídicas
de direito público e privado também deverão ser intimadas por meio de seu
representante legal, aplicando-se subsidiariamente as regras contidas no Código
de Processo Civil, visto que é parte interessada no acordo ou descumprimento.
No tocante ao
cumprimento e descumprimento do acordo, temos as seguintes regras. Em caso de
descumprimento de qualquer das condições estabelecidas, o Ministério Público se
manifestará nos autos justificando a rescisão do acordo celebrado e oferecerá a
denuncia, dando impulso ao processo (§ 10° art. 28-A, CPP).
O
descumprimento poderá ser utilizado pelo MP como justificativa para eventual não
oferecimento da suspensão condicional do processo (§ 11° art. 28-A, CPP).
Nos termos do art.
89 da Lei nº 9.099/1995, o sursis
processual aplica-se aos crimes – sejam de menor potencial ofensivo ou não
e também contravenções penais, cuja pena mínima cominada for igual ou inferior
a um ano, desde que o acusado não esteja sendo processado por outro crime ou
não tenha sido condenado por outro crime. Percebe-se neste aspecto que há conflito
normativo, tendo em vista que, o sursis envolve a análise de aspectos
subjetivos da personalidade do acusado, especialmente quanto à culpabilidade,
antecedentes, conduta social e personalidade do agente, assim como os motivos e
as circunstâncias do delito, que poderão envolver diretamente no oferecimento
ou não do sursis. Portanto, o simples descumprimento do acordo de não
persecução penal de modo algum poderia envolver aos aspectos relacionados à
suspensão condicional do processo, devido a requisitos específicos deste
instituto, no qual devem obrigatoriamente ser analisados perante o caso
concreto.
Se o
Ministério Público recusar a propor o acordo de não persecução penal, o
investigado poderá encaminhará os autos para a instância de revisão ministerial
para fins de homologação (artigos 28 e 28-A, § 13° CPP).
Por
derradeiro, se cumpridas todas as condições previstas no acordo de não
persecução penal, o juízo competente (Vara de Execuções Penais) decretará a
extinção da punibilidade (§ 13° art. 28-A, CPP), sendo que a celebração e o
cumprimento do acordo não constarão na certidão de antecedentes criminais, ao
menos que o agente tenha sido beneficiado nos cinco anos anteriores ao cometimento
da infração, em acordo, transação penal ou suspensão condicional do processo (art.
28-A, III, § 2°, CPP).