O crime de
lavagem de dinheiro, sem sombra de dúvidas, é um dos mais comentados nas
últimas décadas em nosso País, seja veiculado pela imprensa por meio de
jornais, revistas telejornais, nos bancos acadêmicos via congressos, palestras,
produção literária, ou mesmo numa simples conversa informal. Mas, afinal, o que
é crime de lavagem de dinheiro?
Certamente, a
resposta não precisa ser necessariamente com conceitos jurídicos empregados,
mas, de forma mais simples e objetiva, podemos dizer que, se trata de métodos/ações promovidas pelo
agente do crime que busca um meio para ‘apagar’ a origem ilícita dos bens, direitos e valores anteriores e, na
operação seguinte ‘branqueá-los’ como se lícitos fossem a sua origem.
Neste sentido,
é preciso que já tenha uma origem criminosa dos bens que o agente criminoso
deseja que seja posteriormente lícito e, neste ponto, não se distingue se tal
crime seja uma infração, como no caso de crimes de trafico de drogas, exploração
sexual, corrupção, ou mesmo, no caso de contravenção penal, como exemplo, a
exploração de jogos de azar.
Podemos trazer
um exemplo fático recente numa noticia veiculada no sítio eletrônico G1, em 14/02/2019:
“Polícia busca 40 veículos comercializados por suspeitos de lavagem de
dinheiro”
Após três anos de investigação, a polícia Civil deflagrou nesta
quinta-feira (14) a operação Pavilhão, decorrente da Operação Pullus, que investiga uma organização criminosa
suspeita de tráfico de drogas, agiotagem, lavagem de dinheiro e
sonegação fiscal. Um casal foi preso.
Com a notícia acima exposta,
realmente traz uma melhor elucidação de ordem prática para este delito, no entanto,
é preciso afirmar que os atos configuradores da lavagem de dinheiro dificultam
a descoberta e o combate aos crimes antecedentes, mas, salienta-se que a Lei n.
9.613/98, com redação dada pela Lei nº 12.683/12, tipificou as seguintes
condutas como criminosas, conforme previsão em seu artigo 1°, in verbis:
Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição,
movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta
ou indiretamente, de infração penal.
Pena – reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e multa.
§ 1° Incorre na mesma pena quem,
para ocultar o dissimular a utilização de bens, direitos ou valores
provenientes de infração penal:
I – Os converte em ativos lícitos;
II – Os adquire, recebe, troca, negocia, dá ou recebe em garantia,
guarda, tem em depósito, movimenta ou transfere;
III- Importa ou exporta bens com valores não correspondentes aos
verdadeiros.
§ 2° Incorre, ainda, na mesma pena quem:
I – Utiliza, na atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou
valores provenientes de infração penal;
II – Participa de grupo, associação ou escritório tendo conhecimento de
que sua atividade principal ou secundária é dirigida à prática de crimes
previsto nesta Lei.
§ 3º A tentativa é punida nos termos do parágrafo único do art. 14 do
Código Penal.
§ 4° A pena será aumentada de um a dois terços, se os crimes definidos
nesta Lei forem cometidos de forma reiterada ou por intermédio de organização
criminosa.
§ 5° A pena poderá ser reduzida de um a dois terços e ser cumprida em
regime aberto ou semiaberto, facultando-se ao juiz deixar de aplicá-la ou
substituí-la, a qualquer tempo, por pena restritiva de direitos, se o autor,
coautor ou partícipe colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando
esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais, à identificação
dos autores, coautores e partícipes, ou à localização dos bens, direitos ou
valores objeto do crime.
Interessante colocarmos as três fases
caracterizadoras do crime de lavagem de dinheiro, sejam em quaisquer condutas
acima descritas acima pela lei em vigor. Segundo Min. Luiz Fux, manifestado por
seu voto na famosa Ação Penal 470, extraímos as fases:
1a Fase: É a colocação de recursos derivados de uma atividade
ilegal em mecanismo de dissimulação de sua origem, que pode ser realizado por
instituição financeira, casas de cambio, leilões de obras de arte, entre outros
negócios aparentemente lícitos.
2a Fase: Decorrente do encobrimento, circulação ou
transformação, cujo objetivo é tornar mais difícil a detecção da manobra
dissimuladora e o descobrimento de lavagem.
3a Fase: Interação dos recursos a uma economia ondem
pareçam legítimos.
Obviamente, é impossível que na
prática tenhamos que analisar todas estas fases descritas pelo Min. Luiz Fux,
mas, não significa que sejam inservível tais fases, no entanto, a sintetização
das condutas previstas no artigo 1° da Lei n. 9.613/98, por si só, são o suficientes para a aplicação
da norma penal.
Interessante, para nós, a questão
relacionada ao “contágio” do produto do crime, pois o risco prático é ainda
maior diante de ações que exigem muito mais detalhes, como provas em concreto
para que a conduta seja considerada criminosa haja vista a existência do dolo,
conforme o artigo 18, I, do Código Penal Brasileiro: “doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de
produzi-lo”, sendo impossível aplicar modalidade culposa, pois o agente do
crime conhecia a origem do bem, não podendo agir com negligência, imprudência
ou imperícia.
Para fins de elucidação prática, o Superior
Tribunal de Justiça reconheceu a ilegalidade de condenar uma pessoa por
imputação de lavagem de dinheiro na forma culposa, tendo em vista que não
estava demonstrada a consciência e
vontade de ocultar ou dissimular a origem ilícita de valores depositados em
conta bancária (STJ - AgRg no AREsp 328.229/SP, Rel. Ministro Rogerio Schietti
Cruz, DJe 02/02/2016).
Assim, conforme tratado
anteriormente, o dolo como elemento de conduta subjetiva livre e consciente para realização do ato ilícito, devendo estar
devidamente caracterizada para que seja considerado crime de lavagem de
dinheiro que, alias corroborado com o entendimento do Supremo Tribunal Federal,
na Ação Penal 470.
Não podemos deixar de destacar a
questão polêmica do dolo eventual. Conforme lições de Damásio de Jesus (2015:
331), sobre o dolo eventual, o sujeito “antevê
o resultado e age, percebendo que é possível causar o resultado, realizando o
comportamento. Entre desistir da conduta e causar o resultado, ele opta por não
evitar aquela”.
Na senda de tipificação normativa, o
nosso Código Penal em seu artigo 18, I, estabelece que o dolo eventual caracteriza-se
quando o agende do delito assume o risco de produzir o resultado.
Indaga-se, será mesmo que deveremos
aplicar o elemento subjetivo do dolo eventual nos crimes de lavagem de
dinheiro?
Nas lições de Paulo José Baltazar
Junior (2017: 1096), afirma que:
“Admitir o dolo eventual implica admitir a ocorrência do crime quando o
lavador não tem a certeza de que o objeto da lavagem é produto da atividade
criminosa, mas assume o risco de que os bens tenham origem criminosa, com base
no indicativo dado pelas circunstâncias do fato”.
É importante pensarmos que, o dolo
eventual aplicado ao crime ora em estudo, requer uma análise mais acurada na
legislação especial ao aplicar da lei, no entanto, a celeuma entre aplicar
somente o dolo direto e o eventual, abre-se a possibilidade fática da previsão
legal do artigo 18, I, do Código Penal, devido o risco que determinado bem seja
de origem criminosa.
Na prática é a famosa Teoria da
Cegueira Deliberada (Willful Blindness)
ou a Teoria das Instruções do Avestruz, no qual se caracteriza como crime de
lavagem de capitais o agente que se omite diante de uma ilicitude evidente com
a única finalidade de lucro, deverá responder por dolo eventual. Em terras
brasileiras, a referida teoria foi aplicada para condenar o dono de uma
concessionária de veículos que vendeu onze carros de valores avultosos recebidos
em dinheiro em espécie, sendo que a origem do dinheiro era referente ao roubo
de um banco.
Interessante
posição, pelo visto pacificada da Egrégia Corte do Superior Tribunal de Justiça
ao afirmar que:
“Sabe-se que para a aplicação da teoria da
cegueira deliberada, deve ficar demonstrado no quadro fático apresentado
na lide que o agente finge não perceber determinada situação de ilicitude para,
a partir daí, alcançar a vantagem pretendida (STJ - RECURSO ESPECIAL : REsp
1565832 RJ 2015/0282311-7).
Desta forma, para aplicarmos o dolo
eventual nos crimes de lavagem de dinheiro, será necessário um plus, ou seja, o agente não perceber
quanto a origem ilícita do bem, como no princípio do non olet do direito tributário,
ignorando a origem, mas, de modo a considerar a obtenção da vantagem econômica final.
Sobre lavagem de dinheiro por meio de moedas virtuais
Feitas as considerações introdutórias
sobre o crime de lavagem de dinheiro e suas características indispensáveis para
a sua configuração, podemos traçar como algo recente no cenário jurídico no
tocante as moedas virtuais, conhecidas por criptomoedas ou bitcoin, apesar de
que estas duas últimas, em verdade são espécies da primeira.
Numa sociedade de risco e em alto
grau de elementos inovadores dinâmicos, as moedas virtuais surgiram no mercado
financeiro por iniciativa de particulares como alternativa de circulação de
riquezas (assim entendemos desta forma).
A ausência de uma lei especifica no
Brasil ou mesmo de um Tratado Internacional que seja ratificado pelo Estado, gera de certa forma
uma insegurança e poderá ensejar num aumento da cyber-lavagem.
Essa possibilidade ainda persiste,
ainda que as criptomoedas possuam complexa tecnologia, haja vista que blockchain
não possibilita a identificação dos usuários
e ainda que precisam ser declaradas perante a Receita Federal do Brasil,
isto não significa que exista uma fiscalização, pois o Poder Pública estará
ainda sem desconhecer a origem dos bens.
Faticamente será um imenso desafio
aos Poderes Públicos, sobretudo, ao aspecto investigatório na produção de
provas acerca da “lavanderia virtual”, pois a identificação de usuários já
possa traçar os indícios de autoria e posteriormente, a materialidade delitiva
para que haja a punibilidade do transgressor da norma penal.
Em notícia recente (05/03/2019), já
temos um caso intrigante no qual facção criminosa utilizava Bitcoin para
lavagem de dinheiro e
que na reportagem o policial disse que, de acordo com um especialista
consultado pela PM, esse equipamento é “usado para fazer a lavagem do dinheiro
do tráfico” e que eles conseguem até “dobrar o valor da noite para o dia” e
também que essas máquinas podem girar em torno de “1 milhão a 2 milhões por dia”.
Portanto, trata-se de uma realidade a lavanderia
virtual.
Quanto em relação à aplicação do dolo
eventual é possível inclusive mais próximo de uma identificação do comprador da
moeda virtual, como origem o vendedor. Talvez, ao critério de regulamentação
normativa seria um cadastramento integro e concentrado por parte do vendedor,
no qual terá a obrigatoriedade de apresentar aos órgãos públicos quem são seus
compradores de moedas virtuais e um órgão específico fiscalizador poderá inibir
as transações eletrônicas.
Por fim, ainda que tenhamos pouquíssimas discussões
dos Tribunais, já sabemos pelo menos que a competência para julgamento de ações
penais haja vista que o Superior Tribunal de Justiça manifestou-se:
“inexistindo
indícios, por ora, da prática de crime de competência federal, o procedimento
inquisitivo deve prosseguir na Justiça estadual, a fim de que se investigue a
prática de outros ilícitos, inclusive estelionato e crime contra a economia
popular” STJ - CONFLITO DE COMPETENCIA : CC 161123 SP 2018/0248430-4.
OBS: CITE A FONTE, RESPEITE OS DIREITOS AUTORAIS!
#LuizFernandoPereira #Advogado #Advocacia #LavagemDeDinheiro #CrimeVirtual #Bitcoin #MoedasVirtuais