05/06/2024

STJ Decide: Cobertura de Tratamentos Fora do Rol da ANS com a Nova Lei 14.454/2022

    No julgamento do REsp 2.037.616-SP, relatado pela Ministra Nancy Andrighi e com acórdão lavrado pelo Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) enfrentou questões cruciais no âmbito do Direito Civil e do Direito da Saúde, especialmente sobre a aplicação do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) à luz das inovações legislativas trazidas pela Lei nº 14.454/2022.

Introdução ao Caso

    O caso concreto envolvia uma paciente que, após a remoção de um tumor no intestino (neoplasia estenosante de sigmoide), necessitava de um exame PET-SCAN para monitorar a evolução de sua condição. Esse procedimento, contudo, não estava contemplado no Rol da ANS, conforme as Diretrizes de Utilização (DUT) então vigentes. 

    Em resposta, a Segunda Seção do STJ teve que considerar a aplicabilidade das recentes alterações legislativas ao regime dos planos de saúde.

Enquadramento Legal e Jurisprudencial

    Historicamente, a Segunda Seção do STJ havia consolidado o entendimento de que o Rol da ANS tinha natureza taxativa, permitindo exceções apenas em circunstâncias específicas. Essa interpretação foi crucial nos julgamentos dos EREsps n. 1.886.929/SP e 1.889.704/SP. 

    Com a promulgação da Lei nº 14.454/2022, ocorreram alterações significativas na Lei nº 9.656/1998, estabelecendo novos critérios para a cobertura de procedimentos não incluídos no Rol da ANS, alterando substancialmente o cenário jurídico.

Princípio da Irretroatividade e Aplicação Imediata da Lei

    O STJ, ao aplicar o princípio da irretroatividade, reafirmou que as novas disposições legais não poderiam atingir fatos pretéritos. Todavia, reconheceu-se que, em contratos de trato sucessivo, como os de plano de saúde, a lei nova deve ter aplicação imediata aos eventos futuros e presentes, respeitando os direitos adquiridos, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.

Impacto das Diretrizes de Utilização (DUT)

    As DUTs, no contexto da Saúde Suplementar, servem como elementos organizadores, sem poder restritivo que impeça o acesso a tratamentos essenciais ou alternativos, particularmente quando os tratamentos convencionais se mostram inadequados. 

    A jurisprudência recente e a nova legislação convergem no sentido de que tais diretrizes não podem obstruir o acesso a métodos diagnósticos ou terapias baseadas em evidências científicas.

Decisão do Caso

    No caso analisado, o STJ entendeu que, diante das inovações trazidas pela Lei nº 14.454/2022, e considerando a necessidade de continuidade do tratamento da paciente, a cobertura do exame PET-SCAN deveria ser garantida. 

    Salienta-se que, esta decisão está em consonância com a jurisprudência consolidada e os novos critérios legislativos, que buscam uma maior flexibilidade na interpretação do Rol da ANS, especialmente em situações de tratamentos continuados.


Exemplo Prático de Aplicação do Julgado do STJ

    Imagine o caso de João, um beneficiário de plano de saúde, diagnosticado com câncer de pulmão. Após uma cirurgia para remover o tumor, o oncologista de João recomenda a realização de um exame PET-SCAN para avaliar possíveis metástases e monitorar a eficácia do tratamento. 

    No entanto, o exame não está incluído no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS, de acordo com as Diretrizes de Utilização (DUT) vigentes no momento da solicitação.

    Baseado no julgamento do REsp 2.037.616-SP pelo STJ, João enfrenta a negativa do plano de saúde em cobrir o exame. Contudo, a recente Lei nº 14.454/2022, que trouxe modificações significativas à Lei nº 9.656/1998, estabelece novos critérios para a cobertura de procedimentos não listados no Rol da ANS. Essa lei entrou em vigor pouco antes de João necessitar do exame.

Aplicação do Julgado

    Com base na decisão do STJ no caso mencionado, João pode argumentar que, apesar do PET-SCAN não estar inicialmente incluído no Rol da ANS, a nova legislação deve ser aplicada imediatamente devido à natureza continuada de seu tratamento oncológico. 

A lei nova, ao estabelecer critérios que permitem a inclusão de tratamentos essenciais não listados anteriormente, garante que João tenha acesso ao exame necessário para o monitoramento adequado de sua condição de saúde.

Resultado Prático

    A operadora do plano de saúde de João, conforme o julgado do STJ e a nova legislação, é obrigada a cobrir o custo do exame PET-SCAN. Esse exame é crucial para avaliar a presença de metástases e ajustar o plano terapêutico de João, assegurando que ele receba um tratamento eficaz e adequado, alinhado com os avanços da medicina baseada em evidências.

    Essa aplicação prática do julgado ilustra a proteção reforçada que a Lei nº 14.454/2022 oferece aos pacientes, promovendo uma interpretação mais flexível e inclusiva do Rol da ANS, especialmente em situações de continuidade de tratamento para doenças graves como o câncer.

Conclusão

    O julgamento do REsp 2.037.616-SP reforça a necessidade de adaptação das normas reguladoras dos planos de saúde às novas realidades legislativas e científicas. 

    A Lei nº 14.454/2022, ao estabelecer novos parâmetros para a cobertura de procedimentos não previstos no Rol da ANS, promove uma proteção mais ampla aos beneficiários dos planos de saúde, garantindo acesso a tratamentos indispensáveis e inovadores, em conformidade com os princípios da dignidade da pessoa humana e da continuidade do tratamento médico.


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