Numa análise lógica, a norma jurídica é formada por
dois elementos, “norma primária” e “norma secundária”. Esta divisão
justifica-se apenas para fins didáticos, assim como seguimos a afirmar na mesma
trilha de Eurico Marco Diniz de Santi[1]que,
cinde-se uma norma jurídica para que haja sua decomposição, assim, uma norma
jurídica secundária é independente de uma norma jurídica primária.
De norma jurídica primária, podemos compreender como
enunciado deôntico que se exprime pela proposição. Por exemplo: Se fato “A”,
então a conduta deve ser “B”.
Numa norma jurídica secundária, é a própria
proposição. Por exemplo: inocorrendo o sujeito a prestação prevista na norma
primária, então deve ter a sanção “x”.
Efetuando uma breve distinção entre ambas, podemos
concluir que, na norma primária haverá uma relação jurídica formada por dois
sujeitos (ativo e passivo), como o surgimento de pretensões e deveres. Enquanto
numa norma secundária permite-se numa decorrência jurídico factual da não
prestação, seja esta positiva ou mesmo negativa, em que gesta-se numa novel
relação conferindo poderes ao sujeito ativo de uma relação previamente
estabelecida, ou seja, proveniente de uma norma primária, podendo este sujeito
ativo exigir, de forma coativa, a efetivação do dever constituído na norma
jurídica primária, conforme leciona o saudoso Lourival Vilanova[2].
Outro ponto distinto que podemos apresentar está
relacionado ao entrechoque de conceitos entre tributo e ilícito tributário.
Para
que façamos uma análise inicial, vejamos o artigo 3° do CTN, “in verbis”:
“Tributo é toda prestação pecuniária
compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua
sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade
administrativa plenamente vinculada”
Preconizamos o mesmo entendimento de Paulo de Barros
Carvalho e do saudoso Geraldo Ataliba, quando afirma que, encontra-se
implicitamente na Constituição Federal o conceito de tributo, visto que se
reconhece por um feixe de princípios e normas reguladores em sua unicidade
proveniente por um fato jurídico, posteriormente, vige de forma autônoma sob
este prospecto fático.
Deixando “nas mãos” da Ciência do Direito, passa-se ao
dado descritivo da norma, por sua lógica de estrutura alética ou clássica
podemos embutir valores modais, com necessário, possível ou ambos, conforme o
caso.
Neste ponto, tributo é uma obrigação, no qual seus
sujeitos (ativo e passivo) são atores principais, diante de uma norma prescritiva ao pagamento de
valores pecuniários remetidos e arrecadados aos cofres públicos, sejam tais
valores destinados ou não.
Ainda, não pode seu sujeito ativo recolher tributo de
forma ilícita, ou seja, em contrariedade com o ordenamento jurídico vigente,
portanto, fora dos patamares estabelecidos em lei.
A obrigatoriedade é fator pujante de uma constatação
da norma prescritiva, daí que, numa situação fática, o sujeito passivo
descumpre a norma no dever jurídico do pagamento, importará sanções (normas
secundárias) para o seu cumprimento.
Atividade administrativa plenamente vinculada é uma
situação de presunção de legalidade dos atos administrativos, conforme o
princípio da legalidade em sentido estrito.
Tratando-se de ilícito tributário, leciona o mestre
Paulo de Barros Carvalho[3],
“o ilícito pode advir da não prestação do
tributo (da importância pecuniária), ou do não cumprimento dos deveres
instrumentais ou formais”.
Portanto, não podemos nos confundir com ilícito penal
com crimes penais, sendo este último a observância de instrumentos normativos
dispostos a promover determinadas condutas violadoras.
Assim, para o direito tributário, sua natureza é não
penal, mas sim atos infracionais proveniente de normas tributárias e por
princípios gerais do direito administrativo, já que a Administração Pública
encontra-se alocada adentro da Regra Matriz de Incidência Tributária
representada pelo ente competente.
Noutro ponto em questão, podemos passar a análise
instituto multa tributária. Trata-se, de modo geral, de que a multa tem por
escopo apenar o sujeito devido à prática do ilícito promovido por este.
Para tanto, torna-se preciso afirmar que, as multas,
sejam em quaisquer espécies, impera sob a promoção de uma norma que estipula a
sanção descrevendo o fato dito antijurídico em seu antecedente, ao passo que,
no conseqüente, gerará a providencia desfavorável, como a sanção.
O nascedouro da sanção tributária está consubstanciado
no gérmen do conseqüente normativo, no qual num elo relacional jurídico haverá
dois sujeitos, um pretensor e outro devedor, sendo este último, descumprida tal
relação jurídica proveniente um fato ilícito, ou seja, o dever jurídico
cometido ao sujeito passivo. É importante, neste ponto que não haverá sanção
tributária sem o auto de infração constituído.
Em relação a nova sistemática tributária por meios
eletrônicos, entendemos que, o ente sancionador deverá comprovar o fato sujeito
a sanção.
Ao critério temporal das sanções tributárias está
relacionado a ocorrência do ilícito tributário, por força de seu acontecimento,
entre o direito violado e o agente da infração.
No talante do crime contra a ordem tributária, deverão
obrigatoriamente ser observados os princípios do contraditório e da ampla
defesa, de modo que, não restem dúvidas quanto à natureza do delito penal e dos
indícios de sua materialidade.
Da aplicabilidade
principiológica nas sanções e infrações tributárias
Os princípios apresentam-se como
coordenadas semânticas e sintáticas de regramentos jurídicos. Sua
funcionalidade consubstancia de monte pragmático por sua potencialidade perante
o ordenamento jurídico.
Haverá dois pólos functores: positivo e negativo. O
primeiro influi em sucessivas decisões que partem para gestacionarem outras.
Quanto o segundo, sua operatividade perpassa, de modo, a excluir determinados
valores contrários a invalidação de normas tidas fundantes.
De modo geral, os princípios constitucionais podem ter
sua natureza explicita ou implícita no talante das normas, ao passo que, estão
sujeitos ao crivo interpretativo.
Premiando nas suas especificidades provenientes de
princípios constitucionais temos:
a) Legalidade: Destaca-se ao império da norma,
portanto, nas lições de direito administrativo, a limitação constitucional é
própria legalidade, pois não havendo lei que trate a respeito sobre eventual
sanção a ser aplicada não pode a Administração Pública representado por seus
agentes criarem determinada sanção sem que lei estabeleça, trata-se, neste
sentido, da legalidade estrita ou mitigada, capaz também de assegurar a
segurança jurídica nas relações que assim lhes confere.
b) Capacidade contributiva: Dispõe o artigo 145, §1°: “sempre que possível os impostos terão
caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do
contribuinte”. Leciona Helena Regina Costa[4]
que, a noção de capacidade contributiva pode ser absoluta ou objetiva quando
está adstrito a fatos legislativamente escolhidos por representarem
manifestações de riqueza, enquanto a capacidade relativa ou subjetiva
entende-se como a aptidão de determinado sujeito para suportar o impacto
tributário, avaliável segundo suas possibilidades econômicas. Assim, reportando
a atividade do sujeito ativo na aplicação de eventual sanção aquém dos
parâmetros estabelecidos poderá gerar, por conseqüência, o confisco. Em suma,
se a norma é omissa concernente a critérios que permitam sua individualização,
terá a prerrogativa do intérprete via decisório em prol do princípio
constitucional, sendo que capaz de promover a equidade e a máxima efetividade
dos direitos fundamentais.
c) Não confisco: O artigo 150, IV da Carta Maior de
1988, dispõe que as pessoas políticas que nela receberam autorização para impor
e arrecadar tributos ficam impedidas de utilizar os tributos para fins de
confisco patrimonial. Para nós, assim como para o Supremo Tribunal Federal[5],
a aplicabilidade de multas excessivamente onerosas, apesar esta mesma corte
constitucional já tenha precedente[6]
no sentido de que o regime jurídico do tributo é distinto para as sanções
tributárias, pois estas sanções têm por escopo a promoção o cofre público para
os seus objetivos institucionais. Recentemente o próprio STF, no ARE
637.717-AgR de 2012 sob relatoria de o Ministros Luiz Fux, ao qual
manteve a aplicabilidade do princípio do não confisco em relação a multa
moratória de 140 (cento e quarenta) percentuais. Note-se que este princípio
está umbilicalmente ligado ao princípio da proporcionalidade.
d) Irretroatividade: De regra, as normas jurídicas
deverão prescrever conseqüências para situação que estarão por ocorrer, para
tanto, não serão adequadas no presente ou futuro estabelecendo conseqüências
distintas antes da ocorrência dos fatos. Em face do princípio da segurança
jurídica, as normas devem ocorrer posteriormente ao seu advento. Entretanto,
excepcionalmente podem ser aceitas sua retroatividade. No inciso Xl do artigo
5° da Constituição Federal, na seara penal impera o princípio da retroatividade
da lei mais benéfica. O artigo 106 do Código Tributário Nacional dispõe sobre a
aplicabilidade da lei a ato ou fato pretérito quando: a) em relação a ato não
definitivamente julgado, quando deixe de defini-lo como infração ou quando
deixe de tratá-lo como contrário a qualquer exigência de ação ou omissão, desde
que não tenha sido fraudulento e não tenha implicado falta de pagamento de
tributo, e b) quando lhe comine penalidade menos severa que a prevista na lei
vigente ao tempo de sua prática.
e) Anterioridade: Neste princípio deverá ser exigido
por lei que se tenha a ciência anterior da ocorrência do fato punível ou mesmo
que haja interferência de qualquer circunstância fática ou jurídica.
Entretanto, em face do disposto do artigo 112 do CTN, deverá em sua imediata
aplicabilidade de normas que majorem penalidades existentes ou mesmo que haja a
instituição de novas penalidades.
f) Princípio do non
bis in idem: Nosso ordenamento jurídico pátrio veda a aplicabilidade do bis in idem, que consiste na repetição
(bis) de uma sanção sobre mesmo fato, seguindo aos estritos termos da
legalidade.
g) Princípio da segurança jurídica: são garantias que
visam proteger, acautelar, garantir, livrar risco e assegurar, promover a
certeza e a confiança resguardando as pessoas de eventuais arbítrios[7].
Pode ser ambígua a promoção e o conceito deste princípio, entretanto,
consubstanciam diversos conteúdos identificadores como basilares de outros
princípios (teoria endo principiológica) como: legalidade, irretroatividade,
anterioridade, proteção do direito adquirido, ato jurídico perfeito, decadência
e prescrição extintiva e aquisitiva, cláusula geral da boa-fé (princípio da
confiança), direito ao contraditório e ampla defesa e direito de acesso ao
Judiciário.
Por derradeiro, dentre estes posicionamentos,
conclui-se que os princípios supra mencionados deverão estar pautados como
caracteres moduladores e limitativos no aporte de sanções tributárias.
Da
denúncia espontânea e infração tributária
Apresentaremos primeiramente a exposição do artigo 138
do CTN, “in verbis”:
A
responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea da infração, acompanhada,
se for o caso, do pagamento do tributo devido e dos juros de mora, ou do
depósito da importância arbitrada pela autoridade administrativa, quando o
montante do tributo dependa de apuração.
Parágrafo único. Não se considera espontânea a denúncia apresentada
após o início de qualquer procedimento administrativo ou medida de
fiscalização, relacionados com a infração.
A denúncia espontânea constitui-se da
exclusão da multa pela confissão do infrator da norma tributária que deverá ser
realizada previamente de iniciado qualquer procedimento administrativo ou de
fiscalização cujo objeto é o fato ilícito. Portanto, este instituto evita
aplicabilidade de eventual multa, no entanto, acompanhando o entendimento do
mestre Paulo de Barros Carvalho[8]
de que estará restrito a multa somente, incidindo juros de mora e multa de mora
de natureza indenizatória por não ter caráter punitivo, mas não pode ser
exigido de uma vez só, devendo exigido simultaneamente.
No trato de questionamento, se a denúncia
espontânea se constitui mesmo com o parcelamento do tributo, preconizamos que,
sendo a denúncia extemporânea, sem caráter espontâneo, mesmo em caráter existencial
de medida fiscalizatória previamente instaurada e iniciado o procedimento
administrativo em desfavor do contribuinte, não mais espontânea será a denúncia
eventualmente ofertada, resultando para o infrator as sanções decorrentes do
descumprimento de sua obrigação. Neste sentido, Superior Tribunal de Justiça
tratou da temática, no qual acolhemos:
EMENTA: TRIBUTÁRIO. PRECEDÊNCIA DE AUTO DE INFRAÇÃO AO
PEDIDO DE PARCELAMENTO. DENÚNCIA ESPONTÂNEA NÃO CARACTERIZADA. MULTA DEVIDA.
APLICAÇÃO DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 138 DO CTN. PRECEDENTES DO STJ. – Não se
configura denúncia espontânea, para os efeitos do art. 138 do CTN, se o pedido
de parcelamento foi precedido de procedimento administrativo ou de medida
fiscalizatória. – A ocorrência de qualquer dos dois procedimentos, retira a
espontaneidade da denúncia. É o que o legislador quis privilegiar com a edição
da norma acima. – Recurso provido. (STJ, 1ª Turma, REsp nº 290.190/RS, Rel.
Min. Humberto Gomes de Barros, j. 06.11.2001, v.u., DJU 25.02.2002)
Considerações finais
Forçoso compreender os aspectos distintivos dos
institutos expostos, haja vista que a ciência do direito deve ser analisada sob
o enfoque de seu objeto delimitador capaz de trazer a atividade semântica voltada
pelas normas jurídicas positivadas.
Por derradeiro, definidos o tracejo quanto
as infrações e sanções tributárias, saliente-se que os princípios são peças fundamentais,
agindo precisamente as coordenadas semânticas e sintáticas de regramentos
jurídicos.
[1] In “Lançamento Tributário, São Paulo: Max Limonard, 1996, p. 36 e
65.
[2] Causalidade e Relação no Direito. 4. ed. São Paulo: RT, 2000. p.
188-189.
[3] Curso de Direito
Tributário. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 470.
[4] In Princípio da Capacidade Contributiva. 4. ed. São Paulo:
Malheiros. p.80-81.
[6] V. ADIn (ML)
1.075, 1998
[7] CF. Paulsen Leandro, Curso de Direito Tributário. 4. ed. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p.67.
[8] Curso de Direito Tributário, ed.25, São Paulo: Saraiva, p.505.
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