07/05/2020

Justiça entende que é devida a contribuição do mês da morte do segurado no cálculo da pensão


​A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou acórdão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) para assegurar, no cálculo do valor inicial de uma pensão por morte, o salário de contribuição relativo ao mês de falecimento do trabalhador – que fez uma única contribuição ao INSS, pois morreu no mês inicial de sua atividade laboral.

Na decisão, o colegiado considerou a redação original do artigo 75 da Lei 8.213/1991, que fixava o valor mensal da pensão em 100% da aposentadoria que o segurado recebia ou daquela a que teria direito se estivesse aposentado por invalidez na data do óbito.

O segurado foi vítima de acidente de trabalho em outubro de 1998. Seu único vínculo empregatício ocorreu entre 1º e 23 de outubro, com incidência de apenas uma contribuição previdenciária, relativa a esse mês, no valor de R$ 367,07.

O TRF3, considerando que o segurado não tinha nenhuma contribuição nos 48 meses que antecederam o óbito, determinou o cálculo da pensão com base no salário mínimo. Para o tribunal, não seria possível considerar o salário de contribuição do mês da morte no cálculo da renda mensal inicial da pensão, pois só poderiam ser utilizadas as contribuições efetivamente recolhidas até o momento imediatamente anterior ao afastamento da atividade, que se deu com o óbito.

Compet​ência

O relator do recurso especial, ministro Napoleão Nunes Maia Filho, lembrou que a pensão por morte é regulada pela legislação vigente no momento do falecimento do segurado.

Ele destacou que o artigo 29 da Lei 8.213/1991, com a redação vigente naquela época, previa que o benefício fosse calculado a partir da média aritmética simples dos últimos salários de contribuição dos meses imediatamente anteriores ao do afastamento da atividade – até o máximo de 36, apurados em período não superior a 48 meses.

Segundo o ministro, ao limitar o cálculo da pensão aos salários de contribuição referentes ao período imediatamente anterior ao afastamento do trabalhador, a lei não determinou que essa limitação ocorresse até a competência anterior ao afastamento, "sendo certo que o recolhimento da contribuição sempre se dará no mês posterior ao exercício da atividade".

Para Napoleão Nunes Maia Filho, "se o óbito do trabalhador aconteceu em outubro, este é o mês que antecede seu afastamento, este é o período imediatamente anterior ao seu afastamento", e, por isso, "o cálculo do benefício deve utilizar o salário de contribuição referente ao mês de outubro de 1998, ainda que o recolhimento a tal competência só tenha se efetivado após o óbito".

Contr​​apartida

Ainda de acordo com o relator, considerando que o sistema previdenciário é contributivo, baseado no princípio da contrapartida, a morte do segurado não exime o empregador de recolher a contribuição devida no mês subsequente. Pela mesma razão, ressaltou, não haveria sentido em desconsiderar a contribuição recolhida por ser correspondente ao mês do falecimento.

A tese adotada pelo tribunal de segunda instância – acrescentou o ministro – corresponderia a afirmar que não se pode incluir no cálculo da aposentadoria o valor da última contribuição do segurado. Mais ainda: "Se levada a cabo a tese defendida pelo tribunal, nem mesmo se poderia admitir a qualidade de segurado do instituidor da pensão, vez que não tinha qualquer contribuição".

Para o relator, é forçoso reconhecer que, havendo a morte do segurado na vigência da legislação anterior, o cálculo do benefício deve seguir seus termos, abrangendo todas as contribuições no período limite de 48 meses e "incluindo neste cálculo a última contribuição paga, referente ao mês do óbito".

Leia o acórdão.

REsp 1577666

Fonte: STJ

A DEMORA INJUSTIFICADA NA RESPOSTA DO INSS

Pouco importa que momentos fossem, como de crises emergenciais como a Covid-19, ou mesmo situações de greve de servidores públicos, aquele que solicita qualquer pedido em face do INSS para a obtenção de seus direitos sempre sofre para a obtenção de uma resposta razoável.

Sem devaneios, questiona-se: O que pode ser feito diante de uma demora injustificada do INSS? Daremos uma resposta jurídica ao referido questionamento de forma objetiva sendo necessário observarmos a legislação em vigor, para que tenhamos uma breve noção do que realmente precisa ser feito, quanto aos direitos a serem preservados.

Vamos aos fatos. É sabido que o número crescente de pedidos nos últimos tempos de e poucos servidores públicos atuando no INSS, haja vista que em cinco anos o contingente de brasileiros com 60 anos ou mais aumentou 18,8%[1] e o excesso de trabalho pode ser que seja por conta que se passaram mais de cinco anos o último concurso público realizado para o preenchimento de vagas, ao passo que, no ano de 2019 o órgão contava com 22.613 cargos desocupados, assim como 3.362 servidores já estariam aposentados.

Em contrapartida, mesmo com dados estatísticos evidentes, quem realmente necessita de requerer determinado benefício de modo algum deverá ser punido e deixado à deriva, como de costume ocorre, pois, defender dados estatísticos por si só ou mesmo argumentos que justifiquem a morosidade vai de contramão com a Constituição Federal de 1988, as leis infraconstitucionais, assim como aos princípios jurídicos.

É injusto uma pessoa ter que esperar por meses e até anos por uma resposta, seja por deferimento ou indeferimento do pedido formulado?

Cumpre esclarecer que, o pedido formulado é um processo administrativo precedido por fases que, em resumo, podemos compreender tais fases (atos) como: a instauração, instrução, decisão, recursal e de cumprimento de decisão administrativa.

Neste sentido, foi necessário apresentar de forma sucinta todas as fases do processo administrativo, pois, é justamente na fase de decisão que o responsável pela resposta de determinado requerimento que deverá obedecer ao prazo de trinta dias, sendo que este prazo será prorrogável por igual período, desde que expressamente motivada, conforme estabelece o artigo 49 da Lei n. 9.784/99 (Lei do Processo Administrativo no âmbito da Administração Pública Federal).

 Ademais, não podemos nos esquecer de que nossa Constituição Federal de 1988 estabelece direitos como substantivos, subjetivos, procedimentais ou instrumentais e de caráter principio lógicos.

Quanto aos direitos substantivos, o artigo 6°, da CF/88 elenca como um direito social a previdência social, a proteção à maternidade e a assistência aos desamparados, assim como estabelece o artigo 201, da CF/88, referente às coberturas por incapacidade temporária ou permanente para o trabalho, a pensão por morte, auxílio-reclusão, salário-família, proteção à maternidade, especialmente à gestante.

Em relação aos direitos subjetivos, seguirá em decorrência do princípio da dignidade da pessoa humana (art. 5°, CF), dotado de valores de proteção à vida num todo. Citamos alguns exemplos práticos:

Ex.1. Um aposentado fadigado com seu trabalho exercido durante trinta e três anos na atividade urbana com carteira registrada, requerer o benefício perante o INSS com o objetivo de sua sobrevivência, de modo que a renda será em conformidade com a legislação em vigor.

Ex. 2. Uma pessoa de baixa renda e que não consegue retornar ao mercado de trabalho devido sua idade e que nunca contribuiu para o INSS, mas precisa de um benefício assistencial para a sua sobrevivência.

Ex. 3. Gravida de gêmeos terá que se afastar ao trabalho para dedicar-se nos cuidados de seus filhos. Poderíamos enumerar ainda mais de outros casos, no entanto, em tais casos práticos não há com que se esperar do INSS, pois, as pessoas realmente dependem do dinheiro do benefício para custear suas necessidades vitais, ao passo que, a demora excessiva caracteriza num profundo desrespeito violando a dignidade da pessoa humana.

Quanto aos aspectos instrumentais ou procedimentais, há garantias constitucionais aplicáveis ao Processo Administrativo Previdenciário, como a razoável duração do processo ou celeridade (art. 5°, Inciso LXXVIII, CF/88).

Conforme já mencionado, o artigo 49 da Lei n. 9.784/99 trata sobre o prazo para conclusão da decisão de um processo administrativo disciplinar em trinta dias, prorrogável por igual período, desde que houver justificativa.

Feitas breves considerações, podemos instigar o interesse quanto ao tema com um questionamento importante, afinal, ultrapassado o prazo de sessenta dias de conclusão do pedido, qual o caminho juridicamente a ser feito?

É certo que não há sequer uma fórmula ou novidade quanto ao caminho juridicamente adequado, visto que os Tribunais de todo o País enfrentam ao tema cotidianamente. No entanto, toda e qualquer informação é válida para quem realmente deseje ter seu direito resguardado.

Há alguns caminhos de natureza processual que será a solução, pois o interessado terá que promover uma medida judicial adequada em busca de seu direito.

O primeiro caminho é impetrar um Mandado de Segurança, por se tratar de um direito liquido e certo, conforme o disposto no artigo 5º, inciso LXIX, da Constituição Federal e o art. 1º da Lei 12.016 de 2009. O objetivo do Mandado de Segurança é claro, determinar que o INSS dê uma resposta ao requerimento formulado.

É preciso afirmar que, o direito de requerer Mandado de Segurança será de 120 (cento e vinte) dias, a contar da ciência, pelo interessado, do ato impugnado (art. 23, da Lei 12.016/09).

Desta forma, ultrapassado o período para impetração do Mandado de Segurança, o caminho seguinte será uma ação ordinária obrigando que INSS dê uma resposta ao Processo Administrativo, sendo possível cumular com o direito à indenização por danos morais, pois se tratar de ato ilícito na forma omissiva promovida pelo Poder Público, bem como, existe a possibilidade de se requerer também os danos materialmente sofridos, devendo ser observadas as provas a serem produzidas ao caso concreto.


[1] https://www.jornaldocomercio.com/_conteudo/2018/04/economia/624392-crescimento-da-populacao-de-idosos-acelera-no-brasil.html


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05/05/2020

Ação de ressarcimento ao erário baseada em decisão de Tribunal de Contas é prescritível

Por unanimidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu que é prescritível a ação de ressarcimento ao erário baseada em decisão de Tribunal de Contas. O entendimento se deu, em sessão virtual, no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 636886, com repercussão geral reconhecida (tema 899).

No caso concreto, Vanda Maria Menezes Barbosa, ex-presidente da Associação Cultural Zumbi, em Alagoas, deixou de prestar contas de recursos recebidos do Ministério da Cultura para aplicação no projeto Educar Quilombo. Por isso, o Tribunal de Contas da União (TCU) ordenou a restituição aos cofres públicos dos valores recebidos.
Com a não quitação do débito, a União propôs a execução de título executivo extrajudicial. O juízo de 1º grau reconheceu a ocorrência de prescrição e extinguiu o processo. O Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5) manteve a decisão.
Prescritibilidade
Segundo o relator do recurso, ministro Alexandre de Moraes, o STF concluiu, no julgamento do RE 852475, com repercussão geral (tema 897), que somente são imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário com base na prática de ato de improbidade administrativa doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992).
Ele apontou que, em relação aos demais atos ilícitos, inclusive àqueles não dolosos atentatórios à probidade da administração e aos anteriores à edição da norma, aplica-se o decidido pelo Supremo no RE 669069 (é prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil - tema de repercussão geral nº 666).
No caso sob análise, o relator disse que não ocorreu a imprescritibilidade, pois as decisões dos tribunais de contas que resultem imputação de débito ou multa têm eficácia de título executivo. Assim, é prescritível a pretensão de ressarcimento ao erário baseada nessas decisões, uma vez que a Corte de Contas, em momento algum, analisa a existência ou não de ato doloso de improbidade administrativa. Além disso, não há decisão judicial caracterizando a existência de ato ilícito doloso, inexistindo contraditório e ampla defesa plenos, pois não é possível ao acusado defender-se no sentido da ausência de elemento subjetivo (dolo ou culpa).
Prazo
De acordo com o ministro Alexandre de Moraes, no caso, deve ser aplicado o disposto no artigo 174 do Código Tributário Nacional (CTN), que fixa em cinco anos o prazo para a cobrança do crédito fiscal e para a declaração da prescrição intercorrente.
No RE, a União alegava que a decisão do TCU configurava ofensa ao artigo 37, parágrafo 5º, da Constituição Federal, porque não se aplica a decretação de prescrição de ofício às execuções de título extrajudicial propostas com base em acórdão do Tribunal de Contas que mostram, em última análise, a existência do dever de ressarcimento ao erário.
Decisão
O Plenário desproveu o recurso, mantendo a extinção do processo pelo reconhecimento da prescrição. Foi fixada a seguinte tese de repercussão geral: “É prescritível a pretensão de ressarcimento ao erário fundada em decisão de Tribunal de Contas”.

04/05/2020

BREVES NOÇÕES SOBRE OS CRIMES CONTRA A HONRA NA INTERNET E FAKE NEWS

       

O ser humano é realmente complexo. Na medida em que vivem em sociedade as condutas cada vez mais se tornam complexas, sendo necessário o acompanhamento da ciência jurídica dinamicidade, conforme suas ferramentas implementadas pela norma jurídica.

As ofensas pela rede mundial de computadores pelos seres humanos são frequentes e são originários de inúmeros fatores, como questões de natureza política, social, sobre determinado clube de futebol ou até atos mais delicados como relacionados à homofobia, xenofobia e racismo.

Diretamente ao assunto, a aplicação do Código Penal ao Mundo virtual é necessária, pois os crimes a serem apresentados em estudos podem ser aplicados também fora do referido mundo eletrônico. No entanto, é preciso observar quais condutas são tipificadas como crime. É este o objetivo deste texto.

Podemos observar com uma breve leitura do referido Código Penal as seguintes condutas ilícitas, como:


Calúnia: ao imputar, falsamente, a algúem fato definido como crime (art. 138, CP).

Difamação: ao imputar a alguém fato ofensivo à sua reputação (art. 139, CP).

Injúria: ao ofender a dignidade ou o decoro de alguém (art. 140, CP).

Ameaça: ao ameaçar alguém de causar-lhe mal injusto e grave (art. 147, CP).

 

Conforme o caso, a vítima deverá agir prontamente, de modo a evitar com que seu nome e sua imagem sejam violados, pois como se sabe, “a internet não perdoa!”, pois podem tais informações serem “revividas novamente” no Mundo eletrônico, bastando uma postagem numa rede social como Facebook, Instagram ou WhatsApp.

É justificável que a vítima precisa mesmo agir. E quem não se recorda de uns seis anos atrás, uma mulher ter sido espancada até a morte após boatos no Facebook de que estaria praticando magia negra com crianças[1]. Veja-se que, em 2014 sequer se ouvia dizer sobre a expressão fake news[2]. Há casos também preocupantes, mas não são muito divulgados, como casos em que, por ato de vingança determinada pessoa expõe a foto de uma pessoa na internet ao dizer que aquela pessoa é estuprador ou mesmo caloteira, por não pagar uma dívida.

A preocupação (ou cautela) leva ao extremo quando citamos um caso de morte decorrente de notícia falsa, mas é o espírito que se deve ter quando estamos a tratar sobre a internet nos dias atuais, pois tudo tem sido reservado com a breve frase popular: “ou oito ou oitenta!”, pois não se sabe ao certo o resultado da conduta humana ao acreditar numa notícia circulando pelas redes sociais.

Se determinado individuo acredita em uma notícia falsa, sem sombra de dúvidas, compartilhará em sua rede social, assim como seu amigo virtual também executará acreditando apenas nas informações compartilhadas de seu amigo, mas ambos não observam qual se era a fonte daquela informação. O resultado: compartilhamento em massa em diversas redes sociais, gerando uma desonra sem precedentes à vítima.

Diante de uma situação grave, como uma imputação de falso crime ou a desonra à imagem, o que a vítima deverá fazer?

A primeira coisa a ser feita é guardar as provas por meio de print de todas as mensagens, postagens e conversas que possam apontar  que é o autor do crime. Outra coisa fundamental é guardar as URLs, mais conhecido como o endereço ou fonte do site.

A segunda coisa a ser feita é a realização de uma Ata Notarial, que tem por objetivo constar a veracidade das informações no resguardo de provas, sendo indispensável visto que uma postagem pode ser tanto manipulada pela pessoa interessada, como também, alguém poderá apaga-la a qualquer momento. O ato de lavrar ata notarial é dos tabeliães, no qual o tabelião acessa os dados tidos como provas da vítima e posteriormente, constará de forma transcrita o conteúdo, dotando de veracidade das informações.

Desta forma, a origem da informação com o endereço do site juntamente com a ata notarial são realmente necessários como elementos de prova (na esfera criminal e cível), pois há situações que a vítima deverá recorrer à Justiça para remover determinado conteúdo que viole sua imagem diante de outras. A previsão legal para remoção de conteúdo está prevista no artigo 19 do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014).

O ato da vítima em registar os fatos por meio de boletim de ocorrência também se torna uma medida importante, no qual a autoridade policial tomará conhecimento dos fatos, podendo servir como argumento do ato ilícito num determinado processo judicial.

Realizado o boletim de ocorrência, a vítima terá o prazo de seis meses para representar o promover uma queixa crime, a contar da data em que tomou conhecimento de da autoria do crime e, se nada fizer após os seis meses, seu direito caducou-se, é o que se denominada como decadência do direito decorrente de renuncia, seja expressa ou tácita, conforme estabelece o artigo 103, do Código Penal.

Regra geral, no tocante ao aspecto processual, os crimes contra a honra na esfera penal a vítima terá o prazo de seis meses para promover ação penal privada, conforme dito, sendo considerado como uma defesa de um direito subjetivo especificado, sendo julgado no Juizado Especial Criminal (sigla JECRIM), por se tratar de crimes de menor potencial ofensivo.

A título de informação complementar, na esfera cível a vítima poderá promover uma ação de indenização por danos morais com as mesmas provas da esfera penal, no entanto, o prazo para ingresso de ação judicial será de três anos, nos moldes do artigo 206, § 3°, V do Código Civil de 2002.

 

 

        



[2] Para não ficar fora do contexto, as fake News popularmente conhecidas, traduzindo para o português são notícias falsas e tanto podem acontecer nas redes sociais como também fora dela.


21/04/2020

A IMPORTÂNCIA DA CADEIA DE CUSTÓDIA NO PROCESSO PENAL, CONFORME O PACOTE ANTICRIME (LEI 13.964/2019)



Aos que não se acostumaram com as alterações provindas pelo Pacote Anticrime (Lei 13.964/2019) a cadeia de custódia não tem ligação alguma quanto às prisões e suas espécies, mas estão relacionados aos meios de produção de prova precedida por fases.

         O artigo 158-A, do Código de Processo Penal inserido pelo Pacote Anticrime tratou por estabelecer uma definição legal sobre o instituto, como:

Considera-se cadeia de custódia o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir do seu reconhecimento até o descarte. (grifo nosso).

A partir da definição do artigo acima, que podemos trazer algumas colocações de natureza cientifica em partes para fins de compreensão:

Assim, a cadeia de custódia é toda concatenação de procedimentos a serem utilizados com o escopo de assegurar e documentar a história cronológica do vestígio coletado, tanto em locais, quanto em vítimas de crimes, para que seja rastreada a posse e o manuseio, desde o reconhecimento até o ato final, na fase do descarte.

Interessante observarmos que o art. 158-A, § 1° do CPP, institui que o marco inicial da cadeia de custódia é a preservação do local do crime, com procedimentos policiais ou periciais nos quais seja devidamente detectada a existência de vestígios.

Ao fazermos uma leitura nos § 2° e 3° do artigo 158-A do CPP, podemos extrair  quanto a conceito do vestígio, assim como, como potencial interesse para a produção de prova pericial, ao imputar a responsabilidade do agente que assim reconhecer.

O vestígio é todo objeto ou material bruto, visível ou latente, constatado ou recolhido, que se relaciona à infração pena (art. 158-A, § 2°, do CPP).

 Portanto, ao agente público incumbirá na tarefa de reconhecimento de determinado elemento potencial de interesse para a produção de prova pericial, deverá agir preservando-a. É importante salientarmos, logo que a autoridade policial tiver conhecimento da prática da infração penal, obrigatoriamente terá que dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado e conversação das coisas até a chegada dos peritos criminais, bem como apreender os objetos que tiverem relação com o fato e colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias (art. 6° do CPP).

Alias, sobre o papel da preservação da prova pelo agente público na fase inicial da cadeia de custódia, podemos afirmar que se trata de uma condição de validade crucial e indispensável.

Imagine-se uma interceptação telefônica sem o devido deferimento de uma decisão fundamentada pelo juiz, ou seja, sem o procedimento obrigatório, como estabelece o artigo 5° da Lei 9295/96. Logicamente, a prova sem o deferimento do juiz se tornará como nula, pois ausente à condição de validade, no exemplo hipotético.

Ocorre que, todas as espécies de provas não poderão ser produzidas sem o adequado contorno que as normas assim estabelecem, bem como não se pode aceitar que sejam contaminadas, pois sua preservação afeta a credibilidade numa futura ação penal.

 É certo e incontestável que não pode aceitar as provas ilícitas quando obtidas por meios ilícitos conforme preceito Constitucionalmente assegurado (art. 5°, LVI), sendo que a exigência da fonte de provas como fator crucial de autenticidade e promoção de tais valores.

O artigo 158-B, do CPP representa o cunho didático do diploma legal alterado ao tratar que a cadeia de custódia será produzida conforme o rastreamento de vestígios, devendo preceder de diversas etapas. Podemos enumera-las:

1)   Recolhimento;
2)   Isolamento;
3)   Fixação;
4)   Coleta;
5)   Acondicionamento;
6)   Transporte;
7)   Recebimento;
8)   Processamento;
9)   Armazenamento;
10)  Descarte.

Ainda, a alteração legislativa estabelece que a coleta de vestígios que deverá ser realizada por um perito oficial preferencialmente que dará o encaminhamento necessário para a central de custódia, mesmo quando houver a necessidade de se realizar exames de natureza complementar (art. 158-C, do CPP).

Quanto à realização de um perito para a coleta de vestígios, a alteração legislativa não deixou margens de dúvidas que será realizada por um perito oficial, ou seja, aquele que tenha sido aprovado em concurso público e posse efetiva para realização de tais atividades de natureza técnica.

Todos os vestígios coletados durante o inquérito policial ou processo ficarão a cargo de um órgão central criminal incumbirá à tarefa de seu tratamento, sendo proibida a entrada de em locais isolados, bem como a remoção de vestígios antes da liberação por parte do perito responsável e, se agir em contrariedade a tais regras haverá a tipificação de crime de fraude processual[1], conforme prevê o artigo 347 do Código Penal[2].

Salienta-se que todos os vestígios serão armazenados de acordo com seu tipo, ao passo que todos deverão ser selados com lacres e numeração individualizada com o objetivo de garantir a inviolabilidade e idoneidade. De fato, a preocupação em preservação dos vestígios e suas características é uma tarefa árdua para o agente público, sendo que o recipiente armazenado somente será aberto pelo perito que rá analisar tais vestígios, inclusive poderá ser autorizado por pessoa autorizada por este ao seu manuseio, desde que o ato seja devidamente motivado (art. 158, D, do CPP).

A artigo 158-E do CPP, estabelece que os Institutos de Criminalística deverão ter uma central de custódia para o armazenamento e controle dos vestígios, no qual sua gestão deve ser vinculada ao órgão central de perícia oficial. O artigo 158-F, do CPP, prescreve que após a realização da perícia, o material deverá ser devolvido à central de custódia, devendo assim permanecer.

É claro que toda alteração legislativa acerca da inserção da cadeia de custódia ser fundamental, pois a finalidade principal é impedir que qualquer pessoa possa realizar a manipulação indevida de determinadas provas que, fatalmente, poderá gerar efeitos futuros, como uma incriminação ou absolvição de uma pessoa num processo penal, assim como detém um peso relevantíssimo na prática, especialmente quanto a decisão judicial, evitando-se que se tenha uma decisão tida como injusta.

No tocante ao aspecto decisório na utilização das provas produzidas por meio da cadeia de custódia, podemos observar quer critérios objetivos estarão afrente dos subjetivos, portanto, quando o juiz decidir baseando-se em prova produzida e analisada por perícia irá se valer aos aspectos técnicos para que possa atuar com mais assertiva e não apenas em meras evidências.

Necessário afirmarmos que, quando um juiz se baseia estritamente em evidências concordamos que toda a cadeia de custódia foi corrompida, de modo a trazer uma falsa sensação de verdade no plano dos fatos. 

É cristalino compreendermos num breve exemplo, de uma interceptação telefônica ter sido utilizada em desfavor de um acusado em partes e não em sua integralidade, acabando por afastar toda a realidade, pois ao utilizar um breve trecho, logo, criará numa “verdade” inexistente. Seguramente não se resume apenas nesse exemplo mencionado e que, em diversas situações se percebe o esquecimento de uma cadeia de custódia aplicada de sua integralidade, ou seja, toda a sua trajetória realizada, desde o ato de colheita de provas até que seja devidamente inserta no processo para análise de seus interessados.

Além disso, na construção de uma paridade de armas, o contraditório no processo penal no Estado Democrático de Direito jamais pode perder seu espaço, por se tratar de uma garantia constitucionalmente assegurada. 

Neste prisma, dos princípios podem ser aplicados ao presente momento, com a “mesmidade” e a confiança, que nos ensina Geraldo Prado[3]. Sobre o princípio da mesmidade, a prova precisa ser valorada em sua integralidade que foi acolhida. Já o princípio da desconfiança, deve-se observar que as regras de acreditação estará presente e um base cronológica no que diz respeito a cadeia de custódia robustecem as provas produzidas para futura valoração do julgador no processo penal.

Por derradeiro, percebe-se que o legislador ao inserir a cadeia de custódia no processo penal buscou conferir ainda que teoricamente que as provas produzidas não sejam contaminadas em busca da verdade real. Entretanto, seria utópico ou mesmo levando ao endeusamento da integralidade das provas na prática, haja vista que não somente o coletor das provas, como também o julgador são seres humanos sujeitos a falhas, mas de toda sorte, trata se de um instrumento em favor do contraditório ao exigir uma contraprova processual, passando-se a exigir que a cadeia de custódia não seja aquebrantada.




[1] art. 158-C,§1° e § 2° do CPP
[2] Art. 347 - Inovar artificiosamente, na pendência de processo civil ou administrativo, o estado de lugar, de coisa ou de pessoa, com o fim de induzir a erro o juiz ou o perito:
Pena - detenção, de três meses a dois anos, e multa.
Parágrafo único - Se a inovação se destina a produzir efeito em processo penal, ainda que não iniciado, as penas aplicam-se em dobro.
[3] PRADO, Geraldo. “Prova Penal e sistema de controles epistêmicos. A quebra da cadeia de custódia das provas obtidas por métodos ocultos.” São Paulo, Marcial Pons, 2014.


14/04/2020

O CRIME DE CONCUSSÃO: de acordo com o Pacote Anticrime a Lei de Abuso de Autoridade.



         Dentre um dos crimes contra a Administração Pública, a Concussão protege a moralidade da atividade estatal, sendo considerado um bem juridicamente tutelado para fins penais.

Neste ponto, podemos entender que o crime em estudo, viola-se o normal exercício da atividade administrativa, haja vista que a base representativa da Administração Pública reveste-sobre a coisa pública, interligando o agente ao seu pleno exercício.

         Está em jogo, portanto, é a tutela jurídica da moralidade da Administração Pública. Para melhor explanar sobre a moralidade administrativa, valemo-nos das lições do saudoso professor Hely Lopes Meirelles[1] que:

o agente administrativo, como ser humano dotado de capacidade de atuar, deve, necessariamente, distinguir o Bem do Mal, o Honesto do Desonesto. E ao atuar, não poderá desprezar o elemento ético da sua conduta. Assim, não terá que decidir somente entre o legal e o ilegal, o justo do injusto, o conveniente e o inconveniente, o oportuno e o inoportuno, mas também entre o honesto e o desonesto.”

Em suas palavras ora transcritas, podemos extrair suas lições e complementar que, todo e qualquer agente público deverá atuar de forma honesta, assim como forma ética, sendo que de modo algum deverá optar se atuará ou não desta forma, pois caso atue em contrariedade aos ditames éticos e legais, via de consequência, o agente público viola ao princípio da moralidade, podendo ser punido em diversas esferas, como administrativa, civil e, sobretudo penal, objeto de estudo.

         Quanto ao sujeito ativo, pode ser:

a) Funcionário Público, aplicando-se a integralidade do artigo 327 do Código Penal, ou seja, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.

 b) Nomeado ao cargo público, ainda que não esteja no exercício da sua função, atua de forma criminosa aproveitando em razão dela.

c) Funcionário Público que ocupe cargo em comissão, função de direção e assessoramento de órgão da Administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo Poder Público. Nestes casos, a pena será aumentada de um terço.

d) Particular também poderá concorrer para o crime, mas deverá estar ciente da ação criminosa do funcionário público, no qual consubstanciará o elemento do tipo mediante a colaboração, nos termos do artigo 30 do Código Penal.

Importante salientar que, se o sujeito do delito for Fiscal de Rendas, praticará o crime contra a ordem tributária, conforme previsão no artigo 3°, II, da Lei 8.137/90. Assim como, se for policial militar, aplica-se a lei especial, de acordo com o artigo 305, do Código Penal Militar.

Exemplo: João, policial civil, exigiu vantagem indevida de particular para não prendê-lo em flagrante. A vítima não realizou o pagamento e prontamente comunicou o fato a policiais civis. Nessa situação, como o delito de concussão é formal, o crime consumou-se com a exigência da vantagem indevida, devendo João por ele responder (Prova: CESPE - 2016 - TCE-PA - Auditor de Controle Externo - Área Fiscalização – Direito)

         Outro exemplo prático: servidor público, valendo-se da sua autoridade, exige de empresários da cidade verbas para reformar sua repartição pública.

O sujeito passivo do delito (vítima) será a Administração Pública em sentido amplo, podendo-se observar quanto à pessoa atingida pelo crime, como o participar e outro funcionário público coagido pela atuação do autor do crime mediante a exigência indevida.

         Conduta típica (em partes)

·        Exigir (ato de determinar, impor, determinar) para si ou para outrem (em favor de terceiro).

·        Forma: Explícita (direta) ou Implícita (indireta).

·     Finalidade: A vantagem indevida. Trata-se de uma forma de “extorsão especial”, mas devendo considerar como todo e qualquer enriquecimento ilícito, quer dizer, dinheiro ou qualquer outra utilidade.

·        Meio: para se chegar a uma finalidade se exige um meio no qual está presente uma espécie de coação pertencente ao abuso de sua autoridade pública através da influência intimidativa sobre o particular.

Atente-se que o ato de exigir ser bem diferente do ato de solicitar. Se o ato do agente público for solicitar, logo, se caracterizará por crime de corrupção passiva, nos termos do artigo 317 do Código Penal.

Ademais, poderá ser aplicado o crime de concussão cumulativo com o crime do artigo 33 da Nova Lei de Abuso de Autoridade, em que pese o ato de exigência como verbo do tipo, o complemento do ato criminoso é a informação ou cumprimento de obrigação, inclusive o dever de fazer ou de não fazer, sem expresso amparo legal. A pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Trata-se de crime doloso, ou seja, ato de vontade livre e consciente de exigir para si ou para outrem, vantagem indevida, abusando da função pública exercida ou que futuramente irá exercê-la. Não existe a modalidade culposa. A tentativa é possível.

Se o servidor público exige uma vantagem indevida para a própria Administração Pública não se caracterizará como crime de concussão, mas sim, como crime de excesso de exação (art. 316, §1°, §2°, do Código Penal).

É possível aplicar o Acordo de não persecução penal no crime de concussão?

A resposta é positiva. Estabelece o artigo 28-A do Código de Processo Penal, que trata quanto aos requisitos principais, como não sendo caso de arquivamento e havendo a confissão formal do delito, sendo que não será o crime de violência ou grave ameaça, assim como que o crime tenha pena mínima inferior a 4 (quatro) anos.

No crime de concussão, a pena mínima é de 2 (anos) e não se trata de crime de violência ou grave ameaça. É preciso também observar que o agente do delito não poderá ser reincidente para ser contemplado pelo acordo de não persecução penal, que será ofertado pelo Ministério Público, conforme as suas condições estabelecidas.

A ação penal será pública incondicionada, ou seja, não depende de prévia manifestação de qualquer pessoa para ser iniciada, nem mesmo a manifestação do ofendido.

Quanto em relação à competência para julgar, se da Justiça Federal ou Estadual, entendemos que, apesar de controvérsias a parte no aspecto doutrinário, devemos observar o julgado do Supremo Tribunal Federal (RE 429171, Rel. Min. Carlos A. Britto, DJ.11/02/2005, ao estabelecer que, somente se permitirá julgar crimes na esfera federal se estiverem sido relacionados a eventual prejuízo a bens e serviços da União, autarquias ou empresas públicas, seguindo a dicção do artigo 109, IV, da Constituição Federativa do Brasil de 1988.


[1] Direito Administrativo Brasileiro, 2012, pág. 90.

Para quem gosta de assistir, gravei um vídeo sobre o tema para que possa entender melhor do assunto:



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