05/06/2025

Assédio Judicial e a Responsabilidade Ética da Jurisdição: conforme decisão do STF

 


Assédio Judicial e a Responsabilidade Ética da Jurisdição

 

Resumo

O presente artigo analisa a decisão do Supremo Tribunal Federal na ADI 6792/DF à luz da filosofia do direito e da teoria constitucional contemporânea. O julgamento enfrentou o assédio judicial por meio da pulverização de ações como forma de cerceamento da liberdade de imprensa, reconhecendo a legitimidade da coletivização processual como instrumento de contenção. Com base em autores como Dworkin, Bobbio, Habermas e Ferrajoli, sustenta-se que a jurisdição deve ser compreendida não apenas como técnica, mas como prática ética vinculada à integridade do sistema constitucional. O texto propõe uma releitura das garantias processuais a partir de uma perspectiva substancial, comprometida com a proteção de direitos fundamentais e a efetividade da democracia.

Palavras-chave: assédio judicial; jurisdição ética; coletivização; STF; garantismo; filosofia do direito.

 

1. INTRODUÇÃO

O fenômeno do assédio judicial — caracterizado pelo ajuizamento coordenado, massivo e pulverizado de ações com propósito intimidatório — desafia os paradigmas tradicionais do direito processual. A decisão do Supremo Tribunal Federal na ADI 6792/DF, ao enfrentar diretamente essa prática, evidencia a necessidade de revisitar o papel da jurisdição no Estado Democrático de Direito.

Mais que uma resposta procedimental, o que está em jogo é a concepção ética e constitucional da jurisdição enquanto prática institucional responsável pela realização da justiça.

 

2. Assédio judicial e a instrumentalização do processo

O assédio judicial constitui uma forma contemporânea de litigância abusiva, caracterizada pela utilização estratégica do direito de ação não com o propósito de buscar a tutela jurisdicional legítima, mas como meio de intimidação, silenciamento e desgaste do réu — especialmente quando este exerce função crítica em regimes democráticos, como ocorre com jornalistas, acadêmicos, ativistas ou veículos de imprensa.

Trata-se de um fenômeno que subverte a função constitucional do processo civil. Em lugar de ser instrumento de pacificação social e de proteção a direitos subjetivos, o processo é transformado em mecanismo de opressão institucionalizada, operando sob a aparência formal de legalidade, mas com finalidade essencialmente antidemocrática. Essa prática, à semelhança do que se observa em experiências de lawfare, converte o aparato estatal em vetor de violação de garantias fundamentais, em especial as liberdades de expressão, crítica e informação.

O traço distintivo do assédio judicial está na pulverização de demandas idênticas ou similares, ajuizadas simultaneamente em diferentes comarcas e contra um mesmo réu. Ainda que isoladamente legítimas, tais ações, quando examinadas no conjunto, revelam um uso desviado da jurisdição. O objetivo real não é o reconhecimento judicial de um direito material, mas o colapso da capacidade defensiva do demandado, mediante o acúmulo de custas, despesas com deslocamento, contratação de advogados em múltiplos foros, e o consequente risco de inibição da liberdade crítica.

O Supremo Tribunal Federal, ao apreciar esse padrão de conduta na ADI 6792/DF, reconheceu o assédio judicial como uma forma de instrumentalização perversa do processo, cuja repressão é compatível com os princípios da proporcionalidade, da boa-fé processual e da vedação ao abuso de direito. A Corte observou que, em situações dessa natureza, a proteção ao direito de ação não pode ser dissociada de sua finalidade constitucional. Como explicitado no voto do Ministro Relator:

“O direito de ação não pode ser compreendido como carta branca para constranger ou silenciar terceiros por meio de processos judiciais articulados com esse fim.”

(ADI 6792/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 04.04.2025)

Portanto, o assédio judicial é incompatível com o modelo de processo justo, uma vez que compromete o contraditório efetivo, rompe com a isonomia processual e gera efeito intimidatório estrutural. Ocorre, assim, uma inversão da função originária da jurisdição: o poder-dever de julgar deixa de ser mecanismo de contenção do arbítrio para converter-se em instrumento de opressão processual disfarçada de legalidade.

Esse uso abusivo do direito de ação — ainda que tecnicamente conforme às regras de competência territorial e instrumental — fere diretamente os princípios fundamentais da Constituição da República (art. 5º, incisos IV, IX e XXXV), pois não se pode admitir que a estrutura do Estado seja manipulada para hostilizar direitos individuais sob o pretexto de sua tutela formal.

A compreensão dessa realidade exige um olhar hermenêutico que vá além do formalismo processual. É necessário considerar os efeitos materiais da litigância pulverizada sobre a parte demandada, os custos sociais da saturação da máquina judiciária e, sobretudo, a degradação da confiança no sistema judicial como espaço de racionalidade democrática.

Nesse cenário, a instrumentalização do processo, via assédio judicial, constitui grave violação à moralidade institucional da jurisdição, e impõe ao Poder Judiciário — enquanto garantidor da ordem constitucional — o dever de atuar com firmeza. Proteger o processo é, aqui, proteger a democracia.

3. A Resposta do STF na ADI 6792/DF: Coletivização e Competência Constitucionalmente Justificada

Ao julgar a ADI 6792/DF, o Supremo Tribunal Federal enfrentou uma realidade singular: o uso do aparato jurisdicional como mecanismo de dispersão estratégica de ações com identidade fática e jurídica substancial. Diante desse contexto, a Corte reconheceu, com precisão técnico-constitucional, que tal prática impõe uma resposta institucional capaz de preservar a unidade da jurisdição, a coerência da resposta judicial e a funcionalidade do sistema de justiça.

A decisão não se limitou a identificar o problema. Ela estruturou uma solução: a possibilidade de reunião processual das ações reiteradas perante o foro do domicílio do réu, inclusive de ofício, sempre que a dispersão configurar risco efetivo à integridade do processo e à coerência do tratamento judicial da controvérsia. A Corte não inovou ex nihilo: extraiu essa resposta do próprio sistema normativo vigente, especialmente dos dispositivos que tratam da conexão processual (art. 55 do CPC), modificação da competência (art. 65) e, sobretudo, da cooperação judiciária nacional (arts. 67 a 69).

Esse movimento interpretativo do STF representa um avanço hermenêutico em direção a uma leitura substancial e coordenada do processo, onde a forma processual serve à realização dos direitos, e não à perpetuação de distorções. Em outras palavras, o Tribunal afirma que a competência não é um fim em si mesmo, mas instrumento de racionalização, proteção da isonomia e efetividade jurisdicional.

Importante sublinhar: a Corte não afastou o princípio do juiz natural, mas procedeu a uma reinterpretação harmônica desse postulado com outros valores constitucionais, especialmente a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CRFB), a efetividade da jurisdição (art. 5º, XXXV) e a igualdade das partes no processo (art. 5º, I e LIV). Conforme apontado no voto do Relator, Ministro Dias Toffoli:

O juiz natural não é uma abstração desconectada da finalidade do processo. Ele deve ser compreendido dentro de uma racionalidade que proteja o réu contra práticas abusivas, ainda que disfarçadas de legalidade.”

(ADI 6792/DF, j. 04.04.2025)

 

A decisão tem ainda outra virtude: fortalece o poder-dever dos juízos na coordenação e cooperação entre varas distintas, promovendo a unidade decisória e a economia processual. A ênfase do STF na viabilidade da atuação de ofício dos magistrados nesses casos confirma o compromisso do Judiciário com a responsabilidade institucional e a integridade do sistema, mesmo quando isso exige soluções fora da ortodoxia territorial clássica.

Portanto, a resposta do STF na ADI 6792/DF deve ser lida como um gesto de afirmação da função constitucional do processo, especialmente em tempos de judicialização massiva com pretensões de sufocamento institucional. Ao articular coletivização, competência excepcional e racionalidade sistêmica, o Tribunal não cria um novo regime, mas realiza a Constituição pela via da integridade hermenêutica.

Trata-se, em última análise, de um marco de maturidade constitucional, que confere ao Poder Judiciário a legitimidade necessária para preservar sua própria função diante da litigância deformada.

4. Jurisdição e Filosofia do Direito: Reconstruindo o Sentido Ético do Processo

Se quisermos compreender com profundidade o que está em jogo no julgamento da ADI 6792/DF, é necessário ir além da dogmática processual e ingressar no campo da Filosofia do Direito. Afinal, quando se discute a utilização abusiva do processo judicial para perseguir, silenciar ou sufocar, o debate já não é apenas sobre competências, ritos e fórmulas. Trata-se de algo muito mais profundo: qual é o papel ético da jurisdição em um Estado Democrático de Direito?

Essa pergunta, caro leitor, exige uma reflexão que desloque o foco da técnica para a teoria, da regra para o princípio, da forma para o conteúdo. E é nesse deslocamento que a Filosofia do Direito se revela imprescindível.

Norberto Bobbio, em sua clássica reflexão sobre o sistema jurídico moderno, advertia que todo ordenamento opera sob uma tensão constante entre garantias individuais e eficácia institucional. Para ele, o verdadeiro desafio da justiça não está na aplicação acrítica de normas, mas na sua harmonização com os valores que sustentam o sistema. A aplicação cega e descontextualizada de garantias processuais — como a rigidez da competência territorial — pode, paradoxalmente, servir ao arbítrio, quando utilizada para viabilizar práticas de assédio judicial. É a forma servindo à destruição da substância.

Ronald Dworkin, por sua vez, nos oferece uma chave de leitura especialmente útil. Para o autor, os direitos fundamentais não são meras regras formais, mas sim princípios jurídicos — dotados de peso moral, que exigem ponderação, argumentação racional e responsabilidade ética no momento de sua aplicação. No contexto do assédio judicial, isso significa dizer que a garantia do juiz natural, embora central, não pode ser tratada como dogma absoluto, especialmente quando está sendo invocada para impedir a reação judicial a uma prática abusiva e coordenada de litigância predatória.

Dworkin nos lembra que aplicar o direito corretamente é um ato de integridade moral. E o que o Supremo Tribunal Federal fez na ADI 6792/DF foi exatamente isso: proteger os princípios constitucionais da jurisdição contra sua manipulação. A Corte compreendeu que o respeito ao juiz natural não implica ceder à fragmentação artificial de ações como estratégia de coerção.

Jürgen Habermas, ao tratar do direito como forma institucional do discurso racional, sustenta que a legitimidade do sistema jurídico depende de sua capacidade de garantir a comunicação livre, simétrica e igualitária entre os sujeitos. Ora, o que ocorre no assédio judicial é o contrário: a saturação do Judiciário, pela via de ações múltiplas, quebra a integridade comunicativa do processo. Quando o contraditório é sufocado pela sobrecarga, quando o réu é obrigado a se defender simultaneamente em dezenas de comarcas, o que temos não é mais um processo — é um ritual jurídico sem discurso autêntico. É o simulacro da jurisdição.

Por fim, Luigi Ferrajoli nos oferece a distinção decisiva entre o garantismo autêntico e o garantismo degenerado. O primeiro — verdadeiro pilar de um Estado constitucional — protege o indivíduo contra os abusos do poder, inclusive o poder jurisdicional. Já o segundo, ao absolutizar as formas processuais e desconsiderar sua finalidade protetiva, transforma o direito em ferramenta de legitimação da opressão. Quando o Judiciário se recusa a reagir ao assédio judicial com base em garantias formais — como a imutabilidade da competência — ele deixa de ser garantista e passa a ser cúmplice da arbitrariedade travestida de formalidade.

A decisão do STF, portanto, não apenas se alinha a uma concepção ética do processo — ela reafirma o compromisso do Poder Judiciário com a proteção ativa das liberdades fundamentais. Trata-se de uma postura que rompe com o formalismo ritualista e devolve à jurisdição o seu verdadeiro papel: o de guardiã da democracia, da justiça e da igualdade material entre os sujeitos processuais.

Você, leitor, que milita diariamente nos tribunais, sabe que o processo civil é cada vez mais um espaço de disputa de poder. E é justamente por isso que ele precisa ser continuamente reconstruído à luz dos princípios da Filosofia do Direito, sob pena de degenerar em técnica vazia, disponível aos que a manipulam.

A ADI 6792/DF não inaugura um novo direito. Ela apenas recoloca o processo no lugar de onde ele nunca deveria ter saído: como instrumento ético de realização da justiça constitucional.

 

5. Conclusão: A Função Pública da Jurisdição e o Dever de Reagir

 

A decisão proferida na ADI 6792/DF representa, em sua essência, um marco de transição hermenêutica: desloca-se o olhar tradicional sobre o processo — como mera técnica procedimental — para uma leitura ética, funcional e constitucionalmente comprometida com a proteção contra abusos sistematizados. Ao reconhecer a legitimidade da coletivização processual como forma de resposta à litigância predatória, o Supremo Tribunal Federal recoloca a jurisdição no seu verdadeiro lugar institucional: uma estrutura de contenção ao arbítrio, e não um instrumento à disposição dos interesses que o perpetuam.

O processo não pode ser neutro diante da injustiça. Quando utilizado como ferramenta de opressão — como ocorre nos casos de assédio judicial pulverizado, territorialmente manipulado, mas coordenado em sua finalidade — o sistema precisa reagir. E essa reação não é política, nem ativista: é constitucional. É expressão do dever institucional do Judiciário de proteger o processo contra o seu próprio desvirtuamento.

A jurisdição, enquanto prática institucional, carrega um compromisso com os valores que estruturam o Estado Democrático de Direito: liberdade, igualdade, dignidade, racionalidade e justiça. O juiz — especialmente o juiz constitucional — não pode se esconder atrás da inércia procedimental ou da neutralidade formal quando a própria integridade do sistema está em jogo. Como guardião da Constituição, tem o dever de agir.

Mais do que uma simples decisão sobre competência territorial, a ADI 6792/DF reafirma que o processo é trincheira — e não trinchete. É instrumento de emancipação — e não de silenciamento. É espaço de discurso — e não de dispersão estratégica.

Trata-se, portanto, de uma reafirmação da jurisdição como função pública dotada de responsabilidade ética, fundada não apenas na literalidade da lei, mas na conformidade moral com os princípios constitucionais que conferem legitimidade ao exercício do poder jurisdicional.

A lição que fica é clara: a legalidade sem integridade é forma sem alma; a técnica sem compromisso é caminho aberto à injustiça. A resposta institucional que emerge da ADI 6792/DF devolve à jurisdição seu papel ativo na defesa da democracia e dos direitos fundamentais. E nos obriga, como operadores do Direito, a um posicionamento claro: não há lugar para neutralidade quando a Constituição está sendo instrumentalmente desafiada.

Essa é, afinal, a missão contemporânea da jurisdição: proteger a si mesma para continuar protegendo a todos.

 

 

Referências

BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. 10. ed. São Paulo: EDIPRO, 1995.
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. v. 1. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003.
STF. ADI 6792/DF. Rel. Min. Dias Toffoli. Plenário. Julgado em 04/04/2025. Disponível em: https://jurishand.com/jurisprudencia-stf-6792-de-04-abril-2025 . Acesso em: 06 jun. 2025.

 

Recuperação Judicial Não Alcança Avalistas Nem Invalida Penhora Prévia


A recuperação judicial, como instituto jurídico voltado à preservação da empresa e da atividade produtiva, não se presta — e jamais se prestou — à blindagem indiscriminada de coobrigados ou terceiros garantidores, como avalistas. Esta é a linha adotada com clareza e firmeza pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), ao julgar a Apelação Cível nº 1001371-30.2021.8.26.0373, confirmando decisão que negou o pedido de suspensão da execução ajuizada contra avalistas de cédula de crédito bancário, não obstante a recuperação judicial da empresa devedora principal.


Na origem, a execução foi proposta pelo Banco Pine S.A. contra produtores rurais que prestaram aval em cédula de crédito bancário. Os executados alegaram que, após o deferimento da recuperação judicial da empresa devedora, seria aplicável o art. 6º da Lei nº 11.101/2005, impondo a suspensão do feito executivo. Invocaram ainda a essencialidade de bens penhorados à atividade rural.


O TJSP, por meio de voto da lavra do Des. Fortes Barbosa, afastou integralmente os argumentos de defesa, com base em dois fundamentos centrais: a autonomia da obrigação do avalista e a validade da penhora anterior ao deferimento da recuperação.


O relator foi direto ao afirmar que:


“Não se deve admitir que a empresa em recuperação judicial utilize-se do procedimento recuperacional para blindar os seus avalistas, que assumiram pessoalmente o pagamento da dívida contraída.”

(TJSP, Apelação Cível nº 1001371-30.2021.8.26.0373, rel. Des. Fortes Barbosa, 28ª Câmara de Direito Privado, j. 12.09.2022)


O Tribunal reconheceu que a obrigação assumida pelo avalista é de natureza autônoma, prevista no art. 30 da Lei Uniforme de Genebra (Decreto nº 57.663/66), e não depende da obrigação principal da empresa devedora. Sendo assim, o deferimento da recuperação judicial não suspende a execução movida contra o garantidor pessoal, salvo demonstração inequívoca de que o crédito decorre diretamente da atividade-fim da empresa — o que, no caso, não restou provado.


Esse entendimento está respaldado em sólida jurisprudência da própria Corte, que já decidiu, por exemplo:


“A recuperação judicial não impede a execução contra avalista que assumiu obrigação pessoal. A suspensão prevista no art. 6º da Lei 11.101/2005 dirige-se ao devedor principal e não alcança os coobrigados.”

(TJSP, Apelação Cível nº 1005745-63.2016.8.26.0361, rel. Des. César Ciampolini, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, j. 25.09.2018)


Da mesma forma, em outros julgados relatados pelo próprio Des. Fortes Barbosa, firmou-se que:


“Inviável a extensão dos efeitos da recuperação judicial ao avalista, sob pena de distorção do próprio regime jurídico recuperacional.”

(TJSP, Apelação Cível nº 1000356-17.2018.8.26.0271, 28ª Câmara de Direito Privado, j. 17.08.2021)


E também que:


“A obrigação assumida pelo avalista é autônoma e não está sujeita ao regime jurídico da recuperação judicial.”

(TJSP, Apelação Cível nº 1000653-07.2017.8.26.0271, 28ª Câmara de Direito Privado, j. 27.04.2021)


O próprio Superior Tribunal de Justiça (STJ) compartilha dessa leitura, conforme consolidado no leading case:


“As garantias pessoais, como o aval e a fiança, não se submetem, em regra, aos efeitos da recuperação judicial.”

(STJ, REsp 1.333.349/SP, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, 3ª Turma, j. 24.06.2014, DJe 01.08.2014)


Além da execução contra os avalistas, o TJSP também examinou a validade da penhora realizada anteriormente ao deferimento da recuperação. Os executados alegaram que os bens seriam essenciais à atividade rural e, por essa razão, estariam protegidos pelo chamado stay period. O argumento foi rechaçado, por ausência de prova efetiva da essencialidade do bem à atividade produtiva. O relator destacou que o deferimento da recuperação judicial não tem efeito retroativo e não invalida penhora regularmente realizada antes de sua concessão.


Essa posição é plenamente alinhada à melhor doutrina e preserva o núcleo da segurança jurídica: o credor diligente que promove execução e logra constrição anterior ao deferimento da recuperação deve ter preservado o ato executivo praticado, sobretudo quando não se comprova o caráter essencial do bem penhorado à atividade econômica.


Em síntese, o acórdão do TJSP representa firme reafirmação da separação entre a esfera patrimonial da empresa devedora e aquela dos seus garantidores pessoais, reafirma a força executiva do aval, e protege os efeitos válidos de penhora realizada em tempo anterior ao início do processo recuperacional. A decisão prestigia a coerência do sistema jurídico e delimita os efeitos da recuperação judicial aos exatos termos da lei, sem admitir extensões que, na prática, comprometem o equilíbrio das relações contratuais e a previsibilidade do crédito.


Essa jurisprudência tem relevante impacto prático para instituições financeiras, investidores e credores estratégicos, que muitas vezes se veem paralisados diante do deferimento de uma recuperação judicial. A mensagem dos tribunais é clara: nem todo crédito está sujeito ao plano recuperacional; nem toda garantia é atingida pelo stay period.


Nosso escritório oferece atuação altamente especializada na execução de garantias pessoais e preservação de penhoras em contextos de recuperação judicial, com foco em efetividade do crédito e proteção da posição jurídica do credor. A leitura técnica das decisões e a pronta reação jurídica são, muitas vezes, o diferencial entre o recebimento do crédito e sua perda definitiva. 

09/05/2025

DEZ ANOS DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL: O QUE APRENDEMOS COM AS 11 TESES FUNDAMENTAIS DO STJ



Caro leitor, cara leitora,

 

Há exatos dez anos, o novo Código de Processo Civil entrava em vigor, carregando consigo promessas ambiciosas: simplificação, cooperação, efetividade, primazia do julgamento de mérito. O tempo passou, a prática moldou a teoria, e hoje temos um panorama muito mais claro de onde acertamos, onde ainda tropeçamos e como evoluímos.

Foi nesse contexto que o Superior Tribunal de Justiça, verdadeiro guardião da interpretação da legislação infraconstitucional, publicou a Jurisprudência em Teses nº 255, selecionando onze teses que ilustram o amadurecimento do CPC/2015.

Mas o que exatamente essas teses nos dizem? Por que importam na vida do advogado, do juiz, do jurisdicionado? Convido você a uma leitura que vai além da simples enumeração: vamos refletir, juntos, sobre o que cada uma dessas decisões representa.

1. ACESSO À JUSTIÇA SEM FRONTEIRAS: A GRATUIDADE PARA ESTRANGEIROS NÃO RESIDENTES

Será que alguém que nem mora no Brasil pode bater às portas do Judiciário brasileiro pedindo gratuidade da justiça?

A resposta é sim, e com toda razão jurídica e constitucional. Foi isso que afirmou o Superior Tribunal de Justiça ao interpretar o artigo 98 do Código de Processo Civil, reforçando o entendimento de que a gratuidade da justiça não está condicionada à nacionalidade brasileira nem à residência no território nacional.

Mas por que isso é importante na prática?

Vamos imaginar um cenário comum: uma cidadã portuguesa, que esteve em viagem ao Brasil, sofre um acidente de trânsito em São Paulo, causado por um motorista local. De volta ao seu país, sem recursos financeiros e ainda em tratamento médico, ela decide ajuizar uma ação indenizatória aqui no Brasil, buscando reparação pelos danos sofridos.

Antes do CPC/2015, haveria dúvida — e resistência — quanto à possibilidade de concessão da gratuidade àquela estrangeira, especialmente se não residisse nem tivesse vínculo estável com o país. Alguns juízes poderiam exigir prova de reciprocidade internacional, ou alegar que o benefício seria reservado a brasileiros e residentes.

Hoje, esse entendimento não se sustenta mais.

Com a redação ampla e objetiva do artigo 98, o novo código passou a tratar a gratuidade como um direito processual subjetivo, vinculado única e exclusivamente à condição de insuficiência de recursos da parte, e não a critérios territoriais ou nacionais. Isso significa que qualquer pessoa, brasileira ou não, residente ou não, pode pleitear o benefício se demonstrar que não tem condições de arcar com as custas, sem prejuízo próprio ou de sua família.

E o que disse o STJ?

Em decisões paradigmáticas como a proferida no Pet 9815/DF, a Corte deixou claro: a Justiça brasileira não pode se fechar a quem procura proteção jurisdicional, desde que o pedido esteja fundado em direito e necessidade legítima. Ao fazer isso, o Tribunal aplica diretamente os princípios da isonomia, do devido processo legal e da dignidade da pessoa humana — todos eles com status constitucional.

Isso nos convida a refletir: por que a nacionalidade deveria ser um obstáculo ao acesso à Justiça? Não seria incoerente negar esse direito justamente a quem, por estar fora do país, tem menos acesso a meios de defesa?

Mais do que uma discussão técnica, essa tese revela uma visão humanista e democrática do processo civil, rompendo com uma tradição excludente, muitas vezes enrijecida por formalismos.

 

Em síntese:

·        A condição financeira da parte é o único critério relevante para a concessão da justiça gratuita;

·        O domicílio estrangeiro não impede o pedido, desde que o processo tramite perante o Judiciário brasileiro;

·        A decisão do STJ reafirma que a jurisdição é um serviço público de natureza universal;

·        Advogados que atuam em causas internacionais ou com clientes estrangeiros devem estar atentos a esse direito, para não reproduzir antigos preconceitos normativos.

 

2. TRANSIÇÃO LEGISLATIVA E O AGRAVO EM AUTOS APARTADOS: SEGURANÇA OU SURPRESA?

Quando o novo Código de Processo Civil entrou em vigor em 2016, muitos processos ainda tramitavam sob o regime do antigo CPC de 1973. E isso gerou um desafio prático e teórico que ainda hoje ressoa: como lidar com atos processuais praticados na vigência do código revogado, mas cujos efeitos se prolongam sob o novo código?

Essa dúvida ganhou forma concreta em uma situação muito comum: a impugnação à gratuidade da justiça apresentada em autos apartados, ainda na vigência do CPC/1973, mas decidida já sob o CPC/2015.

E surge a pergunta: é cabível agravo de instrumento contra essa decisão? Afinal, o código antigo não previa essa hipótese de recurso, e o novo prevê (art. 1.015, V). Estamos diante de uma transição normativa.

O Superior Tribunal de Justiça, enfrentando o tema com a cautela que merece, afirmou que sim, é cabível agravo de instrumento mesmo nesses casos. Ou seja, a nova regra recursal aplica-se às decisões proferidas após a entrada em vigor do CPC/2015, independentemente de o incidente ter sido instaurado anteriormente.

Mas por que essa decisão é tão relevante?

Porque ela traz segurança jurídica em meio ao caos das transições legislativas. Em vez de adotar uma postura rígida — que poderia vedar o direito ao recurso simplesmente pelo “pecado” de o incidente ter nascido sob o CPC/73 —, o STJ preferiu olhar para a natureza da decisão e o momento da sua prolação.

Vamos exemplificar com uma situação realista:

Imagine que uma empresa requereu gratuidade da justiça em um processo iniciado em 2015. O pedido foi impugnado pelo réu e, como manda o figurino da época, a impugnação foi autuada em autos apartados. Por inércia ou sobrecarga, o juiz só analisou o pedido em 2017, já na vigência do novo CPC, deferindo a gratuidade.

O que poderia fazer a parte contrária? Sob o CPC/73, essa decisão não era agravável. Mas sob o CPC/15, é expressamente agravável (art. 1.015, V). Haveria direito ao recurso?

Sim, afirmou o STJ, pois a regra aplicável é a vigente no momento da decisão, e não no momento em que o incidente foi instaurado. É o princípio da atividade regida pelo direito vigente à época da prática do ato, e não do início do processo.

Esse posicionamento evita injustiças como a perda do direito de recorrer por um critério meramente temporal e formal. Afinal, o que está em jogo aqui não é só um tecnicismo recursal, mas o acesso efetivo à impugnação de decisões que impactam direitos fundamentais, como o custeio do processo.

A lição que fica é clara: a transição entre códigos exige hermenêutica construtiva, não punitiva. A função do Judiciário deve ser suavizar os impactos da mudança, e não surpreender as partes com decisões intransigentes.

Em síntese:

  • Agravo de instrumento é cabível contra decisão sobre gratuidade, mesmo em incidente instaurado sob o CPC/73, se a decisão foi proferida já sob o CPC/15;
  • O artigo 1.015, V, deve ser interpretado com base no momento da decisão, e não do início do incidente;
  • A tese promove uniformidade e segurança jurídica, especialmente relevante para quem atua em processos de longa duração;
  • Evita prejuízos processuais fundados em datas e não em direitos.

 

E você? Já se viu em uma situação em que o código mudou no meio do caminho? Já perdeu ou quase perdeu a chance de recorrer por uma dúvida como essa?

Essas teses do STJ são lembretes de que o Direito Processual não é uma armadilha cronológica, mas um instrumento vivo, que deve funcionar como ponte — e não como muro — entre normas e Justiça.

 

3. O ENSINO JURÍDICO NA PRÁTICA: PRAZO EM DOBRO PARA TODOS?

Você já atuou com um Núcleo de Prática Jurídica? Ou já precisou peticionar em nome de um cliente atendido por uma faculdade de Direito? Se sim, talvez tenha se deparado com a seguinte dúvida: os escritórios de prática jurídica de instituições privadas de ensino também têm direito ao prazo em dobro para manifestações processuais, como já se reconhecia às universidades públicas?

A resposta é: sim, têm direito ao mesmo benefício. E isso não é mero detalhe — é afirmação de igualdade institucional e valorização do papel social do ensino jurídico.

O artigo 186, §3º, do Código de Processo Civil de 2015 estabelece que as prerrogativas da Defensoria Pública se estendem aos escritórios-modelo das instituições de ensino superior. Porém, durante muito tempo, essa prerrogativa foi aplicada apenas às universidades públicas, sob o argumento (questionável) de que estariam mais próximas da função institucional da Defensoria.

Foi o Superior Tribunal de Justiça que, com a maturidade que a Constituição exige, corrigiu esse equívoco: não importa se a faculdade é pública ou privada; o que importa é o papel que desempenha — a defesa gratuita de pessoas hipossuficientes, por meio de um núcleo estruturado e reconhecido.

Vamos imaginar um caso realista:

Uma senhora idosa, com problemas de saúde e renda mínima, busca auxílio jurídico gratuito. Ela é atendida por um escritório de prática jurídica de uma universidade privada, com alunos supervisionados por professores. O núcleo ingressa com ação revisional de contrato bancário. O juiz, no curso do processo, nega o prazo em dobro à faculdade, alegando que não se trata de Defensoria Pública nem de instituição pública.

O que fazer? A tese fixada pelo STJ orienta com clareza: o prazo em dobro é cabível, sim, sempre que o escritório de prática jurídica estiver exercendo a função de assistência gratuita, independentemente de sua natureza pública ou privada.

E por que isso é relevante?

Porque o Direito não pode admitir duas categorias de cidadão hipossuficiente: um que tem direito ao contraditório ampliado, quando assistido por universidade pública; e outro que tem acesso mais limitado à Justiça, porque buscou atendimento em uma instituição privada.

Mais do que isso: a Constituição assegura liberdade de ensino, igualdade entre instituições e acesso à Justiça para todos. Excluir as privadas seria discriminação institucional injustificável.

Essa decisão fortalece também o papel pedagógico desses núcleos. Ao garantir o prazo em dobro, permite que os alunos aprendam com tempo e cuidado, sob supervisão docente — afinal, a formação de um bom profissional do Direito também exige tempo e zelo técnico, e o processo precisa acolher essa realidade.

 

Em síntese:

  • O prazo em dobro do art. 186, §3º do CPC aplica-se tanto às instituições públicas quanto às privadas, desde que atuem por meio de escritórios-modelo ou núcleos de prática jurídica;
  • A prerrogativa é funcional e pedagógica, vinculada à defesa gratuita de necessitados e ao processo de formação jurídica;
  • O STJ assegura isonomia entre instituições de ensino e protege o direito fundamental de acesso à Justiça;
  • Essa tese é especialmente útil em petições e recursos que alegam cerceamento de defesa por negativa do benefício.

Agora, com esse entendimento consolidado pelo STJ, há base firme para reivindicar o direito. E, mais do que isso, reafirmar que formar estudantes de Direito e atender pessoas carentes não é exclusividade do ensino público — é missão compartilhada.

 

4. Sentença estrangeira sem trânsito em julgado? Sim, desde que eficaz

Imagine o seguinte cenário: uma empresa brasileira é condenada por um tribunal da Alemanha ao pagamento de indenização a um fornecedor local. A sentença, ainda que passível de recurso naquele país, já produz efeitos concretos — por exemplo, foi utilizada para protestar a dívida ou executar garantias bancárias. O fornecedor decide homologar essa decisão no Brasil, com o objetivo de penhorar ativos da empresa aqui.

Mas então surge a pergunta que muitos advogados e juízes já fizeram: é necessário que essa sentença esteja transitada em julgado lá fora para que seja homologada aqui?

A resposta, segundo a interpretação firmada pelo Superior Tribunal de Justiça, é não. O que importa não é o trânsito em julgado, mas a eficácia da sentença no ordenamento jurídico de origem. É isso que estabelece o artigo 963, inciso III, do Código de Processo Civil de 2015.

E por que isso faz sentido?

Porque exigir o trânsito em julgado seria um entrave desnecessário à cooperação jurídica internacional, e colocaria o Brasil em descompasso com os princípios que regem o reconhecimento de decisões estrangeiras na maioria dos sistemas processuais modernos.

Vamos pensar de forma prática.

Muitas decisões estrangeiras têm eficácia imediata mesmo antes de seu trânsito em julgado. Isso é especialmente comum em sistemas que adotam o duplo grau de jurisdição sem efeito suspensivo automático — ou seja, o recurso não impede a produção de efeitos da sentença. Nesses casos, a decisão já pode ser executada no país de origem. Logo, se ela já é eficaz lá, por que exigir no Brasil uma condição que nem mesmo o país de origem exige para que ela surta efeitos?

Mais ainda: a exigência de trânsito em julgado pode criar um incentivo indevido à litigiosidade, pois a parte contrária no país de origem pode recorrer apenas para impedir a homologação no Brasil, mesmo sabendo que perderá. Seria um uso abusivo do sistema jurídico.

O STJ, ao flexibilizar esse requisito, adota uma postura de racionalidade jurídica e alinhamento ao princípio da boa-fé processual, reconhecendo que o que realmente interessa é a eficácia da sentença e sua compatibilidade com a ordem pública brasileira — e não o esgotamento formal de todas as vias recursais no exterior.

Aliás, essa compreensão está plenamente em sintonia com a Convenção Interamericana sobre Eficácia Extraterritorial de Sentenças Estrangeiras e com os princípios que regem o Direito Internacional Privado, segundo os quais o reconhecimento de sentenças estrangeiras deve priorizar a funcionalidade, não o formalismo.

 

Em síntese:

  • Não é necessário o trânsito em julgado da sentença estrangeira para que seja homologada no Brasil, desde que ela já seja eficaz no país de origem;
  • A exigência indevida de trânsito em julgado contraria os princípios da cooperação internacional e da efetividade processual;
  • O art. 963, III, do CPC/2015 permite uma interpretação mais moderna, voltada à utilidade e à função prática da sentença estrangeira;
  • Essa tese é especialmente importante em execuções internacionais, arbitragens, e disputas comerciais transnacionais.

 

Com essa jurisprudência firme do STJ, há fundamentos claros para sustentar o pedido. E mais do que isso: reafirma-se o compromisso do Judiciário brasileiro com um processo civil aberto ao diálogo internacional, atento às realidades econômicas e jurídicas do mundo globalizado.

5. Repercussão geral não suspende automaticamente os processos: sobrestamento exige decisão expressa

Você já teve um processo sobrestado por causa da repercussão geral? Ou pior: já peticionou pedindo suspensão de um feito sob o argumento de que o STF reconheceu a matéria como relevante? Se sim, é provável que tenha se deparado com o seguinte dilema: afinal, o simples reconhecimento da repercussão geral suspende automaticamente os processos sobre o tema?

De forma direta: não suspende automaticamente. O Superior Tribunal de Justiça foi categórico ao afirmar que o sobrestamento depende de decisão expressa do relator no STF. Essa é a interpretação que decorre do artigo 1.035, §5º, do Código de Processo Civil de 2015.

E aqui cabe uma pausa para refletir: por que essa tese importa tanto na prática?

Porque, em tempos de precedentes vinculantes, muitos operadores do Direito caem na tentação de entender a repercussão geral como um “botão de pausa” universal. Algo como: “Reconheceu a repercussão? Suspende tudo!”. Mas essa lógica simplista ignora dois elementos fundamentais:

  1. O sistema de precedentes exige gestão judicial ativa e não automatismos que engessam o processo;
  2. O reconhecimento da repercussão geral apenas sinaliza que o tema é relevante, não que a sua tramitação seja incompatível com o julgamento futuro do STF.

Vamos a um exemplo concreto:

Imagine que você advoga em favor de um servidor público e está discutindo o direito à incorporação de uma vantagem pessoal aos proventos de aposentadoria. Um recurso extraordinário sobe ao STF tratando da mesma tese jurídica, e a Corte reconhece a existência de repercussão geral.

Naturalmente, você pensa: “Vou pedir o sobrestamento do meu processo, pois o Supremo vai decidir”. Só que o relator no STF ainda não determinou a suspensão dos demais feitos. Resultado? O juiz de primeira instância pode (e deve) continuar julgando.

Essa orientação é coerente com a lógica de eficiência e racionalidade processual. Afinal, há casos em que a controvérsia está próxima da resolução, e suspender a marcha processual significaria atrasar a entrega da tutela jurisdicional, sem ganho efetivo.

Além disso, a decisão do STJ evita abuso do pedido de suspensão como estratégia protelatória. A repercussão geral não deve ser usada como instrumento de defesa em processos em que o interesse real é ganhar tempo e não resolver o mérito.

Outro ponto importante: o STF, ao reconhecer repercussão geral, não julga de imediato. O julgamento pode levar anos. Se todos os processos fossem suspensos automaticamente, o sistema travaria. O que o artigo 1.035, §5º fez foi atribuir ao relator do STF a função de moderador, definindo se e quando a suspensão deve ocorrer.

Em síntese:

  • O reconhecimento da repercussão geral não acarreta a suspensão automática dos processos relacionados ao tema;
  • O sobrestamento depende de decisão expressa do relator do recurso extraordinário no Supremo Tribunal Federal;
  • Essa interpretação preserva a eficiência processual e coíbe manobras procrastinatórias;
  • A tese tem impacto direto em processos tributários, administrativos, previdenciários e de massa, onde a repercussão geral é frequentemente invocada.

Pois bem, com essa tese do STJ, você tem um argumento sólido para defender a continuidade da marcha processual, mesmo diante da repercussão geral. É a autoridade do relator — e não o tema em si — que determina a suspensão.

 

6. Embargos de declaração interrompem prazos? Sim, mas apenas para interposição de recursonão para defesa

Essa é uma daquelas armadilhas do dia a dia forense: o advogado vê a parte contrária interpondo embargos de declaração, e pensa — legitimamente, mas de forma equivocada — que o prazo para todos os atos processuais está suspenso. E então relaxa, posterga, espera.

Só que o prazo corre. E, quando menos se espera, a oportunidade de apresentar uma defesa — como embargos à execução — se esvai.

Aqui entra a orientação firme do Superior Tribunal de Justiça: os embargos de declaração interrompem o prazo apenas para a interposição de recurso, conforme dispõe o artigo 1.026 do Código de Processo Civil de 2015.

Mas atenção: isso não se estende às defesas processuais, como, por exemplo, os embargos à execução ou a impugnação ao cumprimento de sentença.

Vamos a um exemplo para ilustrar.

Imagine que um devedor é intimado da decisão que defere o cumprimento de sentença. Ele tem prazo legal para impugnar. A parte exequente, no entanto, opõe embargos de declaração contra essa decisão, tentando esclarecer um ponto omisso.

O advogado do executado, ao tomar ciência dos embargos, acredita que o prazo dele também está interrompido — afinal, “embargos interrompem o prazo, certo?”

Errado, neste caso.

A interrupção vale somente para a parte que teria que recorrer. O executado não está recorrendo da decisão, ele está se defendendo da execução. O prazo para a defesa dele continua a correr normalmente.

Se ele perder esse prazo por confiar em uma interpretação extensiva do artigo 1.026, perderá o direito de se manifestar — e poderá ser considerado revel ou ver seu patrimônio penhorado sem contraditório efetivo.

Essa tese firmada pelo STJ é uma advertência à advocacia e à magistratura: o processo civil exige rigor técnico no manejo dos prazos, e qualquer ampliação de efeitos processuais precisa estar fundamentada na lei — não em inferências ou analogias.

Há, ainda, um pano de fundo importante: a diferenciação entre defesa e recurso. Embora ambos sejam manifestações do contraditório, ocupam lugares distintos na estrutura procedimental. O recurso visa revisar uma decisão judicial. Já a defesa, especialmente na fase de execução, é um direito reativo à pretensão do exequente, com prazos autônomos.

 

Em síntese:

  • Embargos de declaração interrompem apenas o prazo para interposição de recurso (art. 1.026 do CPC);
  • Não interrompem prazos para apresentação de defesas autônomas, como embargos à execução ou impugnação ao cumprimento de sentença;
  • A aplicação indevida dessa interrupção pode levar à preclusão temporal e graves prejuízos patrimoniais;
  • A tese é essencial em execuções fiscais, ações de cobrança e cumprimento de sentença, onde os prazos são exíguos e de natureza peremptória.

 

E você, colega, já teve que esclarecer esse ponto para um cliente ou mesmo para um colega de profissão? Já viu embargos serem indeferidos por intempestividade por conta de um cálculo de prazo equivocado?

Essa decisão do STJ nos lembra que o processo é, sim, instrumento de justiça, mas que a justiça também depende do manejo técnico e preciso dos seus ritos. Não há espaço para “achismos” em contagem de prazos.

 

7. Reclamação para fazer valer precedente repetitivo? Não é por esse caminho

Você já se viu diante de uma decisão que claramente contraria uma tese fixada em recurso especial repetitivo, e teve vontade de protocolar uma reclamação diretamente no STJ?

Se sim, saiba que esse impulso, embora compreensível, pode levar a um erro processual grave, se a reclamação for usada como atalho para corrigir uma má aplicação do precedente. Isso porque o STJ tem reiterado que não cabe reclamação com o único fundamento de inobservância de entendimento firmado em recurso repetitivo, nos termos do artigo 988, §5º, inciso II, do Código de Processo Civil de 2015.

Aqui vale uma pausa: por que isso importa tanto?

Porque vivemos na era dos precedentes obrigatórios. Desde o CPC/2015, o sistema jurídico brasileiro deu um passo relevante na tentativa de racionalizar o volume de litígios e padronizar a jurisprudência, criando um modelo híbrido entre o civil law e o common law.

Nesse modelo, as teses firmadas em recursos especiais repetitivos — assim como em repercussão geral no STF — têm eficácia vinculante para os demais órgãos do Judiciário. Porém, essa vinculação não transforma a reclamação em instrumento universal de correção.

Vamos imaginar um caso concreto.

Suponha que um juiz de primeiro grau julgue improcedente uma ação baseada em contrato bancário, ignorando tese firmada em recurso repetitivo do STJ que reconhece a abusividade de determinada cláusula. O advogado, indignado, decide não recorrer pela via ordinária e opta por propor reclamação diretamente no STJ, argumentando que houve violação ao precedente repetitivo.

Essa reclamação será inadmitida.

Por quê? Porque a função da reclamação, nesse caso, não é substituir o recurso cabível (apelação ou recurso especial). A correta aplicação de tese repetitiva deve ser arguida nos meios processuais ordinários, como fundamento recursal, e não por via autônoma.

A única hipótese legal de cabimento da reclamação, nesse contexto, seria se o acórdão impugnado tivesse afastado a aplicação de uma tese vinculante firmada pelo próprio STJ em um caso no qual ele já tenha decidido a matéria como instância última, e mesmo assim a decisão inferior tenha descumprido frontalmente — e ainda assim, de forma excepcional.

O que o STJ tem feito com essa tese é resgatar a finalidade original da reclamação constitucional: preservar a autoridade das decisões de instância superior e garantir a competência do tribunal. Ela não é um “recurso coringa”, e seu uso indiscriminado ameaça a coerência do sistema recursal.

Além disso, usar a reclamação indevidamente pode provocar não só a sua rejeição, mas também sanções por má-fé ou protelação, e responsabilização por atuação temerária, especialmente em causas de massa, como nos juizados especiais ou em ações consumeristas.

 

Em síntese:

  • Não cabe reclamação ao STJ apenas por inobservância de tese firmada em recurso repetitivo (art. 988, §5º, II, do CPC);
  • A reclamação não substitui o recurso cabível — a via adequada para discutir a má aplicação de precedente é o recurso próprio, como apelação ou recurso especial;
  • O uso indevido da reclamação pode ser interpretado como manobra protelatória ou desvio de finalidade;
  • A tese fortalece a sistemática dos precedentes obrigatórios, sem permitir sua banalização ou uso fora das hipóteses legais.

 

E você, já cogitou usar a reclamação como solução rápida para o descumprimento de um precedente? Já se deparou com decisões que contrariavam repetitivos e não sabia se havia fundamento técnico para ir direto ao STJ?

A resposta está dada: o caminho é o recurso — e não a reclamação. A construção de uma jurisprudência estável, íntegra e coerente exige que cada ferramenta seja usada em sua medida certa.

8. IRDR e a reclamação: quando a vinculação não se impõe ao STJ por essa via

Sabemos que o IRDR – o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas – foi uma das grandes inovações do CPC de 2015. A proposta era clara: permitir que os tribunais locais uniformizassem entendimentos sobre questões de direito repetitivas, garantindo isonomia de tratamento e segurança jurídica nas decisões de massa.

Mas eis a dúvida que vem se impondo desde então: quando um tribunal local firma uma tese em IRDR e essa tese é confirmada ou alinhada pelo STJ em recurso especial, é cabível reclamação quando um juízo ou tribunal inferior ignora esse entendimento?

De maneira enfática, o STJ disse não. Não cabe reclamação ao STJ por inobservância de tese fixada em recurso especial interposto no âmbito de um IRDR. E esse entendimento se ancora na interpretação dos artigos 987, caput, e 988, inciso IV, do CPC/2015.

Vamos entender isso melhor com um exemplo prático.

Imagine que o Tribunal de Justiça de determinado estado, diante de uma enxurrada de ações de servidores públicos questionando o desconto previdenciário em verbas indenizatórias, decide instaurar um IRDR. Após o procedimento regular, firma-se a tese de que o desconto é indevido. Contra essa tese, é interposto recurso especial, que é julgado pelo STJ, confirmando o entendimento do tribunal local.

Agora, suponha que, meses depois, um juiz de primeiro grau decide de forma contrária ao entendimento firmado, aplicando uma interpretação própria e ignorando tanto o IRDR quanto a decisão do STJ no recurso especial.

Pode a parte prejudicada propor uma reclamação diretamente no STJ, alegando violação ao precedente?

Não. E é aqui que entra o núcleo da tese do STJ.

O entendimento da Corte é que, ainda que a decisão do STJ tenha confirmado a tese do IRDR, isso não transforma automaticamente aquela decisão em precedente vinculante para fins de reclamação. Isso porque a competência para gerir o cumprimento das teses firmadas em IRDR continua sendo dos próprios tribunais locais.

A função do STJ, nesse contexto, é apenas a de controle de legalidade da decisão no âmbito do recurso cabível — e não de substituição do tribunal originário na fiscalização da aplicação da tese. Permitir que o STJ controlasse diretamente o cumprimento das teses firmadas em IRDR significaria distorcer as competências definidas na Constituição e no próprio CPC.

Ou seja, a reclamação não é o caminho processual adequado para garantir que a tese de um IRDR, mesmo confirmada pelo STJ, seja respeitada. O instrumento correto permanece sendo o recurso próprio e, em última análise, a atuação da Corregedoria do tribunal local, se necessário.

Esse entendimento preserva o modelo federativo do Judiciário, assegura a autonomia dos tribunais estaduais e regionais, e evita que a reclamação se transforme em uma forma de centralizar, indevidamente, todo o controle de precedentes nas mãos do STJ.

 

Em síntese:

  • Não cabe reclamação ao STJ quando a tese firmada em IRDR, mesmo confirmada em recurso especial, é ignorada por instância inferior;
  • A competência para gerir o cumprimento do IRDR é do próprio tribunal que o instaurou;
  • A decisão do STJ em recurso especial não gera automaticamente efeito vinculante nacional para fins de reclamação;
  • O sistema de precedentes depende de respeito às competências institucionais e à verticalização recursal adequada, sem encurtamentos indevidos.

Você já se deparou com um IRDR que não foi respeitado por um juízo de primeiro grau? Já se sentiu tentado a ir direto ao STJ com uma reclamação?

Essa tese nos ensina que, por mais frustrante que possa parecer, o caminho mais curto nem sempre é o juridicamente correto. A boa técnica processual exige que atuemos com coerência, respeitando a arquitetura institucional que sustenta o sistema de precedentes.

9. Quando o agravo é erro grosseiro: recurso especial inadmitido com base em repetitivo exige técnica e cautela

Todo advogado que milita em segunda instância já se deparou com isso: interpõe um recurso especial, mas o tribunal local nega seguimento com base na existência de precedente repetitivo do STJ — tese já firmada e aplicada ao caso concreto.

O impulso natural, muitas vezes, é o seguinte: interpor o agravo do artigo 1.042 do CPC, para tentar levar o recurso ao Superior Tribunal de Justiça. Afinal, o agravo seria o “caminho normal” para contestar a negativa de seguimento.

Mas é justamente aqui que mora o perigo. O STJ tem reiterado que, nessas hipóteses, interpor agravo contra a inadmissão do recurso especial é erro grosseiro. E como todo erro grosseiro no processo, ele não pode ser corrigido nem gera qualquer efeito útil.

Vamos entender o porquê.

A negativa de seguimento fundamentada na incidência de tese repetitiva já julgada não trata de um juízo discricionário ou controvertido do tribunal de origem. Trata-se de uma decisão vinculada, decorrente do artigo 1.040 do CPC, que prevê a aplicação obrigatória da tese firmada pelo STJ em recurso repetitivo.

Assim, ao negar seguimento ao recurso especial sob esse fundamento, o tribunal local está apenas cumprindo seu dever de observar o precedente obrigatório, e não exercendo uma função decisória autônoma que possa ser revisada por agravo.

E aqui está o ponto central da tese: não cabe agravo do artigo 1.042 contra esse tipo de decisão, porque ela se baseia na aplicação de tese repetitiva já julgada, e não em um indeferimento técnico de admissibilidade. O que caberia, se fosse o caso, seria demonstrar que a situação dos autos é distinta da tese repetitiva aplicada — ou seja, que há distinção (distinguishing), o que deveria ser feito no momento da interposição do próprio recurso especial.

Vamos ilustrar com um exemplo:

Um banco interpõe recurso especial contra acórdão que reconheceu a abusividade da capitalização mensal de juros em contrato de financiamento. O tribunal local nega seguimento ao recurso com base na tese firmada pelo STJ no Tema 952, segundo a qual, na ausência de expressa pactuação, a capitalização mensal é indevida.

O advogado do banco, inconformado, interpõe agravo do artigo 1.042 do CPC, alegando genericamente que o tema ainda é controvertido.

Resultado: o STJ inadmite o agravo de plano, qualificando a interposição como erro grosseiro, pois a tese já está consolidada e a decisão do tribunal local foi meramente executória da orientação superior.

Mais do que indeferir, o STJ tem classificado essas interposições como inadmissíveis até mesmo para fins de reaproveitamento como agravo interno, encerrando o debate de forma sumária.

 

Em síntese:

  • Não cabe agravo do art. 1.042 do CPC contra decisão que inadmite recurso especial com base em tese repetitiva já firmada pelo STJ;
  • Interpor esse agravo é considerado erro grosseiro, sem possibilidade de reaproveitamento ou transformação em agravo interno;
  • A parte deve observar, desde a origem, se há possibilidade real de distinguishing com a tese aplicada. Se não houver, a decisão não é recorrível pela via do agravo;
  • A tese busca evitar o uso automático e improdutivo do agravo como manobra protelatória ou por simples inconformismo.

Essa orientação é de extrema relevância para a prática contenciosa, especialmente em litígios de massa, ações bancárias, planos econômicos, demandas previdenciárias e questões consumeristas, onde os temas repetitivos estão por toda parte.

E você? Já se viu diante da dúvida: "interponho o agravo ou não?" Agora sabe que, diante de uma negativa com base em tese repetitiva, o caminho do agravo pode ser não apenas inútil, mas prejudicial.

10. ROL DO ARTIGO 1.015 DO CPC: TAXATIVIDADE MITIGADA COMO INSTRUMENTO DE JUSTIÇA

O artigo 1.015 do CPC enumera as hipóteses em que é cabível agravo de instrumento contra decisões interlocutórias — ou seja, decisões que não põem fim ao processo, mas que podem afetar substancialmente seu curso ou o direito das partes.

Logo após a entrada em vigor do novo Código, instalou-se uma dúvida crucial: seria esse rol realmente taxativo? Ou poderia admitir exceções em nome da efetividade processual?

A resposta veio com força no Tema 988 do STJ, que firmou a seguinte tese: o rol do artigo 1.015 é taxativo, mas com interpretação mitigada. Isso significa que, em situações excepcionais de urgência ou risco de inutilidade da futura decisão, é admissível o agravo de instrumento mesmo fora das hipóteses expressamente previstas no artigo.

Vamos entender o que isso significa na prática.

Imagine que, em uma ação de família, o juiz decide suspender o convívio de um dos pais com o filho, mas essa decisão não está entre as hipóteses do artigo 1.015. Se formos fiéis a uma leitura estritamente taxativa, a parte prejudicada teria que aguardar o julgamento da apelação ao final da ação, o que pode demorar anos. O problema é que, nesse meio tempo, o dano já estará consumado: o vínculo afetivo pode ter sido rompido, a alienação agravada, a situação deteriorada de forma irreversível.

É aí que entra a taxatividade mitigada. O STJ compreendeu que o sistema processual não pode se fechar a ponto de impedir o acesso imediato à instância superior quando a decisão for, por sua natureza, potencialmente irreversível.

Outro exemplo claro vem da esfera empresarial:

Um juiz determina que uma das partes deposite valores altíssimos em conta judicial, como condição para seguir com a demanda. Essa decisão não se encontra expressamente no artigo 1.015, mas seu impacto patrimonial e processual é imediato e potencialmente danoso. Se o jurisdicionado só puder discutir isso no recurso de apelação, a utilidade da revisão judicial pode ser nula.

Nestes casos, o STJ entendeu que o agravo de instrumento é cabível, desde que demonstrada a urgência ou a inutilidade futura da apelação. A interpretação mitigada, portanto, não é um cheque em branco, mas uma válvula de escape para hipóteses excepcionais que, se não revistas de pronto, podem comprometer o direito material e o acesso à tutela jurisdicional efetiva.

E isso tem tudo a ver com o espírito do CPC/2015, que colocou como centro do processo a efetividade, a razoável duração e a primazia do julgamento de mérito. Não se trata de relativizar a técnica, mas de impedir que a forma anule o conteúdo do direito.

 

Em síntese:

  • O artigo 1.015 do CPC traz um rol taxativo, mas que deve ser interpretado de forma mitigada, conforme decidiu o STJ no Tema 988;
  • É cabível agravo de instrumento fora das hipóteses do rol, desde que se comprove risco de inutilidade da apelação ou prejuízo irreparável;
  • A tese garante flexibilidade e justiça no acesso ao segundo grau, especialmente em temas de família, tutela provisória, decisões patrimoniais graves, entre outros;
  • A mitigação não dispensa fundamentação rigorosa: é preciso demonstrar de forma clara a urgência e o impacto da decisão impugnada.

 

Você já teve que lidar com decisões interlocutórias extremamente prejudiciais, mas que não se encaixavam no artigo 1.015? Já ficou na dúvida se deveria ou não agravar?

Pois bem, a resposta do STJ nos autoriza — em casos excepcionais e bem fundamentados — a recorrer sim. A técnica não pode ser barreira para o justo. O processo, como já disse a doutrina mais sensível, não é um fim em si mesmo — é o caminho para que o direito encontre a realidade.

 

11. QUANDO O JUIZ PODE COMPELIR A EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS: VERDADE REAL, CONTRADITÓRIO E MULTA

Você já enfrentou a frustração de atuar em um processo em que a parte adversa detém um documento essencial, mas simplesmente não o apresenta? Ou, pior ainda, nega sua existência, mesmo quando há fortes indícios de que o possui?

Esse tipo de situação, infelizmente, é mais comum do que se imagina, especialmente em litígios bancários, securitários, empresariais e de consumo, nos quais o acesso à documentação relevante está nas mãos da parte com maior poder econômico.

Foi pensando nisso que o legislador processual inseriu no artigo 400, parágrafo único, do CPC/2015 um importante instrumento de justiça: a possibilidade de o juiz determinar a exibição de documento ou coisa, sob pena de multa, após contraditório prévio e frustrada tentativa de obtenção voluntária.

E o que decidiu o STJ?

O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Tema 1000, consolidou que é plenamente válida a imposição de multa como medida coercitiva para forçar a exibição de documentos, desde que atendidos dois requisitos fundamentais:

  1. Verossimilhança da relação jurídica entre as partes que justifique a posse do documento por quem se recusa a apresentá-lo;
  2. Precedência do contraditório e da tentativa de exibição voluntária — ou seja, o juiz não pode determinar a multa de forma automática ou sem oportunizar a manifestação da parte.

Esse entendimento fortalece o que chamamos de modelo cooperativo de processo civil, em que não há espaço para estratégias de ocultação, má-fé ou litigância obstrutiva. O CPC/2015 exige que as partes colaborem para a descoberta da verdade, e o juiz deixa de ser um mero espectador da prova para assumir papel ativo na sua produção.

Exemplo prático:

Imagine uma ação revisional de contrato bancário. O consumidor alega cobrança de encargos indevidos, mas o banco não junta os extratos originais nem as planilhas detalhadas, alegando genericamente que “a parte autora já os possui” ou que “não há obrigatoriedade legal de apresentar”.

Após requerimento expresso da parte autora e indeferimento por omissão da ré, o juiz, com base no art. 400, parágrafo único, pode determinar a exibição dos documentos sob pena de multa diária, fixando valor razoável e compatível com o porte da instituição.

Essa decisão, conforme a tese do STJ, é legítima e necessária — afinal, negar a prova documental essencial significa comprometer o contraditório, frustrar o direito à prova e desnaturar o processo justo.

 

Em síntese:

·        O artigo 400, parágrafo único, do CPC/2015 permite a imposição de multa coercitiva para compelir a exibição de documento ou coisa essencial ao processo;

·        A medida depende de:


a) Verossimilhança da relação jurídica que indique a posse do documento pela parte adversa;

b) Frustração da exibição voluntária após contraditório;

·        A tese reforça o papel do juiz como gestor da prova e promove o princípio da cooperação processual;

·        É especialmente útil em ações revisionais, indenizatórias, securitárias, bancárias e consumeristas.

 

Você já se viu diante de uma situação em que a parte contrária se esquivava da prova documental, dificultando ou mesmo impedindo o andamento justo da causa? Já teve indeferido um pedido de exibição de documento por falta de clareza no pedido?

Com a tese firmada pelo STJ, há respaldo jurídico para que o juiz atue ativamente em defesa do contraditório pleno e da descoberta da verdade real — sempre com equilíbrio, mas com firmeza contra condutas processuais abusivas.

 

Com isso, concluímos o ciclo completo das 11 teses da Jurisprudência em Teses n. 255 do STJ, em comemoração aos 10 anos do CPC/2015. Este panorama mostra como o novo Código não apenas alterou regras — ele transformou a mentalidade processual, exigindo uma advocacia mais técnica, consciente e colaborativa.

 

 

 

 

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