01/11/2024

Exigência de Altura Mínima em Concursos para Carreiras Militares

Resumo

    O presente artigo aborda a recente decisão proferida no Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial (AgInt no AREsp) 2042248/RJ pela Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), com relatoria do Ministro Gurgel de Faria. 

    O cerne da discussão concentra-se na constitucionalidade da exigência de altura mínima como requisito para ingresso em carreiras militares, destacando a importância de uma previsão legal específica para respaldar tais requisitos objetivos.

 

Introdução

    O julgamento em questão, ocorrido em 24/10/2022 e publicado no Diário da Justiça Eletrônico (DJe) em 24/11/2022, trouxe à tona a análise crítica sobre a validade constitucional da exigência de altura mínima em concursos públicos para carreiras militares. Este artigo visa explorar os fundamentos e implicações dessa decisão, elucidando a necessidade de uma previsão legal específica para respaldar tal requisito.

Exigência Constitucional

    A jurisprudência do STJ, conforme delineado no referido julgado, reitera a constitucionalidade da exigência de altura mínimadesde que haja uma previsão legal específica. A decisão destaca a importância de fundamentar esses requisitos objetivos em normas claras e específicas, respeitando os princípios constitucionais.

Previsão Legal Genérica

    A Lei n. 12.464/2011, mencionada no julgamento, é analisada criticamente, revelando sua limitação ao abordar apenas a possibilidade de fixação de requisitos para o desempenho do cargo militar. 

    A falta de critérios específicos nessa previsão genérica é apontada como insuficiente diante da exigência constitucional.

Caráter Específico da Previsão legal

    O julgamento ressalta a necessidade de uma previsão legal específica que contemple critérios claros e definidos para a imposição de requisitos objetivos, especialmente no contexto das carreiras militares. A ausência de tal especificidade compromete a validade e a constitucionalidade dessas exigências.

    Nesse contexto, a jurisprudência delineada no julgamento responde a questionamentos prementes, proporcionando clareza quanto à validade constitucional de requisitos específicos, como a altura mínima, em concursos para carreiras militares. 

    A importância de uma previsão legal específica não apenas resguarda a legalidade e a transparência nos processos seletivos, mas também fortalece a confiança na integridade do sistema, ao alinhar as exigências alicerçadas em normas claras com os valores consagrados pela Constituição.

 

ESSA JURISPRUDÊNCIA É APLICADA PARA QUAIS CASOS?

E PODE USAR A DECISÃO PARA OUTROS CONCURSOS PÚBLICOS?

A jurisprudência mencionada, que reconhece a constitucionalidade da exigência de altura mínima para ingresso em carreiras militares, tem sua aplicabilidade restrita aos contextos das Forças Armadas, onde há uma tradição histórica e uma necessidade específica de certos requisitos físicos para o desempenho das atividades.

A fundamentação dessa exigência se ampara na natureza das funções militares, que muitas vezes demandam condições físicas particulares para o cumprimento das missões atribuídas.

No entanto, a extensão desta jurisprudência a outros concursos públicos dependerá da existência de previsão legal específica em cada caso. Cada exigência para ingresso em determinada carreira pública deve ser analisada à luz da legislação aplicável e das peculiaridades da função em questão.

Portanto, a decisão sobre a altura mínima pode não ser automaticamente estendida a outros concursos que não possuam previsão legal semelhante ou que não justifiquem objetivamente a sua necessidade para o desempenho das atividades a serem desenvolvidas.

 

Essa ponderação é essencial para garantir a segurança jurídica e o respeito aos princípios constitucionais da isonomia e da razoabilidade.

A jurisprudência, ao reconhecer a validade da exigência de altura mínima para carreiras militares, respeita o contexto específico dessas instituições e o caráter peculiar de suas atribuições.

Portanto, embora o precedente estabelecido pelo STJ forneça orientações valiosas sobre a constitucionalidade dessa exigência em determinados contextos, sua aplicação fora desses limites deve ser cuidadosamente examinada à luz das circunstâncias específicas de cada caso e das normativas legais aplicáveis.

Conclusões Finais

A jurisprudência estabelecida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), que ratifica a constitucionalidade da exigência de altura mínima para ingresso em carreiras militares, enfatiza a necessidade de uma previsão legal específica para respaldar tais requisitos objetivos.

A decisão proferida no Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial (AgInt no AREsp) 2042248/RJ pela Primeira Turma do STJ, sob relatoria do Ministro Gurgel de Faria, reforça a importância de fundamentar essas exigências em normas claras e específicas, alinhando-as aos princípios constitucionais.

 

Todavia, é crucial destacar que a aplicabilidade dessa jurisprudência está circunscrita ao âmbito das Forças Armadas, onde há uma tradição histórica e uma necessidade específica de certos requisitos físicos para o desempenho das atividades militares. A fundamentação dessa exigência está intrinsecamente relacionada à natureza das funções militares, que frequentemente requerem condições físicas particulares para o cumprimento das missões atribuídas.

 

Quanto à possibilidade de estender essa jurisprudência a outros concursos públicos, é imperativo considerar a existência de uma previsão legal específica em cada caso. Cada exigência para ingresso em determinada carreira pública deve ser examinada à luz da legislação aplicável e das peculiaridades da função em questão. 

Portanto, a decisão sobre a altura mínima não pode ser automaticamente generalizada para outros concursos que não possuam previsão legal semelhante ou que não justifiquem objetivamente sua necessidade para o desempenho das atividades pertinentes.

Essa análise criteriosa é essencial para assegurar a segurança jurídica e o respeito aos princípios constitucionais da isonomia e da razoabilidade.

Embora o precedente estabelecido pelo STJ ofereça diretrizes valiosas sobre a constitucionalidade dessa exigência em contextos específicos, sua aplicação fora desses limites requer uma avaliação cuidadosa das circunstâncias individuais de cada caso e das normativas legais aplicáveis.

Assim, a jurisprudência em questão proporciona clareza e orientação, mas sua aplicação deve ser realizada com cautela e em conformidade com os princípios fundamentais do ordenamento jurídico brasileiro.

 


30/10/2024

Aposentadoria Especial para Policiais Civis: Quem Tem Direito à Integralidade?


Quando o assunto é aposentadoria para policiais civis, as dúvidas sobre direitos e regras de cálculo sempre vêm à tona, especialmente após a Reforma da Previdência de 2019. 

    Recentemente, o Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) deu uma importante decisão sobre esse tema, reforçando que delegados de polícia que preencheram os requisitos para aposentadoria especial antes da reforma têm direito a se aposentar com proventos integrais, ou seja, com base no último salário recebido. Essa decisão destaca a relevância desse direito e deixa claro quem exatamente pode contar com ele. Vamos juntos explorar o que isso significa e quem se beneficia.

O Que é Aposentadoria Especial com Integralidade?

    A aposentadoria especial é um tipo de benefício criado para profissionais em atividades de risco, como os policiais civis. 

    Desde a criação da Lei Complementar nº 51/1985, esses servidores podem contar com regras diferenciadas, permitindo que, ao se aposentarem, recebam o valor da última remuneração. Esse conceito de integralidade quer dizer que o policial aposentado recebe exatamente o valor que recebia em atividade, sem reduções. 

    Para quem dedicou a vida a proteger a sociedade e enfrentou o risco diariamente, a integralidade representa uma forma de justiça e proteção ao padrão de vida adquirido ao longo dos anos.

    A Reforma da Previdência, no entanto, trouxe uma mudança para muitos servidores. Desde a promulgação da Emenda Constitucional 103/2019, o cálculo da aposentadoria para os servidores em geral passou a ser baseado na média das maiores remunerações e não mais no último salário. Isso gerou incerteza entre os policiais civis, que questionaram se continuariam a ter direito à integralidade.

A Decisão do TJ-BA e a Aplicação do Tema 1019 do STF

    Diante dessas dúvidas, o Tribunal de Justiça da Bahia reafirmou o direito dos policiais civis, em especial dos delegados de polícia, que ingressaram na carreira antes da Reforma da Previdência e que cumpriram os requisitos para aposentadoria especial. 

    No caso analisado, o Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado da Bahia (ADPEB) entrou com um mandado de segurança coletivo. O pedido foi para garantir que esses servidores pudessem se aposentar com base na última remuneração, conforme estabelecido na Lei Complementar 51/85.

    O TJ-BA decidiu favoravelmente aos delegados, baseando-se no entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), consolidado no Tema 1019, que determina que policiais civis que cumpriram os requisitos para aposentadoria especial antes da reforma têm direito ao cálculo da aposentadoria com integralidade, mesmo após as novas regras. Ou seja, para esses policiais, o benefício da integralidade, ou o cálculo com base no último salário, continua valendo, e não a média dos salários.

Mas Afinal, Todos os Policiais Civis Têm Direito a Essa Aposentadoria com Integralidade?

    Aqui está um ponto crucial: nem todos os policiais civis têm direito automático a essa aposentadoria especial com integralidade. Esse direito é exclusivo para aqueles que ingressaram na carreira antes da Reforma da Previdência (Emenda Constitucional 103/2019) e que cumpriram todos os requisitos de idade e tempo de contribuição estabelecidos na LC 51/85 antes da reforma.

    Se você é policial civil e se pergunta se tem esse direito, é importante observar esses detalhes. Caso tenha entrado no serviço público após a reforma ou ainda não tenha completado os requisitos, a aposentadoria será calculada conforme as novas regras, com base na média aritmética das maiores remunerações, e não na última remuneração.

    Para os policiais que entraram antes da reforma mas ainda não completaram os requisitos, a situação pode variar. As regras de transição da reforma criam critérios específicos e, nesse caso, uma orientação jurídica pode ser essencial para avaliar qual regra será aplicada e se há base para reivindicar a integralidade.

O Que Essa Decisão Representa para os Policiais Civis?

    A decisão do TJ-BA reforça que policiais que ingressaram antes da reforma e já cumpriram os requisitos de aposentadoria especial mantêm o direito de uma transição mais segura para a aposentadoria, sem perda no valor de seus proventos. Isso traz previsibilidade para quem se planejou ao longo de anos e manteve uma carreira marcada pelo serviço público e pela exposição a riscos.

    Esse precedente também serve de apoio para outros policiais civis em situação semelhante, especialmente em outros estados, onde sindicatos e associações podem defender esse direito de integralidade.

Conclusão

    A decisão do TJ-BA sobre a aposentadoria especial dos policiais civis reafirma a importância da integralidade, assegurando que a aposentadoria seja calculada com base no último salário, sem aplicação da média. Essa vitória representa o respeito aos direitos adquiridos e a valorização do servidor policial, que ao longo dos anos arriscou sua vida pela sociedade.

    Para policiais civis e para a sociedade, essa decisão mostra como o poder judiciário pode assegurar direitos e garantir segurança jurídica para aqueles que se dedicaram à proteção pública, especialmente em tempos de mudanças nas regras previdenciárias. 

Se você é policial civil, entender e acompanhar essas decisões pode ser fundamental para garantir que seus direitos sejam respeitados.


Luiz Fernando Pereira -Advogado e Professor

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20/10/2024

Atestado Médico sem CID é Válido: Proteção à Intimidade e Impacto nas Relações de Trabalho


Você sabe quais informações o empregador pode exigir em um atestado médico?

    A 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (TRT-SC) trouxe uma resposta importante: o atestado médico é válido mesmo sem o código da doença (CID – Classificação Internacional de Doenças)

    Esta decisão não só acompanha mudanças na jurisprudência, mas também reforça direitos constitucionais fundamentais, como a privacidade e a intimidade do trabalhador. Entenda como essa decisão impacta as relações trabalhistas e o que ela significa para empregadores e empregados.


CID no Atestado: Questão Legal ou Exposição Indevida?


    Historicamente, algumas normas coletivas exigiam a inclusão do CID para que o atestado fosse aceito. A justificativa era que o código ajudaria a empresa a avaliar a gravidade da doença. Contudo, essa prática começou a ser contestada por violar a privacidade e a intimidade do trabalhador, protegidas pelo art. 5º, inciso X, da Constituição Federal.

    Além disso, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) (Lei nº 13.709/2018)trouxe novas exigências para o tratamento de dados sensíveis, como informações de saúde. Exigir a divulgação do CID pode ser uma violação direta desses direitos, pois obriga o trabalhador a compartilhar dados íntimos sempre que precisa justificar uma ausência por doença.

O Caso Concreto: O que Decidiu o TRT-SC?

    O caso envolveu um vigilante que teve parte de seu salário descontado ao apresentar atestados médicos sem o CID. A empresa justificou o desconto com base em uma cláusula da convenção coletiva, que tornava obrigatória a inclusão do código. Sem ele, as ausências foram tratadas como injustificadas.

    Não concordando com o desconto, o trabalhador recorreu à Justiça. Em primeira instância, o juiz indeferiu o pedido, entendendo que não havia violação aos direitos constitucionais. No entanto, o trabalhador insistiu e apelou para o TRT-SC, onde obteve uma decisão favorável.

Uma Mudança na Jurisprudência: Nova Visão do TST

    A 2ª Turma do TRT-SC alinhou sua decisão às recentes mudanças no Tribunal Superior do Trabalho (TST), que em julgamentos de 2019 e 2020 afastou a obrigatoriedade de inclusão do CID. A nova posição considera que a intimidade e a privacidade do trabalhador não podem ser relativizadas por convenções coletivas.

    O relator destacou que o sigilo do empregador sobre essas informações não é suficiente para proteger o trabalhador. “O empregado tem o direito de não divulgar dados sobre sua saúde, e a apresentação de um atestado médico sem CID é suficiente para justificar a falta”, observou o tribunal. Assim, a empresa foi condenada a restituir os valores descontados.

O que Essa Decisão Significa para Empresas e Trabalhadores na prática?

    A decisão do TRT-SC traz implicações importantes:

  • Empresas precisam revisar suas convenções coletivas e políticas internas. A manutenção de exigências de CID pode gerar passivos trabalhistas e resultar em ações judiciais;

  • Trabalhadores ganham mais segurança jurídica ao saber que não precisam expor suas condições de saúde para justificar uma ausência por doença.

    A ausência do CID, ao contrário do que muitos temem, não prejudica o acesso a benefícios previdenciários. O INSS continua reconhecendo atestados válidos para fins de auxílio-doença, mesmo sem a indicação do código da doença.

Conclusão: Um Passo à Frente na Proteção dos Direitos Fundamentais

    A decisão do TRT-SC é um marco na defesa da privacidade e intimidade do trabalhador. Com a evolução da jurisprudência, fica claro que a saúde do trabalhador é parte de sua esfera íntima, e qualquer norma que viole essa privacidade deve ser considerada inválida.

    Essa mudança também representa um convite para empregadores e sindicatos repensarem suas práticas e garantirem um equilíbrio entre a gestão empresarial e a proteção dos direitos fundamentais. O respeito à privacidade não pode ser tratado como um obstáculo, mas como um princípio essencial para relações de trabalho mais justas e éticas.


O que Você Pensa Sobre Isso?

    Você já passou por uma situação em que foi solicitado o CID em um atestado médico? Acredita que essa decisão pode melhorar as relações de trabalho? Deixe sua opinião nos comentários e participe da discussão!

Considerações Finais

    O entendimento é claro: um atestado médico é válido e suficiente para justificar a ausência, mesmo sem o CID. Privacidade é um direito indisponível, e qualquer exigência que a viole não pode ser tolerada, seja em normas internas da empresa ou convenções coletivas.

    Acompanhar decisões como essa é essencial para entender as mudanças no Direito do Trabalho e como elas impactam o dia a dia das empresas e trabalhadores. Essa evolução representa um avanço não apenas jurídico, mas também social, rumo a um ambiente de trabalho mais justo e respeitoso. 


Luiz Fernando Pereira -Advogado e Professor

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03/10/2024

Transfusão de Sangue e Testemunhas de Jeová: STF entre a Fé e o Estado — Um Julgamento de Vida e de Crença

    


O Supremo Tribunal Federal (STF) tomou
 uma decisão histórica que envolve um tema sensível: a recusa de transfusões de sangue por motivos religiosos. Em votação unânime, os ministros decidiram que as Testemunhas de Jeová, quando adultas e capazes, têm o direito de recusar procedimentos médicos que envolvam transfusões. 

    Além disso, ficou estabelecido que o Estado deve garantir tratamentos alternativos disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS), mesmo que isso signifique custear procedimentos em outros estados.

    Essa decisão surge de dois casos específicos que chegaram ao STF, mas a repercussão é geral, ou seja, agora todas as instâncias judiciais do país deverão aplicar esse entendimento em situações semelhantes. Vamos entender melhor essa decisão e o impacto dela?

O que o STF decidiu, exatamente?

    A questão central é o direito das Testemunhas de Jeová de recusarem transfusões de sangue por motivos religiosos. A recusa tem base nas convicções religiosas dessa comunidade, que vê o uso de sangue alheio como uma violação de passagens bíblicas. 

    O STF reconheceu que a liberdade religiosa, garantida pela Constituição, permite que uma pessoa maior de idade e capaz recuse esse tipo de tratamento. No entanto, para que essa recusa seja válida, o paciente precisa estar plenamente informado e consciente das consequências.

    Outro ponto importante da decisão é que o SUS tem a obrigação de fornecer alternativas às transfusões. Isso inclui tratamentos que não usem sangue alheio, como o Programa de Gerenciamento do Sangue do Paciente (PBM), que já é uma realidade em muitos hospitais brasileiros. 

    E mais: se o tratamento alternativo não estiver disponível no estado do paciente, o governo deverá providenciar o atendimento em outra localidade.

Como isso funciona na prática?

    Agora você deve estar se perguntando: como essa decisão vai impactar o dia a dia dos hospitais e do SUS? 

    Vamos a alguns exemplos práticos, começando pelos casos que motivaram essa decisão:

  • RE 979742: Uma paciente no Amazonas precisou de uma cirurgia de artroplastia total, mas recusou a transfusão de sangue, em respeito à sua fé. 

    No entanto, esse tipo de tratamento alternativo não estava disponível no Amazonas. O STF decidiu que a União, o Estado do Amazonas e o Município de Manaus devem custear a cirurgia em outra localidade que ofereça o procedimento sem uso de sangue.
  • RE 1212272: Uma mulher foi encaminhada para uma cirurgia de substituição de válvula aórtica na Santa Casa de Maceió, mas a cirurgia foi cancelada porque ela se recusou a assinar o termo de consentimento para receber transfusão de sangue, caso fosse necessário. 

    O STF entendeu que, desde que a paciente estivesse plenamente consciente dos riscos, ela tinha o direito de recusar o tratamento com transfusão.

Limites da decisão — e a questão dos menores de idade

    Agora, é importante entender que essa decisão não se aplica a crianças e adolescentes. 

    Quando se trata de menores de idade, o STF foi claro: o princípio do melhor interesse da criança deve prevalecer. Ou seja, os pais não podem, com base em suas crenças religiosas, impedir que seus filhos recebam tratamentos que sejam necessários para salvar suas vidas ou garantir sua saúde. 

    Isso significa que, em casos envolvendo menores, a Justiça pode, sim, autorizar procedimentos como transfusões, se forem indispensáveis para a vida ou saúde da criança ou adolescente.

O que isso representa para o direito à saúde e à liberdade religiosa?

    O presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, ressaltou que essa decisão representa um importante avanço na compatibilização entre a liberdade religiosa e o direito à vida e à saúde. Por um lado, garante-se que ninguém será forçado a se submeter a um tratamento que vai contra suas convicções mais profundas. 

    Por outro, o Estado se compromete a oferecer alternativas viáveis, respeitando a dignidade humana e os direitos fundamentais.

    Além disso, essa decisão coloca o Brasil em consonância com uma tendência internacional. Em outros países, como Estados Unidos e Canadá, já existem precedentes que reconhecem o direito de recusa de tratamento médico por motivos religiosos, desde que o paciente seja informado e capaz de tomar suas próprias decisões.

Teses de Repercussão Geral — O que o STF fixou?

O STF definiu teses de repercussão geral que deverão ser seguidas por todos os tribunais do Brasil. Veja o que foi decidido nos dois recursos julgados:

RE 979742:

  1. Testemunhas de Jeová, maiores e capazes, têm o direito de recusar procedimentos médicos que envolvam transfusão de sangue, com base na liberdade religiosa e na autonomia individual.
  2. Como consequência, o Estado deve garantir o acesso aos procedimentos alternativos disponíveis no SUS, e, se necessário, providenciar o tratamento fora do domicílio do paciente.

RE 1212272:

  1. Pacientes com capacidade civil plena podem recusar tratamentos de saúde, inclusive transfusões de sangue, por motivos religiosos, desde que a decisão seja tomada de forma livre, consciente e informada.

  2. O SUS deve realizar procedimentos médicos sem transfusão de sangue, caso haja viabilidade técnica e a equipe médica esteja de acordo com a realização do procedimento, respeitando a decisão do paciente.

    E agora?

    Essa decisão representa um grande passo na garantia de direitos fundamentais. Para as Testemunhas de Jeová, é uma vitória importante, pois reafirma a proteção de sua liberdade religiosa. Para o sistema de saúde, o desafio será garantir que esses procedimentos alternativos estejam disponíveis e que o direito dos pacientes seja respeitado, sem comprometer o atendimento médico de qualidade.

    Com essa decisão, o STF equilibra dois pilares essenciais: a autonomia pessoal e a responsabilidade do Estado em proteger a saúde. Agora, cabe aos profissionais de saúde e às instituições públicas aplicar essas diretrizes e garantir que todos possam exercer seus direitos, sem abrir mão de tratamentos que respeitem sua fé e sua dignidade.


Este artigo foi escrito por Luiz Fernando Pereira, advogado e professor.

27/09/2024

A Fixação de Honorários Advocatícios no Cumprimento de Sentença contra a Fazenda Pública: Conexões e Implicações do Tema 1190/STJ

O cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública no Brasil é um tema que constantemente suscita debates jurídicos, principalmente no que diz respeito à expedição de precatórios e à fixação de honorários advocatícios. Recentemente, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) proferiu decisão significativa no julgamento do AgInt no AgInt no REsp 2.008.452-SP em setembro de 2024, tratando justamente dessa questão. Nesse artigo, exploraremos as nuances desse entendimento à luz do Tema 1190/STJ e dos princípios processuais envolvidos.

O Sistema de Precatórios e a Fazenda Pública

Para compreender a controvérsia sobre a fixação de honorários advocatícios, é fundamental primeiro contextualizar o sistema de pagamento de precatórios. Os precatórios são instrumentos jurídicos previstos no art. 100 da Constituição Federal, que regulam o pagamento de dívidas da Fazenda Pública resultantes de condenação judicial. De acordo com essa sistemática, o pagamento das obrigações devidas pela Fazenda Pública segue uma ordem cronológica, a fim de respeitar a capacidade financeira dos entes públicos.

O procedimento de expedição de precatórios é uma forma de garantir o cumprimento das obrigações judiciais, mas por ser um processo que segue prazos e cronologias específicas, acaba gerando discussões acerca da imposição de honorários advocatícios nas fases de execução de sentença.

A Decisão no AgInt no AgInt no REsp 2.008.452-SP e o Tema 1190/STJ

A jurisprudência consolidada no Tema 1190/STJ estabelece que não são devidos honorários advocatícios sucumbenciais no cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública quando não há impugnação, mesmo que o crédito esteja sujeito ao pagamento por meio de RPV (Requisição de Pequeno Valor). Essa tese, ao limitar a imposição de honorários, visa a uma interpretação condizente com a realidade financeira e operacional do ente público.

No entanto, a decisão de setembro de 2024 traz uma importante diferenciação (distinguishing), que complementa e, ao mesmo tempo, excepciona o entendimento do Tema 1190. No caso julgado, a Fazenda Pública apresentou impugnação ao cumprimento de sentença, o que resultou na fixação de honorários advocatícios sobre a parcela controvertida do crédito. Essa diferenciação é central, pois indica que, uma vez impugnada a execução, os honorários tornam-se devidos, como previsto no art. 85, § 7º do CPC/2015.

Portanto, o STJ reafirmou que a impugnação por parte da Fazenda Pública caracteriza uma resistência ao cumprimento da obrigação judicial, justificando a aplicação de honorários advocatícios. Essa resistência transforma o caráter do cumprimento de sentença, possibilitando que os honorários sejam fixados sobre a parcela controversa da dívida, ou seja, aquela contestada pela Fazenda.

O Papel dos Honorários Advocatícios no Cumprimento de Sentença

A fixação de honorários advocatícios no cumprimento de sentença desempenha um papel crucial no processo civil, pois busca reequilibrar a relação entre as partes. No âmbito do cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública, esse equilíbrio é ainda mais necessário, dado que o ente público possui a prerrogativa de quitar suas dívidas através de precatórios, o que dilata o tempo de pagamento.

Contudo, a impugnação por parte da Fazenda, ao prolongar ainda mais o processo de satisfação do crédito, gera ônus adicionais para a parte vencedora, notadamente os honorários advocatícios. A decisão recente do STJ, ao estabelecer a possibilidade de fixação de honorários sobre a parcela controvertida, representa uma resposta a esse problema, alinhando-se aos princípios da duração razoável do processo e da boa-fé processual.

Além disso, a jurisprudência reafirma que, mesmo que o procedimento de pagamento siga o rito do precatório, a Fazenda Pública não está isenta de ser responsabilizada pela sua atuação processual. O ato de impugnar a execução, se rejeitado, implica em sucumbência, o que justifica a fixação de honorários em favor da parte adversa.

O CPC/2015 e a Continuidade da Jurisprudência

É importante destacar que, apesar da mudança do Código de Processo Civil em 2015, muitos dos entendimentos firmados à época do CPC/1973 foram preservados. Um exemplo é o Tema 407/STJ, que afirma que os honorários são devidos no cumprimento de sentença após esgotado o prazo para pagamento voluntário. Esse entendimento foi consolidado na Súmula 517, que se mantém válida à luz do CPC/2015.

A regra específica do art. 85, § 7º, do CPC/2015, que regula a fixação de honorários contra a Fazenda Pública, demonstra a continuidade do entendimento de que os honorários devem ser fixados nos casos de impugnação. Assim, a jurisprudência, ao se adequar ao novo código, busca harmonizar os interesses processuais e a peculiaridade do regime de precatórios, assegurando um equilíbrio entre o direito do credor à justa remuneração e as prerrogativas da Fazenda Pública.

Considerações Finais

O julgamento do AgInt no AgInt no REsp 2.008.452-SP, ao excepcionar o Tema 1190, marca um passo importante para a compreensão da execução contra a Fazenda Pública e da fixação de honorários advocatícios. Ao estabelecer que a apresentação de impugnação pela Fazenda enseja a fixação de honorários sobre a parcela controvertida, a Primeira Turma do STJ reafirma o compromisso com a efetividade do processo e com a proteção dos direitos do credor.

Essa decisão é relevante porque equilibra as peculiaridades do regime de precatórios com a necessidade de garantir uma execução célere e justa. Os honorários advocatícios não são apenas uma compensação financeira, mas também um instrumento de pressão para que a Fazenda Pública cumpra suas obrigações de maneira mais eficiente e menos protelatória.

Portanto, o tema continua a exigir atenção, especialmente considerando o impacto das decisões judiciais em face da Fazenda Pública e a necessidade de constante aprimoramento das normas processuais aplicáveis.

Como Médicos e demais profissionais da saúde com Vários Empregos Podem Recuperar Contribuições Previdenciárias Pagas a Mais

 


Quando falamos sobre o direito de médicos à restituição de valores pagos a maior em contribuições previdenciárias, especialmente no que tange ao INSS, é importante destacar que essa situação geralmente ocorre devido ao fato de muitos desses profissionais possuírem mais de uma fonte de renda. 

O que pode parecer uma vantagem, em termos tributários, resulta em pagamentos indevidos, pois o valor pago ao INSS muitas vezes excede o limite permitido pela legislação.

O problema da contribuição previdenciária sobre múltiplas rendas

A legislação previdenciária brasileira estabelece um teto máximo para as contribuições ao INSS, conhecido como "teto previdenciário". Para o ano de 2024, esse teto foi ajustado para R$ 7.786,02, conforme correção baseada no Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC)​. Isso significa que, independentemente do total de rendimentos de um médico com várias fontes de renda, o valor máximo que pode ser recolhido a título de contribuição previdenciária não pode ultrapassar esse montante.

No entanto, muitos médicos possuem múltiplos vínculos, como empregos em hospitais, clínicas e consultórios próprios, e cada fonte acaba realizando os descontos previdenciários de forma isolada, sem considerar o valor já descontado em outras atividades. 

Isso gera uma soma total que, muitas vezes, ultrapassa o limite estabelecido pela lei, configurando um pagamento indevido e passível de restituição.

O direito à restituição de tributos

A legislação brasileira assegura aos médicos e outros profissionais com múltiplas fontes de renda o direito de solicitar a devolução desses valores pagos a maior ao INSS. Isso deve ser feito dentro de um prazo prescricional de cinco anos, contados a partir da data de recolhimento. 

É fundamental ressaltar que esses valores pagos além do teto não trazem qualquer benefício adicional, como aumento no valor da aposentadoria, o que reforça a importância de buscar a restituição​.

Como funciona o processo de restituição?

O processo de restituição exige uma análise minuciosa das contribuições feitas em cada fonte de renda. Após identificar os valores excedentes, o profissional deve protocolar um pedido de devolução junto à Receita Federal ou diretamente ao INSS. 

Geralmente, o prazo para processamento da solicitação é de até 90 dias.

No entanto, se o pedido administrativo for negado ou não houver uma resposta dentro do prazo, o profissional pode buscar a restituição através de uma ação judicial

Nesse cenário, o médico tem o direito de pleitear os valores pagos indevidamente nos últimos cinco anos de forma retroativa. Além disso, a ação judicial permite a aplicação de correção monetária, o que pode aumentar o valor a ser restituído​​.

Em muitos casos, a via judicial se torna necessária quando a administração pública não reconhece automaticamente o direito à restituição ou apresenta dificuldades no processamento do pedido. A ação judicial, portanto, oferece um caminho seguro para que o profissional recupere integralmente os valores pagos a maior, com a devida atualização monetária, garantindo a correta aplicação da legislação previdenciária.

Orientações práticas para médicos 

Se você é médico e suspeita que tenha pagado valores além do teto previdenciário, é essencial agir com rapidez. Cada mês que passa, os valores recolhidos há mais de cinco anos prescrevem, ou seja, deixam de ser passíveis de restituição. 

O ideal é consultar um advogado para realizar uma análise detalhada das suas fontes de renda e os valores recolhidos​.

Além disso, outros profissionais da saúde, como dentistas e enfermeiros, também podem solicitar a restituição, caso se enquadrem nessa situação.


Quem tem direito à restituição de valores pagos a maior ao INSS?

A restituição dos valores pagos a maior ao INSS é um direito garantido a todos os profissionais que possuem mais de uma fonte de renda e que contribuem para a Previdência Social, incluindo médicos, dentistas, professores universitários, engenheiros, advogados e outros profissionais que se enquadrem nessa condição. 

A situação é comum para aqueles que acumulam vínculos empregatícios com CLT e outras formas de atuação, como autônomos ou sócios de empresas que também recolhem contribuição previdenciária.

O direito à restituição ocorre quando as contribuições realizadas ultrapassam o teto previdenciário, que em 2024 foi fixado em R$ 7.786,02​.

Assim, quem contribui com valores que excedem esse limite tem o direito de solicitar a devolução do montante excedente.

Exemplo prático

Imagine um médico que atua simultaneamente em dois hospitais, ambos com vínculo empregatício formal (CLT), e também em uma clínica particular como autônomo. Suponha que ele receba R$ 6.000,00 em cada hospital, totalizando R$ 12.000,00 mensais. Cada um dos hospitais desconta a contribuição ao INSS individualmente, com base no salário recebido, sem levar em conta o teto previdenciário.

  1. No primeiro hospital, a contribuição ao INSS seria calculada sobre os R$ 6.000,00, aplicando-se a alíquota de 14%, o que resulta em um desconto de R$ 840,00.
  2. O mesmo cálculo é feito pelo segundo hospital, gerando mais um desconto de R$ 840,00.
  3. O total de contribuição previdenciária seria, então, R$ 1.680,00. No entanto, como o teto do INSS é de R$ 7.786,02, o valor máximo que poderia ser recolhido é 14% sobre esse teto, ou seja, R$ 1.090,04.

Neste caso, o médico teria pago R$ 589,96 a mais do que o permitido pela legislação. Esse valor é passível de restituição, e ele pode solicitar a devolução ao INSS.


Atuo como residente e plantonista como CNPJ, tenho direito?

Sim, nesse caso, você pode ter direito à restituição. A residência médica é, em regra, uma atividade vinculada a um hospital ou instituição, normalmente com carteira assinada (CLT), o que gera o desconto de INSS sobre o valor da bolsa. Paralelamente, como plantonista atuando sob CNPJ, você também contribui para o INSS, seja como sócio de pessoa jurídica ou autônomo.

O problema surge quando as contribuições realizadas sob os dois regimes ultrapassam o teto do INSS. Por exemplo, se o valor da sua bolsa de residência somado aos seus rendimentos como plantonista (via CNPJ) supera o teto previdenciário, você tem o direito de solicitar a restituição dos valores pagos a maior.

Esse é um cenário comum para médicos que conciliam a residência com atividades autônomas ou como sócios de clínicas. Assim, é importante verificar se, somando as contribuições de ambas as fontes de renda, houve recolhimento acima do limite permitido.


O Caminho é Ação Judicial: Direito ao Retroativo de 5 Anos

Quando o pedido de restituição administrativa junto à Receita Federal ou ao INSS não é atendido ou há dificuldades em comprovar os valores pagos a maior, o profissional tem a possibilidade de recorrer à via judicial. 

A legislação brasileira permite o pedido de restituição dos valores pagos acima do teto do INSS nos últimos cinco anos, de forma retroativa. Isso significa que, mesmo que você não tenha feito a solicitação anteriormente, ainda é possível buscar judicialmente a devolução dos valores indevidamente recolhidos no período de até cinco anos anteriores ao protocolo da ação​​.


Na ação judicial, além da restituição do valor excedente, o contribuinte pode requerer a correção monetária, o que pode aumentar significativamente o montante a ser devolvido. A judicialização pode ser necessária em casos em que a análise administrativa demore ou quando houver indeferimento sem justa causa.

Essa via é especialmente recomendada quando há uma quantia significativa a ser recuperada ou quando as tentativas administrativas não obtiveram sucesso. O processo é tecnicamente viável e, com a orientação adequada, o médico pode garantir o seu direito à devolução dos valores pagos indevidamente.


Conclusão

Médicos com múltiplas fontes de renda, sejam eles residentes, plantonistas com CNPJ ou profissionais em diferentes regimes de trabalho, devem estar atentos aos valores pagos ao INSS. 

O teto previdenciário para 2024 é de R$ 7.786,02, e qualquer contribuição que ultrapasse esse valor é considerada indevida e pode ser restituída​.

O direito à restituição é garantido pela legislação e pode ser solicitado para valores pagos nos últimos cinco anos. Isso significa que, mesmo que o pagamento a maior tenha ocorrido ao longo de anos anteriores, é possível reaver essas quantias, com correção monetária. 

Se o pedido administrativo não for atendido ou houver dificuldades em obter a devolução, a via judicial oferece uma alternativa eficiente para recuperar os valores pagos a mais.

Este direito não só garante o cumprimento das normas previdenciárias, como também evita prejuízos financeiros para os profissionais que, muitas vezes, desconhecem essa possibilidade. 

Portanto, é fundamental verificar os recolhimentos ao INSS e buscar a restituição do que foi pago indevidamente, assegurando-se de não perder esse direito com o passar do tempo.



*Consulte sempre um advogado.


Luiz Fernando Pereira - Advocacia

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23/09/2024

A Nova Súmula 672 do STJ: Um Marco nos Processos Administrativos Disciplinares

    Em 11 de setembro de 2024, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) aprovou a Súmula n. 672, publicada no Diário da Justiça Eletrônico em 16 de setembro do mesmo ano, com o seguinte enunciado:

"A alteração da capitulação legal da conduta do servidor, por si só, não enseja a nulidade do processo administrativo disciplinar."

    De forma direta, esse texto parece simples. Entretanto, ao nos aprofundarmos no tema, verificamos que ele tem importantes implicações para o Direito Administrativo Disciplinar e para os direitos dos servidores públicos. 

    O objetivo deste artigo é, portanto, examinar mais detalhadamente os fundamentos dessa súmula, suas implicações práticas e as questões teóricas que ela suscita, sempre mantendo um diálogo com você, leitor, que talvez esteja se perguntando o que essa súmula realmente significa na prática.

O que é a Capitulação Legal no Processo Administrativo Disciplinar?

    Primeiramente, é importante compreendermos o conceito de capitulação legal. Em termos simples, quando falamos em capitulação legal, estamos nos referindo ao enquadramento jurídico de uma determinada conduta. No contexto de um processo administrativo disciplinar (PAD), a capitulação legal é a norma jurídica específica que a administração pública entende ter sido violada pelo servidor.

    Por exemplo, se um servidor público for acusado de abandono de cargo, a autoridade responsável pelo PAD deve enquadrar essa conduta em um artigo específico da lei, como o artigo 132, inciso III, da Lei n. 8.112/90 (para servidores federais). Isso é o que chamamos de capitulação legal da conduta: o ato infracional é vinculado a uma norma legal específica.

    Agora, imagine que, no decorrer do processo, novos fatos ou elementos surjam, levando a administração a concluir que, ao invés de abandono de cargo, a conduta melhor se enquadraria em "inassiduidade habitual", tipificada em outro artigo da mesma lei. Essa mudança no enquadramento jurídico da conduta é a chamada alteração da capitulação legal.

O que a Súmula Está Realmente Dizendo?

    A Súmula n. 672 estabelece que a alteração da capitulação legal durante o processo disciplinar, por si só, não implica nulidade do PAD. Isso significa que, se o enquadramento jurídico da conduta do servidor for alterado ao longo do processo, essa mudança não acarreta automaticamente a invalidação de todo o procedimento.

Mas, por que essa questão é importante? E o que significa na prática?

    Nos processos administrativos, as formalidades são essenciais para garantir a legitimidade do procedimento e a proteção dos direitos do acusado. Contudo, a súmula vem esclarecer que nem toda formalidade deve ser vista de maneira rígida. 

    Alterações na capitulação legal podem ser naturais no decorrer do processo, à medida que os fatos são mais bem apurados e compreendidos.

O Devido Processo Legal e a Importância do Contraditório e Ampla Defesa

    O princípio fundamental que norteia qualquer processo administrativo disciplinar é o devido processo legal, do qual derivam outros princípios basilares como o contraditório e a ampla defesa. Esses princípios estão consagrados no artigo 5º, incisos LIV e LV, da Constituição Federal de 1988.

    Então, a pergunta que pode surgir é: como se concilia a alteração da capitulação legal com o respeito a esses princípios?

    A súmula deixa claro que a mudança no enquadramento jurídico, por si só, não constitui violação ao devido processo legal. No entanto, isso não significa que a administração pública pode realizar essa alteração de forma arbitrária, sem assegurar o direito de defesa do servidor. 

    A alteração é permitida, desde que o servidor seja notificado adequadamente sobre a nova imputação e tenha a oportunidade de se defender frente a essa nova acusação.

    Esse aspecto é essencial: o que a súmula afirma é que o simples ato de reclassificar juridicamente a conduta do servidor não é, por si só, causa de nulidade. Todavia, o PAD continuará nulo se essa alteração for feita sem o devido respeito aos direitos fundamentais do servidor, especialmente seu direito de defesa. 

    Portanto, é necessário sempre que o servidor tenha a oportunidade de se manifestar, apresentar provas, testemunhas e, se necessário, contestar o novo enquadramento legal.

O Princípio da Instrumentalidade das Formas

    Aqui, vale a pena introduzir o conceito do princípio da instrumentalidade das formas. Esse princípio prega que a forma processual é um meio, e não um fim em si mesma. Ou seja, as formalidades processuais existem para assegurar a correta apuração dos fatos e a proteção dos direitos das partes, mas elas não devem servir para invalidar todo um procedimento quando não há prejuízo à defesa ou ao resultado final.

    O que o STJ busca com a Súmula 672 é justamente evitar que vícios formais, como a alteração da capitulação legal, possam anular processos administrativos bem instruídos e conduzidos, desde que essa modificação não tenha prejudicado o exercício da defesa pelo servidor. 

    Em outras palavras, se a alteração da capitulação ocorre sem comprometer o contraditório e a ampla defesa, o processo deve prosseguir normalmente.

O Equilíbrio Entre Eficácia Administrativa e Garantias Constitucionais

    O processo administrativo disciplinar é uma ferramenta indispensável para que a administração pública possa investigar e sancionar condutas irregulares de seus servidores. Contudo, é necessário equilíbrio entre a eficácia administrativa e a observância das garantias constitucionais dos servidores.

    De um lado, a administração pública precisa ter a flexibilidade para, no curso da apuração, corrigir e ajustar o enquadramento jurídico dos fatos, especialmente quando a conduta inicialmente tipificada é melhor caracterizada por outro dispositivo legal. 

    Isso evita que o processo se torne rígido ou ineficaz, permitindo que o comportamento do servidor seja adequadamente apurado e sancionado.

    De outro lado, é imprescindível que essa flexibilidade não signifique prejuízo à defesa do servidor. É aqui que o entendimento da Súmula 672 adquire maior profundidade: a simples alteração da capitulação legal não pode gerar a nulidade do processo, desde que o servidor tenha plenas condições de se defender da nova imputação. Em última análise, o que se protege é o direito de defesa, e não a rigidez do enquadramento jurídico.

Impactos da Súmula n. 672 na Prática

    Na prática, a Súmula n. 672 tem um impacto significativo tanto para a administração pública quanto para os servidores. 

    Para a administração, a súmula oferece maior segurança jurídica na condução de processos administrativos disciplinares. Alterações na capitulação legal, muitas vezes inevitáveis no decorrer da instrução processual, deixam de ser temidas como potenciais causas de nulidade do processo.

Já para os servidores públicos, a súmula também oferece garantias, pois deixa claro que a simples alteração da capitulação não viola seus direitos, desde que o devido processo legal seja respeitado. 

    Nesse sentido, a defesa deve estar atenta para assegurar que toda e qualquer alteração seja devidamente comunicada, e que o servidor tenha a oportunidade de exercer sua defesa em relação à nova tipificação.

Conclusão

    A Súmula n. 672 do STJ consolida um importante entendimento para o Direito Administrativo Disciplinar, trazendo clareza e segurança jurídica aos processos administrativos. Seu principal mérito é o de balancear a necessidade de eficácia na apuração de condutas irregulares com a preservação dos direitos fundamentais dos servidores, especialmente o direito ao contraditório e à ampla defesa.

    Essa súmula não impede que o servidor seja reclassificado juridicamente, mas também não permite que isso ocorra sem as devidas garantias constitucionais. Assim, o STJ reforça a ideia de que o processo administrativo deve ser instrumento de justiça e equidade, e não um mero formalismo que, ao menor sinal de irregularidade, anule todo o procedimento, comprometendo o interesse público.

    Em suma, a Súmula 672 busca assegurar que o foco principal do processo disciplinar continue sendo a busca pela verdade e pela justiça, sem desconsiderar a necessária observância aos direitos de defesa. Isso oferece uma importante orientação tanto para a administração pública quanto para os servidores, contribuindo para um processo administrativo mais eficiente e justo.

Arrematação e Dívidas Anteriores: O Que a Decisão do STJ no Tema 1.134 Significa para os Compradores de Imóveis em Leilão

     Imagine a situação: você se torna o arrematante de um imóvel em leilão judicial. O preço é justo, a localização é ótima, e tudo parece...

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