Caro leitor,
cara leitora,
Há exatos dez
anos, o novo Código de Processo Civil entrava em vigor, carregando consigo
promessas ambiciosas: simplificação, cooperação, efetividade, primazia do
julgamento de mérito. O tempo passou, a prática moldou a teoria, e hoje temos
um panorama muito mais claro de onde acertamos, onde ainda tropeçamos e como
evoluímos.
Foi nesse
contexto que o Superior Tribunal de Justiça, verdadeiro guardião da
interpretação da legislação infraconstitucional, publicou a Jurisprudência
em Teses nº 255, selecionando onze teses que ilustram o
amadurecimento do CPC/2015.
Mas o que
exatamente essas teses nos dizem? Por que importam na vida do advogado, do
juiz, do jurisdicionado? Convido você a uma leitura que vai além da simples
enumeração: vamos refletir, juntos, sobre o que cada uma dessas decisões
representa.
1.
ACESSO À JUSTIÇA SEM FRONTEIRAS: A GRATUIDADE PARA ESTRANGEIROS NÃO RESIDENTES
Será que
alguém que nem mora no Brasil pode bater às portas do Judiciário
brasileiro pedindo gratuidade da justiça?
A resposta é sim,
e com toda razão jurídica e constitucional. Foi isso que afirmou o Superior
Tribunal de Justiça ao interpretar o artigo 98 do Código de Processo Civil,
reforçando o entendimento de que a gratuidade da justiça não está
condicionada à nacionalidade brasileira nem à residência no território nacional.
Mas por que isso é importante na
prática?
Vamos imaginar
um cenário comum: uma cidadã portuguesa, que esteve em viagem ao Brasil,
sofre um acidente de trânsito em São Paulo, causado por um motorista
local. De volta ao seu país, sem recursos financeiros e ainda em tratamento
médico, ela decide ajuizar uma ação indenizatória aqui no Brasil,
buscando reparação pelos danos sofridos.
Antes do
CPC/2015, haveria dúvida — e resistência — quanto à possibilidade de concessão
da gratuidade àquela estrangeira, especialmente se não residisse nem
tivesse vínculo estável com o país. Alguns juízes poderiam exigir prova de
reciprocidade internacional, ou alegar que o benefício seria reservado a
brasileiros e residentes.
Hoje, esse
entendimento não se sustenta mais.
Com a redação
ampla e objetiva do artigo 98, o novo código passou a tratar a gratuidade
como um direito processual subjetivo, vinculado única e exclusivamente à
condição de insuficiência de recursos da parte, e não a critérios
territoriais ou nacionais. Isso significa que qualquer pessoa,
brasileira ou não, residente ou não, pode pleitear o benefício se demonstrar
que não tem condições de arcar com as custas, sem prejuízo próprio ou de sua
família.
E o que disse o STJ?
Em decisões
paradigmáticas como a proferida no Pet 9815/DF, a Corte deixou claro: a
Justiça brasileira não pode se fechar a quem procura proteção jurisdicional,
desde que o pedido esteja fundado em direito e necessidade legítima. Ao
fazer isso, o Tribunal aplica diretamente os princípios da isonomia, do
devido processo legal e da dignidade da pessoa humana — todos eles com
status constitucional.
Isso nos
convida a refletir: por que a nacionalidade deveria ser um obstáculo ao
acesso à Justiça? Não seria incoerente negar esse direito justamente a
quem, por estar fora do país, tem menos acesso a meios de defesa?
Mais do que
uma discussão técnica, essa tese revela uma visão humanista e democrática do
processo civil, rompendo com uma tradição excludente, muitas vezes
enrijecida por formalismos.
Em síntese:
·
A condição financeira da parte é o único
critério relevante para a concessão da justiça gratuita;
·
O domicílio estrangeiro não impede o
pedido, desde que o processo tramite perante o Judiciário brasileiro;
·
A decisão do STJ reafirma que a jurisdição é
um serviço público de natureza universal;
·
Advogados que atuam em causas internacionais
ou com clientes estrangeiros devem estar atentos a esse direito, para não
reproduzir antigos preconceitos normativos.
2.
TRANSIÇÃO LEGISLATIVA E O AGRAVO EM AUTOS APARTADOS: SEGURANÇA OU SURPRESA?
Quando o novo
Código de Processo Civil entrou em vigor em 2016, muitos processos ainda
tramitavam sob o regime do antigo CPC de 1973. E isso gerou um desafio prático
e teórico que ainda hoje ressoa: como lidar com atos processuais praticados
na vigência do código revogado, mas cujos efeitos se prolongam sob o novo
código?
Essa dúvida
ganhou forma concreta em uma situação muito comum: a impugnação à gratuidade
da justiça apresentada em autos apartados, ainda na vigência do CPC/1973,
mas decidida já sob o CPC/2015.
E surge a
pergunta: é cabível agravo de instrumento contra essa decisão? Afinal, o
código antigo não previa essa hipótese de recurso, e o novo prevê (art.
1.015, V). Estamos diante de uma transição normativa.
O Superior
Tribunal de Justiça, enfrentando o tema com a cautela que merece, afirmou que sim,
é cabível agravo de instrumento mesmo nesses casos. Ou seja, a nova
regra recursal aplica-se às decisões proferidas após a entrada em vigor do
CPC/2015, independentemente de o incidente ter sido instaurado
anteriormente.
Mas por que essa decisão é tão
relevante?
Porque ela
traz segurança jurídica em meio ao caos das transições legislativas. Em
vez de adotar uma postura rígida — que poderia vedar o direito ao recurso
simplesmente pelo “pecado” de o incidente ter nascido sob o CPC/73 —, o STJ
preferiu olhar para a natureza da decisão e o momento da sua prolação.
Vamos exemplificar com uma
situação realista:
Imagine que
uma empresa requereu gratuidade da justiça em um processo iniciado em
2015. O pedido foi impugnado pelo réu e, como manda o figurino da época, a
impugnação foi autuada em autos apartados. Por inércia ou sobrecarga, o juiz só
analisou o pedido em 2017, já na vigência do novo CPC, deferindo a
gratuidade.
O que poderia
fazer a parte contrária? Sob o CPC/73, essa decisão não era agravável. Mas sob
o CPC/15, é expressamente agravável (art. 1.015, V). Haveria direito ao
recurso?
Sim,
afirmou o STJ, pois a regra aplicável é a vigente no momento da decisão,
e não no momento em que o incidente foi instaurado. É o princípio da atividade
regida pelo direito vigente à época da prática do ato, e não do início do
processo.
Esse
posicionamento evita injustiças como a perda do direito de recorrer por um critério
meramente temporal e formal. Afinal, o que está em jogo aqui não é só um
tecnicismo recursal, mas o acesso efetivo à impugnação de decisões que
impactam direitos fundamentais, como o custeio do processo.
A lição que
fica é clara: a transição entre códigos exige hermenêutica construtiva, não
punitiva. A função do Judiciário deve ser suavizar os impactos da
mudança, e não surpreender as partes com decisões intransigentes.
Em síntese:
- Agravo de instrumento é cabível contra
decisão sobre gratuidade, mesmo em incidente instaurado sob o CPC/73, se a
decisão foi proferida já sob o CPC/15;
- O artigo 1.015, V, deve ser interpretado com
base no momento da decisão, e não do início do incidente;
- A tese promove uniformidade e segurança jurídica,
especialmente relevante para quem atua em processos de longa duração;
- Evita prejuízos processuais fundados em datas e
não em direitos.
E você? Já
se viu em uma situação em que o código mudou no meio do caminho? Já perdeu ou
quase perdeu a chance de recorrer por uma dúvida como essa?
Essas teses do
STJ são lembretes de que o Direito Processual não é uma armadilha
cronológica, mas um instrumento vivo, que deve funcionar como ponte — e não
como muro — entre normas e Justiça.
3. O ENSINO JURÍDICO NA
PRÁTICA: PRAZO EM DOBRO PARA TODOS?
Você já atuou
com um Núcleo de Prática Jurídica? Ou já precisou peticionar em nome de um
cliente atendido por uma faculdade de Direito? Se sim, talvez tenha se deparado
com a seguinte dúvida: os escritórios de prática jurídica de instituições
privadas de ensino também têm direito ao prazo em dobro para manifestações
processuais, como já se reconhecia às universidades públicas?
A resposta é: sim, têm direito
ao mesmo benefício. E isso não é mero detalhe — é afirmação de igualdade
institucional e valorização do papel social do ensino jurídico.
O artigo 186,
§3º, do Código de Processo Civil de 2015 estabelece que as prerrogativas da
Defensoria Pública se estendem aos escritórios-modelo das instituições de
ensino superior. Porém, durante muito tempo, essa prerrogativa foi
aplicada apenas às universidades públicas, sob o argumento (questionável)
de que estariam mais próximas da função institucional da Defensoria.
Foi o Superior
Tribunal de Justiça que, com a maturidade que a Constituição exige, corrigiu
esse equívoco: não importa se a faculdade é pública ou privada; o que
importa é o papel que desempenha — a defesa gratuita de pessoas
hipossuficientes, por meio de um núcleo estruturado e reconhecido.
Vamos imaginar
um caso realista:
Uma senhora
idosa, com problemas de saúde e renda mínima, busca auxílio jurídico gratuito.
Ela é atendida por um escritório de prática jurídica de uma universidade
privada, com alunos supervisionados por professores. O núcleo ingressa com
ação revisional de contrato bancário. O juiz, no curso do processo, nega o
prazo em dobro à faculdade, alegando que não se trata de Defensoria Pública nem
de instituição pública.
O que fazer? A
tese fixada pelo STJ orienta com clareza: o prazo em dobro é cabível, sim,
sempre que o escritório de prática jurídica estiver exercendo a função de
assistência gratuita, independentemente de sua natureza pública ou privada.
E por que isso
é relevante?
Porque o
Direito não pode admitir duas categorias de cidadão hipossuficiente: um
que tem direito ao contraditório ampliado, quando assistido por universidade
pública; e outro que tem acesso mais limitado à Justiça, porque buscou
atendimento em uma instituição privada.
Mais do que
isso: a Constituição assegura liberdade de ensino, igualdade entre
instituições e acesso à Justiça para todos. Excluir as privadas seria
discriminação institucional injustificável.
Essa decisão
fortalece também o papel pedagógico desses núcleos. Ao garantir o prazo em
dobro, permite que os alunos aprendam com tempo e cuidado, sob supervisão
docente — afinal, a formação de um bom profissional do Direito também exige
tempo e zelo técnico, e o processo precisa acolher essa realidade.
Em síntese:
- O prazo em dobro do art. 186, §3º do CPC
aplica-se tanto às instituições públicas quanto às privadas, desde
que atuem por meio de escritórios-modelo ou núcleos de prática jurídica;
- A prerrogativa é funcional e pedagógica,
vinculada à defesa gratuita de necessitados e ao processo de formação
jurídica;
- O STJ assegura isonomia entre instituições de
ensino e protege o direito fundamental de acesso à Justiça;
- Essa tese é especialmente útil em petições e
recursos que alegam cerceamento de defesa por negativa do benefício.
Agora, com
esse entendimento consolidado pelo STJ, há base firme para reivindicar o
direito. E, mais do que isso, reafirmar que formar estudantes de Direito
e atender pessoas carentes não é exclusividade do ensino público — é missão
compartilhada.
4.
Sentença estrangeira sem trânsito em julgado? Sim, desde que eficaz
Imagine o
seguinte cenário: uma empresa brasileira é condenada por um tribunal da
Alemanha ao pagamento de indenização a um fornecedor local. A sentença, ainda
que passível de recurso naquele país, já produz efeitos concretos — por
exemplo, foi utilizada para protestar a dívida ou executar garantias bancárias.
O fornecedor decide homologar essa decisão no Brasil, com o objetivo de
penhorar ativos da empresa aqui.
Mas então
surge a pergunta que muitos advogados e juízes já fizeram: é necessário que
essa sentença esteja transitada em julgado lá fora para que seja homologada
aqui?
A resposta,
segundo a interpretação firmada pelo Superior Tribunal de Justiça, é não.
O que importa não é o trânsito em julgado, mas a eficácia da sentença no
ordenamento jurídico de origem. É isso que estabelece o artigo 963,
inciso III, do Código de Processo Civil de 2015.
E por que
isso faz sentido?
Porque exigir
o trânsito em julgado seria um entrave desnecessário à cooperação jurídica
internacional, e colocaria o Brasil em descompasso com os princípios que
regem o reconhecimento de decisões estrangeiras na maioria dos sistemas
processuais modernos.
Vamos pensar
de forma prática.
Muitas
decisões estrangeiras têm eficácia imediata mesmo antes de seu trânsito em
julgado. Isso é especialmente comum em sistemas que adotam o duplo grau de
jurisdição sem efeito suspensivo automático — ou seja, o recurso não impede
a produção de efeitos da sentença. Nesses casos, a decisão já pode ser
executada no país de origem. Logo, se ela já é eficaz lá, por que exigir no
Brasil uma condição que nem mesmo o país de origem exige para que ela surta
efeitos?
Mais ainda: a
exigência de trânsito em julgado pode criar um incentivo indevido à
litigiosidade, pois a parte contrária no país de origem pode recorrer
apenas para impedir a homologação no Brasil, mesmo sabendo que perderá.
Seria um uso abusivo do sistema jurídico.
O STJ, ao
flexibilizar esse requisito, adota uma postura de racionalidade jurídica e
alinhamento ao princípio da boa-fé processual, reconhecendo que o que
realmente interessa é a eficácia da sentença e sua compatibilidade com a ordem
pública brasileira — e não o esgotamento formal de todas as vias recursais
no exterior.
Aliás, essa
compreensão está plenamente em sintonia com a Convenção Interamericana sobre
Eficácia Extraterritorial de Sentenças Estrangeiras e com os princípios que
regem o Direito Internacional Privado, segundo os quais o reconhecimento
de sentenças estrangeiras deve priorizar a funcionalidade, não o formalismo.
Em síntese:
- Não é necessário o trânsito em julgado da
sentença estrangeira para que seja homologada no Brasil, desde que ela já
seja eficaz no país de origem;
- A exigência indevida de trânsito em julgado contraria
os princípios da cooperação internacional e da efetividade processual;
- O art. 963, III, do CPC/2015 permite uma
interpretação mais moderna, voltada à utilidade e à função prática da
sentença estrangeira;
- Essa tese é especialmente importante em execuções
internacionais, arbitragens, e disputas comerciais transnacionais.
Com essa
jurisprudência firme do STJ, há fundamentos claros para sustentar o pedido.
E mais do que isso: reafirma-se o compromisso do Judiciário brasileiro com um processo
civil aberto ao diálogo internacional, atento às realidades econômicas e
jurídicas do mundo globalizado.
5. Repercussão geral não suspende automaticamente
os processos: sobrestamento exige decisão expressa
Você já teve
um processo sobrestado por causa da repercussão geral? Ou pior: já peticionou
pedindo suspensão de um feito sob o argumento de que o STF reconheceu a matéria
como relevante? Se sim, é provável que tenha se deparado com o seguinte dilema:
afinal, o simples reconhecimento da repercussão geral suspende
automaticamente os processos sobre o tema?
De forma
direta: não suspende automaticamente. O Superior Tribunal de Justiça foi
categórico ao afirmar que o sobrestamento depende de decisão expressa do
relator no STF. Essa é a interpretação que decorre do artigo 1.035, §5º,
do Código de Processo Civil de 2015.
E aqui cabe
uma pausa para refletir: por que essa tese importa tanto na prática?
Porque, em
tempos de precedentes vinculantes, muitos operadores do Direito caem na
tentação de entender a repercussão geral como um “botão de pausa” universal.
Algo como: “Reconheceu a repercussão? Suspende tudo!”. Mas essa lógica
simplista ignora dois elementos fundamentais:
- O sistema de precedentes exige gestão judicial
ativa e não automatismos que engessam o processo;
- O reconhecimento da repercussão geral apenas
sinaliza que o tema é relevante, não que a sua tramitação seja
incompatível com o julgamento futuro do STF.
Vamos a um
exemplo concreto:
Imagine que
você advoga em favor de um servidor público e está discutindo o direito à
incorporação de uma vantagem pessoal aos proventos de aposentadoria. Um recurso
extraordinário sobe ao STF tratando da mesma tese jurídica, e a Corte reconhece
a existência de repercussão geral.
Naturalmente,
você pensa: “Vou pedir o sobrestamento do meu processo, pois o Supremo vai
decidir”. Só que o relator no STF ainda não determinou a suspensão dos
demais feitos. Resultado? O juiz de primeira instância pode (e deve)
continuar julgando.
Essa
orientação é coerente com a lógica de eficiência e racionalidade processual.
Afinal, há casos em que a controvérsia está próxima da resolução, e suspender
a marcha processual significaria atrasar a entrega da tutela jurisdicional,
sem ganho efetivo.
Além disso, a
decisão do STJ evita abuso do pedido de suspensão como estratégia
protelatória. A repercussão geral não deve ser usada como instrumento de defesa
em processos em que o interesse real é ganhar tempo e não resolver o
mérito.
Outro ponto
importante: o STF, ao reconhecer repercussão geral, não julga de imediato.
O julgamento pode levar anos. Se todos os processos fossem suspensos
automaticamente, o sistema travaria. O que o artigo 1.035, §5º fez foi atribuir
ao relator do STF a função de moderador, definindo se e quando a
suspensão deve ocorrer.
Em síntese:
- O reconhecimento da repercussão geral não
acarreta a suspensão automática dos processos relacionados ao tema;
- O sobrestamento depende de decisão expressa do
relator do recurso extraordinário no Supremo Tribunal Federal;
- Essa interpretação preserva a eficiência
processual e coíbe manobras procrastinatórias;
- A tese tem impacto direto em processos
tributários, administrativos, previdenciários e de massa, onde a
repercussão geral é frequentemente invocada.
Pois bem, com
essa tese do STJ, você tem um argumento sólido para defender a continuidade
da marcha processual, mesmo diante da repercussão geral. É a autoridade
do relator — e não o tema em si — que determina a suspensão.
6.
Embargos de declaração interrompem prazos? Sim, mas apenas para
interposição de recurso — não para defesa
Essa é uma
daquelas armadilhas do dia a dia forense: o advogado vê a parte contrária
interpondo embargos de declaração, e pensa — legitimamente, mas de forma
equivocada — que o prazo para todos os atos processuais está suspenso. E
então relaxa, posterga, espera.
Só que o prazo
corre. E, quando menos se espera, a oportunidade de apresentar uma defesa —
como embargos à execução — se esvai.
Aqui entra a
orientação firme do Superior Tribunal de Justiça: os embargos de declaração
interrompem o prazo apenas para a interposição de recurso, conforme dispõe
o artigo 1.026 do Código de Processo Civil de 2015.
Mas atenção: isso
não se estende às defesas processuais, como, por exemplo, os embargos à
execução ou a impugnação ao cumprimento de sentença.
Vamos a um
exemplo para ilustrar.
Imagine que um
devedor é intimado da decisão que defere o cumprimento de sentença. Ele tem
prazo legal para impugnar. A parte exequente, no entanto, opõe embargos de
declaração contra essa decisão, tentando esclarecer um ponto omisso.
O advogado do
executado, ao tomar ciência dos embargos, acredita que o prazo dele também está
interrompido — afinal, “embargos interrompem o prazo, certo?”
Errado,
neste caso.
A interrupção
vale somente para a parte que teria que recorrer. O executado não
está recorrendo da decisão, ele está se defendendo da execução. O
prazo para a defesa dele continua a correr normalmente.
Se ele perder
esse prazo por confiar em uma interpretação extensiva do artigo 1.026, perderá
o direito de se manifestar — e poderá ser considerado revel ou ver seu
patrimônio penhorado sem contraditório efetivo.
Essa tese
firmada pelo STJ é uma advertência à advocacia e à magistratura: o
processo civil exige rigor técnico no manejo dos prazos, e qualquer
ampliação de efeitos processuais precisa estar fundamentada na lei — não em
inferências ou analogias.
Há, ainda, um
pano de fundo importante: a diferenciação entre defesa e recurso. Embora
ambos sejam manifestações do contraditório, ocupam lugares distintos na
estrutura procedimental. O recurso visa revisar uma decisão judicial. Já a
defesa, especialmente na fase de execução, é um direito reativo à pretensão
do exequente, com prazos autônomos.
Em síntese:
- Embargos de declaração interrompem apenas o
prazo para interposição de recurso (art. 1.026 do CPC);
- Não interrompem prazos para apresentação de
defesas autônomas, como embargos à execução ou impugnação ao
cumprimento de sentença;
- A aplicação indevida dessa interrupção pode levar à
preclusão temporal e graves prejuízos patrimoniais;
- A tese é essencial em execuções fiscais, ações
de cobrança e cumprimento de sentença, onde os prazos são exíguos e de
natureza peremptória.
E você,
colega, já teve que esclarecer esse ponto para um cliente ou mesmo para um
colega de profissão? Já viu embargos serem indeferidos por intempestividade
por conta de um cálculo de prazo equivocado?
Essa decisão
do STJ nos lembra que o processo é, sim, instrumento de justiça, mas que a
justiça também depende do manejo técnico e preciso dos seus ritos. Não
há espaço para “achismos” em contagem de prazos.
7. Reclamação para fazer valer precedente
repetitivo? Não é por esse caminho
Você já se viu
diante de uma decisão que claramente contraria uma tese fixada em recurso
especial repetitivo, e teve vontade de protocolar uma reclamação
diretamente no STJ?
Se sim, saiba
que esse impulso, embora compreensível, pode levar a um erro processual
grave, se a reclamação for usada como atalho para corrigir uma má
aplicação do precedente. Isso porque o STJ tem reiterado que não cabe
reclamação com o único fundamento de inobservância de entendimento firmado em
recurso repetitivo, nos termos do artigo 988, §5º, inciso II, do Código
de Processo Civil de 2015.
Aqui vale uma
pausa: por que isso importa tanto?
Porque vivemos
na era dos precedentes obrigatórios. Desde o CPC/2015, o sistema jurídico
brasileiro deu um passo relevante na tentativa de racionalizar o volume de
litígios e padronizar a jurisprudência, criando um modelo híbrido entre o civil
law e o common law.
Nesse modelo, as
teses firmadas em recursos especiais repetitivos — assim como em repercussão
geral no STF — têm eficácia vinculante para os demais órgãos do Judiciário.
Porém, essa vinculação não transforma a reclamação em instrumento universal
de correção.
Vamos
imaginar um caso concreto.
Suponha que um
juiz de primeiro grau julgue improcedente uma ação baseada em contrato
bancário, ignorando tese firmada em recurso repetitivo do STJ que
reconhece a abusividade de determinada cláusula. O advogado, indignado, decide
não recorrer pela via ordinária e opta por propor reclamação diretamente no
STJ, argumentando que houve violação ao precedente repetitivo.
Essa
reclamação será inadmitida.
Por quê?
Porque a função da reclamação, nesse caso, não é substituir o recurso
cabível (apelação ou recurso especial). A correta aplicação de tese
repetitiva deve ser arguida nos meios processuais ordinários, como
fundamento recursal, e não por via autônoma.
A única
hipótese legal de cabimento da reclamação, nesse contexto, seria se o acórdão
impugnado tivesse afastado a aplicação de uma tese vinculante firmada pelo
próprio STJ em um caso no qual ele já tenha decidido a matéria como instância
última, e mesmo assim a decisão inferior tenha descumprido frontalmente
— e ainda assim, de forma excepcional.
O que o STJ
tem feito com essa tese é resgatar a finalidade original da reclamação
constitucional: preservar a autoridade das decisões de instância superior e
garantir a competência do tribunal. Ela não é um “recurso coringa”, e
seu uso indiscriminado ameaça a coerência do sistema recursal.
Além disso,
usar a reclamação indevidamente pode provocar não só a sua rejeição, mas também
sanções por má-fé ou protelação, e responsabilização por atuação
temerária, especialmente em causas de massa, como nos juizados especiais ou
em ações consumeristas.
Em síntese:
- Não cabe reclamação ao STJ apenas por
inobservância de tese firmada em recurso repetitivo (art. 988, §5º,
II, do CPC);
- A reclamação não substitui o recurso cabível — a via
adequada para discutir a má aplicação de precedente é o recurso próprio,
como apelação ou recurso especial;
- O uso indevido da reclamação pode ser
interpretado como manobra protelatória ou desvio de finalidade;
- A tese fortalece a sistemática dos precedentes
obrigatórios, sem permitir sua banalização ou uso fora das hipóteses
legais.
E você, já
cogitou usar a reclamação como solução rápida para o descumprimento de um
precedente? Já se deparou com decisões que contrariavam repetitivos e não sabia
se havia fundamento técnico para ir direto ao STJ?
A resposta
está dada: o caminho é o recurso — e não a reclamação. A construção de
uma jurisprudência estável, íntegra e coerente exige que cada ferramenta seja
usada em sua medida certa.
8. IRDR e a reclamação: quando a vinculação não se
impõe ao STJ por essa via
Sabemos que o
IRDR – o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas – foi uma das grandes
inovações do CPC de 2015. A proposta era clara: permitir que os tribunais
locais uniformizassem entendimentos sobre questões de direito repetitivas,
garantindo isonomia de tratamento e segurança jurídica nas decisões de massa.
Mas eis a
dúvida que vem se impondo desde então: quando um tribunal local firma uma
tese em IRDR e essa tese é confirmada ou alinhada pelo STJ em recurso especial,
é cabível reclamação quando um juízo ou tribunal inferior ignora esse
entendimento?
De maneira
enfática, o STJ disse não. Não cabe reclamação ao STJ por
inobservância de tese fixada em recurso especial interposto no âmbito de um
IRDR. E esse entendimento se ancora na interpretação dos artigos 987,
caput, e 988, inciso IV, do CPC/2015.
Vamos
entender isso melhor com um exemplo prático.
Imagine que o
Tribunal de Justiça de determinado estado, diante de uma enxurrada de ações de
servidores públicos questionando o desconto previdenciário em verbas
indenizatórias, decide instaurar um IRDR. Após o procedimento regular, firma-se
a tese de que o desconto é indevido. Contra essa tese, é interposto recurso
especial, que é julgado pelo STJ, confirmando o entendimento do
tribunal local.
Agora, suponha
que, meses depois, um juiz de primeiro grau decide de forma contrária ao
entendimento firmado, aplicando uma interpretação própria e ignorando tanto
o IRDR quanto a decisão do STJ no recurso especial.
Pode a parte
prejudicada propor uma reclamação diretamente no STJ, alegando violação
ao precedente?
Não. E
é aqui que entra o núcleo da tese do STJ.
O entendimento
da Corte é que, ainda que a decisão do STJ tenha confirmado a tese do IRDR,
isso não transforma automaticamente aquela decisão em precedente vinculante
para fins de reclamação. Isso porque a competência para gerir o
cumprimento das teses firmadas em IRDR continua sendo dos próprios tribunais
locais.
A função do
STJ, nesse contexto, é apenas a de controle de legalidade da decisão no âmbito
do recurso cabível — e não de substituição do tribunal originário na
fiscalização da aplicação da tese. Permitir que o STJ controlasse
diretamente o cumprimento das teses firmadas em IRDR significaria distorcer as
competências definidas na Constituição e no próprio CPC.
Ou seja, a
reclamação não é o caminho processual adequado para garantir que a tese
de um IRDR, mesmo confirmada pelo STJ, seja respeitada. O instrumento
correto permanece sendo o recurso próprio e, em última análise, a atuação da
Corregedoria do tribunal local, se necessário.
Esse
entendimento preserva o modelo federativo do Judiciário, assegura a autonomia
dos tribunais estaduais e regionais, e evita que a reclamação se transforme
em uma forma de centralizar, indevidamente, todo o controle de precedentes nas
mãos do STJ.
Em síntese:
- Não cabe reclamação ao STJ quando a tese
firmada em IRDR, mesmo confirmada em recurso especial, é ignorada por
instância inferior;
- A competência para gerir o cumprimento do IRDR é
do próprio tribunal que o instaurou;
- A decisão do STJ em recurso especial não gera
automaticamente efeito vinculante nacional para fins de reclamação;
- O sistema de precedentes depende de respeito às
competências institucionais e à verticalização recursal adequada,
sem encurtamentos indevidos.
Você já se
deparou com um IRDR que não foi respeitado por um juízo de primeiro grau? Já se
sentiu tentado a ir direto ao STJ com uma reclamação?
Essa tese nos
ensina que, por mais frustrante que possa parecer, o caminho mais curto nem
sempre é o juridicamente correto. A boa técnica processual exige que
atuemos com coerência, respeitando a arquitetura institucional que sustenta o
sistema de precedentes.
9. Quando o agravo é erro grosseiro: recurso
especial inadmitido com base em repetitivo exige técnica e cautela
Todo advogado
que milita em segunda instância já se deparou com isso: interpõe um recurso
especial, mas o tribunal local nega seguimento com base na existência de
precedente repetitivo do STJ — tese já firmada e aplicada ao caso concreto.
O impulso
natural, muitas vezes, é o seguinte: interpor o agravo do artigo 1.042 do
CPC, para tentar levar o recurso ao Superior Tribunal de Justiça. Afinal, o
agravo seria o “caminho normal” para contestar a negativa de seguimento.
Mas é
justamente aqui que mora o perigo. O STJ tem reiterado que, nessas
hipóteses, interpor agravo contra a inadmissão do recurso especial é erro
grosseiro. E como todo erro grosseiro no processo, ele não pode ser
corrigido nem gera qualquer efeito útil.
Vamos entender
o porquê.
A negativa de
seguimento fundamentada na incidência de tese repetitiva já julgada não
trata de um juízo discricionário ou controvertido do tribunal de origem.
Trata-se de uma decisão vinculada, decorrente do artigo 1.040 do CPC,
que prevê a aplicação obrigatória da tese firmada pelo STJ em recurso
repetitivo.
Assim, ao
negar seguimento ao recurso especial sob esse fundamento, o tribunal local
está apenas cumprindo seu dever de observar o precedente obrigatório, e não
exercendo uma função decisória autônoma que possa ser revisada por agravo.
E aqui está o
ponto central da tese: não cabe agravo do artigo 1.042 contra esse tipo de
decisão, porque ela se baseia na aplicação de tese repetitiva já julgada,
e não em um indeferimento técnico de admissibilidade. O que caberia, se fosse o
caso, seria demonstrar que a situação dos autos é distinta da tese
repetitiva aplicada — ou seja, que há distinção (distinguishing), o que
deveria ser feito no momento da interposição do próprio recurso especial.
Vamos ilustrar
com um exemplo:
Um banco
interpõe recurso especial contra acórdão que reconheceu a abusividade da
capitalização mensal de juros em contrato de financiamento. O tribunal local
nega seguimento ao recurso com base na tese firmada pelo STJ no Tema 952,
segundo a qual, na ausência de expressa pactuação, a capitalização mensal é
indevida.
O advogado do
banco, inconformado, interpõe agravo do artigo 1.042 do CPC, alegando
genericamente que o tema ainda é controvertido.
Resultado: o
STJ inadmite o agravo de plano, qualificando a interposição como erro
grosseiro, pois a tese já está consolidada e a decisão do tribunal local
foi meramente executória da orientação superior.
Mais do que
indeferir, o STJ tem classificado essas interposições como inadmissíveis até
mesmo para fins de reaproveitamento como agravo interno, encerrando o
debate de forma sumária.
Em síntese:
- Não cabe agravo do art. 1.042 do CPC contra
decisão que inadmite recurso especial com base em tese repetitiva já
firmada pelo STJ;
- Interpor esse agravo é considerado erro
grosseiro, sem possibilidade de reaproveitamento ou transformação em
agravo interno;
- A parte deve observar, desde a origem, se há
possibilidade real de distinguishing com a tese aplicada. Se não
houver, a decisão não é recorrível pela via do agravo;
- A tese busca evitar o uso automático e
improdutivo do agravo como manobra protelatória ou por simples
inconformismo.
Essa
orientação é de extrema relevância para a prática contenciosa, especialmente em
litígios de massa, ações bancárias, planos econômicos, demandas
previdenciárias e questões consumeristas, onde os temas repetitivos
estão por toda parte.
E você? Já se
viu diante da dúvida: "interponho o agravo ou não?" Agora sabe
que, diante de uma negativa com base em tese repetitiva, o caminho do agravo
pode ser não apenas inútil, mas prejudicial.
10. ROL DO ARTIGO 1.015 DO CPC: TAXATIVIDADE
MITIGADA COMO INSTRUMENTO DE JUSTIÇA
O artigo 1.015
do CPC enumera as hipóteses em que é cabível agravo de instrumento contra
decisões interlocutórias — ou seja, decisões que não põem fim ao processo,
mas que podem afetar substancialmente seu curso ou o direito das partes.
Logo após a
entrada em vigor do novo Código, instalou-se uma dúvida crucial: seria esse
rol realmente taxativo? Ou poderia admitir exceções em nome da efetividade
processual?
A resposta
veio com força no Tema 988 do STJ, que firmou a seguinte tese: o rol
do artigo 1.015 é taxativo, mas com interpretação mitigada. Isso significa
que, em situações excepcionais de urgência ou risco de inutilidade da futura
decisão, é admissível o agravo de instrumento mesmo fora das hipóteses
expressamente previstas no artigo.
Vamos entender
o que isso significa na prática.
Imagine que,
em uma ação de família, o juiz decide suspender o convívio de um dos pais
com o filho, mas essa decisão não está entre as hipóteses do artigo
1.015. Se formos fiéis a uma leitura estritamente taxativa, a parte
prejudicada teria que aguardar o julgamento da apelação ao final da ação,
o que pode demorar anos. O problema é que, nesse meio tempo, o dano já
estará consumado: o vínculo afetivo pode ter sido rompido, a alienação
agravada, a situação deteriorada de forma irreversível.
É aí que entra
a taxatividade mitigada. O STJ compreendeu que o sistema processual
não pode se fechar a ponto de impedir o acesso imediato à instância superior
quando a decisão for, por sua natureza, potencialmente irreversível.
Outro exemplo
claro vem da esfera empresarial:
Um juiz
determina que uma das partes deposite valores altíssimos em conta judicial,
como condição para seguir com a demanda. Essa decisão não se encontra
expressamente no artigo 1.015, mas seu impacto patrimonial e processual
é imediato e potencialmente danoso. Se o jurisdicionado só puder discutir
isso no recurso de apelação, a utilidade da revisão judicial pode ser nula.
Nestes casos,
o STJ entendeu que o agravo de instrumento é cabível, desde que demonstrada
a urgência ou a inutilidade futura da apelação. A interpretação mitigada,
portanto, não é um cheque em branco, mas uma válvula de escape para
hipóteses excepcionais que, se não revistas de pronto, podem comprometer o
direito material e o acesso à tutela jurisdicional efetiva.
E isso tem
tudo a ver com o espírito do CPC/2015, que colocou como centro do processo a efetividade,
a razoável duração e a primazia do julgamento de mérito. Não se trata de
relativizar a técnica, mas de impedir que a forma anule o conteúdo do
direito.
Em síntese:
- O artigo 1.015 do CPC traz um rol taxativo,
mas que deve ser interpretado de forma mitigada, conforme decidiu o
STJ no Tema 988;
- É cabível agravo de instrumento fora das
hipóteses do rol, desde que se comprove risco de inutilidade da
apelação ou prejuízo irreparável;
- A tese garante flexibilidade e justiça no acesso
ao segundo grau, especialmente em temas de família, tutela provisória,
decisões patrimoniais graves, entre outros;
- A mitigação não dispensa fundamentação rigorosa:
é preciso demonstrar de forma clara a urgência e o impacto da decisão
impugnada.
Você já teve
que lidar com decisões interlocutórias extremamente prejudiciais, mas que não
se encaixavam no artigo 1.015? Já ficou na dúvida se deveria ou não agravar?
Pois bem, a
resposta do STJ nos autoriza — em casos excepcionais e bem fundamentados
— a recorrer sim. A técnica não pode ser barreira para o justo. O processo,
como já disse a doutrina mais sensível, não é um fim em si mesmo — é o
caminho para que o direito encontre a realidade.
11. QUANDO O JUIZ PODE COMPELIR A EXIBIÇÃO DE
DOCUMENTOS: VERDADE REAL, CONTRADITÓRIO E MULTA
Você já
enfrentou a frustração de atuar em um processo em que a parte adversa detém
um documento essencial, mas simplesmente não o apresenta? Ou, pior
ainda, nega sua existência, mesmo quando há fortes indícios de que o possui?
Esse tipo de
situação, infelizmente, é mais comum do que se imagina, especialmente em
litígios bancários, securitários, empresariais e de consumo, nos quais o
acesso à documentação relevante está nas mãos da parte com maior poder
econômico.
Foi pensando
nisso que o legislador processual inseriu no artigo 400, parágrafo único, do
CPC/2015 um importante instrumento de justiça: a possibilidade de o juiz
determinar a exibição de documento ou coisa, sob pena de multa, após
contraditório prévio e frustrada tentativa de obtenção voluntária.
E o que
decidiu o STJ?
O Superior
Tribunal de Justiça, ao julgar o Tema 1000, consolidou que é
plenamente válida a imposição de multa como medida coercitiva para forçar a
exibição de documentos, desde que atendidos dois requisitos fundamentais:
- Verossimilhança da relação jurídica entre as
partes que justifique a posse do documento por quem se recusa a
apresentá-lo;
- Precedência do contraditório e da tentativa de
exibição voluntária — ou seja, o juiz não pode determinar a multa de
forma automática ou sem oportunizar a manifestação da parte.
Esse
entendimento fortalece o que chamamos de modelo cooperativo de processo
civil, em que não há espaço para estratégias de ocultação, má-fé ou
litigância obstrutiva. O CPC/2015 exige que as partes colaborem para a
descoberta da verdade, e o juiz deixa de ser um mero espectador da prova
para assumir papel ativo na sua produção.
Exemplo
prático:
Imagine uma
ação revisional de contrato bancário. O consumidor alega cobrança de encargos
indevidos, mas o banco não junta os extratos originais nem as planilhas
detalhadas, alegando genericamente que “a parte autora já os possui”
ou que “não há obrigatoriedade legal de apresentar”.
Após
requerimento expresso da parte autora e indeferimento por omissão da ré, o
juiz, com base no art. 400, parágrafo único, pode determinar a exibição dos
documentos sob pena de multa diária, fixando valor razoável e compatível
com o porte da instituição.
Essa decisão,
conforme a tese do STJ, é legítima e necessária — afinal, negar a prova
documental essencial significa comprometer o contraditório, frustrar o
direito à prova e desnaturar o processo justo.
Em síntese:
·
O artigo 400, parágrafo único, do CPC/2015
permite a imposição de multa coercitiva para compelir a exibição de
documento ou coisa essencial ao processo;
·
A medida depende de:
a) Verossimilhança da relação jurídica que indique a posse do documento
pela parte adversa;
b) Frustração
da exibição voluntária após contraditório;
·
A tese reforça o papel do juiz como gestor da
prova e promove o princípio da cooperação processual;
·
É especialmente útil em ações revisionais,
indenizatórias, securitárias, bancárias e consumeristas.
Você já se viu
diante de uma situação em que a parte contrária se esquivava da prova
documental, dificultando ou mesmo impedindo o andamento justo da causa? Já teve
indeferido um pedido de exibição de documento por falta de clareza no pedido?
Com a tese
firmada pelo STJ, há respaldo jurídico para que o juiz atue ativamente em
defesa do contraditório pleno e da descoberta da verdade real — sempre com
equilíbrio, mas com firmeza contra condutas processuais abusivas.
Com isso,
concluímos o ciclo completo das 11 teses da Jurisprudência em Teses n. 255
do STJ, em comemoração aos 10 anos do CPC/2015. Este panorama mostra
como o novo Código não apenas alterou regras — ele transformou a mentalidade
processual, exigindo uma advocacia mais técnica, consciente e colaborativa.