Concursos Públicos • Atualizado em 2025
Cotas raciais e banca de heteroidentificação em concursos: regras, defesa e jurisprudência
1) O que mudou com a Lei 15.142/2025 (âmbito federal)
Percentual
30% das vagas em concursos e seleções temporárias da Administração Pública Federal (direta, autárquica, fundacional, empresas públicas e sociedades de economia mista federais) passam a ser reservadas. O modelo anterior (Lei 12.990/2014) previa 20% e prazo de 10 anos.
Quem abrange
A lei alcança pessoas negras (pretas e pardas), indígenas e quilombolas, com regras próprias de validação (heteroidentificação/validação pelos órgãos), além do direito de concorrer, simultaneamente, na ampla concorrência.
Outros pontos
- Prevê mecanismos de aferição, comissão recursal e transparência;
- Revoga a Lei 12.990/2014 para o âmbito federal;
- Estados/municípios podem manter normas próprias; muitos tendem a replicar o modelo federal.
Dica prática: sempre confira o edital (o detalhe procedimental mora nele) e atos internos do órgão (portarias de bancas e manuais de aferição).
2) Banca de heteroidentificação: como é e o que esperar
- Critério fenotípico (como a pessoa se apresenta socialmente): cor/tonalidade de pele, textura do cabelo, traços faciais, entre outros. Ascendência genética não é objeto de verificação.
- Comissão avaliadora com membros capacitados e diversidade. Em regra, há comissão recursal independente.
- Registro da sessão: prática de gravação audiovisual e ata circunstanciada, com parecer fundamentado — elementos essenciais para o contraditório.
- Motivação individualizada: o resultado deve indicar de modo claro por que os traços não foram reconhecidos, quando for o caso.
- Direito de recurso, com acesso aos registros (vídeo/ata), no prazo do edital. Persistindo ilegalidade, cabe via judicial.
Atenção: entrevistas invasivas, exigência de “provas” de ancestralidade, fotos antigas ou exposição constrangedora não se coadunam com o modelo fenotípico e com a dignidade do candidato.
3) O que pode e o que não pode a banca exigir/fazer
Prática | Compatível | Observações |
---|---|---|
Avaliar fenótipo do candidato em sessão própria | Sim | Alinhado ao entendimento dos Tribunais Superiores; exigir motivação. |
Gravar a sessão (áudio/vídeo) e lavrar ata | Sim | Boa prática e respaldo normativo no Judiciário; facilita o recurso e o controle judicial. |
Exigir exame de DNA/árvore genealógica | Não | Critério é fenotípico, não genotípico. |
Indeferir com frases genéricas (“traços não compatíveis”) | Não | Necessária motivação específica (quais traços observados e por quê). |
Impedir o candidato cotista de disputar a ampla concorrência | Não | A inscrição como cotista não limita a concorrência geral (regra de dupla lista). |
4) Jurisprudência essencial e teses de defesa
Constitucionalidade das cotas em concursos
O STF reconheceu a constitucionalidade da política de cotas nos concursos públicos federais (Lei 12.990/2014), servindo de base para as políticas atuais. A nova Lei 15.142/2025 ampliou e atualizou o modelo no âmbito federal.
Critério fenotípico e heteroidentificação
- STJ consolidou que a aferição é fenotípica e que a Administração pode instituir banca de heteroidentificação, com respeito ao devido processo (motivação, recurso, transparência).
- Exigência de motivação detalhada (não basta “traços não condizentes”).
- Participação simultânea do cotista na ampla concorrência (dupla listagem).
Gravação, ata e acesso ao material
Recomenda-se (e em alguns órgãos do Judiciário já se exige) registro audiovisual e ata pormenorizada, com disponibilização ao candidato para exercício do recurso e controle judicial.
Quando os Tribunais anulam a reprovação
- Falta de fundamentação individualizada;
- Comissão recursal composta sem independência ou com checklist opaco;
- Violação ao contraditório (sem acesso à ata/vídeo);
- Aplicação de critérios alheios ao fenótipo (ascendência, passado escolar, etc.).
5) Passo a passo prático de defesa
- Antes da sessão: leia o edital e portarias da banca; organize documentos pessoais; evite maquiagem/iluminação que alterem a percepção do fenótipo.
- Durante: confirme seus dados; peça que conste em ata eventual intercorrência; mantenha postura serena.
- Após o resultado: solicite cópia da ata e do vídeo; anote prazos; peça vista do processo administrativo quando cabível.
- Recurso administrativo: aponte item a item as falhas (ex.: ausência de motivação; termos genéricos; divergência entre avaliadores; critérios extra-fenotípicos). Junte fotos atuais padronizadas e, se for o caso, declarações idôneas de identificação social.
- Judicialização (se necessário): em geral via mandado de segurança com pedido de tutela de urgência, especialmente para prosseguir no certame. Foque em: (i) violação ao devido processo/motivação; (ii) afronta ao critério fenotípico; (iii) negativa injustificada de acesso à gravação/ata.
Boas práticas probatórias: prints do sistema; protocolo de pedidos; e-mails oficiais; link para o edital; portarias que regulam a banca; cópia do vídeo (ou comprovante de negativa).
6) FAQ rápido
Sou cotista. Disputo também a ampla concorrência?
Sim. Você concorre nas duas listas; a reserva não impede a classificação geral.
Podem negar o acesso ao vídeo?
Não é recomendável. Transparência e contraditório pedem acesso ao registro (vídeo/ata). Negativa costuma ser questionável.
A banca pode exigir DNA?
Não. O parâmetro é fenotípico, não genético ou de ascendência.
Reprovei. O que anularia o indeferimento?
Motivação genérica, critérios alheios ao fenótipo, violação ao contraditório/acesso ao vídeo, comissão recursal não independente ou sem reavaliação efetiva.
7) Fontes e links úteis
- Lei 15.142/2025 (federal): notícia oficial do governo e tramitação do veto; reserva de 30% a negros, indígenas e quilombolas; revoga Lei 12.990/2014.
- CNJ – Resolução 541/2023 e alterações: institui política de cotas no Poder Judiciário, com regras de heteroidentificação, comissão recursal e menção expressa à filmagem do procedimento (art. 14).
- STJ – Panorama jurisprudencial (2025): consolida entendimentos sobre critério fenotípico, motivação e ampla concorrência; cita vários REsp/RMS.
- STF – Base de constitucionalidade: julgados que afirmam a legitimidade de políticas afirmativas em seleções públicas, fundamento histórico da política de cotas em concursos.
- Guias/boas práticas administrativas: materiais técnicos sobre heteroidentificação, contraditório e transparência em concursos.
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