25/08/2015

Matérias não previstas no edital em um concurso público podem ser cobradas?


Um dos grandes tormentos enfrentados por candidatos em concursos públicos é ser cobrado por matérias não contidas no edital. Diz-se tormentoso tendo em vista que abala o aspecto subjetivo do candidato, pois se dedicou as matérias previstas no edital, gastando tanto tempo e quanto valores pecuniários.

Desta forma, assiste com a razão fática ao candidato neste ponto, qual seja, o campo de indignação perante a banca examinadora. Entretanto, no que diz respeito juridicidade de aplicação de matérias não contidas no edital, afinal, são válidas? E o que pode ser feito em casos como este?

As soluções destes questionamentos ensejam não somente a aplicabilidade de valores estruturantes do ser humano ao imputar um juízo de reprovação no ato da Administração, bem como poderá ser promovido por meio de processo cognitivo na seara jurídica ao albergar valores estruturantes. É este ponto de que iremos tratar.

A análise prévia que o concurseiro candidato ao se preparar para o concurso público, obrigatoriamente, deverá fazer uma leitura atenta ao edital, de modo, a observar os requisitos para a vaga, como direitos, condições, obrigações, salário, data das provas, documentos necessários, etc. No mesmo edital conterá o conteúdo programático das matérias que serão exigidas nas provas e suas fases. Assim, este conteúdo programático seguem em consonância ao princípio da eficiência, tendo como sub princípio o da não-surpresa dos atos Administrativos.

Ocorre que, como dito, o edital deverá prever todo o conteúdo de prova e trazer toda sua delimitação, promovendo assim, um princípio marcante, qual seja, o princípio da vinculação. De forma sintetizada, este princípio jurídico está atrelado ao princípio da legalidade estrita, moralidade administrativa, impessoalidade, indisponibilidade, eficiência e, sobretudo, a segurança jurídica, boa fé, e dever de confiança. Vejamos a aplicabilidade de cada princípio.

O princípio da legalidade é a força motriz necessária e direta trançando contornos de caracterização formal e material. A sua formalidade em destaque, pode-se compreender como a previsão ao afirmarmos que as regras contidas no edital é lei entre as partes, assim, devemos ainda dizer que aplicável a legalidade estrita ou fechada para a Administração Pública, pois ao conter parâmetros, deverá mantê-los, salvo se caracterizada ilegalidade, abuso de poder, erro, etc.

Nas lições do saudoso professor Hely Lopes Meirelles[1], in verbis:

“A legalidade, como princípio de administração (CF, art.37, caput), significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso”

Note-se que, o conceito acima é amparado pela Constituição Federal de 1988, portanto, sendo esta norma o ápice normativo não pode o Administrador Público ignorá-lo, alias a própria constituição como base institucional traça como um dos direitos fundamentais que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (art. 5°, CF). Também, na Lei de Introdução as Normas do Direito Brasileiro em seu artigo 3°, estabelece: “Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece”.

Extraindo o conceito do saudoso professor acima e aplicando ao tema em questão, destaca-se a necessidade de uma exigência prevista no edital e, caso não haja previsão de determinada exigência, como no caso de matérias não previstas no edital, deverá de plano ser afastada.

 A moralidade administrativa compreende como preceitos éticos como parâmetro uma conduta escorreita, lisa e honesta. A cédula existencialista deste princípio tem por força propulsora a lealdade e a boa fé como elementos indispensáveis para todo e qualquer ato administrativo. Deste modo, destina-se a proteger as condições fáticas de sobrevivência humana, devendo ser aplicada a moralidade administrativa-razoabilidade como subespécie, sendo impossível que, por parte do administrador público a margem de escolha ou solução incontornável para determinada consecução do ato.

Ainda, a boa-fé, também subespécie ou coberta pela moralidade administrativa promana do desempenho normativo que ambas as partes necessitam preservar.
No tocante a impessoalidade, é salutar que se aplica em situação desarrazoável, já que sequer poderia apontar quem seria o beneficiário da intenção de inserir determinada matéria não prevista no edital, pois, mesmo que tenha esta finalidade por parte da Administração Pública, culminará por refletir na afronta da proporcionalidade e a igualdade.

O princípio da indisponibilidade é uma tendência necessária de aplicabilidade quanto ao prisma de proteção de celebração dos atos administrativos, estendendo inclusive aos editais (lei entre as partes). Somente seria disponível a alteração unilateral por parte da Administração Pública para preservação das normas vigentes, por meio de ato revogatório, conforme o caso concreto. A título de complementação deste princípio, pode-se afirmar que, no geral, interesses e bens públicos não são pertencentes à Administração, nem mesmo seus agentes, trazendo, assim o beneficio em prol de toda a coletividade.

Outro afronta de princípio constitucionalmente amparado, diz respeito ao princípio da segurança jurídica, no qual se fundamenta ao campo de estabilização das relações jurídicas e o dever de proteção da confiança que, alias, abarca ao princípio da moralidade administrativa. Neste ponto, há que destacar, o efeito protecionista segue amparado em ambas as partes, ou seja, para Administração com a plena execução de seus atos já previstos; de outro, temos o candidato, sem surpresas, seguir religiosamente ao descrito no edital em quais matérias a serem estudadas, de modo, a promover o princípio da precaução, evitando que decorra de medidas que não ofereçam risco entre as partes.

Breves considerações

Logo, percebe-se que todo em qualquer ato administrativo, deverá necessariamente, estar pautado por normas e princípios jurídicos instrumentalizados e, capazes de promover uma melhor adequação das atividades desempenhadas. Assim, ao cobrar matérias ou conteúdos não previstos no edital de um concurso público são atos contrários à Constituição Federativa Brasileira, em especial, os princípios jurídicos-constitucionais, como a legalidade, impessoalidade, moralidade, eficiência, segurança jurídica e outros princípios acima destacados.
Por certo, ao candidato prejudicado poderá fazer uso do seu direito de petição, conforme o artigo 5°, XXXIV, “a” da Constituição Federal, impugnando de forma administrativamente a questão exigida sem justo motivo ou sem motivo determinante, sendo, por conseguinte, anulada. Caso não tenha solução desejada, deverá socorrer do Poder Judiciário com  o objetivo de anular a questão e obter os pontos em seu favor, desde que, com meio judicial adequado.
        
A jurisprudência é pacifica: RE 440.335- AgR/RS; RE 434.708/RS do STF.




[1] Direito Administrativo Brasileiro, 34 ed, Malheiros, p. 89.

Bibliografia

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BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Renovar, 2006.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Consórcios públicos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações do direito público, Rio de Janeiro: Renovar, 2006.

MEDAUAR, . Direito Administrativo Moderno. 6° ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 33a ed. Atualizada por Eurico Azevedo et al. São Paulo: Malheiros, 2007.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2010.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional Administrativo. São Paulo: Atlas, 2002.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 25. ed. São Paulo: Atlas,
2010.

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