Fraude à Licitação
Análise ao Artigo 96
da Lei nº 8.666 de 21 de Junho de 1993
Art. 96. Fraudar, em prejuízo da Fazenda
Pública, licitação instaurada para aquisição ou venda de bens ou mercadorias,
ou contrato dela decorrente:
I - elevando arbitrariamente os preços;
II - vendendo, como verdadeira ou perfeita,
mercadoria falsificada ou deteriorada;
III - entregando uma mercadoria por outra;
IV - alterando substância, qualidade ou
quantidade da mercadoria fornecida;
V - tornando, por qualquer modo,
injustamente, mais onerosa a proposta ou a execução do contrato:
Pena - detenção, de 3 (três) a 6 (seis)
anos, e multa.
Tutela jurídica
O núcleo
central de proteção é repressão de toda e qualquer postura ou forma de se
violar interesses, no qual se objetiva traçar uma tutela ainda maior, buscando
uma igualdade entre os licitantes, assim como, trazendo para a prática, uma
posição de competitividade.
Ademais, não devemos
esquecer que, os princípios comportamentais devem ser preservados, cabendo a
todos os licitantes agirem com lealdade entre si, apresentando informações verídicas
a todos, inclusive ao Poder Público.
Certamente que
o crime visa a reprimir o patrimônio público da entidade que sofre o prejuízo proveniente
das condutas de terceiros, ao passo que, o artigo 96 da Lei de Licitações e
Contratos estabelece de forma expressa que somente diz respeito ao prejuízo à
Fazenda Pública, no entanto, reveste-se de maior fragilidade aos destinatários
que receberam produtos, culminando em prejuízos de ordem coletiva. Imaginem o estrago
que um medicamento deteriorado possa ocasionar, pois quando ministrado por
diversas pessoas doentes causa mortes de pacientes, decorrente de fraude na
licitação.
Para fins de aplicação
efetiva do texto legal, é preciso delimitar as bases conceituais, como objeto
de tutela jurídica do crime de fraude, traçando apenas a delimitação de Fazenda Pública está mais pautado ao
aspecto patrimonial do ente estatal, afastando-se eventuais prejuízos de ordem
moral, bem como englobar todas as entidades licitantes. Portanto, trata-se de
um crime de dano, ao passo que, é considerado um dos crimes
grave dentre os crimes previstos na Lei de Licitações e Contratos.
Elementos do tipo penal
A compreensão
inicial mais cômoda ao texto legal está consubstanciada no ato comissivo
fraudulento à licitação, implicando em meios artificiosos e ardis, com o escopo
de ocasionar prejuízo de ordem patrimonial ao erário.
Note-se que o
art. 96 faz menção apenas em caso de licitação instaurada para aquisição ou
venda de bens, mercadorias, ou contrato dela decorrente, afastando-se o crime quando houver a
prestação de obras e serviços, conforme o STF já assentou, devido ao princípio
da taxatividade
e que posteriormente o STJ considerou recentemente que, tipo penal deveria prever
expressamente a conduta de contratação de serviços fraudulentos para que fosse
possível a condenação do réu, uma vez que o Direito Penal deve obediência ao
princípio da taxatividade, não podendo haver interpretação extensiva em
prejuízo do réu
Vejamos tais
condutas tipificadas no artigo 96 da Lei n. 8.666/93, que tratam como atos
fraudulentos, conforme breves comentários:
I -
elevando arbitrariamente os preços
Resta evidente
que o dever do servidor público que conduz a licitação e o contrato
administrativo, de verificar se os preços dos licitantes estão condizentes com
a realidade, ou seja, conforme o
mercado, fixados por órgão oficial competente ou constante do registro de
preços, devendo constar em ata de julgamento, devendo o responsável pela
licitação, desclassificar propostas desconformes ou incompatíveis. (art. 43,
IV, da Lei n. 8.666/1993).
Desta feita, o
licitante deverá apresentar os preços em conformidade ao mercado, mas poderá
depois da contratação promover a discussão de valores, tendo em vista que a
própria Lei de Licitações e Contratos estabelece como oportunidade do
equilíbrio econômico-financeiro contratual, no qual poderá o particular propor
a modificação de preços, desde que devidamente fundamentada, conforme os requisitos
previstos em lei (art. 57 e seguintes da Lei n. 8.666/93).
Fatalmente, a
ausência de justificativa plausível na elevação de preço e a adequada fundamentação
prevista em lei, por parte do licitante, caracteriza-se como crime de fraude à
licitação por elevar os preços arbitrariamente, no qual se consuma no momento do oferecimento da proposta na licitação ou
por meio formal no pedido de aditamento contratual.
Entendemos que
a tentativa é inadmissível na prática, pois a finalidade especial deste crime é causar prejuízo da Fazenda Pública em seu
aspecto patrimonial.
Acerca desta
espécie de fraude, o STJ entende ser possível o concurso de crimes entre os delitos do art. 90 (fraudar o caráter
competitivo do procedimento licitatório) com o do art. 96, inciso I (fraudar
licitação mediante elevação arbitraria dos preços), da Lei de Licitações, pois
tutelam objetos distintos, afastando-se, portanto, o princípio da absorção.
II -
vendendo, como verdadeira ou perfeita, mercadoria falsificada ou deteriorada;
Infelizmente é
um dos comportamentos mais comuns na prática, no qual a Administração Pública
passa a ser ludibriada por terceiros, num ato de fraude que pode trazer
inúmeros efeitos negativos.
Denota-se que
a legislação estabelece como a conduta “vendendo”, sendo mesmo que dizer que alguém está realizando a ação de vender,
que está comerciando,
no qual resta saber se é a conduta está
em continuidade ou já se perfez com o tempo para fins de criminalização. É
evidente que seria mais cômodo ao legislador ter apenas incluído o verbo “vender”
como suficiente para a compreensão fática, no entanto, assim não o fez, mas
isto não significa que o sujeito do crime deverá estar agindo para a
caracterização da conduta tida como fraudulenta, podendo inclusive, descobrir
que há um determinado período, uma empresa forneceu à Administração Pública mercadorias
falsificadas ou deterioradas.
De forma
simples e objetiva, o ato de vender, é transferir o domínio de um objeto, no
qual as partes interessada paga e a outra recebe mediante pagamento. A entrega
de mercadoria vendida pelo licitante à Administração Pública se efetiva pela
relação contratual entre ambas as partes, podendo ser por meio de licitação
pública, ou mesmo hipóteses de dispensa ou inexigibilidade, conforme previsto
em lei.
Ainda, podemos
afirmar que se consuma como conduta criminosa, o ato de vender mercadoria como
se fosse verdadeira ou em perfeitas condições, com o objetivo de causar prejuízos
à Administração Pública. Para fins didáticos um breve exemplo, a aquisição de
equipamentos hospitalares para o combate à Convid 19 (Coronavírus), que
apresentava defeitos. Se restar comprovada a
fraude de que vendeu produtos com defeitos ou vícios redibitórios, não somente deverá o
licitado devolver aos cofres públicos os valores pagos, como também, seus
responsáveis responderão criminalmente.
Há que
mencionar, quanto ao risco do negócio jurídico inerente a contratação de
empresa internacional não sediada no País para o fornecimento de mercadorias,
no qual será quase que impossível incriminar o responsável, bem como
responsabiliza-lo civilmente, no tocante ao ressarcimento dos prejuízos ocasionados.
De fato é o grande desafio para a Administração Pública.
É possível
compreendermos que, a esfera civil ser distinta da criminal, no entanto, se
houver a devida reparação do dano ou restituída à coisa até o oferecimento da
denúncia ou da queixa, por ato voluntário do contratado, a pena será reduzida
em um a dois terços (art. 16, Código Penal). No tocante a reparação, poderá ser
extrajudicial, judicial ou por meio de acordo. Podemos citar como exemplo, um
contratante descobre que também foi enganado por seu fornecedor e já distribuía
perante a entidade pública determinados produtos falsos, ao invés de silenciar-se
quanto aos fatos, resolve ressarcir os valores pagos durante a execução do contrato.
No que diz respeito
à mercadoria falsificada, sendo aquele fornece
produtos sabidamente falsos, por motivos óbvios e que pretende lesar o erário e
prejudicar os demais licitantes, que poderiam fornecer os mesmos produtos mas
originais. O exemplo claro, e muito comum é a aquisição de cartucho (ou toner)
de tinta para impressora como adulterado ou falso.
Quanto a mercadoria
vendida como deteriorada, seria o mesmo que estragada para fins penais. Imagine
merendas estragadas sendo entregues as crianças em escolas ou creches públicas
ou, medicamentos vendidos à Administração pública com prazo de validade
vencidos. Com tais exemplos, percebe-se que de fato, a tutela penal é coletiva
evitando-se que efeitos negativos possam surgir logo no início da prestação de
serviços pela Administração Pública, como num hospital, escola pública, ou
mesmo em determinada repartição pública, ao passo que os prejuízos não somente
de ordem financeira estarão evidentes.
É importante
dizer que a prova pericial ou laudo técnico sobre os fatos deverão estar
presentes no caso concreto, não podendo estabelecer qualquer prova por dedução.
III -
entregando uma mercadoria por outra;
Ao que se faz
a leitura do texto legal, logo, se resume na expressão comum, “trocar gato por
lebre”. Trata-se de outra modalidade de vício na execução dos contratos
administrativos, visto que a mercadoria é modificada em sua totalidade.
Por exemplo, a
Administração Pública visa adquirir medicamentos para o tratamento do câncer por
meio de licitação, no entanto, a empresa vencedora entrega medicamentos ao
combate à insônia ou antidepressivos, sendo totalmente diversa do que prevê no
contrato firmado com o ente público.
O crime se
perfaz com a efetiva entrega da mercadoria por outra, não sendo possível a
tentativa.
IV -
alterando substância, qualidade ou quantidade da mercadoria fornecida;
Na sistemática lógica ao combate a fraude
licitatória, o ato de alterar a base substancial, a qualidade ou mesmo a
quantidade da mercadoria fornecida torna-se evidente antes ou após a
contratação com a Administração Pública.
Em verdade, o ato
de alterar a substância, qualidade e
quantidade de determinada mercadoria é comparado ao de falsificar, restando
evidenciado o cerco terminológico daqueles que buscam o prejuízo de ordem
financeira à Administração Pública como consumação do delito.
Podemos citar por
diversos exemplos práticos: a alteração de cartuchos de impressoras com
miligramas abaixo do que previsto contratualmente; modificação química de um
medicamento tornando-o mais fraco e com menos quantidade na dosagem; alteração
da gasolina no posto de combustíveis que abastece veículos da administração
pública, contratada por licitação.
Em todo e
qualquer caso, o dolo precisa ser provado e evidente, ou seja, a vontade livre
e consciente de causar o resultado, o prejuízo patrimonial à Administração
Pública. Portanto, não se presume o
dolo em alterar a substância, qualidade ou quantidade da mercadoria objeto de
contratação com a administração, e não existindo provas suficientes para demonstrá-lo
e que na prática, o laudo de exame em material deverá constatar de que
houve a alteração da mercadoria.
V -
tornando, por qualquer modo, injustamente, mais onerosa a proposta ou a
execução do contrato
Claramente,
nem sempre a Administração Pública conseguirá aplicar a regra da proposta mais
vantajosa em prol do interesse público, cabendo observar o justo equilíbrio entre
custo e benefício.
A
questão do equilíbrio financeiro nos contratos administrativos por vezes é
necessária, desde que devidamente justificados e aceitos pela Administração
Pública, entretanto, o ato do contratado de onerar de forma injustificada, que ocasione despesas, gastos, que seja dispendiosa a
execução do contrato ou sua proposta.
É semelhante do ato de fraude
proveniente de elevação arbitrária de preços, contudo, ao tornar, por qualquer meio
a fraude para aquisição de venda de bens ou mercadorias, mas que fique mais dispendiosa
a relação contratual por parte da Administração Pública. O inciso V do artigo
96 da Lei n. 8.666/96 deve aplicado com outros elementos que assim possam
caracteriza-lo como crime, haja vista que incumbe á Administração Pública o
aceite da proposta apresentada pelo licitante e se está realmente em
conformidade ao valor de mercado, sendo que, por outro lado, existe a liberdade
econômica ao particular de dispor quais os valores deseja vender determinada
mercadoria, podendo inclusive não ser escolhida sua proposta pelo fato que a
Administração Pública, pois estará em desconformidade com a proposta mais
vantajosa em prol do interesse coletivo.
No tocante ao ato do licitante em
tornar a execução do contrato mais oneroso à Administração Pública, é possível,
mas deverá estar evidente o dolo, ou seja, a vontade livre e consciente de
produzir o prejuízo para a contratada. Citamos um exemplo hipotético, a aquisição
de um maquinário tecnológico para fins de captação de som, no qual o licitante não
transmite adequadamente aos custos de manutenção do equipamento, tornando-a
onerosamente injusta a execução do contrato por impossibilidade de continuação
da mantença do objeto adquirido.
Tanto na proposta onerosa ou mesmo na
execução do contrato, a vontade livre e consciente devendo estar comprovado
para se imputar criminalmente o sujeito ativo (licitante ou vencedor da
licitação), ao passo que, ausente o dolo, não há que se dizer que houve o
crime.
Ação
Penal e Procedimento Processual
Assim como todos os crimes previstos pela Lei 8.666/93,
artigo 96 será ação penal pública incondicionada, cabendo ao Ministério Público
promovê-la, no entanto, será admitida ação penal privada subsidiária da
pública, se não for ajuizada no prazo legal, aplicando-se, aplicando os arts.
29 e 30 do CPP, nos termos do art. 103.
É possível promover a Notícia do crime (notitia criminis de cognição
mediata), ou seja, qualquer pessoa poderá provocar o judiciário,
para os efeitos de aplicação da lei de licitações, se não intentado por
iniciativa do MP, cabendo o interessado fornecer por escrito informações sobre
o fato e sua autoria, assim como as circunstâncias em que se deu a ocorrência.
Notícia do crime. Art. 101.
Pena,
procedimentos e Acordo de Não Persecução Penal
A pena prevista é detenção, de 3 (três) a 6 (seis)
anos, e multa.
Por se tratar de pena de detenção não
admite que se inicie o cumprimento em regime fechado, sendo que, em regra a
detenção é cumprida no regime semiaberto, em estabelecimentos menos rigorosos
como colônias agrícolas, industriais ou similares, ou no regime aberto, nas
casas de albergado ou estabelecimento adequado.
Não é possível aplicar a Lei n.
9.099/95, por se se considerar como crime de menor potencial ofensivo, sendo
inaplicável o instituto da suspensão condicional do processo.
É possível o acusado de o crime
beneficiar-se do instituto de Acordo de Não Persecução Penal, pois o artigo 96,
da Lei de Licitações e Contratos Administrativos não são condutas capazes de apresentar
violência ou grave ameaça e a pena mínima é inferior a 4 (quatro anos), podendo
o Ministério Público ofertar o referido acordo, desde que, cumpridas todas as
circunstâncias previstas no artigo 28-A do Código de Processo Penal.