21/03/2019

Os Princípios do Direito Penal - Parte 1




          Ao traçarmos valores pertencentes da ciência jurídica, via de consequência, deveremos observar os elementos que inspiram o despertar da criação, inclusive a manifestação do sistema jurídico num todo.
          Este espírito conservativo dos princípios sustentam valores  que, precisam ser ponderados em determinado caso concreto, pois, não podemos olvidar as lições da Konrad Hesse in “A Força Normativa da Constituição” ao afirmar, em síntese, o juiz pode absolver o reu com apenas aplicação de um princípio.
          Desta forma, princípios e regras jurídicas estão sempre numa linha reta, em pé de igualdade a título de aplicabilidade, entretanto, uma regra jurídica não pode entrar em conflito com os princípios jurídicos, assim como, os princípios não podem violar aos ditames normativos, mas, para nós, a importância dos princípios revestem-se de aspectos axiomáticos capazes, inclusive de sobrepor as normas jurídicas. Um exemplo: o legislativo cria uma lei penal sem observar os princípios da razoabilidade, ofensividade, culpabilidade e um dos mais importantes, o princípio da humanização das penas, previsto constitucionalmente.
          Denota-se que as origens dos princípios são evocada de normas jurídicas como fonte, ainda que forma abstrata, como o princípio da dignidade da pessoa humana, tendo um teor regado de subjetivismos, podendo ser aplicado em diversas situações, como a proibição de pena de caráter perpetuo[1], limitação do Estado, seguindo o (sub) princípio da intervenção mínima no crime de dano[2], ou mesmo situações em que, com base ao princípio da dignidade da pessoa humana, concedeu o direito de reclusas gestantes e mães de filhos com até doze anos presas preventivamente[3]. Na prática, são diversos casos, no entanto, assim como qualquer outra técnica, os princípios exigem-se bases axiológicas fortemente firmadas, sendo capazes de trazer uma melhor segurança racional ao julgador, se decidir ou não aplicar ao princípio da dignidade da pessoa humana, a fim de se evitar o excesso, a demasia e o engessamento principiológico.
          Assim, dentro das espécies dos princípios jurídicos da ciência penal, conforme já tratamos, podemos completar que o princípio da intervenção mínima ou Direito Penal Mínimo, está diretamente relacionada com a atuação Estatal, ao passo que, somente o Estado poderá utilizar-se das regras jurídico-penais quando outras áreas foram insuficientes devendo ser aplicadas “ultima ratio”.
          O princípio da proteção exclusiva dos bens jurídicos revestem-se de valores socialmente amparados pela norma penal, devendo protegê-los de forma integra, conforme os ditames previstos constitucionalmente. Citamos, como bens jurídicos que deverão ser protegidos, como o direito à vida, a honra, a liberdade, a imagem, a dignidade sexual, a saúde publica, a administração da justiça, etc.
          Note-se que, este princípio é relativizado com base no princípio da dignidade da pessoa humana em determinado caso concreto, devendo o julgador analisar se realmente houve a lesão real e efetiva ao bem juridicamente tutelado para a norma jurídico-penal. Citamos por exemplo, o caso de se evitar a supressão da liberdade do réu, acusado de tráfico de drogas, mas, o STJ imputou juízo de valor entendendo que, por ser pouca quantidade de entorpecentes, coube por conceder a ordem de Habeas Corpus[4].
Assim, o valor e o desvalor são como uma balança, um argumento pende para um lado, em favor do Estado, outro, em favor do acusado. Talvez o princípio da fragmentariedade possa solucionar este equilíbrio, sendo que, neste princípio, as normas penais deverá tutelar todos os bens jurídicos mais relevantes para a sociedade, somente em relação aos ataques mais intoleráveis. Interessante lição de Prado[5]: “um arquipélago de penas ilhas no grande mar do penalmente indiferente. Isto quer dizer que o direito penal só se refere a uma pequena parte do sancionado pelo ordenamento jurídico, sua tutela se apresenta de maneira fragmentada, dividida ou fracionada”.
Ao que parece, os princípios acabam irrigando outros princípios, pois o princípio da insignificância ou da criminalidade de bagatela, surgiu em contrapartida do princípio da fragmentariedade.
A origem histórica está no brocardo romano: “minimis non curat praetor”, ou seja, os juízes não devem se ocupar de assuntos irrelevantes.
Posteriormente, o jurista Alemão Claus Roxin é o principal responsável pela incorporação deste princípio. Para este autor, o bem jurídico é atingido por uma conduta, entretanto não é atingido de forma relevante. Neste ponto, temos: a conduta, existente de tipicidade formal, mas inexistente de tipicidade material.
Entre nós, a jurisprudência compreende que este princípio deve ser interpretado de forma restrita, devendo limitar-se conforme a incidência concreta. De certo, este ponto de vista reserva numa axioma relevantíssimo, sendo que, o princípio da insignificância como causa de exclusão da tipicidade, possuindo um peso crucial a determinado caso concreto, portanto, havendo uma conduta, mas ausente a tipicidade material, logo, torna-se fato atípico, não sendo considerado como crime.
Para vislumbrarmos ainda mais este importante princípio, podemos afirmar que o reconhecimento deste pode trancar um inquérito policial e um processo em andamento, devido a ausência de justa causa.
          O Supremo Tribunal Federal traçou requisitos ou pressupostos cumulativos para a aplicação do princípio da insignificância[6], como:
          Requisitos Objetivos:
1.    Mínima ofensividade da conduta;
2.    Ausência de periculosidade social da ação;
3.    Reduzido grau de reprovabilidade do comportamento;
4.    Inexpressividade da lesão jurídica.
Requisitos Subjetivos:
1.    Condições pessoais do agente;
2.    Condições pessoais da vítima;
3.    Atenção voltada para ambas as partes num todo.

Ainda, devemos destacar alguns pontos importantes que precisam ser analisados. Se o réu for reincidente, é cabível a aplicação do princípio da insignificância, desde que não seja reincidente específico. Exemplo que é muito propalado pela mídia: sujeito que, por diversas vezes é preso em flagrante furtando produtos em um supermercado. Apesar, o bem jurídico possa ser insignificante, não quer dizer que não seja aplicada a lei penal, pois, para a jurisprudência entende ser inviável por possuir maior reprovabilidade da conduta, sendo considerado criminoso habitual[7]. É o mais conhecido como criminoso habitual.
Por fim, relatividade na aplicação do referido princípio está relacionado exclusivamente com a extensão ao bem jurídico e se existe ou não valor sentimental do bem, portanto, a imensurabilidade do bem.
Noutro princípio consideravelmente relevante diz respeito denominado princípio-fato, ou seja, o tipo penal deverá definir de modo claro e objetivo os fatos, sendo proibido punir alguém por seu esteriótipo, tendo em vista que, há outro princípio umbilicalmente ligado a este, o princípio da responsabilidade subjetiva.
          Interessante acompanharmos que, numa fase da humanidade, puniam-se as pessoas e não fatos. A origem marcante foi a Escola de Kiel, ligada ao nazismo, punindo judeus.
          Posteriormente, temos um dos mais famosos criadores da escola do Direito Penal do Inimigo, promovido pelo jurista alemão Gunter Jakobs, que tem por característica punir infrator da norma penal, sendo considerado o principal inimigo do Estado. Esta teoria foi empregada pelo presidente americano George Bush, ao considerar potencialmente inimigo do Estado terroristas e o islamismo extremista.
          Quanto ao princípio da responsabilidade penal subjetiva, diz respeito que, nenhum resultado penalmente relevante poderá ser atribuído a quem não tenha produzido, seja por dolo ou culpa. Para a maior parte de doutrina nacional, o crime é fato típico, lícito e culpável, sendo a conduta podendo ser dolosa (vontade livre e consciente para almejar um resultado) ou culposa (proveniente de imprudência, negligência e imperícia). Assim, fato sem a conduta poderá ser considerada conduta atípica, logo, não é crime.
          Aproveitando quanto ao princípio anterior, podemos também compreender quanto à existência do princípio da culpabilidade ou imputação pessoal, sendo resumida na seguinte frase: a norma penal não poderá punir um fato praticado por um agente sem critério de culpabilidade, ou seja, ninguém poderá ser punido sem culpa.
          Ao princípio da culpabilidade, trata-se de um juiz do de reprovação, traçado por elementos como imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa. Ausente tais elementos, qualquer deles, o juízo de reprovação não é aplicado e posteriormente, o agente é isento de penalidade.
O referido princípio é implícito perante as normas jurídicas, especificamente em sua origem, pois não está previsto constitucionalmente, mas, isto não significa que possuía um aspecto valorativo irrelevante, ao contrário, por se tratar de um juízo de reprovação e detém valores compostos por elementos, tais como um critério de medição de pena estabelecendo parâmetros pelos quais o magistrado buscará fixar a pena na fase condenatória, devendo seguir aos ditames do artigo 59, do Código Penal.
Também, a responsabilidade subjetiva é relevante ao princípio, pois o sujeito somente será responsabilizado se sua conduta ofensiva for proveniente de dolo ou culpa.
A jurisprudência pátria tem manifestado em relação à fusão do princípio da culpabilidade e o da insignificância em determinado caso concreto, como no caso de crime de descaminho, no qual a conduta precisa ser apurada em relação a cada um dos adquirentes das mercadorias internalizadas, sendo fator determinante a responsabilidade pessoal de cada um dos agentes do delito.[8]


         
         




[1] STJ - HABEAS CORPUS HC 9892 RJ 1999/0054703-9;

[2] TJ-AP - APELAÇÃO APL 00644128820148030001 AP (TJ-AP).

[3] STF - Habeas Corpus (HC 143641)
[4] HABEAS CORPUS HC 430654 SP 2017/0332766-4 (STJ).

[5] PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, 2007, p. 144.
[6] STF. HABEAS CORPUS 118.972/MG; Min. Gilmar Mendes.

[7] STJ - AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL AgRg no AREsp 1090956 DF 2017/0102757-5 (STJ); STJ - AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL AgRg no REsp 1730698 MG 2018/0062519-5 (STJ)
[8] Superior Tribunal de Justiça STJ - HABEAS CORPUS : HC 121264 RS 2008/0256111-9

Nenhum comentário:

Arrematação e Dívidas Anteriores: O Que a Decisão do STJ no Tema 1.134 Significa para os Compradores de Imóveis em Leilão

     Imagine a situação: você se torna o arrematante de um imóvel em leilão judicial. O preço é justo, a localização é ótima, e tudo parece...

Comente sobre o blog:

Contato

Nome

E-mail *

Mensagem *